GESTÃO DE PROCESSO: A PROPOSIÇÃO DE UM MODELO DE ANÁLISE

PROCESS MANAGEMENT: PROPOSAL OF AN ANALYSIS MODEL

GESTIÓN DE PROCESO: PROPOSICIÓN DE UN MODELO DE ANÁLISIS

Carlos Honorato Schuch Santos
Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Brasil
Celmar Corrêa de Oliveira
Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS), Brasil
Juliano Prado Stradioto
Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Brasil
Rafael Bernardy
Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS), Brasil

GESTÃO DE PROCESSO: A PROPOSIÇÃO DE UM MODELO DE ANÁLISE

Contextus – Revista Contemporânea de Economia e Gestão, vol. 15, núm. 1, pp. 122-148, 2017

Universidade Federal do Ceará

Recepção: 30 Janeiro 2017

Aprovação: 25 Setembro 2017

Resumo: O poder da União, dos estados e dos municípios está vinculado às funções administrativas delegadas a essas instâncias. O objetivo de qualquer atividade administrativa é a criação e manutenção de instituições públicas capazes de exercer as demandas coletivas da população. Para isso, os órgãos e instituições públicas precisam estar submetidos a um rigoroso e permanente controle por parte de toda a sociedade. O controle administrativo necessita ser eficaz, bem como transparente na execução de projetos públicos. Este artigo tem como objetivo a proposição de um modelo de análise para avaliação e gestão de projetos públicos. A construção da proposta se apoiou em uma base bibliográfico-documental. O resultado do trabalho identifica dois tipos de transparência, chamados respectivamente de fase transparente e fase opaca. Este trabalho faz parte de uma pesquisa maior que pretende avaliar o grau de transparência dos processos.

Palavras-chave: Estado, Gestão pública, Gestão de projetos, Eficaz, Transparência.

Abstract: The power of the Union, the states, and the municipalities is linked with the administrative functions delegated to these bodies. The goal of any administrative activity is the creation and maintenance of public institutions capable of meeting the population’s collective demands. To exercise this function, public bodies and institutions must be subjected to the strict and permanent control by the whole society. Administrative control of public projects execution must be effective and transparent. The aim of this paper is to propose an analytic model for the assessment and management of public projects. The development of the proposal was based upon a bibliographic-documentary research. The result identifies two types of transparency: the transparent phase and the opaque phase. This work is part of a larger study conducted to assess the degree of transparency of processes.

Keywords: State, Public Management, Project Management, Effective, Transparency.

Resumen: El poder de la Unión, los estados y los municipios está vinculado a las funciones administrativas delegadas a esas instancias. El objetivo de cualquier actividad administrativa está conectado a la creación y manutención de instituciones públicas capaces de ejercer las demandas colectivas de la población. Para ello, los órganos y las instituciones públicas necesitan estar sometidos a un rigoroso y permanente control por toda la sociedad. El control administrativo necesita ser eficaz, así como transparente en la ejecución de proyectos públicos. Este artículo tiene como objetivo la proposición de un modelo de análisis para la evaluación y gestión de proyectos públicos. La construcción de la propuesta fue fundamentada en una base bibliográfico-documental. El resultado del trabajo identifica dos tipos de transparencia, llamados respectivamente de fase transparente y fase opaca. Este trabajo es parte de una investigación mayor que pretende evaluar el grado de transparencia de los procesos.

Palabras clave: estado, Gestión pública, Gestión de proyectos, Eficaz, Transparência.

1 INTRODUÇÃO

As funções atribuídas ao estado, em geral, representam o exercício soberano de sua vontade. Esta, a partir de certo momento, passou a exprimir-se na forma de normas jurídicas, introduzidas pela administração pública. Um resultado efetivo e eficaz das atividades administrativas está condicionado tanto à existência de instituições públicas aptas a exercer suas competências legais, quanto à existência de um estado em harmonia com o princípio da legalidade. Trata-se aqui do que se considera hoje estado democrático de direito (EDD) (POCHMANN, 2017), orientado para o bem comum e devidamente contratualizado com a sociedade por meio constitucional. O EDD consiste necessariamente em uma organização complexa, pois precisa perseguir, simultaneamente, objetivos potencialmente conflitantes: por um lado, satisfazer necessidades coletivas; por outro, garantir e promover direitos fundamentais dos indivíduos. Concebe-se a administração de um EDD como o conjunto de órgãos e pessoas jurídicas aos quais a lei atribui a função administrativa e o conjunto de atividades concretas e imediatas desenvolvidas para atender os interesses coletivos. Paralelamente, é necessário que tais órgãos e pessoas estejam submetidos a um processo permanente de controle por parte da sociedade.

Um tema emergente, hoje, é a questão do tamanho e da fronteira do EDD. Para fornecer insumo ao debate, que muitas vezes envolve apenas argumentos ideológicos, é preciso determinar como estão funcionando o estado e sua administração ou, mais especificamente, qual a efetividade das ações por ele empreendidas (VASCONCELOS et al., 2017). Embora se possa discutir o fato de que o estado não necessita ser o responsável direto pelo crescimento e desenvolvimento das suas comunidades (DALLABRIDA, 2011), é indiscutível que a administração deve gerar resultados relacionados com os objetivos da sua gestão, sejam eles suficientemente conhecidos ou não pela coletividade. Precisam, no entanto, ser transparentes, para que o EDD possa aspirar à condição de democrático. Dito de outra forma: a transparência das atividades do estado é condição necessária, embora insuficiente, para a gestão democrática da administração pública.

