MÉTODOS ESTRATÉGICOS GERAIS PARA ESTUDOS DA INFORMAÇÃO NO CONTEXTO
VIRTUAL
GENERAL STRATEGIC METHODS FOR STUDIES OF INFORMATION IN THE VIRTUAL
CONTEXT
Ruleandson do Carmo Cruz¹
¹ Doutor em Ciência da Informação pela
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
E-mail: ruleandson@gmail.com
ACESSO ABERTO
Copyright: Esta obra está licenciada com uma
Licença Creative Commons Atribuição 4.0
Internacional.
Conflito de interesses: O autor declara que não
há conflito de interesses.
Financiamento: Não há.
Declaração de Disponibilidade dos dados:
Todos os dados relevantes estão disponíveis
neste artigo.
Recebido em: 24/04/2019.
Revisado em: 01/05/2019.
Aceito em: 10/05/2019.
Como citar este artigo:
CRUZ, Ruleandson do Carmo. Métodos
estratégicos gerais para estudos da informação
no contexto virtual. Informação em Pauta,
Fortaleza, v. 4, n. especial, p. 10-25, maio 2019.
DOI: https://doi.org/10.32810/2525-
3468.ip.v4iEspecial.2019.41206.10-25.
RESUMO
Aborda-se métodos estratégicos qualitativos
gerais para estudo da informação no contexto
virtual. Define-se pesquisa qualitativa,
informação e o contexto virtual de produção e
circulação da informação. Traça-se estratégias
para articulação entre objetivos de pesquisa e
procedimentos metodológicos afim de alcançar-
se os resultados, respondendo ao problema de
pesquisa. Conclui-se que o estudo da informação
em contextos virtuais requer criatividade
metodológica.
Palavras-chave: Métodos. Internet. Estudos de
usuários.
ABSTRACT
General qualitative strategic methods are studied
for the study of information in the virtual context.
It defines qualitative research, information and
the virtual context of information production and
circulation. Strategies are articulated between
research objectives and methodological
procedures in order to reach the results,
responding to the research problem. We
conclude that the study of information in virtual
contexts requires methodological creativity.
Keywords: Methods. Internet. User studies.
Inf. Pauta
Fortaleza, CE
v. 4
n. especial
maio 2019
ISSN 2525-3468
DOI: https://doi.org/10.32810/2525-3468.ip.v4iEspecial.2019.41206.10-25
Cruz | Estudos da informação no contexto virtual
11
1 INTRODUÇÃO
O estudo dos sujeitos informacionais no contexto virtual da informação,
especialmente no âmbito da produção e da circulação da informação em sites e aplicativos
voltados à formação de redes sociais virtuais requer um esforço no referente ao desenho
da pesquisa, pois os métodos e procedimentos de coleta e análise de dados ainda são
insuficientes para a investigação de um cenário recente no campo das pesquisas
científicas, como o campo das redes virtuais.
Hodiernamente, sabe-se que dos cerca de 7,4 bilhões de pessoas que vivem no
mundo (CRIADO, 2016), pelo menos dois bilhões são usuários mensais do site voltado à
formação de redes sociais virtuais Facebook e 800 milhões de pessoas nele curtem
postagens diariamente ação de demonstrar ter gostado da informação compartilhada
por outro sujeito informacional usuário do referido site (AGÊNCIA BRASIL, 2017).
Destarte, o Facebook é apenas um das dezenas de sites do tipo existentes e nos quais
sujeitos de diversas partes do planeta criam e compartilham, socializam, informações. Na
contemporaneidade, o acesso a e a navegação em sites de redes sociais são as atividades
mais comuns dos internautas mundiais (CISCO, 2017), sendo que, especialmente no Brasil,
os sujeitos costumam passar, em dia, 650 horas por mês navegando em redes sociais
(COMSCORE, 2015).
Assim, no presente artigo, sugere-se alguns métodos estratégicos gerais que o
pesquisador no campo da Ciência da Informação CI e áreas correlatas, ao realizar
pesquisas qualitativas, pode adotar para desenhar a pesquisa e ir dos objetivos aos
resultados com mais assertividade.
2 SUJEITO INFORMACIONAL E INFORMAÇÃO ENQUANTO ARTEFATO CULTURAL
Como sugestão geral de desenho de pesquisa, o presente artigo recomenda que os
pesquisadores considerem nos estudos da informação no contexto virtual os conceitos de
sujeito informacional, práticas informacionais e informação enquanto artefato cultural.
