TECNOLOGIAS DIGITAIS E ANÁLISE DO REGIME DE INFORMAÇÃO PARA A
PROMOÇÃO DA SAÚDE COLETIVA
i
DIGITAL TECHNOLOGIES AND ANALYSIS OF THE INFORMATION REGIME FOR THE
PROMOTION OF COLLECTIVE HEALTH
Maria Nélida González de Gómez¹
¹ Doutora em Comunicação pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
E-mail: marianelidagomez@gmail.com
ACESSO ABERTO
Copyright: Esta obra está licenciada com uma
Licença Creative Commons Atribuição 4.0
Internacional.
Conflito de interesses: A autora declara que
não há conflito de interesses.
Financiamento: Este trabalho tem vinculações
com a pesquisa "Governança das ações de
informação", desenvolvida com o apoio do
Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq).
Declaração de Disponibilidade dos dados:
Todos os dados relevantes estão disponíveis
neste artigo.
Recebido em: 20/09/2018.
Revisado em: 01/10/2018.
Aceito em: 10/10/2018.
Como citar este artigo:
GONZÁLEZ DE MEZ, M. N. Tecnologias digitais
e análise do regime de informação para a
promoção da saúde coletiva. Informação em
Pauta, Fortaleza, v. 3, número especial, p. 9-29,
nov. 2018. DOI: https://doi.org/10.32810/2525-
3468.ip.v3iEspecial.2018.39711.9-29.
RESUMO
São complexos e múltiplos os recursos e fluxos
informacionais que cotidianamente visam a
vincular o atendimento à saúde, com as
expectativas e necessidades da população
brasileira. As tecnologias digitais são
competentes para processar e transladar todas
as linguagens, mas mediadas por códigos,
normas e padrões. Elas tanto inscrevem suas
lógicas operacionais sobre os contextos em que
atuam, como são contaminadas pelas
demarcações regulatórias organizacionais. O
desenho e implementação das tecnologias
digitais estará condicionado pela pluralidade de
tempos e agências locais que devem ser
articulados, além de todos os desafios culturais,
econômicos e políticos, próprios de um macro
sistema de saúde pública. Nesse quadro, são
propostas teorias sobre regimes de informação,
considerando que sua flexibilidade,
transversalidade e pluralismo epistemológico,
ofereceriam maior liberdade analítica e
descritiva. do ponto de vista da reconstrução de
ações, sistemas e, recursos de informação e de
paradigmas de políticas tecnológicas. Como
cuidado e fortalecimento das premissas
democráticas, cabe lembrar que o sucesso da
implementação das tecnologias de informação e
suas possibilidades inovadoras, requer mais que
o acesso e a transparência das informações, um
processo continuo de aprendizagem crítico
sobre modelos, fontes e dispositivos de
informação em e para a saúde, sua produção,
efeitos e validade. Esse processo de
aprendizagem deve incluir a todos, os
desenvolvedores de política e os gestores, os
pesquisadores e os profissionais da clínica, mas
Inf. Pauta
Fortaleza, CE
v. 3
número especial
nov. 2018
ISSN 2525-3468
DOI: https://doi.org/10.32810/2525-3468.ip.v3iEspecial.2018.39711.9-29
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muito especialmente o cidadão-usuário e
protagonista do SUS.
Palavras-chave: Tecnologias digitais. Regime de
informação. Saúde coletiva.
ABSTRACT
There are complex and multiple resources and
information flows that daily aim to link health
care with the expectations and needs of the
Brazilian population. Digital technologies are
competent to process and translate all
languages, but are mediated by codes, norms
and standards. They inscribe their operational
logics on the contexts in which they act, but are
contaminated by organizational regulatories
demarcations. The design and implementation of
digital technologies will be conditioned by the
diversity of local times and agencies that must
be articulated, as well as all the cultural,
economic and political challenges inherent in a
macro public health system. In this framework,
theories on information regimes are proposed,
considering that their flexibility, transversality
and epistemological pluralism, would offer
greater analytical and descriptive freedom, from
the point of view of the reconstruction of
actions, system and information resources and
paradigms of technological policies. As care and
empowerment of democratic assumptions, it is
worth remembering that the success of the
implementation of information technologies and
their innovative possibilities requires more than
access and transparency of information, a
continuous process of critical learning about
information models, sources and devices in and
for health, its production, effects and validity.
This learning process should include all, policy
makers and managers, researchers and clinic
profissionals, but especially the citizen-user and
protagonist of SUS.
Keywords: Digital technologies. Information
system. Collective health.
1 INTRODUÇÃO
Recuperamos um texto de Canguilhem que ilustra os complexos caminhos entre
os estados existenciais de saúde, felicidade, bem-estar ou doença, e a exegese médica,
que vão da “saúde sem ideia” (mas não sem significados) do cotidiano das vivências, à
sua translação em plurais ideias do corpo e da saúde construída pela clínica, os exames
laboratoriais e imagéticos, os laboratórios de pesquisa científica, a epidemiologia, a
gestão hospitalar, as políticas públicas, o atendimento e os cuidados, nossos bancos de
dados indexados e os tesauros das linguagens informacionais.
A reflexão hermenêutica de Ayres (2007) ecoa um texto de Canguilhem que
escolhemos reproduzir como ponto de partida destas reflexões:
A verdade de meu corpo, sua própria constituição ou sua autenticidade de
existência, não é uma ideia suscetível de representação. [...] Essa saúde sem ideia,
ao mesmo tempo presente e opaca é, no entanto, o que suporta e valida, de fato e
em última instância, para mim mesmo e também para o médico enquanto meu
médico, o que a ideia do corpo, isto é, o saber médico, pode sugerir como
artifício para sustentá-la. Meu médico é aquele que aceita, de um modo geral,
que eu o instrua sobre aquilo que eu estou fundamentado para lhe dizer. (...)
meu médico é aquele que aceita que eu veja nele um exegeta, antes de vê-lo
como reparador (CANGUILHEM, 2005 apud AYRES, 2016, p. 174, grifo nosso).
