HOMENAGEM AO PROFESSOR RAFAEL CAPURRO
TRIBUTE TO PROFESSOR RAFAEL CAPURRO
Jefferson Veras Nunes
UFC
KELLY, Matthew; BIELBY, Jared (Org.). Information cultures in the digital age: a Festschrifit in
honor of Rafael Capurro. Berlim: Springer VS, 2016.
O livro Information cultures in the digital age: a Festschrift in the honor of Rafael
Capurro foi publicado em 2016 pela Spinger VS. A obra se apresenta como o resultado
do reconhecimento da contribuição de Rafael Capurro à Ciência da Informação. De
origem germânica, o termo Festschrift significa homenagem e faz parte de uma tradição
acadêmica para caracterizar uma publicação que galardeia, ainda em vida, um
pesquisador de determinada área científica.
Organizada por Matthew Kelly e Jared Bielby, a coletânea conta com textos de
pesquisadores de diferentes países – tais como África do Sul, Israel, Reino Unido, Suécia,
Finlândia, Portugal, Alemanha, Índia, T ailândia, Canadá, Estados Unidos, Brasil, Uruguai
e Austrália –, comprometidos com a complexa tarefa de abordar temas que envolvem
questões relacionadas à informação a partir de uma perspectiva fi losófica, cultural,
epistemológica, ética, semiótica, comunicacional, educacional, hermenêutica,
fenomenológica e, também, tecnológica. Neste livro, podem-se encontrar verdadeiros
“jogos de linguagem” sobre o tema informação, já que, conforme afirmou o próprio
Capurro em entrevista, “nenhum conceito existe isoladamente, desconectado de redes
de relações semânticas e pragmáticas [...]” (MANSO, 2014, p. 181).
Rafael Capurro nasceu em 1945, em Montevidéu, e iniciou seus estudos
acadêmicos em filosofia, em 1971, na Universidade Del Salvador, em Buenos Aires.
Durante sua estadia na Argentina, trabalhou em um centro de documentação, ocasião
que o levou a se interessar pela área de informação. O trabalho neste centro lhe
possibilitou uma viagem à Alemanha, onde ingressou, em 197 2, no Centro de
Documentação em Energia Nuclear (Zentralstelle für Atomkernenergie-Dokumen
t
ation –
ZAED). Neste centro, à época, desenvolvia-se uma importante base de dados
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bibliográfica em colaboração com o Sistema Internacional de Informações Nucleares
(International Nuclear Information System – INIS) (CAPURRO, 2010; KELLY; BIELBY,
2016).
Em 1978, ainda na Alemanha, Rafael Capurro torna-se Doutor em Filosofia, pela
Düsseldorf University; e, em 1989, conclui o seu pós-doutoramento na Stuttgart
University, atuando como docente do Instituto de Filosofia desta instituição até 2004.
Além disso, de 1986 a 2009 foi professor emérito em Ciência da Informação e Ética da
Informação na Stuttgart Media University.
Rafael Capurro tem participação em renomadas entidades internacionais
preocupadas com questões voltadas à informação e à ética. É editor-chefe da
International Review of Information Ethics (IRIE) e membro do conselho editorial de
diferentes revistas científicas, dentre as quais, seis são brasileiras: Brazilian Journal for
Information Science; Informação em Pauta; Informação e Tecnologia; Perspectivas em
Ciência da Informação; Perspectivas em Gestão e Conhecimento; e Revista
Conhecimento em Ação.
Como salientam Jared Bielby e Matthew Kelly, Information cultures in the digital
age: a Festschrift in the honor of Rafael Capurro não é um livro que trata tão somente do
conceito de informação, mas, em especial, sobre a contribuição de Rafael Capurro à
epistemologia da Ciência da Informação, ao aproximar a informação da filosofia, assim
como a hermenêutica da fenomenologia. Influenciado por Martin Heiddeger, Rafael
Capurro, cada vez mais, tem voltado seu olhar para fenômenos provindos do que se
pode chamar de Era Digital, num entendimento próximo ao que o sociólogo canadense
Marshall McLuhan (1974) atribuiu aos meios de comunicação, em meados dos anos
1960. A o assinalar que “o meio é a mensagem”, Marshall McLuhan ressalta que os
conteúdos que as mensagens carregam consigo correspondem justamente às
transformações sociais, culturais, políticas e comportamentais que os meios suscitam
nos indivíduos.