Na CI, o sujeito em contato com a informação costuma ser entendido como usuário da
informação: inicialmente, usuário-público, com características sociodemográficas,
interage com dado sistema ou serviço de informação; posteriormente, é central o
12
Cruz | Estudos da informação no contexto virtual
Inf. Pauta, Fortaleza, CE, v. 4, n. especial, maio 2019 | ISSN 2525-3468
entendimento do sujeito por meio de um tripé necessidade-busca-uso (PINHEIRO, 1982;
LE COADIC, 1996). Por tal tripé, o usuário é um sujeito que, por uma necessidade
informacional, converte-se em usuário da informação, ao lidar com a informação (NÚÑEZ
PAULA, 2004, p. 24). Mas, tais entendimentos enfrentam críticas no campo. Duas das mais
fortes são as de Day (2011) e Réndon-Rojas e García Cervantes (2012), na qual emerge o
termo sujeito informacional.
De acordo com Day (2011), é preciso que o campo da CI demarque a morte do
termo usuário da informação, por ser ele teoricamente inadequado para a compreensão
dos aspectos sociais, culturais e físicos dos indivíduos e das relações dos sujeitos com os
afetos e poderes de tais aspectos. Também faz-se importante frisar-se que, ao pensar em
usuário da informação, segundo o autor, foca-se na pesquisa que visa determinar causas
e efeitos durante o processo de busca por informação. Assim, é preciso, mais do que isso,
"visualizar sujeitos e objetos como co-emergências mediadas através de co-
determinações contextuais e por meio de zonas comuns de afetos mútuos [relacionais]"
(DAY, 2011, p. 86, tradução nossa).
Assim, em considerável semelhança a entendimentos da problemática apontada
por Day (2011), surgem ideias divergentes ao termo usuário da informação. Neste
contexto, abordagens em ascensão nas pesquisas em CI, conceituam e entendem os
usuários enquanto sujeitos sociais que mantém relações com a informação, de acordo com
Araújo (2013).
A relação entre sujeito e objeto informacional é a premissa básica para se entender
o sujeito informacional, de acordo com Rendón-Rojas e García-Cervantes (2012), que
introduzem o conceito de sujeito informacional.
É neste contexto que se a emergência do sujeito informacional, em um cenário
que condiciona, mas ao mesmo tempo permite ao sujeito interpelar para
demandar, construir e articular novas estruturas socioinformativas, para atuar
nessa conjuntura social.
Perante este fenômeno social, se reafirma que as identidades não se impõem, se
constroem; são produto das relações sociais complexas (RENDÓN-ROJAS e
GARCÍA-CERVANTES, 2012, p. 36-37, tradução nossa).
Dessa forma, só se faz sentido pensar em um sujeito informacional em um contexto
social, contexto no qual a informação apresenta-se enquanto artefato cultural. discutir o
funcionamento informacional da cultura, Marteleto (1995) tece algumas observações a
Cruz | Estudos da informação no contexto virtual
13
Inf. Pauta, Fortaleza, CE, v. 4, n. especial, maio 2019 | ISSN 2525-3468
respeito do “processo de construção da idéia de informação como artefato cultural, como
forma de criação e instituição dos significados ou ainda como modo de produção, controle
e distribuição social dos bens simbólicos” (online). Assim, a autora aborda a cultura
informacional nesses aspectos, buscando entender a funcionalidade da informação no
âmbito social e histórico e sem relação com o entendimento da cultura informacional dado
por Davenport (2000).
Para aprofundar tal discussão, Marteleto (1995, online) define no contexto de seu
entendimento da cultura informacional a cultura como conjunto de artefatos
construídos pelos sujeitos em sociedade (palavras, conceitos, técnicas, regras, linguagens)
pelos quais dão sentido, produzem e reproduzem sua vida material e simbólica” e a
informação enquanto derivada da cultura como algo que diz respeito não apenas ao
modo de relação dos sujeitos com a realidade, mas também aos artefatos criados pelas
relações e práticas sociais [...] uma probabilidade de sentido” (online).
A autora frisa que cultura e informação são conceitos e fenômenos interligados
naturalmente, pois a cultura é a depositária da informação social, pois, por meio dos
padrões culturais, a cultura funciona como modelo para organização dos processos sociais
e psicológicos. Desse modo, os padrões culturais (religioso, filosófico, estético, científico
ou ideológico) tornam-se fontes de informação através das quais a vida humana pode ser
padronizada (GEERTZ, 1978 , p. 188 apud Marteleto, 1995, online). Um dos pontos
principais desses processos, para Marteleto (1995, online), é que “a cultura é o primeiro
momento de construção conceitual da informação, como artefato, ou como processo que
alimenta as maneiras próprias de ser, representar e estar em sociedade”.