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Nas sociedades contemporâneas são longos os caminhos que vão das vivências de
nossos corpos e sua expressão em nossas linguagens biográficas e memórias culturais,
até as interpretações da exegese clínica, as representações generalizadoras do
conhecimento científico e as mediações e procedimentos padronizados da engenharia
biomédica, de todos os quais esperamos um retorno nos cuidados e no atendimento,
como metas da gestão e das políticas públicas da saúde. É esse longo caminho, com
plurais vielas, territórios emuralhados e passagens em construção, que as tecnologias
digitais se propõem mediar e otimizar, oferecendo suas potências vinculantes, tanto às
formas da medicina personalizada e em contextos privados, como aos macros sistemas
públicos da saúde coletiva.
Nesse cenário, as tecnologias digitais tiveram uma expansão e uma energia de
reformulação dos contextos informacionais, perpassando todas as esferas da vida
humana, pelo qual Sandra Braman (2004), entre outros, as caracteriza por sua
capacidade de produzir convergências.
A transversalidade econômica, social e cultural das ações de informação e
comunicação, teria sido prevista por Zurkowski, que usa o termo infostructure”, em
1984, e vai ser projetada sobre as esferas públicas, na década de 1990, no discurso
antecipatório de Al Gore, vice-presidente dos Estados Unidos, que usa a expressão
“General Information Infraestructure”, para referir-se à implantação das redes digitais,
na reunião da International Telecommunication Union (ITU), em Buenos Aires.
Para Sandra Braman, as tecnologias digitais modificariam de modo radical os
modos do fazer (making) do homem contemporâneo.
ii
Como meta-tecnologias, se
caracterizam por aumentar o grau de liberdade com que os homens podem atuar nos
mundos social e material e por seus efeitos de convergência. Elas aconteceriam o
pela reunião de tecnologias de computação e de comunicação, mas por gerar inúmeras
convergências entre as tecnologias e outros materiais e processos sociais. A autora
enumera, assim, a convergência do simbólico com o material, por meio da escrita; das
tecnologias simbólicas com a energia, no século XIX; entre as tecnologias de computação
e comunicação graças à digitalização, a meados do século XX; das tecnologias digitais e o
mundo orgânico, com a biotecnologia, no século XXI.
Ao mesmo tempo, as tecnologias e meta-tecnologias estão associadas a utilização
consensual de padrões e protocolos, e implicam programas coordenados de ação
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coletiva, em seu desenvolvimento e uso: elas requerem e possibilitariam, ao mesmo
tempo, o desenvolvimento de modos específicos de coordenação e interação.
É nessa direção, de convergência, vinculação e coordenação, que tem sido
esperada sua intervenção nas diferentes esferas da atividade social, da produção de
conhecimento científico ao atendimento e cuidados da saúde.
Tomemos como exemplo um dos dispositivos possibilitados pelas tecnologias
digitais, interativas, hipermídia, dotadas de plurais recursos analíticos, as plataformas de
pesquisas translacionais, que, conforme Silva, Morel e Moraes (2012), teriam dois
momentos principais: (1) transferência de novos conhecimentos adquiridos no
laboratório sobre os mecanismos da doença para o desenvolvimento de novos métodos
de diagnóstico, terapia e prevenção, bem como seus primeiros testes em humanos,” e (2)
tradução dos resultados de estudos clínicos na prática clínica diária e na tomada de
decisão em saúde” (SILVA et al., 2012, p. 349). Canuel et al. (2014), citam como exemplos
as BRISK, ou cBio Cancer Portal, entre outras, que se propõem reunir, interoperacionalizar e
facilitar a análise de volumosas redes de dados que visam a integrar os dados sobre a
contextura molecular da doença com os dados clínicos dos pacientes.
Nos últimos anos, surgiram novas tendências no gerenciamento e análise de dados
clínicos e ômicos. Várias opções foram tomadas para produzir solões relativas a
"métodos de informática que conectam entidades moleculares a entidades clínicas"
(ALTMAN, 2012 apud CANUEL et al., 2014, p. 281, tradão nossa, grifo nosso).
As consultas de telessaúde e o histórico clínico dos pacientes, digitalizado, seriam
assim peças chaves na produção de convergência entre diferentes ações e recursos do
atendimento à saúde. Entre as múltiplas alternativas, os aplicativos de smartphones
facilitam a formação de grupos de pacientes, que interagem e trocam experiências sobre
sintomas e tratamentos, assim como se mantêm em contato com os agentes de saúde e o
atendimento médico.
Com o objetivo de dar visibilidade a algumas das condições que facilitam ou
inibem a ancoragem das tecnologias digitais na concepção e desempenho do SUS,
propomos utilizar de modo descritivo-analítico o conceito de regimes de informação, no
escopo e abrangência dos estudos sociais e políticos da informação e da comunicação.
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2 CONCEITUANDO “REGIME(S) DE INFORMAÇÃO”: DA ABORDAGEM DE REGIME
GLOBAL E EMERGENTE AOS “REGIMES DE POLÍTICAS”
Num primeiro momento, cabe considerar algumas abordagens dos regimes de
informação, como recurso de leitura transversal das dinâmicas que envolvem
conhecimento, comunicação e informação, em contextos heterogêneos e plurais, como
possível contribuição à imersão das concepções e implementação das tecnologias
digitais em macro sistemas de saúde, nos espaços sociais, culturais, políticos e
econômicos de sua implementação.