Com a promulgação da Lei de Acesso à Informação (LAI), o estado e a sociedade deram passos firmes em direção à transparência. A LAI, que entrou em vigor em 2012, define princípios, diretrizes e deveres a ser observados quanto à disponibilidade de informações relativas ao funcionamento de órgãos e entidades do setor público. O governo federal, através do seu Portal da Transparência, divulga informações relativas ao Plano Plurianual (PPA), mas de forma ainda insuficiente, pois elas se limitam àquelas de caráter orçamentário e financeiro. Não são oferecidas outras que “possibilitem o monitoramento e a avaliação dos resultados concretos do programa” (OLIVEIRA JR.; JORDÃO; CASTRO JR., 2014). O desejável seria que as informações, transparentes, fossem abordadas como direito fundamental e princípio da administração pública, como quer a LAI. Para isso, as informações orçamentárias e financeiras seriam apenas um lado da questão. Deveria ter igual importância determinar o grau de efetividade obtido das atividades e dos projetos das diferentes organizações do setor público.

Como esclarecimento conceitual, atividades consistem em ações classificadas como orçamentárias, necessariamente ligadas a um “programa”. Uma ação, nesse sentido, é um instrumento de programação que contribui para alcançar o objetivo de um programa. Diferentemente do projeto, a atividade é uma operação contínua voltada à manutenção da ação de governo. O conjunto de atividades está relacionado com os serviços públicos: “a face mais concreta do estado e a principal vitrine do desempenho governamental” (BONIFÁCIO; SCHLEGAL, 2012).

A boa governança no setor público não pode, dessa forma, esquecer do princípio da transparência, pois é ele que vai mostrar não só a efetividade, mas também o esforço do órgão público em realizar as atividades que dele se espera. Sendo mais transparente e mostrando mais do que as informações financeiras, a gestão pública tem a oportunidade de chamar a comunidade para discutir os próprios processos operacionais ligados a uma determinada atividade de governo e do próprio funcionamento do estado (MARTINS-SILVA; SILVA; SILVA JUNIOR, 2016).

Portanto, as diferentes atividades que, reunidas, podem definir-se como processos, precisam ser gerenciadas, especialmente na esfera pública, de forma a gerar um ambiente propício a alavancar a efetividade delas, desde que se minimizem as necessidades orçamentárias e se maximize a satisfação dos indivíduos (cidadãos) (LUBELL et al., 2017). Para tanto, as organizações deveriam contar com uma “gestão de processos” que monitore, avalie e redesenhe os processos operacionais de forma continuada (FOWLER; BIEKART, 2017).

Nessa perspectiva, o problema teórico do presente trabalho é: quais são e como se relacionam as diferentes etapas que deveriam estar contempladas em um processo organizacional para que ele seja considerado efetivo? Para dar um passo inicial em direção à resposta dessa questão, o objetivo aqui é desenhar um modelo de gestão de processos público que identifique suas etapas mais importantes. A construção teórica desse modelo, como se apoia na “forma como é feito” e também na “forma como deveria ser feito”, usa como base a matriz eficiência × eficácia e a matriz valor, para definir o que se chamará aqui de fase opaca e fase transparente.

2 METODOLOGIA

Esta pesquisa pode ser classificada como qualitativa, nos termos de Côrrea et al. (2012). Possui natureza exploratória em relação ao seu procedimento técnico, tendo em vista a não utilização do rigor estatístico nas análises.

A etapa inicial do trabalho consistiu na construção de um modelo que serviu de protótipo para observar um posto de saúde em uma cidade da região metropolitana de Porto Alegre. Na segunda etapa, observou-se o funcionamento dos diferentes processos do posto de saúde e, na terceira, escolheu-se um processo específico, indicado pela direção e representativo do funcionamento como um todo. A intenção aqui foi mapear como o processo ocorria (situação real) e como ele poderia ocorrer (situação ideal). Na quarta e última etapa, voltada à construção do modelo, foram determinadas tanto as etapas e fases do que se chamou modelo ideal, quanto as relações entre as diferentes etapas.

3 GESTÃO DE PROCESSOS

A estrutura da administração pública brasileira no período colonial foi herdada dos sistemas existentes em Portugal e na Espanha, reinos que estiveram unificados por sessenta anos (1580-1640). Nos séculos XVI e XVII, as monarquias da Europa já haviam substituído a descentralização dominante na Idade Média, expandindo a burocracia estatal, condição necessária para concentrar o poder do estado. Espanha e Portugal fizeram uso da burocracia não só para exercer tal centralização, mas também para angariar apoio e isolar desafetos. Embora a aristocracia tivesse um papel destacado nos governos reais, a burocracia abriu espaço para servidores e funcionários de origem plebeia, em especial no sistema judiciário.

A França napoleônica, ao romper com o sistema anterior, foi, de certa forma, uma referência para o mundo ocidental ao selecionar seus burocratas por competência e conhecimento e não mais por sangue. Paralelamente, os portugueses eram treinados na tradição do direito romano, no respeito à “letra da lei”. Esta é a origem de uma das características da administração pública brasileira: o formalismo legal. Embora pressuponha impessoalidade, foi combinado com um sistema de acomodação das demandas pessoais, base do clientelismo. Este consiste na troca de favores entre os detentores de poder político e aqueles que desejam ter acesso a parte desse poder. Para Max Weber, essa relação é definida como “patrimonialista” (ANDREWS; BARIANI, 2010).

A crise estatal do final do século XX afetou a organização das burocracias públicas, principalmente dos estados considerados EDD. Os governos passaram a dispor de menos recursos e a gerar mais déficits e tornaram-se incapazes de atender as demandas sociais de maneira satisfatória. Com isso, iniciou-se um processo de transformação, com a introdução da reforma da gestão pública e a adoção do “modelo gerencial” (BRESSER PEREIRA, 2006).

A administração pública gerencial (APG) surgiu no final do século XX, como resposta à expansão das funções econômicas e sociais do estado, ao desenvolvimento tecnológico (OHMAE, 2006) e à globalização da economia mundial (BECK, 1999). Inovou ao estabelecer a definição precisa dos objetivos que a administração deve atingir em sua unidade, a autonomia do administrador na gestão dos recursos (humanos, materiais e financeiros), o controle ou cobrança a posteriori dos resultados, a competição entre os órgãos, a descentralização e, também, a redução de níveis hierárquicos e maior participação dos agentes privados. A APG, então, busca a “eficácia”. Embora alguns dos seus críticos mostrem vinculações não desejáveis entre a APG e a volta de um sistema mais liberal, apoiado nas ideias de A. Smith (FIORI, 1999), ou a deterioração da democracia local (RODRIK, 2011), certo é que a APG pode e deve ser considerada um fato dentro do contexto histórico da administração pública brasileira.