Acerca do funcionamento da cultura, Marteleto (1995, online) pondera ser ele um
modo de funcionamento social-histórico. Os artefatos culturais são produzidos e
reproduzidos através de sua institucionalização na sociedade, efetivada, em primeiro
plano, mediante a coerção e as sanções e, em segundo plano, pela adesão, o apoio, a
legitimidade e a crença. Assim, a cultura é social e histórica, pois os artefatos culturais e
os próprios indivíduos são criações culturais e históricas, que dão coesão à sociedade
comportando-se como um tecido imenso e complexo de significações (CASTORIADIS,
1987 , p. 229 apud MARTELETO, 1995, online).
Tais significações, de acordo com Marteleto (1995), desenvolvem-se sempre em
duas dimensões, a dimensão conjuntista-identitária e a dimensão propriamente
14
Cruz | Estudos da informação no contexto virtual
Inf. Pauta, Fortaleza, CE, v. 4, n. especial, maio 2019 | ISSN 2525-3468
imaginária. Nesse sentido, entende-se por dimensão conjuntista-identitária o modo como
“a sociedade opera, agindo e representando, por meio de elementos, classes, propriedades
e relações tidos como distintos e definidos [...] o funcionamento da sociedade, das
instituições e dos significados pode ser determinado e controlado” (CASTORIADIS, 1987,
p. 235-236 apud MARTELETO, 1995, online). Por sua vez, na dimensão propriamente
imaginária, “o esquema dominante é o da significação. Posto que as significações podem
ser demarcadas, mas não determinadas, uma vez que elas se conectam umas às outras
como uma cadeia infinita e não previsível) (CASTORIADIS, 1987, p. 235 apud MARTELETO,
1995, online).
Marteleto (1995) frisa também que a informação enquanto forma e dinâmica
cultural é uma forma instituída de memória, gestão, distribuição e recepção dos artefatos
culturais, é aqui o elemento de ligação entre as dimensões conjuntista-identitária e
imaginária, que regem o funcionamento da ‘instituição total da sociedade’ e da própria
dinâmica cultural” (online). O resultado é que os artefatos culturais somente são
produzidos e reproduzidos pelo modo informacional, pois toda prática social é uma
prática informacional, compreendida como os “mecanismos mediante dos quais os
significados, símbolos e signos culturais são transmitidos, assimilados ou rejeitados pelas
ações e representações dos sujeitos sociais em seus espaços instituídos e concretos de
realização” (MARTELETO, 1995, online).
Nessa perspectiva, Bordieu (1980) apud Marteleto (1995, online) lembra que, nas
sociedades contemporâneas, a perda de poder da aristocracia e da Igreja resulta na
constituição e fortalecimento de campos relativamente autônomos de produção e
reprodução cultural, como os campos sociais artístico, filosófico, científico e educacional,
bem como os campos sociais de distribuição e consumo como editoras, bibliotecas,
arquivos, museus e a indústria cultural. Tal situação propicia a atual existência de um
mercado de oferta e de consumo dos bens culturais. Ressalta-se ainda que os bens
culturais produzidos como matéria informacional são distribuídos socialmente e o
compartilhados, pois são dependentes das instâncias de produção, reprodução,
transmissão e aquisição (MARTELETO, 1995, online).
Para a autora, o funcionamento dos campos sociais integra as condições de
produção, transmissão e aquisição dos bens culturais, sendo que tais condições são
representantes dos mecanismos que situam emissores-transmissores-receptores, assim
como integra também os objetos, valores e sentidos que acompanham as informações. No
Cruz | Estudos da informação no contexto virtual
15
Inf. Pauta, Fortaleza, CE, v. 4, n. especial, maio 2019 | ISSN 2525-3468
entanto, segundo Marteleto (1995), os campos sociais não criam uma totalidade, devido
à separação entre produtores e receptores dos bens culturais “por critérios de saber e de
poder, que, em última instância, dizem respeito à acessibilidade aos campos e aos seus
significados, [o que] supõe e repõe incessantemente as diferenças e os conflitos sociais”
(MARTELETO, 1995, online). Nesse cenário cultural, a informação, para a autora, organiza
as relações sociais dispersas e conflituais e aparência de dispersão e neutralidade
ao conhecimento racional produzido como se fosse homogêneo e indivisível.
Na mesma perspectiva social, surgem os chamados estudos das práticas
informacionais. Para Savolainen (2007), a ideia de prática informacional nasce nos anos
1960, mas ainda é pouco usada no campo da CI, em comparação ao uso do conceito de
comportamento informacional. De acordo com Araújo (2007; 2013), o conceito de prática
informacional é oriundo do conceito de prática usado pela etnometodologia estudo dos
métodos pelos quais os indivíduos dão sentido às suas ações e permite estudar os
sujeitos informacionais considerando as facetas sociais da produção de conhecimento.