“Regime de informação” seria o modo de produção informacional dominante
em uma formação social, o qual define quem são os sujeitos, as organizações, as
regras e as autoridades informacionais e quais os meios e recursos
preferenciais de informação, os padrões de excelência e os modelos de sua
organização, interação e distribuição, vigentes em certo tempo, lugar e
circunstância, conforme certas possibilidades culturais e certas relações de
poder. (GONZÁLEZ de GÓMEZ, 2003, p. 61).
Em tempos em que a economia parecia falar mais alto que a política, nos estudos
da informação, Bernd Frohmann (1995) introduz o termo “regime de informação”, com a
definição inicial a seguir:
Chamaremos de “Regime de Informação” o conjunto mais ou menos estável de
redes formais e informais nas quais as informações são geradas, organizadas e
transferidas de diferentes produtores, através de muitos e diversos meios,
canais e organizações, à diferentes destinatários ou receptores de informação,
sejam estes usuários específicos ou públicos amplos (FROHMANN, 1995).
Os usos heurísticos permitidos pelo caráter transversal do conceito ofereciam
perspectivas inovadoras aos estudos das dinâmicas info-comunicacionais, dando
visibilidade às relações plurais e diversas de sua ocorrência, em contextos
intermediáticos, trans-institucionais, interorganizacionais e intersociais.
Para Sandra Braman (2004), a inspiração e ancoragem de seus conceitos estaria
nas teorias políticas desenvolvidas nos estudos das relações internacionais. O uso do
termo regime, nas relações internacionais, buscava entender e analisar as cadeias
decisórias na esfera das relações internacionais, que excediam os contornos geopolítico
dos Estados Nacionais, mas carecendo de sustentação institucional; o recurso aos
discursos, normas e direitos, oferecia princípios menos formais nos quais ancorar e
justificar à nova ordem das relações mundiais. A apropriação do conceito, por analogia,
ofereceria um caminho para o entendimento de um Emergent Global Information Policy
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Regime (2004), conforme três necessárias mudanças de perspectiva: de estatuto; da
escala e da agência, e da unidade de análise.
Primeiro, a mudança de estatuto político das questões de informação: após ter
sido consideradas como políticas de baixo impacto, adquirem uma nova categoria de
“políticas de alto nível”, associadas as políticas internacionais.
Em segundo lugar, a mudança de escala, tinha colocado em crise a identificação
da agência das relações internacionais, seja o Estado Nacional ou as sociedades, ou um
complexo estados/sociedade. Nessa conjuntura, Braman (2004) encontra, na
abordagem construtivista dos regimes internacionais de políticas, a vantagem de deixar-
se em aberto a categoria de agência do regime de políticas, de modo que sua qualidade e
identificação serão reconhecidos a posteriore, nas esferas de elaboração e
implementação das políticas.
As mudanças de escala e de agência, são acompanhadas pela demanda de
mudança da unidade de análise. Braman (2004, 2006), nos remete à vigência um
pluralismo sociológico, numa perspectiva meta-teórica que acolhe mais de uma
abordagem e ponto de vista: as teorias das redes, entendendo as relações antes como
interpessoais e setoriais, que estruturais, faz da interdependência uma das principais
variáveis das análises de redes; o aporte teórico das abordagens das plurais
governamentalidades, de Foucault, aplicado ao estudo dos Estados, entre outros
(BRAMAN, 2004).
Nos deteremos em duas questões em que a teoria do regime introduz nova ênfase
ou perspectiva. Primeiro, a mudança de estatuto político das questões de informação.
Consideradas questões estratégicas, enquanto associadas às políticas científicas e
tecnológicas e aos projetos de segurança e desenvolvimento, sob regimes centrados no
Estado, ou politicamente invisibilizadas como “meios” ou “recursos” da economia, as
questões de informação passariam a estar associadas, de maneira generalizadora e
abstrativa, a uma sociedade da informação”. As tecnologias digitais permitiriam esse
uso ampliado e genérico do termo “informação”, por sua própria capacidade de
convergência e pelo envelopamento de técnicas e tecnologias “pré digitais”, pelo qual
podem ser denominadas como “meta-tecnologias”.
No ponto de partida, com essa perspectiva, entenderíamos que não se trata de
analisar como as tecnologias digitais se aplicam ou divulgam na área de saúde, mas sim
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entender como se manifestam e estão acontecendo, nos múltiplos cenários, práticas e
circunstâncias da saúde pública.
A segunda condição da emergência do conceito seria a mudança da unidade de
análise das questões de informação, sendo essa a característica que será mais explorada
neste trabalho. Sandra Braman caracteriza essa unidade de análise como regime global
emergente de políticas de informação, reafirmando suas potencialidades de
convergência, de perpassar o material e o simbólico, e de estar em constante mutação.
Assim como, nas duas últimas décadas, diversas vertentes da economia se
reuniram na economia da informação (Lamberton, 1998), questões políticas tão
distintas quanto os fluxos globais de informação, comunicação e cultura,
atualmente também estão se unindo, num único regime global emergente de
política de informação. Esse regime é "global" porque envolve atores estatais e
não-estatais, e "emergente" - um conceito retirado da teoria dos sistemas
complexos adaptativos - porque tanto o tema do regime quanto suas
características estão ainda em evolução. (BRAMAN, 2004, p. 12, tradução
nossa).
Com essa orientação, Braman recorre às teorias de política internacional,
escolhendo a Stephen Krasner (1982), reconhecido pesquisador das relações
internacionais, como principal interlocutor. Krasner (1982) considera o regime político
como uma das matrizes paradigmáticas dos estudos de política internacional. Para o
autor,
Os regimes internacionais são definidos como princípios, normas, regras e
procedimentos de tomada de decisões de determinada área das relações
internacionais em torno dos quais convergem as expectativas dos atores.
(KRASNER, 1982, p. 83).