A teoria de Marshall McLuhan oferece importantes elementos ao
desenvolvimento de um campo de investigação chamado angelética, cujo significado, em
grego, remete à palavra mensagem. Segundo Rafael Capurro (2000), a “revolução
técnica” propiciada pela imprensa foi responsável por produzir não apenas uma nova
conjuntura midiática, mas, também, angelética. T al conjuntura torna-se ambígua, na
medida em que pode se mostrar tanto como uma oportunidade, como também enquanto
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um perigo à esfera pública (HABERMAS, 2003). Portanto, a partir da ideia de que o
“meio é a mensagem”, é possível questionar até que ponto as tecnologias de informação
e comunicação disponíveis à sociedade são capazes de provocar “novas sinergias de
mensagens e mensageiros assim como de seus emissores e receptores [...]” (CAPURRO,
2000, online).
Através da angelética, Rafael Capurro defende a necessidade de se investigar
sobre a “ética da informação”, cuja tarefa é “explicar as possíveis estruturas teóricas e
práticas” (CAPURRO, 2000, online) da sociedade contemporânea e de sua relação
ambivalente com a mídia e com a técnica através da informação; sobretudo, no modo
como a sociedade lida com as mensagens e os conteúdos dos meios, produzindo-os,
consumindo-os e mediando-os. Segundo o autor, a partir disso é possível realizar
aproximações entre a hermenêutica e a angelética, já que a interpretação pressupõe um
processo de transmissão de mensagens. Contudo, a angelética, ao contrário da
hermenêutica, é dotada de um caráter prático; por conta disso, “a relação entre o
remetente e o destinatário pode ser concebida em analogia com o círculo hermenêutico
como círculo angelical. Todo receptor é um potencial emissor e, portanto, também um
mensageiro e vice-versa” (CAPURRO, 2000, online).
Desse modo, a angelética se traduz como uma teoria da mensagem, cujo
propósito é compreender a
[...] origem, finalidade e conteúdo das mensagens, estruturas de poder, técnicas
e meios, modos de vida, história(s) de mensagens e mensageiros, codificação e
interpretação, sociológica, psicológica, política, econômica, estética, ética e
religiosa. (CAPURRO, 2000, online).
As ideias de Rafael Capurro possibilitam perceber como valores, linguagens e
práticas afetam as maneiras por meio das quais as sociedades concebem seus
documentos, desenvolvendo diferentes processos informativos e comunicacionais.
A coletânea Information cultures in the digital age: a Festschrift in the honor of
Rafael Capurro está dividida em seis partes, que se intitulam: Culture and Philosophy of
Information; Information Ethics; From Information to Message; Historic and Semiotic
Themes; Resisting Information Hegemony; e Futures: Information Education.
Na primeira parte, constam set e artigos que tratam de temas que vão desde as
fundações da Ciência da Informação até debates acerca de seus paradigmas, abordando
a perspectiva da he rmenêutica, da fenomenologia, da ética e da filosofia da informação
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na própria constituição da área. No artigo de abertura, cuja autoria é de David Bawden e
Lyn Robinson, teóricos como Karl Popper e Charles S. Peirce são evocados para auxiliar
na discussão acerca do conceito de informação. Em contraponto, no texto de Joseph E.
Brenner há a importância de se considerar, apoiando-se em Heiddeger, como as ações e
comportamentos do ser humano são afetadas pelo fenômeno informacional, percebendo
esta influência enquanto “realidade ética ontológica” (KELLY; BIELBY, 2016). No texto
de Michael Eldred, é problematizado o que o próprio Rafael Capurro nomeia como ética
e hermenêutica digital, recorrendo à ideia de máquina universal – cuja concepção inicial
é de Alan Turing – para abordar os contornos do contemporâneo mundo digital, assim
como seus dilemas e desafios.
No quarto artigo desta primeira parte, Matthew Kell y defende a hermenêutica
como um dos caminhos ao estabelecimento de uma ontologia e filosofia da informação.