Assim, Savolainen (2007) afirma: "comparado com o modelo de comportamento
informacional, o conceito de prática informacional adota como papel central os aspectos
sociais e culturais enquanto fatores determinantes e qualificantes da busca por
informação e compartilhamento de informação pelos sujeitos" (SAVOLAINEN, 2007, p.
125, tradução nossa). Destarte, o autor frisa que tanto o comportamento informacional
quanto as práticas informacionais focam-se no modo como o sujeito lida com a
informação, apesar disso, o comportamento informacional entende o lidar com a
informação como sendo desencadeado por motivos e necessidades, enquanto a prática
informacional entende que o lidar com a informação relaciona-se com a continuidade e a
habitualização de ações moldadas e afetadas pelo social e pelo cultural (SAVOLAINEN,
2007).
3 PESQUISA QUALITATIVA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO
Este artigo demarca-se enquanto sugestão de métodos estratégicos para a
pesquisa social qualitativa. Para Bauer, Gaskell e Allum (2008), a pesquisa social é a que
se apoia em dados sociais resultantes e produzidos nos processos de comunicação,
16
Cruz | Estudos da informação no contexto virtual
Inf. Pauta, Fortaleza, CE, v. 4, n. especial, maio 2019 | ISSN 2525-3468
divididos em dois modos de dados sociais: comunicação formal e comunicação informal,
que podem ser produzidos em três meios, texto, imagem e som. De acordo com os autores,
o modo de dados sociais de comunicação informal é gerado quando o pesquisador
interessa-se por “como as pessoas espontaneamente se expressam e falam sobre o que é
importante para elas e como elas pensam sobre suas ações e a dos outros” (p. 21), sem a
exigência de um conhecimento especializado como se com os dados sociais de
comunicação formal.
Ao analisar a metodologia para a pesquisa social, Minayo (2009, p. 21) afirma que
o objeto das ciências sociais é essencialmente qualitativo, por tratar-se dos conjuntos das
expressões humanas presentes nas estruturas, processos, representações sociais,
expressões da subjetividade, símbolos e significados. Assim, a autora pondera que a
pesquisa qualitativa nas Ciências Sociais se ocupa com o universo da produção humana,
que dificilmente pode ser traduzido em números e/ou indicadores quantitativos.
Segundo Flick (2009, p. 16), a pesquisa qualitativa não possui modelos precisos,
por isso, uma de suas principais características e necessidades é o princípio da adequação
como orientador na pesquisa qualitativa: “os métodos devem ser adequados àquela
questão e devem ser abertos o suficiente para permitir um entendimento de um processo
ou relação”.
Do mesmo modo que a pesquisa qualitativa, a pesquisa em CI também não possui
uma metodologia específica e deve atentar-se à adequação das estratégias metodológicas
à problemática em estudo, pois, conforme ressalta González de Gomez (2000, online), a CI
apresenta-se desde seu início como conjunto de saberes agregados por questões antes
que por teorias”. Com isso, a autora observa que
Quando são abordadas as práticas e ações de informação [como na presente
pesquisa], devemos usar estratégias comunicacionais seja para reconstruir a
produção de sentido dos atores sociais, seja para construir e interpretar
indicadores operacionalizados sobre produtos e resultados observáveis das
ações de informação. O acesso comunicacional aos fenômenos culturais da
informação requer estratégias metodológicas descritivas, interpretativas,
próprias da antropologia, a sociolinguística, os estudos sociais da ciência, entre
outras (GONZÁLEZ DE GOMEZ, 2000, online).
Para a objetivação e produção do conhecimento no campo da CI, associam-se
princípios conceituais e metodológicos diferentes. Assim, González de Gomez (2000)
sugere que no estudo das ações de informação dos atores sociais considere-se a seguinte
associação entre conceitos e metodologia de pesquisa, conforme ilustra o QUADRO 1.
Cruz | Estudos da informação no contexto virtual
17
Inf. Pauta, Fortaleza, CE, v. 4, n. especial, maio 2019 | ISSN 2525-3468
Assim, ao estudar-se o estrato informacional relacionado à produção subjetiva da
informação, como na presente pesquisa, o objeto da CI deve ser considerado como a
“construção de significado de segundo grau a partir das práticas e ações sociais de
informação, que constituem seu domínio fenomênico” (GONZÁLEZ DE GOMEZ, 2000,
online).