A APG ou qualquer outra forma de administração pública que tente superar os entraves e disfunções do sistema burocrático anterior precisa investir no redesenho dos processos operacionais e, simultaneamente, desenhar novas competências para geri-los. Isso significa investir na “gestão de processos” (WEIBLE, CARTER; 2017).

A gestão por processos tem-se tornado cada vez mais determinante na busca de maior efetividade organizacional. Atualmente, as organizações sofrem com a pressão por melhores resultados, principalmente as públicas. Esse modelo de gestão pressupõe que a racionalização de processos e uma estrutura interna ágil podem-se obter com o foco na eliminação de defeitos, desperdícios e barreiras dentro da organização. Visualizar, mapear e descrever como se realiza cada atividade permite não só maior padronização, mas também melhoria contínua com o objetivo de evitar: retrabalhos e atividades sem valor agregado; tempo de espera; transporte ou movimentação física desnecessários; execução incorreta; erros; desperdício da criatividade dos funcionários (TCU, 2012).

O mapeamento das atividades agrega outro importante insumo para a gestão: é uma forma de a organização conhecer-se e ver-se como um todo. Esses dois elementos impactam ou podem impactar fortemente a organização, por mostrar como ela está agindo para atingir seus objetivos. Para as organizações públicas, a busca de maior eficácia deve estar de acordo com o ordenamento jurídico, o que reforça a segurança jurídica do EDD.

Na administração pública, os produtos e/ou serviços de interesse da coletividade são criados para atender ou satisfazer as necessidades da sociedade – no caso o cidadão, o usuário, o contribuinte – através de atividades estruturadas de forma que o recurso público aplicado resulte no máximo ganho social. Para Kanaane et al. (2010, p. 43), a administração pública precisa, inclusive, garantir que todas as organizações, mesmo as privadas, atuem conforme o interesse público, atendendo os requisitos exigidos para o alcance do bem comum. Por outro lado, Bergue (2014, p. 172) mostra que a gestão por processos na administração pública implica uma redução da tendência natural de os departamentos se comportarem como “espaços restritos de exercício de poder” e oportuniza a compreensão integral da cadeia de produção de valor público.

Buscando entender melhor o conceito de processo, este consiste, segundo Davenport (1994, p. 6), em um conjunto de atividades estruturadas e medidas cujo resultado é um produto especificado para um cliente e/ou mercado determinado, com ordenação no tempo e no espaço das atividades de trabalho com um começo e um fim claramente definidos. Já para Harrington (1993, p. 10), processo é qualquer atividade ou conjunto de atividades que adiciona valor a um input e gera um output a um cliente específico. Para Henry J. Johansson et al. (1993, p. 55), processo é um conjunto de atividades ligadas que tomam um insumo input e o transformam para criar um resultado output. Hammer e Champy (1994, p. 24) afirmam que o “processo é uma inclusão de fatores de resultados; desta forma, é um grupo de atividades realizadas em uma sequência lógica com objetivo de produzir um bem ou serviço que tem valor para um grupo específico de clientes”.

As definições de processo aqui apresentadas vêm da tradição da engenharia e são ainda utilizadas na indústria, onde se entra com matéria-prima e, através de um processo, chega-se a um produto final. Nessa visão, os processos também possuem início e fim definidos (CARRARA, 2007, p. 30). Também se pode adotar essa ideia de fluxo de trabalho no caso de processos de serviço, em função do significativo crescimento nos últimos anos deste setor no Brasil. No caso da administração pública, sua atuação se dá, em grande parte, na prestação de serviços aos cidadãos. A gestão por processos pode ser definida, então, de acordo com Oliveira (2008, p. 139), como:

Enfoque administrativo aplicado por uma organização que busca a otimização e melhoria da cadeia de processos, desenvolvida para atender necessidades e expectativas das partes interessadas, assegurando o melhor desempenho possível do sistema integrado a partir da mínima utilização de recursos e do máximo índice de acerto.

Não basta mapear os processos e deixá-los funcionando. É preciso gerenciá-los, identificar possíveis melhorias e adequá-los às legislações e normas na busca do uso racional dos recursos disponíveis para a obtenção do máximo ganho social.

A adoção da gestão por processos requer que toda a estrutura organizacional seja revista periodicamente e que os recursos e os fluxos de trabalho sejam organizados em função dos processos da empresa. A adoção de tal estrutura implica definir os processos centrais e os de suporte, com os seus respectivos responsáveis, rever os fluxos de trabalho visando à redução de atividades que não agreguem valor e garantir que a organização e a realização do trabalho estejam em consonância com os propósitos da organização.

Para a Fundação Nacional de Qualidade (FNQ), os processos que agregam valor para a organização são aqueles que geram benefícios para os clientes, para o negócio da organização e para as outras partes interessadas – os stakeholders (FNQ, 2008). Qualquer processo, do mais simples ao mais complexo, ou qualquer atividade de um processo que não agregue valor para a organização deve, em teoria, ser eliminado. Da perspectiva do just-in-time, que classifica o trabalho, ou as atividades, em efetivas (as que agregam valor), adicionais (necessárias, mas que não agregam valor) e perdas (nem necessárias nem capazes de agregar valor), a gestão de processos pode ser vista como uma preocupação permanente de avaliação e eliminação do que se pode classificar como perda.

Para que se possa operacionalizar a gestão das diferentes atividades de um processo, seria conveniente que tivesse um conjunto de critérios que apoiasse a avaliação e/ou eliminação de atividades que não agregam valor ou que agregam valor de forma insuficiente. Para perseguir esse objetivo é apresentado, na próxima seção, uma matriz nomeada de “eficiência × eficácia”.