Sandra Braman (2004) destaca a relevância outorgada por Krasner aos quadros
normativos, como dimensão constitutiva de um regime político. Para Braman, no cenário
atual, estaríamos justamente frente a um regime global emergente de informação, sendo
que sua própria constituição é resultado dos vácuos normativos e jurídicos que se
estabelecem nas arenas internacionais, quando se trata de arbitrar conflitos, resolver
situações problemáticas, tomar decisões e estabelecer acordos, sem dispor de um
tribunal ou de um “guarda-chuva” normativo compartilhado e validado pelas partes
envolvidas, fora das ordens legais dos diferentes Estados envolvidos. Essas zonas
anárquicas da ordem global poderiam ser percebidas como um lócus preferencial em
que interagem, e se reformulam mutuamente, os regimes de informação e os regimes de
políticas.
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No mundo contemporâneo, são correntes os problemas que desbordam mais de
uma arena de políticas, e cuja reconstrução requer considerar mais de uma moldura
normativa, são muitas outras as questões que demandam a superar ação de fronteiras,
além das relações internacionais. Com expectativas tanto críticas como descritivas,
outras abordagens das ciências políticas se questionam sobre quais as unidades de
análise deveriam ser utilizadas no entendimento de problemas que, em diferentes
escalas geográficas, sociais e políticas, perpassam mais de uma jurisdição ou fronteira -
epistêmica, institucional, jurisdicional, corporativa.
Neste estudo, recorremos a uma outra perspectiva sobre as unidades de análise,
contrapondo o que seus autores denominam regimes de políticas (policies), as
formações formação de subsistemas de políticas-estruturas de governança que
precisariam ser explicadas, antes que ser categorias explicativas.
“Subsistemas de políticas” teriam como referência uma composição de atores e
recursos formada em torno de um mesmo marco institucional e normativo, demandando
visões convergentes de autoridade e de valor. Cabe assim perguntar por seu
funcionamento e seus efeitos, quando um subsistema tem que interagir com outros
atores e subsistemas, em contextos complexos de problemas e programas de ação.
Munidos dessas perspectivas sobre a unidade de análise, que permitiria agregar
planos interpretativos à concepção dos regimes de informação, enquanto configurações
transversais, espera-se reconstruir algumas das condições e possibilidades das
tecnologias digitais, no escopo e abrangência do Sistema único de Saúde e da saúde
coletiva. Nessa nova direção, recorremos aos estudos de Joachim e May (2010, 2013) e
de Kent Eaton (2017), entre outros.
3 DOS REGIMES DE POLÍTICAS ÀS QUESTÕES DE GOVERNANÇA
Joachim e May (2010, p. 303) apresentam o conceito de “regimes de política
(policy), como uma abordagem aplicável a diferentes e situações problemas, incluindo os
“regimes de cruzamento de fronteiras” (boundary spanning regimes), que seriam
arranjos de governo que perpassam múltiplos subsistemas.
Para Joachim e May (2010), os subsistemas, também denominados por alguns
monopólios políticos, domínios políticos ou sub-governos, se caracterizam por : a) uma
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coalizão estabilizada de interesses”; b) “uma ideia” ou “imagem dominante”, que outorga
consistência as abordagens dos problemas entre as partes interessadas; c) uma
configuração institucional dominante, que estrutura os arranjos de poder e o fluxo de
informações. (JOACHIM; MAY, 2010, p. 4). Tomar os subsistemas como unidade de
análise teria efeitos negativos, tanto analíticos como pragmáticos, já que or grandes
problemas contemporâneos frequentemente cruzam mais de um domínio, subsistema
de política ou programa de ação, de modo que alguns falam dos problemas perversos”
das arenas sociais. Das drogas ao meio ambiente, a pobreza, a poluição, a saúde, alguns
dos problemas que tem mobilizado os atores políticos aconteceram além de, e não no
interior de, um único subsistema político.
Cada um dos subsistemas relevantes fornece uma lente separada através da
qual visualiza os problemas. Cada um deles também tem maneiras diferentes
de lidar com problemas, pois têm históricos de elaboração de políticas
separados e servem a interesses diferentes. Devido a essas diferenças, alcançar
a unificação desejada entre os elementos de diversos subsistemas de políticas
para qualquer questão de alargamento de fronteiras é o calcanhar de Aquiles
do governar [governamento]. Nossa discussão sobre os regimes de política
está fundamentalmente relacionada aos arranjos de governança que
promovem ações unificadas entre os subsistemas. (JOACHIM; MAY, 2010, p. 7,
tradução nossa, grifo nosso).
Para os autores, uma questão central, nestes casos, é justamente superar ora a
inercia, ora a perspectiva segmentadora, ora os efeitos excludentes do predomínio da
expressão de interesses de um único subsistema de políticas. Analisar uma situação
problemática heterogênea, na perspectiva de um subsistema, inibe a percepção de
condições e possibilidades que se constituem justamente nos empecilhos e dinâmicas de
cruzamento e superação das fronteiras subsistemas. Seria, justamente, essa junção de
possibilidades e condições, constituídas além das delimitações singulares de cada
subsistema (paradigmáticas, normativas, corporativas), um dos objetos privilegiados
das análises políticas, assim como uma questão central para os fazedores de políticas,
visando promover a governança e a elaboração de programas coordenados de ação.
Se os subsistemas políticos se constroem dentro dos limites de uma demarcação
institucional e em geral relativamente estabilizada, os regimes de políticas se constroem
justamente perpassando aquelas mesmas fronteiras institucionais (JOCHIM; MAY, 2010,
p. 6).
Esse transbordamento dos subsistemas e o desvelamento das relações
transfronteiras é algo que se tende a resgatar pelo conceito de regime de informação.