Por sua vez, o texto de Fernanda Ribeiro e Armando Malheiro explora a composição dos
paradigmas custodial e pós-custodial da Ciência da Informação, salientando sua
natureza interdisciplinar. Anna Suorsa e Maija-Leena Huotari escrevem acerca da
contribuição da abordagem hermenêutica e fenomenológica aos estudos empíricos
sobre o tema conhecimento no contexto das organizações. E, por fim, Araun Kumar
Tripathi aponta para a importância de uma hermenêutica dos ambientes digitais à
formulação de uma filosofia da tecnologia.
A segunda parte do livro se intitula Information Ethics e fornece um exame crítico
sobre algumas das questões éticas relacionadas às culturas digitais. O primeiro artigo
desta seção é de autoria de John T. Burgess e tem como objetivo discutir dilemas éticos
relativos à prática profissional. Christian Fuchs assina o segundo artigo da segunda
parte, realizando um contraponto entre Rafael Capurro e Luciano Floridi na
problematização do papel social da mídia e de sua influência política e econômica à
composição de uma sociedade com acesso equitativo à informação. Ainda nesta seção,
Soraj Hongladarom escreve sobre os aspectos interculturais da ética em informação e de
sua importância no respeito às diferenças. O capítulo de Bernd Stahl chama atenção à
noção de Pesquisa e Inovação Responsáveis (Responsible Research and Innovation – RRI),
tendo como premissa a ideia de que o desenvolvimento da pesquisa e da inovação pode
e deve ser alterado conforme demandas sociais.
A seção seguinte se intitula From Information to Message e conta com textos de
John D. Holgate, Fernando Flores Morador e Gustavo Silva Saldanha. Os três textos têm
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em comum a discussão da angelética proposta por Rafael Capurro. John D. Holgate se
propõe a aplicar elementos da angelética na análise da pintura The School of Athens,
concebida e ntre 1509 e 1511, cuja autoria é do artista italiano Raffaello Sanzio da
Urbino – conhecido como Raphael. Fernando Flores Morador explora a relação existente
entre informação e intencionalidade, de modo a ressaltar o caráter objetivo e subjetivo
da informação, admitindo a possibilidade da mensagem produzir mudanças tanto no
emissor como no receptor no ato da comunicação. E Gustavo Saldanha recorre a um
filme de Wim Wenders, que tem como cenário uma Alemanha dividida, intitulado Wings
of Desire (em português: Asas do Desejo), para, através da imagem mitológica de anjos e
demônios, discutir elementos da ética da informação e da hermenêutica capurriana.
Em Historic and Semiotic Themes há ricas contribuições teóricas e conceituais de
Bernd Fhromann, Jonathan Furner, Joacim Hansson e Vesa Suominen. No primeiro
artigo da seção, Bernd Frohmann assume o desafio de analisar as complexas dimensões
éticas e políticas da comunicação e da teoria da mensagem; para isso, recorre a Paul
Virno e Aristóteles. Jonathan Furner aborda a importância não apenas do conceito de
informação, mas, também, do conceito de dado e documento à Ciência da Informação,
observando, com base em apontamentos de Luciano Floridi, os diferentes significados de
dado para além daquele relacionado exclusivamente aos ambientes digitais. Joacim
Hansson toma a Biblioteconomia como ponto de partida para se discutir a questão da
ética. Segundo o autor, tratar sobre ética no espaço informacional não é um fenômeno
novo. Recorrendo às ideias de Micha el Buckland, ressalta que tão importante quanto a
forma é a função e o significado dos documentos. Vesa Suominen encerra a seção com o
objetivo de apontar as contribuições da filosofia de Descartes à área, recorrendo,
também, à hermenêutica de Gadamer.
Na seção seguinte, nomeada Revisinting I nformation Hegemony, há textos de
Thomas Hausmanninger, Juliet Lodge e Daniel Nagel, Marco Schneider e Shaked Spier.
No primeiro artigo da seção, Thomas Hausmanninger debate acerca de temas
relacionados à economia, mercado e trabalho, com foco na questão da ética da
informação. Juliet Lodge e Daniel Nagel abordam questões relativas ao sel f e às
interações sociais no ci berespaço, com preendendo este enquanto espaço ontológico.