4 POLÍTICAS PÚBLICAS E PROCESSOS: A MATRIZ EFICIÊNCIA × EFICÁCIA

As definições de gestão por processos são claras ao apresentar a relação direta do sucesso do operador com a sua responsabilidade e com a racionalização e otimização dos processos. Essa ideia precisa estar presente nas atividades da administração pública, uma vez que os resultados desta afetam a vida das pessoas. Tanto o adequado marco legal como a efetividade são pré-condições necessárias para atender os interesses da sociedade e afetar positivamente a vida das pessoas.

Nas políticas públicas, os processos podem ser considerados centrais para que as operações se tornem viáveis, eficientes e eficazes. Entretanto, assim como é quase impossível redesenhar apenas um processo em função das suas ramificações no interior de uma organização, isso também vale para uma política pública na cadeia de suprimentos, onde há uma inevitável interação entre várias organizações. Nesse sistema dinâmico, normalmente o fim de um processo representa o início de outro. Assim, não é possível analisar processos sem identificar claramente suas relações com o ambiente interno e externo das organizações a que pertencem. Tanto estão expostos à cultura, aos objetivos, às estratégias, às normas e às políticas da organização (VAZ, 2008), quanto à regulação externa, à tecnologia disponível e aos condicionantes econômicos, culturais e sociais.

Atualmente, algumas instituições públicas, dentre as quais o Tribunal de Contas da União (TCU) – órgão de controle externo sobre a administração pública federal –, faz uso e sugere o uso da gestão por processos de trabalho nas demais instituições públicas, de forma a alcançar patamares cada vez mais altos de excelência na gestão. Em uma organização de ponta, os processos devem ser mapeados e constantemente melhorados com o objetivo de evitar retrabalhos, erros e falhas na execução e reduzir custos por meio de maior racionalização e otimização. Entre os principais benefícios defendidos pelo TCU estão os nove seguintes: a) identificação e eliminação do retrabalho; b) eliminação de etapas desnecessárias; c) padronização dos produtos; d) redução de custos e tempo empregado em determinadas tarefas; e) aumento do valor agregado dos produtos; f) redução do tempo dos processos; g) redução do tempo de treinamento de novos servidores para executar as tarefas; h) melhoria dos indicadores de desempenho; e i) aumento da satisfação do cliente (TCU, 2012).

A gestão por processos, para se incorporar à administração pública, precisa colocar como objetivos a ser atingidos incrementos de desempenho que possam ser avaliados com base nos conceitos de efetividade e eficiência. Os benefícios defendidos pelo TCU precisam, dessa forma, gerar incrementos de eficiência (∆e↑) e de efetividade (∆E↑). É curioso notar que, dos nove benefícios, sete impactam teoricamente na eficiência (a, b, c, d, e, f, g) e apenas um impacta teoricamente na efetividade (i). Quanto ao benefício h (melhoria dos indicadores de desempenho), pode contemplar, em tese, tanto eficiência como efetividade, dependendo do “indicador de desempenho” especificado. Dito isso, fica evidente que a intensidade da busca por eficiência é maior do que a da busca por efetividade, apesar do discurso gerencialista do TCU.

Considerando que eficiência (e1) e eficácia (e2) podem ser consideradas variáveis ortogonais, pois e1 foca no processo, enquanto e2 foca no resultado, pode-se construir uma matriz e1 × e2 (Figura 01), onde se atribuem resultados melhores (+) e piores (-) para as duas variáveis da matriz.

Matriz Eficiência × Eficácia (e1 × e2)
Figura 01
Matriz Eficiência × Eficácia (e1 × e2)
Fonte: elaborado pelos autores.

Tomando como referência a matriz e1 × e2, o cenário desejável de incremento de efetividade pode ser alcançado mediante incrementos simultâneos de eficiência e eficácia. Na matriz, a situação desejável aparece no quadrante superior direito. O modelo puramente burocrático, centrado apenas na eficiência das normas legais, dificilmente responde de forma satisfatória aos cidadãos e usuários dos processos organizacionais. Paralelamente, o modelo gerencialista, centrado apenas na eficácia, dentro da lógica de que “os fins justificam os meios”, da mesma forma que o anterior, dificilmente pode ser considerados efetivo.

Outro ponto que não pode ser esquecido é que a variável “tempo” é fundamental para uma efetiva gestão de processos. Dito isso, na seção seguinte, busca-se mostrar que o desempenho das atividades e do processo como um todo sofre variação ao longo do tempo.

5 NORMATIZAÇÃO E MELHORAMENTO

A implementação da gestão por processos em uma organização, especialmente nas públicas, necessita concentrar-se simultaneamente em dois alvos: a) institucionalização dos processos através da criação normatizada de atividades e microprocessos, para que a organização respeite o preceito da impessoalidade e não fique refém das vontades e humores dos seus servidores; e b) incorporação do melhoramento constante dos processos para que estes atendam os anseios dos usuários que, da mesma forma que as condições ambientais, modificam-se permanentemente. Então, os processos de trabalho precisam ter uma vida útil e, ao lado dela, avaliar a sua responsabilidade para determinar o momento mais oportuno para a mudança.

Alguns elementos são fortes indicadores desses momentos de mudança, como, por exemplo, o surgimento e a implementação de uma nova tecnologia ou novo conhecimento, a ampliação ou redução de determinado serviço, a relocalização de um serviço. Para melhor identificar os dois pontos considerados importantes na gestão dos processos (o crítico e o da mudança), pode-se construir um gráfico em que uma coordenada é o tempo e a outra, o desempenho do processo (Figura 02). Isso posto, o primeiro passo para construir o modelo proposto é identificar dois pontos: o crítico (PC); e o de mudança (PM).

Desempenho × tempo
Figura 02
Desempenho × tempo
Fonte: elaborado pelos autores.