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Logo, a leitura transversal dos regimes de informação, no cruzamento de fronteira e nos
interstícios das configurações de mais de um subsistema ou configurações mono
institucionais de recursos e sistemas de informação, parece conveniente para a análise
de fluxos info-documentários do escopo e abrangência em e além dos subsistemas de
políticas.
Em decorrência dessa perspectiva, a abordagem dos regimes de informação
ofereceria instrumentos heurísticos e analíticos para uma reformulação trans-
institucional do ponto de vista e demarcação metodológica dos objetos das práticas e
pesquisa de informação. Essa flexibilidade interpretativa poderia colocar-se em jogo
para estabelecer condições e possibilidades das tecnologias digitais e seus potenciais de
transversalidade e convergência, no escopo e abrangência do Sistema único de Saúde-
SUS.
Para os autores (JOACHIM; MAY, 2010; MAY; JOACHIM, 2012), regimes de
políticas designa um construto que não tem visibilidade referencial (como subsistema ou
arena de políticas), mas que se identifica pelos componentes que o constituem, a saber,
“as ideias, arranjos institucionais e alinhamentos de interesses” (MAY; JOACHIM, 2012).
O valor do construto é descritivo e analítico. Como um construto descritivo, a
noção de um regime de políticas é útil para fornecer um mapa conceitual dos
arranjos de governo para tratar de um determinado problema ou conjunto de
problemas. As contribuições analíticas das perspectivas de regime revelam
como as políticas públicas estabelecem processos de retroalimentação que
reformulam o ambiente político e, por sua vez, afetam a eficácia das políticas
públicas. (MAY; JOCHIM, 2012, p. 4).
May e Joachim (2012) destacam, além da leitura transversal e sincrônica das
relações entre subsistemas, uma linha de acompanhamento vertical (ou diacrônico) de
reformas políticas que interagem e se reforçam através do tempo, dando como exemplo a
construção das leis americanas que lidam com a poluição, elaboradas entre 1969 e 1976
(MAY; JOACHIM, 2012, p. 4).
Os conceitos de limites ou fronteiras
, r
eintroduzidos de diferentes pontos de vista
nos estudos contemporâneos das ciências humanas e sociais, requerem uma análise
cuidadosa, e são um desafio para ações e sistemas de informação, porque se fronteiras
sinalizam a dissociação de duas partes, indicam também que as mesmas partes estão
“irreversivelmente dissociadas”, e são de alguma maneira muito relevantes umas para as
outras.
O conceito de regime de políticas é ressignificado por Eaton (2017), em
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análises de
política comparada, analisando situações e possibilidade de justaposição de
regimes. Para Edward Gibson, aconteceria a justaposição de regimes políticos em
“situações em que dois veis de governo com jurisdição sobre o mesmo território
operam sob regimes políticos diferentes”, que, para Eaton, seriam um regime político
nacional e um regime político nacional subalterno (GIBSON, 2005, p. 103 apud EATON,
2017, p. 39). Diferenciando, de acordo com May e Jochim, um regime político de
“regimes de políticas”, Eaton considera a constituição, na América Latina, de regimes de
políticas discordantes, numa mesma unidade geopolítica, com orientações
simultaneamente estatistas e neoliberais, ou privatistas e orientadas ao mercado
(EATON, 2017, p. 40).
Sem entrar no debate de Eaton sobre a aplicação dos modelos de justaposição de
dois regimes políticos (dissonância entre níveis nacional e subnacional de governo),
destacamos sua abordagem sobre a justaposição de regimes de políticas, que poderia ter
uma aplicação mais flexível e quiçá setorial:
Mais recentemente, a mudança para o estatismo em nível nacional e o repúdio
aos modelos neoliberais que ocorreram no turno de esquerda desde 2000
desencadearam a defesa de projetos mais favoráveis ao mercado em nível
municipal ou departamental, como na Argentina, Bolívia e Equador. Assim, em
contraste com a justaposição do regime político, em que os democratas são
sempre nacionais e os autoritários sempre subnacionais, a justaposição do
regime de políticas (policies) é caracterizada por uma dinâmica mais flexível na
qual liberais e estatistas podem ocupar posições nacionais ou subnacionais.
(EATON, 2017, p. 1940).
May, cientista político norte-americano, junto a diferentes co-autores, tem como
objeto de preocupação o desenho de um cenário de segmentação do Estado em
subsistemas de políticas, em configurações em redes e policentricas. O ponto de vista é
analisar arranjos governamentais de elaboração e implementação de políticas públicas,
em regimes de cruzamento das fronteiras” (boundary spanning regimes). Entendendo
que, por sua construção, um regime de informação está constituído por micropolíticas,
políticas indiretas ou invisibilizadas, oferecendo um mapa genealógico da formação de
políticas públicas, seria possível homologar as dinâmicas dos regimes de informação
com as modalidades dos regimes de políticas. Podemos assim aferir novos planos de
complexidade dos regimes de informação, entendidos como unidades de análise que
visam à reconstrução dos cruzamentos de fronteiras entre diferentes subsistemas e
contextos institucionais de ações e recursos de informação, gerando tanto tensões como
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possibilidades não obvias de resolução de problemas.
Isto permitiria uma releitura das dinâmicas e fluxos da informação, cujas
unidades relacionais e complexas perpassariam as fronteiras geradas por matrizes
epistêmicas multi, inter e transdisciplinares, pela estruturação diferenciada da gestão
das unidades de atendimento e da clínica, dos laboratórios de pesquisa biomédica e
epidemiológica, das agências do Estado, como Secretarias e Ministérios de saúde. Do
mesmo modo, seria impensável que ações em saúde não implicassem fluxos
informacionais que perpassaram questões urbanas, ambientais, educacionais,
financeiras e legislativas.