Destarte, considerado o supracitado, o pesquisador deve definir o desenho da
pesquisa. Para Flick (2009), o desenho da pesquisa qualitativa evidencia como serão
coletadas e analisadas as evidências que possibilitarão ao pesquisador responder às
perguntas da investigação em curso, sendo composto pela amostragem, comparação
pretendida (indicação das dimensões e níveis em que se pretende fazer comparações
comparar grupos ou pessoas ou situações específicas entre si), generalização pretendida,
questões relativas à qualidade, públicos e escrita, triangulação, e limitação do foco, para
tornar a pesquisa exeqüível.
Assim, sugere-se no presente artigo que o estudioso da informação no contexto das
redes sociais virtuais adote o desenho geral de pesquisa dos estudos devido a adequação
às características gerais de tal estratégia de pesquisa. conforme observa Yin (2005), tal
estratégia é válida à pesquisa social porque nela não se pode controlar eventos
comportamentais, portanto, pode-se estudá-los observando-se os acontecimentos
e/ou realizando-se entrevistas com as pessoas neles envolvidos (YIN, 2005, p. 26-27).
Segundo o autor:
estudos de casos representam a estratégia preferida quando se colocam
questões do tipo ‘como’ e ‘por que’, quando o pesquisador tem pouco controle
18
Cruz | Estudos da informação no contexto virtual
Inf. Pauta, Fortaleza, CE, v. 4, n. especial, maio 2019 | ISSN 2525-3468
sobre os acontecimentos e quando o foco se encontra em fenômenos
contemporâneos inseridos em algum contexto da vida real [...] a clara
necessidade pelos estudos de caso surge do desejo de se compreender
fenômenos sociais complexos [...] o estudo de caso permite uma investigação
para se preservar as características holísticas e significativas dos
acontecimentos da vida real (YIN, 2005, p. 19-20).
Segundo Martins (2008), o estudo de caso é uma estratégia de pesquisa que exige
análise qualitativa, por ter como objetivo o estudo aprofundado e intensivo de uma
unidade social (um caso), pesquisada dentro de seu contexto real, onde o pesquisador não
tem controle sobre eventos e variáveis, mas busca a apreensão total da realidade de uma
situação para descrevê-la, compreendê-la e interpretá-la diante de sua complexidade.
De acordo com Yin (2005), os estudos de casos dividem-se em estudos de caso
único e em estudos de casos múltiplos. Assim, o estudo de caso único consiste no estudo
de uma única unidade, que deve ser escolhida quando um caso representa o caso decisivo
para se testar uma teoria bem formulada, ou trata-se de um caso raro ou extremo,
representativo ou típico (YIN, 2005, p. 62-63), enquanto o estudo de casos múltiplos
consiste no estudo de mais de um caso único no mesmo estudo de caso, sendo que cada
caso selecionado deve servir a um propósito diferente (YIN, 2005, p. 68). Como a presente
pesquisa não possui subsídios para tratar uma única comunidade do Orkut como caso
decisivo, opta-se pela realização de um estudo de casos múltiplos, no qual cada
comunidade virtual em estudo representará um caso único.
Para Yin (2005), o estudo de caso pode ainda ser holístico ou incorporado. Com
isso, o estudo holístico de caso se quando se analisa a natureza global de um evento,
programa ou organização (YIN, 2005, p. 65), enquanto o estudo incorporado de caso
ocorre quando dentro de um caso único (ou de cada caso único em um estudo de casos
múltiplos) se atenção a uma subunidade ou a várias subunidades, cada uma podendo
utilizar técnicas diferentes de coleta de dados (YIN, 2005, p. 64-65). Como no presente
estudo se dará atenção a subunidades (comportamento informacional, cultura
informacional, redes sociais, representações sociais e informação sobre amor) em cada
caso (comunidade virtual) opta-se por um estudo incorporado de casos múltiplos.
Sob a ótica metodológica, Martins (2008, p. xii) diz que um estudo de caso deve ser
“precedido pela exposição do problema de pesquisa questões orientadoras do
enunciado de proposições teses que compõem a teoria preliminar que será avaliada a
partir dos achados da pesquisa; de uma plataforma teórica”. O autor destaca ainda a
importância de se apresentar um detalhado planejamento de toda a pesquisa, por meio
Cruz | Estudos da informação no contexto virtual
19
Inf. Pauta, Fortaleza, CE, v. 4, n. especial, maio 2019 | ISSN 2525-3468
do protocolo do estudo de caso, que deve conter: “descrição dos instrumentos de coleta
de dados e evidências, estratégias de coleta e análise dos dados, possíveis triangulações
de dados, prováveis encadeamentos de evidências e avaliações da teoria previamente
admitida” (MARTINS, 2008, p. xii).