Uma vez atingido o PM, os gestores que, teoricamente, já desencadearam uma avaliação das diferentes atividades do processo (avaliação local), bem como a continuidade do próprio processo (avaliação global) precisam implementar as mudanças. Em princípio, quando se implanta um processo, o seu resultado tende a melhorar com o passar do tempo (curva de aprendizagem), mas, a partir de um determinado ponto, ele tende a se comportar, em função de vários fatores internos e externos, como uma curva descendente (menor responsividade). É nesse momento que se precisa pensar em mudar. De forma intuitiva ou não, as organizações o conhecem: o PC. O PM, por sua vez, é determinado pelos usuários do sistema em função do que consideram desempenho mínimo aceitável (D mín.). O tempo que separa o PC e o PM é o que a organização possui para desenhar e testar a funcionalidade e os resultados potenciais desse novo desenho de processo.

A gestão de/por processos tem como foco central a padronização integrada de toda a cadeia de negócio, sendo, portanto, um modelo sistêmico e oposto à administração departamentalizada (MOURA, 2002). Tal padronização visa levar até o operador do processo, da forma mais rápida e simples, todas as informações relevantes ao desempenho de sua atividade (CAMPOS, 2004).

Gianesi e Corrêa (1994), autores nacionais pioneiros no estudo operacional dos serviços, identificam sete interfaces para operações: a) projeto; b) recursos humanos; c) planejamento e controle; d) manutenção; e) suporte; f) distribuição; e g) controladoria. Comenta-se, pouco adiante, esse conjunto de itens. Para Kanter (1997), a rápida inovação dos processos pode resultar em capacitações melhoradas, o que leva Gonçalves (2000, p.14) a concluir que os processos são a fonte específica da organização.

O segundo passo da construção do modelo proposto é identificar os sistemas que sustentam o próprio processo. São eles: a) desempenho – processo (A); b) desempenho – recursos logísticos (B); e c) desempenho – recursos tecnológicos (C), conforme a Figura 03.

Gestão de processos
Figura 03
Gestão de processos
Fonte: elaborado pelos autores.

Esse modelo de gestão pode, então, ser considerado um processo que harmoniza a disponibilidade dos recursos logísticos com a dos tecnológicos para atingir um produto organizacional (resultado) esperado pelos seus usuários e, paralelamente, usar esse desempenho atingido para reorganizar ou reorientar o processo. Retomando rapidamente as sete interfaces de Gianesi e Corrêa (1994), quase todas estão contempladas na tipologia aqui proposta, pois os “recursos logísticos” englobam os itens ‘a’, ‘c’, ‘d’, ‘f’, acrescidos de “informação” ou “dados”, enquanto os recursos tecnológicos englobam os itens ‘b’ e ‘g’, acrescidos do “conhecimento” para operar o sistema. Portanto, o modelo proposto é um pouco mais abrangente do que o formulado por Gianesi e Correia (1994).

A gestão de processos precisa gerenciar um sistema composto por quatro fluxos: A) um direto (P-PO-D) (processo-produto organizacional-desempenho); e B) três fluxos reversos: A, B e C. O desempenho (D), última etapa do fluxo direto, está diretamente relacionado com a expectativa dos usuários em relação ao serviço prestado, sendo suas necessidades ou desejos fortes componentes na criação da expectativa. Portanto, a criação do desenho do processo operativo do serviço não pode considerar apenas aspectos internos da organização. As instituições públicas precisam gerar resultados desejáveis já previstos em lei (atender as demandas do usuário e/ou da coletividade), mas precisam, paralelamente, atender o usuário e/ou a coletividade conforme as expectativas por ele e ela geradas. E, muitas vezes, apenas uma simples informação para o usuário do sistema se torna fundamental. Entretanto, na maioria das vezes, tal informação não chega ao usuário ou à coletividade.

Têm-se, assim, um problema inevitável a ser adequadamente “resolvido” pelos operadores dos processos, quando uma “demanda” contraria uma expectativa do serviço. É nessa hora que se pode avaliar a importância da transparência na arquitetura dos processos, pois com ela se podem utilizar os resultados com as expectativas do próprio serviço. É em função de questões como essas que os processos, apesar da sua necessidade de formalização, precisam contemplar certo grau de flexibilidade. Gianesi e Correia (1994) listam sete possibilidades de flexibilidade: a) projeto de serviço; b) pacote de serviço; c) data de fornecimento do serviço; d) local de fornecimento do serviço; e) volume de serviço; f) robustez do sistema de operações; e g) recuperação de falhas.

Os fluxos reversos do sistema (A, B e C) servem para realinhar o processo (A), adequar os recursos logísticos (B) e programar os recursos tecnológicos (C). O fluxo direto (P – PO e PO – D) formam junto com os reversos (A, B e C) sistemas autorreforçadores, capazes de gerar ciclos virtuosos ao conseguirem disponibilizar, por exemplo, recursos logísticos mais adequados à realização dos processos e produtos organizacionais. Por outro lado, tais sistemas podem gerar ciclos viciosos quando a situação é inversa. Desejável seria que os três sistemas autorreforçadores funcionassem como fluxos de sustentação do incremento de efetividade.

Os processos, mesmo se tidos como adequados em determinados local e momento histórico, não se encaixam necessariamente em outras circunstâncias. Os processos operativos precisam ser permanentemente adaptados para continuarem atingindo, no mínimo, o mesmo resultado. No entanto, não faz parte da natureza dos operadores, nas diferentes fases do processo, essa busca permanente pelo melhoramento (que os japoneses chamam de “kaizen”). É mais cômodo e confortável considerar a operação imutável e perfeito para aquela situação, deixando muitas rotinas burocratizadas sobreviver bem além da sua real necessidade. Isso provém, às vezes, da incapacidade do operador em enxergar o valor agregado do produto organizacional da sua atividade, mas – em muitas outras ocasiões – do seu receio em perder o poder dentro do processo. Seja como for, o mais natural é, diante da estabilização – formal ou não – de um processo, os participantes tenderem a repeti-lo de forma mecânica. Pior é o isomorfismo organizacional que se reflete na pronta cópia, sem discussão, de atividades de um processo tomado como referência.