Sob essa perspectiva, ganhariam visibilidade as tensões geradas tanto pela
relação de fronteira entre subsistemas, como pela justaposição de tendências ou regimes
num domínio comum em que atuam e operam diferentes atores, linguagens
profissionais, marcos institucionais, interesses e paradigmas da saúde e da gestão e
política em saúde. Tal seria, por extensão, o caso de atrito e justaposição de modelos,
códigos, padrões, quando eles remetem ora aos marcos referenciais do Estado, ora aos
agentes e regras dos mercados, gerando tensões no desenho e uso de equipamentos e
tecnologias digitais na esfera de saúde.
Jugen Habermas chamava a atenção sobre a formação dos Estados modernos e
contemporâneos, e suas tendências a configurações administrativas segmentadas em
plurais subsistemas, operando, cada um deles, em torno de um tema problema. Com
relativa autonomia, cada subsistemas geraria códigos e padrões próprios que se
convertem em fronteiras, dos subsistemas entre sim e dos subsistemas com as
sociedades a que pertencem. Cada um constrói sua ideia da sociedade, e desenvolve suas
molduras discursivo-normativas, sem ponderar os efeitos e custos de cada subsistema
sobre os outros (HABERMAS, 1996).
Trata-se de tensões que não são exclusivas nem do Brasil nem da América Latina,
mas se manifestam e requerem cuidados específicos em cada contexto de análise. Neste
caso, trata-se de sinalizar alguns dos condicionantes dos regimes vigentes de
informação, que afetam e propiciam a incorporação das tecnologias digitais na esfera da
saúde, visando a promover o cumprimento dos objetivos do Sistema Único de Saúde.
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4 OS REGIMES DE INFORMAÇÃO, OS MACRO-SISTEMAS DE SAÚDE E AS
TECNOLOGIAS DIGITAIS NO SUS
Recorremos, neste ponto, ao trabalho de dois especialistas da área de informática,
da Universidade de UIO, Noruega, com trabalhos de pesquisa acerca de grandes sistemas
de informação em saúde, Bendik Bygstad e Ole Hanseth
iii
. Os pesquisadores
noruegueses têm realizado estudos sobre grandes sistemas de saúde, especialmente na
Europa, com ênfase nas infraestruturas dos sistemas de informação em saúde. Tratando-
se de países com uma história significativa em investimentos e implementação de
sistemas públicos de saúde, como Inglaterra e Noruega (BYGSTAD; HANSETH, 2016), as
questões e problemas apresentados poderiam ser de alguma serventia nas
considerações sobre o papel das tecnologias digitais na consolidação e aprimoramento
do SUS.
Entre as questões principais - ou como a mais abrangente -, Bygstad e Hanseth
destacam a existência de uma assimetria entre as expectativas afirmativas sobre o
desempenho das tecnologias de informação (TI) nos macros sistemas de saúde, e a
segmentação dos serviços que implementam essas tecnologias, em diferentes países.
Atualmente, existe uma lacuna entre as altas expectativas em relação à e-saúde
e o status fragmentado dos serviços de TI. Em resposta a essa situação, as
autoridades de saúde de muitos países tem demandado uma estratégia de
governança central de TI e arquitetura empresarial, mas muitos grandes
programas experimentam tensões. Nossa pergunta de pesquisa é: como
podemos entender e administrar as tensões de programas de larga escala em e-
health? (BYGSTAD; HANSETH, 2016, p. 1).
Bystad e Hanseth afirmam que a maioria dos países optam pela combinação de
duas abordagens, para ordenar a informatização dos grandes sistemas de saúde:
soluções pela arquitetura de TI; soluções pela governança de TI.
Enquanto o alinhamento pela governança remete ao planejamento, outorgamento
de prioridades e coordenação de múltiplas atividades nos domínios das ações e das
práticas das agências envolvidas, uma arquitetura remete à concepção e implementação
integrada de padrões e processos na esfera de sua intervenção. Bygstad e Hanseth
problematizam a executabilidade e oportunidade de uma visão holística radical, e em
geral dos modelos top-down”, aplicada aos mega sistemas de e-saúde
iv
, propondo a
busca de soluções mais flexíveis e com soluções diferenciadas, ora locais, ora
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centralizadas.
Edwards et al. (2007), citado pelos autores, consideram que existem três principais
tipos de tensão nas ciber-infraestruturas, afetando-as em suas características orientadas
à equidade e sustentabilidade: tempo, escala, agência (EDWARDS et al., 2007 apud
BYGSTAD; HANSETH, 2016). Para Bygstad e Hanseth (2016), essas tensões se
manifestam de forma diferenciada quando olhadas do ponto de vista da governança ou
da arquitetura das tecnologias de informação (Quadro 1).
Quadro 1 -
Tensões em infraestruturas de informação
Tempo
Escala
Agência
IT
Governance
Entre a utilidade a
curto tempo e a
evolução em
tempos longos
Entre controles
descentralizados
ou centralizados
Entre ações
planejadas e
emergentes
IT
Architecture
Entre padrões
estáveis, de longa
duração, e
dinâmicas flexíveis
Entre escala
global e
necessidades
locais
Entre formas
fracas ou forte
de
acoplamento
Fonte: BYGSTAD; HANSETH, 2016, p. 4, tradução nossa.
Para Bygstad e Hanseth (2016), da revisão da literatura e de suas próprias
pesquisas, poderiam inferir-se algumas orientações acerca da implementação da
governança, e a concepção da arquitetura de infraestruturas de informação, em grandes
sistemas de e-saúde, tendo como princípio de ponderação a estabilidade relativa dos
setores e processos em análise e avaliação. Para os autores, ainda que não se tenham
suficientes e generalizáveis evidências empíricas, entre os elementos mais estáveis
estariam “informações básicas do paciente e alguns outros registros básicos, como
medicamentos e prescrições”; de estabilidade media, rotinas bem estabelecidas, como as
dos laboratórios, e menos estáveis seriam equipamentos utilizados no atendimento dos
pacientes, sujeitos a constante inovação (BYGSTAD; HANSETH, 2016, p .16).