Dento de tal desenho de pesquisa enquanto estudo de caso, o pesquisador deve
estar atento ao papel da revisão de literatura na pesquisa. Para Yin (2005), a revisão de
literatura (ou revisão teórica) tem como objetivo criar um referencial teórico ou
plataforma teórica para subsidiar a análise a ser realizada pela pesquisa e a teoria a ser
desenvolvida por ela. Com isso, Yin (2005, p. 28) observa que a revisão teórica em um
estudo de caso é um meio para se atingir uma finalidade, e não como pensam muitos
estudantes uma finalidade em si”. Assim, considerando-se Gil (2009), a revisão de
literatura para compor o referencial teórico do presente estudo considera a pesquisa
bibliográfica e a pesquisa documental: a) pesquisa bibliográfica) para Gil (2009), a
pesquisa bibliográfica contempla a revisão de livros e artigos científicos que permitem ao
pesquisador cobrir fenômenos mais amplos do que se imagina de início, dando base
teórica para a fase de análise de tais fenômenos; b) pesquisa documental) segundo Gil
(2009), assemelha-se à pesquisa bibliográfica, no entanto, sua maior diferença está na
natureza das fontes, pois tal pesquisa é formada por materiais que ainda não passaram
por tratamento analítico, ou que podem ser reelaborados segundo os objetivos da
pesquisa. De acordo com o autor, os documentos de primeira mão, que ainda não foram
tratados analiticamente, como: documentos oficiais, reportagens de jornal, cartas, filmes,
fotografias etc.; e os de segunda mão, que foram analisados de alguma forma, como:
relatórios de pesquisa; relatórios de empresas; tabelas estatísticas etc.
Além da revisão de literatura, em uma pesquisa social qualitativa na qual se utiliza
o desenho de estudo de caso, ainda teoria descritiva a ser desenvolvida. Acerca da
teoria a ser desenvolvida em um estudo de caso, pondera-se que tal teoria tem o objetivo
de ser um esquema suficiente para o estudo, bem como o de determinar quais dados
devem ser coletados e as estratégias de análise desses dados (YIN, 2005, p. 49-51). Sob
ótica similar, Martins (2008, p. 11-12) constata que tal teoria busca “explicações e
interpretações convincentes para situações que envolvam fenômenos sociais complexos”
e inferências analíticas sobre proposições constatadas no estudo e outros conhecimentos
encontrados”.
20
Cruz | Estudos da informação no contexto virtual
Inf. Pauta, Fortaleza, CE, v. 4, n. especial, maio 2019 | ISSN 2525-3468
Dentre as possibilidades de teoria a serem desenvolvidos, Yin (2005) destaca o
desenvolvimento de uma teoria descritiva em um estudo de caso, teoria essa que deve: a)
voltar-se ao propósito descritivo de responder a questões sobre como se configura
determinado fenômeno; b) ser ampla, mas realista no sentido de exequível, considerando-
se uma variedade de tópicos que podem ser considerados como uma descrição do que se
estuda; c) apontar prováveis tópicos que serão a essência da descrição (ver as categorias
de análise dessa pesquisa, f. 186-188). Para o autor, o objetivo é o de generalizar um
conjunto particular de resultados a alguma teoria mais abrangente” (YIN, 2005, p. 58).
Dessa maneira, neste artigo sugere-se aos pesquisadores estudiosos da
informação no contexto da informação produzida e circulante em ambientes
virtuais que dediquem os estudos, de forma inicial, ao desenvolvimento de uma
teoria descritiva sobre como se configuram as práticas informacionais e a
informação enquanto artefato cultural dos sujeitos informacionais em estudo.
Para essa tarefa em específico, realiza-se duas etapas do estudo de caso: as
questões orientadoras (questões de estudo a serem respondidas pela pesquisa científica),
e as proposições teóricas (substitutas das hipóteses comumente formuladas em pesquisas
científicas), sendo que cada proposição direciona a atenção a alguma coisa que deveria
ser examinada dentro do escopo do estudo”. Segundo Martins (2008), tais proposições
teóricas são
formuladas a partir de algum conhecimento do caso e reflexões do pesquisador
[...] podem ser entendidas como uma teoria preliminar, criada pelo autor, que
buscará, ao longo do trabalho, defender e demonstrar. Ou seja, a explicitação de
uma teoria acerca do caso, anterior à coleta de qualquer dado ou evidências [...]
substituem os objetivos e as hipóteses normalmente formuladas nas pesquisas
convencionais (MARTINS, 2008, p. 68).