Outra questão importante envolvendo processos operativos nas instituições públicas é que, embora eles possam e devam ser rotinizados por um período de tempo, os usuários são indivíduos com necessidades únicas, que exigem atendimentos diferenciados. O problema reside, então, em normatizar um processo com flexibilidade suficiente para ajustar-se às demandas customizadas. Nesse sentido, é preciso treinar os operadores para tomar decisões que não desconfigurem o próprio processo, mas, por outro lado, não usem o formalismo extremo para deixar de atender adequadamente as diferentes demandas. Paralelamente, um processo operativo, seja ele qual for, precisa estar ligado a processos infraestruturais, tais como: compras, manutenção de equipamentos, treinamento de operadores dos processos etc.

Quando for descrever, avaliar e redesenhar um processo operativo, pode-se utilizar o que aqui se chama matriz valor (MV) (Figura 04). O eixo vertical da matriz (‘Origem’) mostra três fatores de geração das atividades: a) legal; b) da cadeia; c) local. A origem legal refere-se a uma exigência legal (ex.: assinatura do médico responsável pela intervenção cirúrgica). A origem da cadeia, por sua vez, consiste em uma exigência externa ao processo operativo, que pode ser outro processo da própria organização (ex.: quantidade mínima a ser comprada de um determinado objeto). A origem local, por fim, foi pensada e desenhada em função de uma necessidade (ou vontade) dos gestores do processo operativo. O eixo horizontal da matriz (‘Valor’) mostra duas situações: a) agrega valor; e b) não agrega valor. A atividade agrega valor quando a sua realização interfere positivamente nos atributos do produto/serviço no final do processo operativo. Quando isso não acontece, a atividade é considerada como não agregadora de valor.

Matriz Valor (MV)
Figura 04
Matriz Valor (MV)
Fonte: elaborado pelos autores.

Na representação gráfica da MV, há cinco situações possíveis a serem gerenciadas: a) eliminar; b) melhorar; c) negociar para eliminar; d) negociar para melhorar; e e) ajustamento. Tal forma de identificar as diferentes estratégias gestoras de processos inspirou-se no conceito de lean thinking (WOMACK; JONES, 2006), por sua vez, uma resposta do mundo ocidental (Estados Unidos, principalmente) à emergência do sistema japonês de produção criado por Ohno, Toyoda e Schingo, depois da II Guerra Mundial.

As atividades dos processos operativos com origem legal devem ser mantidas e ajustadas para cumprir as exigências com um mínimo de esforço organizacional possível. As atividades que não agregam valor, mas existem em função das exigências de outro processo interno ou de uma exigência externa precisam ser negociadas para sua eliminação. As atividades que não agregam valor, mas possuem origem na necessidade ou vontade dos arquitetos ou operadores do processo precisam ser sumariamente eliminadas, embora sejam elas a encontrar maior resistência, em função do desequilíbrio de poder interno que podem gerar. As atividades que agregam valor e possuem origem na cadeia (interna ou externa) podem sempre ser melhoradas em função de uma negociação, dentro da ideia do “kaizen”, enquanto as que possuem origem no próprio processo precisam ser mantidas ou melhoradas, em função das variáveis conjunturais que as envolvem.

Depois de discutir a efetividade e a variação do desempenho ao longo do tempo, bem como as estratégias gestoras para as diferentes atividades do processo como um todo, não se pode desconsiderar a forma como esses próprios elementos precisam ser gerenciados. Isso vale especificamente para os legitimadores de toda a gestão e das suas mudanças, especialmente nas organizações públicas, a serem discutidas na próxima seção.

6 TRANSPARÊNCIA E PARTICIPAÇÃO

A Constituição Federal, a Lei de Transparência Pública e a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), ao tratarem de transparência, limitam-se a questões orçamentárias e financeiras. Concentram-se, dessa forma, no início e no final dos processos. Ressalvada a LRF, cujo foco apenas fiscal se justifica pela proposta da lei, impõem-se à legislação duas questões: a) a do princípio de transparência, com eventuais consequências; e b) a diferença conceitual entre transparência e divulgação.

O princípio da transparência busca franquear ao público o acesso à informação de modo confiável, abrangente e comparável (CRUZ, 2014). Em princípio, em função da limitação da transparência aos aspectos financeiros, as informações são orçamentárias e fiscais. Antes das decisões orçamentárias, no entanto, existe um conjunto de critérios e decisões que vão determinar as escolhas orçamentárias. Ora, nem os projetos nem as atividades mostram os critérios políticos ou as técnicas utilizadas para investir em ampliar ou realizar determinado programa. Quanto às decisões, sabe-se que a fase orçamentária é posterior às fases de escolha das prioridades governamentais. Em tese, o Plano Plurianual (PPA) deveria expressar o planejamento de médio prazo e evidenciar os programas de trabalho do governo (SANTOS, 2014, p. 64), podendo mostrar, por exemplo, os resultados esperados para os indicadores de desempenho não financeiros (conhecimento, operacional e satisfação). Estes, por sua vez, poderiam ser utilizados para motivar a intensidade no melhoramento de processos operacionais e de atividades.

Tão importante quanto ser transparente, portanto, é disponibilizar mecanismos de participação efetiva para avaliar e reconstruir os processos operativos. Para possibilitar isso, os diferentes stakeholders precisam conhecer os indicadores de desempenho dos processos, juntamente como as metas relacionadas. E os indicadores precisam estar suficientemente articulados para que se possa fazer uma avaliação tanto de cada atividade, como do processo como um todo.