A experiência internacional com tecnologias digitais em grandes sistemas de
saúde traz à luz uma situação de tensões que, conforme a concepção de infraestrutura,
não podem ser ignoradas nem se pode pretender eliminar por inteiro, que dessas
tensões decorrem também processos de inovação e o desenvolvimento de novas e
melhores soluções.
Modelos holísticos e centralizadores, visando a uma integração rigorosa,
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poderiam não ser tão bem-sucedidos como modelos flexíveis, com estabelecimento de
soluções adequadas as plurais situações e necessidades. Na literatura consultada,
surgem indicações sobre a importância de dispor de diferentes soluções de governança,
diferenciando-se os processos e situações estáveis, que permitem padronização e
planejamento de longa duração, das situações e processos em constante mutação ou
imprevisíveis, para os quais não se possui parâmetros estáveis de comparação ou
definição, e devem requerer soluções descentralizadas e locais, conforme recursos e
necessidades.
Nesse sentido, as abordagens que trabalham com o conceito de regimes de
informação, por sua flexibilidade e certo pluralismo epistemológico, parecem oferecer
uma liberdade analítica e descritiva de maior eficácia, do ponto de vista da reconstrução
de ações, sistemas, recursos e tecnologias de informação, que abordagens que trabalham
com modelos únicos, como “campos” ou redes interpessoais.
Em síntese, informação e as tecnologias digitais que compõem as diferentes
expressões da e-saúde não deveriam ser consideradas em sua neutralidade funcional,
fora dos contextos culturais, políticos, econômicos e sociais de sua concepção e
implementação, ainda que as tensões resultantes da digitalização da infraestrutura
informacional da saúde sejam de extensão internacional: a) em parte, alguns problemas
surgem porque os recursos disponíveis reproduzem estruturas da informação
concebidas em configurações prévias, organizacionais ou tecnológicas, tendo que ser
adequadas a novas ofertas e demandas; b) a concepção e implementação de dispositivos
e redes de e-saúde seriam muitas vezes definidos como subsistemas e serviços que se
especializam num certo tipo de eventos e demandas de atendimento, o que tende a
diminuir os efeitos distributivos sobre outras áreas de necessidades e demanda; c)
outras vezes, trata-se de unidades de inovação delimitadas por jurisdições estatais (por
exemplo, estaduais ou municipais), que ainda que sigam rotinas bem sucedidas e
tenham efeitos benéficos, não “conversam” com outras unidades, e suas realizações o
menos aproveitadas na melhoria do macro sistema da saúde; d) aconteceria frequente
instabilidade dos acordos, padrões e contratos, sendo que a negociação de condições e
demandas é compartilhada por atores públicos e privados, com diferentes regimes de
regulação e de definição de valor.
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5 O REGIME DE INFORMAÇÃO EM SAÚDE E SEUS AGENTES: o protagonismo do SUS
Um regime de informação, como outros regimes de políticas, ganha
visibilidade através de seus componentes. Num regime de informação, são componentes
ou dimensões do regime, seus agentes, seus contextos normativos, sua infraestrutura e
disponibilização de meios e artefatos, assim como certa definição da autoridade
epistêmica e de padrões de reconhecimento e validação da informação. Entre esses
componentes, um lugar privilegiado é ocupado pelos agentes do regime, que são os que
possuem autoridade decisória, epistêmica e normativa. Os agentes dos regimes de
informação seriam aqueles que intervém e dinamizam ações, práticas e processos de
informação.
Num regime de informação do SUS são plurais e diversos os agentes que, em
múltiplas formações intersubjetivas, trazem experiências e competências de diferente
ordem, biomédica, sanitarista, de informática e informação em saúde. Empreendedores
e categorias profissionais especializados, tem um papel importante na construção
permanente de um sistema público de saúde coletiva, como profissionais da saúde e
profissionais de informação, técnicos, gestores, provedores de equipamentos e serviços,
pesquisadores. Em cada caso, exercem suas capacidades e funções conforme protocolos,
formulários, planilhas ocupacionais, vocabulários oficiais, a serem conferidos nas
disposições legais e trabalhistas e plausíveis de comparação em estatísticas
internacionais, e requerem credenciamento diferenciado.
Do paciente à clínica, dos serviços de atendimento aos laboratórios, os macros
sistemas de saúde funcionam conforme gramáticas complexas, por vezes por
acoplamentos frouxos entre as partes, por vezes conforme um entreamado de funções
estabilizadas por tradições e formatos institucionais, numa superposição de tempos e
padrões que favorecem sua invisibilidade.
Os regimes de informação, que são parte constitutiva e condicionante desses
macros sistemas de atendimento à saúde, eles mesmos estão sujeitos (ou não), a
segmentações, a herança indiscernível das práticas do passado, as prioridades
ocasionais que acontecem a posterior como desvios. Ninguém ignora as dificuldades, a
demandar o esforço e comprometimento de todos os participantes do Sistema, para o
estabelecimento de arquiteturas e modelos de governança atentos aos princípios e
finalidades do SUS, com comunicabilidade e transparência. E não seria suficiente, sem
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indagar, com igual prioridade, pela inclusão informacional e comunicacional dos
agentes, que sendo categorizados como pacientes, “sujeitos de uma saúde sem ideia”, são
os patronos e destinatários de um Sistema público de saúde.
Em princípio, um regime de informação se caracteriza por sua complexidade e
por sua não transparência imediata, e seriam as políticas intencionais as que orientam
ações e decisões destinadas a preservar e a reproduzir, ou a mudar e substituir um
Regime de Informação”, podendo ser tanto políticas citas ou explícitas quanto micro
ou macro políticas (GONZÁLEZ DE GÓMEZ, 1999).