Marco Schneider busca entrelaçar as discussões capitaneadas por Capurro acerca de
uma “ética da informação intercultural” com a abordagem marxista. Na visão do autor, a
defesa de uma ética intercultural colabora para um melhor entendimento da complexa
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relação entre informação, cultura e tecnologia. Encerrando a seção, Shaked Spie examina
como o conceito de Indústria Cultural pode auxiliar na concepção de uma Sociedade da
Informação, trazendo à tona questões relacionadas à sobrecarga de informação, bem
como o avanço de um capitalismo informacional.
A última seção do livro tem como título Futures: Information Education e conta
com artigos de Juan Carlos Fernández-Molina e Enrique Muriel-Torrado, Lena Vania
Pinheiro, Chaim Zins e Plácida L. V. A. C. Santos e, por fim, Rachel Fischer, Johannes Britz
e Coetzee Bester. No primeiro texto desta seção, Juan Carlos Fernández-Molina e
Enrique Muriel-Torrado abordam o tema ética, aplicando-o à educação em Ciência da
Informação. Lena Vania Pinheiro ressalta em seu texto as contribuições de Rafael
Capurro à área e sua recepção no meio acadêmico brasileiro, sobretudo através de
temas envolvendo questões históricas e epistemológicas da Ciência da Informação. No
artigo de Chaim Zins e Plácida L. V. A. C. Santos, há um esforço em compreender aspectos
curriculares relacionados à Ciência da Informação. Por fim, Rachel Fischer, Johannes
Britz e Coetzee Bester divulgam o trabalho realizado na África do Sul, cujo objetivo tem
sido, desde 2005, congregar uma rede de pesquisadores interessados em debater sobre
o tema ética da informação. Como resultado desse esforço, pode-se citar o African
Network for Information Ethics (ANIE) e African Center of Excellence in Information Ethics
(ACEIE).
A coletânea se caracteriza não apenas como uma merecida homenagem a Rafael
Capurro, mas, também, como um presente à comunidade acadêmica internacional com
textos acerca de sua rica obra. Desse modo, aborda temas que envolvem ética da
informação, filosofia da informação, angelética, desenvolvimento histórico e
epistemológico da Ciência da Informação, dentre tantos outros, atualizando-os a partir
das diferentes perspectivas teórico-conceituais dos autores que compõem a obra.
Information cultures in the digital age: a Festschrift in the honor of Rafael Capurro
mostra-se, portanto, como um convite à reflexão sobre como a informação afeta a
sociedade e a cultura, num processo ambivalente.
REFERÊNCIAS
CAPURRO, Rafael. Angeletics: a message theory. In: DIEBNER, Hans H.; RAMSAY, Lehan
(Ed.). Hierarchies of Communication: an Inter-Institutional and International
Symposium on Aspects of Communication on Different Scales and Levels. Karslruhe:
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Center for Art and Media (ZKM), 2003. Disponível
em:<http://www.capurro.de/angeletics_zkm.html>. Acesso em: 20 março 2017.
______. Ensayo autobiográfico en diálogo con Prof. Rafael Capurro. Perspectivas em
Ciência da Informação, Belo Horizonte, v. 15, n. 3, p. 255-272, 2010.
______. Was ist Angeletik? The International Information & Library Review, v. 32, n. 3-
4, 2000.
HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera púb lica: investigações quanto a
uma categoria da sociedade burguesa. Rio de janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.
KELLY, Matthew; BIELBY, Jared (Org.). Information cultures in the digital age: a
festschrifit in honor of Rafael Capurro. Berlim: Springer VS, 2016.
MANSO, Bruno Lara de Castro. “O importante é observar a pluralidade de teorias da
informação como algo positivo e característico de nossa época”. Informação &
Sociedade: Estudos, v. 24, n. 3, 2014.
MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem. São
Paulo: Cultrix, 1974.
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SOBRE O AUTOR
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Doutor em Ciência da Informação pela Universidade Estadual Paulista Júli o de Mesquita Filho
(Unesp/Marília). Professor do Departamento de Ciências da Informação e do Programa de Pós-Graduação
em Ciência da Informação da Universidade Federal do Ceará.
E-mail: jefferson.veras@yahoo.com.br
Recebido em: 07/04/2017; Revisado em: 09/05/2017; Aceito em: 12/05/2017.
Como citar esta resenha
NUNES, Jefferson Veras. Homenagem ao Professor Rafael Capurro. Informação em Pauta, Fortaleza, v. 2,
n. 1, p. 119-126, jan./jun. 2017.