Para o desenvolvimento da referida teoria descritiva o pesquisador pode (ou deve)
valer-se de uma estratégia básica recomendada sempre em bancas de qualificação pela
professora Adriana Bogliolo: 1) criar um primeiro quadro associando objetivos de
pesquisa (questões orientadoras em estudos de casos) e categorias de análise (categorias
advindas do referencial teórico da pesquisa e que vão subsidiar a análise); 2) criar um
segundo quadro no qual o pesquisador associe categoria de análise com procedimentos
metodológicos e principais teorias associadas para a análise qualitativa. Sugere-se isso,
pois é comum o pesquisador ficar em dúvida sobre quais dados deve coletar e como deve
analisar tais dados. Assim, uma forma de clarificar tal processo é construindo um quadro
Cruz | Estudos da informação no contexto virtual
21
Inf. Pauta, Fortaleza, CE, v. 4, n. especial, maio 2019 | ISSN 2525-3468
relacionando cada objetivo da pesquisa e pensando em quais procedimentos
metodológicos ele deve utilizar para conseguir coletar tais dados.
A seguir apresenta-se tais quadros sem serem aplicados a uma pesquisa e na
sequência os quadros já aplicados a um estudo de mestrado (CRUZ, 2011).
Apresentados os modelos gerais desenhados pelo autor com base nas orientações
de Bogliolo, traz-se, na sequência, a aplicações dele em pesquisa de mestrado que
22
Cruz | Estudos da informação no contexto virtual
Inf. Pauta, Fortaleza, CE, v. 4, n. especial, maio 2019 | ISSN 2525-3468
objetivou estudar a representação do amor em sites de redes sociais, ressalta-se que a
referenciada pesquisa foi produzida em 2011, antes do autor adotar os conceitos de
sujeito informacional e práticas informacionais aqui sugeridos, o que não desmerece os
quadros enquanto exemplos metodológicos.
Cruz | Estudos da informação no contexto virtual
23
Inf. Pauta, Fortaleza, CE, v. 4, n. especial, maio 2019 | ISSN 2525-3468
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O desenho da pesquisa qualitativa é um dos principais desafios tanto para os
pesquisadores em geral no campo da CI quanto para os que especificamente dedicam-se
ao estudo das informações no contexto virtual. Dessa forma, a proposta do presente artigo
foi aplicada com êxito em dois estudos de fôlego e alta complexidade (CRUZ 2011; CRUZ
2014), o que faz com que se creia no êxito de tais sugestões.
Quando o pesquisador entende claramente a relação entre as categorias de análise,
os procedimentos metodológicos e o referencial teórico que subsidiará a análise ele se
24
Cruz | Estudos da informação no contexto virtual
Inf. Pauta, Fortaleza, CE, v. 4, n. especial, maio 2019 | ISSN 2525-3468
foca no que é necessário para se alcançar os objetivos da pesquisa, sem entregar um
estudo que o se relacione ao problema de pesquisa e sem gastar tempo e energia
desnecessários para entender como coletar e analisar dados. A ideia dos quadros aqui
apresentados é facilitar tal processo ao se estudar as práticas informacionais de sujeitos
informacionais imbricados na produção e socialização de informações no contexto virtual.
Frisa-se que as sugestões aqui apresentadas são gerais, em outro trabalho focou-se em
sugestões especificas para o estudo da informação nos sites de redes sociais virtuais
(CRUZ; 2018).
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, Carlos Alberto Ávila. O sujeito
informacional no cruzamento da Ciência da
Informação com as Ciências Sociais. XIV,
ENANCIB, 2013, Florianópolis, SC. In: XIV
Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da
Informação, 14., 2013, Florianópolis, SC.
Anais [...]. Florianópolis, SC: XIV ENANCIB,
2013. Disponível em:
http://enancib.sites.ufsc.br/index.php/enan
cib2013/XIVenancib/paper/viewFile/142/2
6. Acesso em: 01 nov. 2013.
BAUER, Martin W.; GASKELL, George;
ALLUM. Nicholas C. Qualidade, quantidade e
interesses do conhecimento evitando
confusões. In: BAUER, Martin W.; GASKELL,
George (Org.). Pesquisa qualitativa com
texto, imagem e som: um manual prático.
Petrópolis: Vozes, 2008. p. 17-36.
CISCO. The zettabyte era: trends and
analysis. Cisco, Solutions, Write pappers, 7
jun. 2017. Disponível em:
http://www.cisco.com/c/en/us/solutions/c
ollateral/service-provider/visual-
networking-index-vni/vni-
hyperconnectivity-wp.html. Acesso em 14
jul. 2017.
COMSCORE. Futuro digital em foco 2015.
ComScore, 2015. Disponível em:
http://www.comscore.com/por/layout/set/
popup/Request/Presentations/2015/2015-
Global-Digital-Future-in-Focus. Acesso em 14
jul. 2017.