Num espaço interdisciplinar de profissionais de saúde e de informação, aparece
em toda sua magnitude o problema da infraestrutura infocomunicacional de um macro
sistema de saúde pública, assim como a pluralidade de esforços e realizações nessa
direção, das plataformas translacionais, a telessaúde, aos grupos de pacientes no
WhatsApp.
A dupla entrada, de cidadão-usuário do SUS, não poderia deixar de ser afetada,
por vezes pela insuficiência, por vezes pela complexidade e pluralidade dos meios e
recursos de informação, que geram efeitos adicionais de intransparência e podem gerar
efeitos excedentes de exclusão.
De que maneira a pluralidade de fontes informacionais, concebidas em diferentes
momentos, campanhas, sub-agências, comunidades epistêmicas, se distribuem,
justapõem e vinculam (ou não), nos dispositivos digitais ou em espaços info-
comunicacionais acessíveis?
O protagonismo do SUS, sua aposta na universalização do atendimento à saúde,
requerendo a participação intencional e comprometida de seus agentes, deve ter como
um de seus aliados a autonomia informacional da população que atende: além das
informações em e para a saúde, existe um espaço trans-informacional e comunicacional,
que requer ações diferenciadas de formação e aprendizagem informacional e
comunicacional sobre os próprios regimes e políticas de informação e comunicação em
saúde, incluindo os recursos e ofertas das novas tecnologias. (RENEDO et al., 2017).
Cabe perguntar como podemos avançar além da concepção de subsistemas
estruturados em torno de um núcleo identitário de institucionalização: disciplinar,
corporativo, geopolítico, normativo; e assumir compromissos e tomar decisões
ponderando mais de um contexto de justificação: ético, político, econômico, científico,
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cultural. Como podemos trabalhar para desbordar os cercos da informação envelopada
por gramáticas proprietárias ou administrativas, gerando transversalidade que possam
transformar a alteridade de práticas e modelos em oportunidades de aprendizado.
Cabe perguntar quais os modelos de negócios para equacionar a necessidade de
lidar com tecnologias proprietárias ao mesmo tempo que atender aos requisitos de
estabilidade, duração, padronização, acesso, próprios de um sistema público e gratuito
de saúde.
Quando as tecnologias ganham capacidades de agregação, convergência,
transversalidade, cabe perguntar como elas potencializam as ações de informação em
saúde, que as constituam como recursos sociais - visando aos cuidados e atendimento da
saúde dos coletivos, otimizando conhecimentos, competências, recursos socio-técnicos,
e promovendo formas colaborativas de organização e trabalho.
Podemos, porém, ir mais longe, e perguntar-nos sobre adequada apropriação,
pelos pacientes-cidadãos, dos saberes sobre o arranjo e distribuição das informações em
saúde, os mapas metainformacionais e comunicacionais que ofereçam não acesso às
informações em saúde, sobre serviços de atendimento e sobre cuidados, mas que
também possam implementar uma aprendizagem - gradual mas generalizada e
permanente - sobre os atuais regimes de informação em saúde, dentro e fora do SUS
considerando atores como a ANS - Agencia Nacional de Saúde Suplementar, ou as
políticas de alimentação escolar. A educação é uma ferramenta fundamental na
consolidação das conquistas democráticas.
6 CONCLUSÃO
A voracidade inovadora das tecnologias digitais nos deve levar a valorizar as
plurais manifestações dos saberes e das memórias. As tecnologias, nelas mesmas, tanto
dependem como contribuem com a construção de espaços não maquínicos de
configuração de algo em comum, de aprendizagem e de construção de novas linguagens,
informacionais, educacionais, políticas: thesauros desprivatizados enriquecidos pela
imaginação linguística de plurais atores coletivos.
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7 AGRADECIMENTOS
Agradecemos a Drª. Isa Maria Freire e Drª. Marcia Teixeira Cavalcanti pela leitura
e comentários sobre o texto.
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Inf. Pauta, Fortaleza, CE, v. 3, número especial, nov. 2018 | ISSN 2525-3468
NOTAS
i
A revisão ortográfica, gramatical e em Língua Portuguesa é de responsabilidade da autora.
ii
Para Sandra Braman (2004, 2006), as tecnologias se diferenciariam conforme quatro dimensões: o grau em que são “sociais” em
sua produção e uso; a complexidade do processo capazes de realizar; seu grau de autonomia; a escala de sua manifestação. De acordo
com essas variações, a história das tecnologias apresentaria três grandes "famílias" de técnicas a serviço do fazer humano (making):
as ferramentas, que podem ser usadas por um único homem, como o martelo; as tecnologias propriamente ditas, que são
dispositivos sociais em sua produção e uso, mas cada uma delas com uma linha sequencial e diferenciada de processamento e
transformação dos materiais, e as meta-tecnologias.
iii
Bendik Bygstad (bendikby@ifi.uio.no), e Ole Hanseth (oleha@ifi.uio.no) Department of Informatics, University of Oslo, Oslo,
Norway, desenvolvem pesquisa sobre infraestruturas de informação e sistemas de informação que atendem a macro-sistemas de
atendimento à saúde. Destacamos estas pesquisas por um lado, pelo conhecimento prévio dos autores, e por outro, porque trazem a
experiência com sistemas estatais de saúde.
iv
“How should this challenge be governed in e-health? A combination of two approaches have been chosen in most countries: The
establishment of an IT governance regime, in order to plan, prioritize and coordinate the various activities (Weill and Ross, 2004;
ISACA 2012).The establishment of an IT architectural regime, consisting of enterprise architecture (EA), various standards and an
implementation process (Ross et al., 2006; Open Group, 2011).” Bygstad; Hanseth (2016), p. 2.