Mesmo sabendo que a escolha dos critérios, das decisões políticas e das técnicas é um processo não linear que inclui outras variáveis, pode-se considerar, simplificadamente, que os processos apresentam fases com atividades opacas e transparentes. A Organização das Nações Unidas (ONU), desde 2004, preocupa-se em avaliar e medir a transparência com um indicador chamado Índice de Desenvolvimento de Governo Eletrônico (EGDI), formado por três dimensões: a) prestação de serviços on-line; b) conectividade de telecomunicação; e c) capacidade humana. A ONU confecciona um ranking de e-governo para avaliar a performance dos países por ela analisada. O Brasil, historicamente, ocupa uma posição em torno da 60ª em um universo um pouco inferior a 200, o que pode ser considerada uma posição nada invejável.

Para entender melhor essa posição na América Latina, o Uruguai, o Chile, a Argentina, a Colômbia e a Costa Rica estão melhor classificados. O indicador absoluto do Brasil, no entanto, está muito próximo da média regional e mundial. A pesquisa realizada pela ONU avalia as ferramentas informacionais que oportunizam a redução da opacidade do sistema. São elas: a) características técnicas dos sites; b) políticas de governo eletrônico; e c) as estratégias aplicadas por setores específicos de prestação do serviço (UN, E-G 2014). Levando em conta a dimensão dos processos nas organizações públicas e a complexidade do conjunto, as ferramentas de e-government seriam desejáveis para operacionalizar a transparência e a participação. Não existe, contudo, relação linear direta entre transparência e e-government, mas uma tendência crescente na vontade de participação, pois “vem ocorrendo uma variação positiva na intensidade de interferência da sociedade nas questões que dizem respeito aos interesses coletivos” (MATIAS-PEREIRA, 2012, p. 271), e as ferramentas eletrônicas de e-government são uma boa oportunidade de alavancar tanto a transparência como a participação.

Quanto à diferença entre transparência e divulgação, para a Constituição Federal, “não basta a divulgação dos atos e dos números da gestão, mas é necessário que esta seja efetuada de forma que a população em geral tenha condições de interpretá-las” (CRUZ, 2014, p. 218). Nessa linha de raciocínio, os gestores precisam desenvolver mecanismos efetivos de transparência, que nem sempre precisam se limitar às audiências públicas. É preciso que, de fato, as comunidades participem na elaboração dos projetos e na reconstrução das atividades. Cada programa e cada organização precisam desenvolver uma forma de transparência que estimule a participação.

7 CONSTRUINDO UM MODELO

Quando se desenha e depois implementa um processo operativo na administração pública, várias atividades (ou subprocessos) são executados. Em algumas ocasiões, as referidas atividades são formalizadas e documentadas, mas são, na maioria, feitas de maneira informal e caótica, a não ser aquelas com um marco legal que as discipline. O problema é que a legislação não especifica, em detalhes, os elementos de cada atividade. O que se mostra, inclusive na Constituição, é uma orientação genérica, como por exemplo “ser transparente”. Paralelamente, quando a gestão de projetos, como qualquer outro processo democrático, persegue a eficiência, esquece, muitas vezes, a efetividade. Pior, no entanto, é a falta de efetividade intencional, fruto de uma disputa pelo poder. Como os gestores e responsáveis pelos processos acreditam, com frequência, que informação é poder, eles conseguem respeitar a letra da lei sem, no entanto, respeitá-la no seu espírito, como por exemplo ser “realmente” transparente.

Para avançar na questão da transparência legal, pode-se dividir o conjunto de atividades em três grupos, aqui chamados de fases (pois incluem mais de uma atividade). São elas: a) fase opaca estratégica; b) fase opaca operacional; e c) fase de transparência legal. A primeira (fase opaca estratégica) é composta pela determinação de critérios de escolha e pela alternativa de escolha.

A determinação dos critérios deveria ser função do marco legal e do mapeamento situacional da questão problema, tal como foi desenvolvido por Matus (1996). Essa primeira atividade da fase opaca estratégica determina a trajetória das demais fases e precisa apoiar-se em três pilares: a) as capacidades reais e potenciais da própria organização, o que significa que os recursos tangíveis e intangíveis, especialmente o conhecimento, precisam ser avaliados; b) o marco legal, principalmente quanto a questões impositivas e aquelas em que a legislação silencia ou se torna flexível; e c) mapeamento situacional, capaz de ser ampliado por uma análise de cenários para se poder prospectar os diferentes futuros possíveis em relação às necessidades e aos desejos da sociedade. O que dificulta a construção dessa primeira atividade da fase opaca estratégica é que nem sempre os três referidos pilares estão alinhados.

A identificação das diferentes alternativas, suas virtudes, suas limitações e suas capacidades de realização, bem como a escolha da alternativa propriamente dita, é a segunda atividade da fase opaca estratégica. As duas, mesmo quando formalmente conhecidas, não ganham publicidade, embora devessem, teoricamente, ser públicas e debatidas com a sociedade. Além disso, têm caráter estratégico, pois são os critérios e os processos de tomada de decisão iniciais que vão determinar se os objetivos desejados serão atingidos.

Em seguida, entra-se na fase opaca operacional. Com frequência, os gestores acreditam ter garantido o seu poder pela falta de nitidez das atividades nas duas fases iniciais, dado que isso esconde as fragilidades dos processos de decisão. Acreditam, também, poder superar a falta de nitidez com o critério da impessoalidade (“foi resolvido dessa forma, logo não se discute!”). A primeira atividade dessa segunda fase é planejar a execução ou mudança das ações, em função das variáveis da fase anterior. Tal planejamento requer, como qualquer outro em uma organização, o conhecimento prévio das potencialidades dos recursos disponíveis. Quando se trata de modificar o processo, este precisa, além dos elementos objetivos, elementos subjetivos, principalmente os relacionados à percepção dos futuros usuários.

A atividade seguinte dessa fase serve justamente para que se possa chegar mais perto de uma situação considerada desejável. Consiste em um subprocesso de implementação-teste-redesenho-reimplementação com o objetivo de buscar uma sintonia entre aquilo que foi planejado e o próprio processo que está sendo desenhado ou redesenhado. Quando se chega a resultados que podem ser considerados satisfatórios, encerra-se a segunda fase.