CRIADO, Miguel Ángel. 10 bilhões de pessoas
povoarão a Terra em 2053. El País,
Demografia, 25 ago. 2016. Disponível em:
https://brasil.elpais.com/brasil/2016/08/2
5/ciencia/1472108333_340880.html. Acesso
em: 14 jul. 2017.
CRUZ, Ruleandson do Carmo. Cultura
informacional e distinção: a orkutização sob
o olhar social da Ciência da Informação. Tese.
(Doutorado em Ciência da Informação) -
Universidade Federal de Minas Gerais, Escola
de Ciência da Informação, Belo Horizonte,
2014. Disponível em:
http://ruleandson.blogspot.com/2014/11/c
ultura-informacional-e-distincao.html.
Acesso em: 28 abr. 2019.
CRUZ, Ruleandson do Carmo. Proposta
teórico-metodológica para o estudo de
sujeitos informacionais usuários de sites de
redes sociais virtuais. Revista Brasileira de
Educação em Ciência da Informação, v.5,
n.1, p.47-62, jan./jun. 2018. Disponível em:
https://drive.google.com/file/d/1yYePXG8e
29vUGZWMtG1ftm4pi70eDU4T/view?usp=s
haring. Acesso em: 2 set. 2018.
CRUZ, Ruleandson do Carmo. Redes sociais
virtuais de informação sobre amor:
comportamento e cultura informacional de
usuários do Orkut, 2011. Dissertação
(Mestrado em Ciência da Informação) -
Universidade Federal de Minas Gerais, Escola
de Ciência da Informação, Belo Horizonte,
Cruz | Estudos da informação no contexto virtual
25
Inf. Pauta, Fortaleza, CE, v. 4, n. especial, maio 2019 | ISSN 2525-3468
2011. Disponível em:
http://ruleandson.blogspot.com/2011/06/r
edes-sociais-virtuais-de-informacao.html.
Acesso em: 28 abr. 2019.
DAVENPORT, Thomaz H. Ecologia da
informação: porque só a tecnologia não
basta para o sucesso da era da informação.
São Paulo: Futura, 2000.
DAY, Ronald E. Death of the
user: reconceptualizing subjects, objects, and
their relations. Journal of the American
Society for Information Science and
Technology, Silver Spring, v. 62, n. 1, p. 78
88, 2011. Disponível em:
http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002
/asi.21422/epdf. Acesso em: 11 jul. 2017.
FLICK, Uwe. Desenho da pesquisa qualitativa.
Porto Alegre: Artmed, 2009.
GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de
pesquisa social. São Paulo: Atlas, 2009.
GONZÁLEZ DE GOMEZ, Maria Nélida.
Metodologia de pesquisa no campo da
Ciência da Informação. Data Grama Zero
Revista de Ciência da Informação, v. 1, n. 6,
dez. 2000. Disponível em:
http://www.dgz.org.br/dez00/Art_03.htm.
Acesso em 10 jan. 2010.
LE COADIC, Yves-François. A ciência da
Informação. Brasília: Briquet de
Lemos/Livros, 1996.
MARTELETO, Regina Maria. Cultura
Informacional: construindo o objeto
informação pelo emprego dos conceitos de
imaginário e campo social. Ciência da
Informação, v. 24, n. 1, 1995. Disponível em:
http://revista.ibict.br/index.php/ciinf/articl
e/viewFile/535/487. Acesso em: 10 jan.
2010.
MARTINS, Gilberto de Andrade. Estudo de
caso: uma estratégia de pesquisa. São Paulo:
Atlas, 2008.
MINAYO, Maria Cecília de Souza (org.);
DESLANDES, Suely Ferreira; GOMES, Romeu.
Pesquisa social: teoria método e
criatividade. Petrópolis: Vozes, 2009.
NÚÑEZ PAULA, Israel. Las necessidades de
información y formación: perspectivas socio-
psicológica e informacional. Acimed, Cuba, v.
12, n. 5, set./out. 2004. Disponível em:
http://bvs.sld.cu/revistas/aci/vol12_5_04/a
ci04504.htm. Acesso em: 10 jan. 2010.
PINHEIRO, Lena Vânia Ribeiro. Usuários
informação: o contexto da ciência e da
tecnologia. Rio de Janeiro: IBICT, 1982.
Disponível em:
http://biblioteca.ibict.br/phl8/anexos/PINH
EIROusuarios.pdf. Acesso em: 1 abr. 2010.
SAVOLAINEN, Reijo. Information behavior
and information practice: reviewing the
“umbrella concepts” of information-seeking
studies. Library Quarterly, Chicago, v. 77, n.
2, p. 109-132, 2007.
YIN, Robert K. Estudo de caso:
planejamento e métodos. Porto Alegre:
Bookman, 2005.