A terceira e última é a fase da transparência legal, cuja relevância decorre da impossibilidade, em tese, de se esconderem processos, pois o serviço é público. Quando, na prática, é possível separar certas atividades internas do contato com os usuários, ainda é possível embaçar parcialmente o processo. Mesmo nessas situações, os usuários podem perceber a ineficiência ou inconsistência dos resultados. Exemplificando: quando os agentes públicos levam uma semana ou mais para encontrar um documento e disponibilizá-lo, não se sabe qual foi a “rotina interna”, mas sabe-se que ela é inadequada e ineficiente. Ocorre, nesse caso, o que se pode caracterizar como transparência relativa.

A avaliação de desempenho do serviço como um todo é dificilmente formalizada como instrumento para medir a satisfação dos usuários, mas isso não significa que ele seja opaco. Existe, muitas vezes, a situação de transparência relativa, quando os usuários já sabem que o serviço funciona mal, mas não sabem exatamente por quê nem quais são os gargalos do processo. Faz parte dessa fase, também, identificar as necessidades dos usuários do serviço público. Mesmo que os gestores não tenham uma resposta formal dessa questão, as coisas são óbvias demais para serem desconsideradas. Exemplos: a) longas e demoradas filas, normalmente em função da inadequação da capacidade à demanda estimada; b) saúde e educação com baixa qualidade, se confrontadas com os indicadores internacionais, que podem ser facilmente atestados nas pesquisas e reportagens de diferentes meios de comunicação; e c) insegurança pública.

Todas essas necessidades, formalmente determinadas ou não, deveriam servir de matéria-prima para as fases anteriores (fases opacas). O maior problema, no entanto, é que, mesmo quando essas informações estão disponíveis, dificilmente são utilizadas para realimentar as fases iniciais da gestão de processo (opaca estratégica e opaca operacional). O modelo proposto ainda considera que existem diferentes sistemas capazes de funcionar de forma isolada ou simultânea. No modelo (Figura 05), as flechas negras são as que possuem maior probabilidade de acontecer (por exemplo: necessidade dos usuários – implementação dos serviços – avaliação de desempenho), enquanto as flechas brancas são as menos prováveis, o que inviabilizaria um conjunto muito grande de sistemas (por exemplo: necessidades dos usuários – escolha de alternativas – planejamento – implementação dos serviços – avaliação de desempenho).

Modelo de análise proposto
Figura 05
Modelo de análise proposto
Fonte: elaborado pelos autores

A grande limitação da gestão de processos reside no fato de ela raramente ser vista como um “sistema” que precise retroalimentar-se permanentemente. Ao mesmo tempo, a participação não parece algo tão natural como poderia e deveria ser; quando ocorre, dirige-se mais para tarefas específicas de forma pontual, limitada e não relacionada à qualidade percebida dos serviços prestados (NAPOLEÃO et al., 2014).

O modelo como um todo caracteriza-se por poder ser considerado aberto, pois existe, no mínimo teoricamente, um componente externo que retroalimenta o sistema. Esse componente externo é a avaliação de desempenho, formal ou não, realizada pelos usuários do processo. Na situação ideal, tanto os usuários como os próprios operadores (os servidores públicos) poderiam participar ativamente avaliando, de maneira formal, as diferentes atividades e fases. Com isso, os processos poderiam alongar a sua vida útil, pois passariam pequenos ajustes.

Na situação real, o que se encontra, com frequência, são pequenos ajustes feitos de forma esporádica, como frutos de alguma iniciativa isolada de um servidor que não possui a avaliação de desempenho do processo. Nesse caso, o processo entra numa perigosa trajetória de distanciamento do problema maior que deveria resolver.

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O modelo de processo público proposto pode ser considerado sistêmico, em retroalimentação permanente, pois os processos, hoje, possuem uma vida útil cada vez mais curta. Para poder ser empregado como ferramenta de gestão, o modelo mostra as fases opacas – a estratégica e a operacional – e a fase de transparência legal. Com tal estruturação, podem-se identificar as atividades das fases opacas que poderiam se tornar mais transparentes caso fossem encontradas melhores estratégias. Os ganhos com a transparência são múltiplos, como, por exemplo, o incremento na participação dos envolvidos (stakeholders) e o seu natural comprometimento. Uma questão subjacente ao modelo, em função da sua forma sistêmica, é a necessidade de o processo público passar por avaliações permanentes quanto às suas eficiência, eficácia e efetividade, bem como aos impactos das suas mudanças.

Respondendo ao problema proposto, as diferentes macroetapas aqui chamadas de fases, são: a) opaca estratégica; b) opaca operacional; e c) transparência legal. Elas se relacionam de forma sistêmica, tanto na situação dita real como na ideal. Na situação considerada ideal, a relação sistêmica envolve tanto os usuários como os operadores do processo, e a avaliação de desempenho é realizada por um instrumento formal medido de maneira constante. Portanto, na situação ideal, tanto os usuários como os operadores avaliam o sistema em tempo real.

A avaliação permanente e seu constante redirecionamento contribuem para romper com a cultura do burocratismo tecnocrático e torna o próprio desenho do processo público mais democrático e efetivo. Não foram discutidas as diferentes estratégias de implementação, por acreditar-se que estas precisam ser adequadas a cada organização, época e ambiente.

A limitação maior do modelo proposto é ter se baseado em uma observação realizada em um posto de saúde da região metropolitana de Porto Alegre, RS. Para se poder validar o modelo, sugere-se que ele seja, nas futuras pesquisas, testado em diferentes situações, setores e órgãos públicos, por sua vez, de áreas ou esferas variadas. Sugere-se ainda que outros modelos de gestão de processos sejam criados e testados com diferentes abordagens, com o objetivo de melhorar os serviços oferecidos à população e, assim, aumentar a qualidade de vida dos usuários.

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