Volume 4, número especial/2019, ISSN 2525-3468
contribuições de
adriana bogliolo
Informação em Pauta
IP
Inf. Pauta
ISSN 2525-3468
Fortaleza
v. 4
p. 1-155
maio 2019
Ficha Catalográfica
Informação em Pauta : IP / Universidade Federal do Ceará, Departamento de
Ciências da Informação, Programa de Pós-Graduação em Ciência da
Informação. - v. 4, número especial (maio 2019)-- Fortaleza : UFC, 2019 - .
v. : il. ; 27 cm.
Semestral.
Descrição baseada em: v. 2, n. 1 (jan./jun. 2017).
Disponível no Portal de Periódicos da UFC em:
<http://www.periodicos.ufc.br/index.php/informacaoempauta/index>
1. Biblioteconomia Periódicos. 2. Ciência da Informação Periódicos. I.
Universidade Federal do Ceará. Departamento de Ciências da Informação. II.
Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação.
CDD 020.5
Expediente volume 4, número especial (maio 2019)
Reitor
Henry de Holanda Campos
Vice-reitor
Custódio Luís Silva de Almeida
Editora
Maria Giovanna Guedes Farias (Universidade Federal do Ceará UFC, Brasil)
Editor (Número especial)
Carlos Alberto Ávila Araújo (Universidade Federal de Minas Gerais UFMG, Brasil)
Comitê de Política Editorial
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Corpo Editorial
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Januário Albino Nhacuongue, Universidade Federal de São Carlos
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José Eduardo Santarem Segundo, Universidade de São Paulo, Brasil
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Maria das Graças Targino, Universidade Federal do Piauí/Universidade Federal da Paraíba,
Brasil
Maria de Fátima Oliveira Costa, Universidade Federal do Ceará, Brasil
Maria Nelida Gonzalez de Gomez, Universidade Federal Fluminense (UFF), Brasil
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Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, Brasil
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Secretária Editorial
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Normalização
Normalização sob a responsabilidade de cada autor(a)
Coordenação de Suporte Técnico
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Capa
Conceito e criação: Ruleandson do Carmo Cruz
Copyright
© 2019 Informação em Pauta
ISSN 2525-3468
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Informação em Pauta
Informação em Pauta (IP) é uma revista multidisciplinar da área de Ciências Sociais Aplicadas, tendo como
campos prioritários a Ciência da Informação, Biblioteconomia, Arquivologia e áreas afins. É uma publicação de
acesso aberto, e sua periodicidade é semestral. A revista é ligada ao Departamento de Ciências da Informação e
ao Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal do Ceará
(DECINF/PPGCI/UFC), em formato exclusivamente eletrônico. A revista publica pesquisas originais e com
elevado mérito científico, contribuições inéditas em português, inglês e espanhol, visando contribuir para o
desenvolvimento de novos conhecimentos entre pesquisadores, docentes, discentes e profissionais em Ciência
da Informação, Biblioteconomia, Arquivologia e áreas afins, desde que aprovados em revisão cega por pares
(Double Blind Peer Review) e pelo Comitê Editorial. A Informação em Pauta exige originalidade dos artigos
submetidos e que pelo menos um dos autores tenha titulação de Mestre ou de Doutor.
Editora
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Acesso online
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Editorial .................................................................................................................................................................
7
Artigo
Métodos estratégicos gerais para estudos da informação no contexto virtual .......................
Ruleandson do Carmo Cruz
10
A construção do conceito de práticas informacionais pelos pesquisadores do EPIC ...........
Emanuelle Geórgia Amaral Ferreira; Flávia Ferreira Abreu; Gracirlei Maria Carvalho de
Lima; Jéssica Patrícia Silva de Sá
26
Abordagens dos usuários da informação por profissionais da informação e da
informática ............................................................................................................................................................
Eliane Cristina de Freitas Rocha
44
Por uma pedagogia criadora e imaginativa: retratos de uma prática docente
transformadora ...................................................................................................................................................
Eliane Pawlowski Oliveira Araujo; Claudio Paixão Anastácio de Paula
62
Orientação acadêmica como espaço de integração intelectual, social e afetiva ......................
Tatiane Krempser Gandra; Janicy Aparecida Pereira Rocha
83
Da cultura do impresso às práticas informacionais em uma biblioteca patrimonial ............
Elizabeth Aparecida Duque Seabra
101
Dos estudos de usuários da informação aos estudos em práticas informacionais e
cultura: uma trajetória de pesquisa ............................................................................................................
Carlos Alberto Ávila Araújo
121
Ensaio
Biblioteca escolar em Adriana Bogliolo Sirihal Duarte: práticas e possibilidades
universitário .........................................................................................................................................................
Maria L. Amorim Antunes
136
SUMÁRIO
Esta edição especial de Informação em Pauta apresenta as versões finalizadas de
trabalhos que foram apresentados como comunicação oral na II Jornada em Práticas
Informacionais, ocorrida em 25 de fevereiro de 2019. A jornada é uma atividade do grupo
de pesquisa EPIC, Estudos em Práticas Informacionais e Cultura, registrado no CNPq
(Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e ligado ao Programa
de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal de Minas Gerais
(PPGCI/UFMG). Esta edição da jornada teve como tema “Contribuições de Adriana
Bogliolo”, em virtude do falecimento da professora Adriana Bogliolo Sirihal Duarte, líder
do grupo, ocorrido no dia 03 de dezembro de 2018.
O evento caracterizou-se, nesta edição, como uma atividade celebrativa. O objetivo
era lembrar a trajetória intelectual dela, sua atuação como docente e pesquisadora além,
claro, de seu lado humano, da convivência com ela experimentada por professores colegas
de trabalho, alunos orientandos de doutorado, mestrado, iniciação científica e monitoria,
entre outros. Os membros do grupo EPIC prepararam, durante os meses de janeiro e
fevereiro, trabalhos a serem apresentados oralmente, e decidiu-se que o evento deveria
acontecer de maneira concentrada, em apenas um dia. Algumas apresentações se
concentraram na exposição de um trabalho específico de pesquisa (uma tese ou
dissertação) e nas maneiras como a professora Adriana atuou orientando, sugerindo
caminhos, indicando leituras, conduzindo o trabalho de análise. Outras apresentações
registraram experiências específicas, como a atuação conjunta no oferecimento de uma
disciplina ou atividade de extensão. Houve, ainda, apresentações um pouco mais
panorâmicas, que narraram momentos e atividades distintas da professora. Dos trabalhos
apresentados, oito foram selecionados para passarem por um processo de finalização com
o objetivo de serem publicados. O resultado está aqui, neste número especial de
Informação em Pauta, totalmente dedicado à professora Adriana Bogliolo Sirihal Duarte.
Assim, gostaria de agradecer a toda a equipe de Informação em Pauta pela
oportunidade de publicarmos este número especial. E também a cada um dos membros
do EPIC, especialmente aos autores dos artigos aqui apresentados, por sua colaboração
para a construção desse volume. Por fim, agradecer à professora Adriana Bogliolo Sirihal
Inf. Pauta
Fortaleza, CE
v. 4
n. especial
Maio 2019
ISSN 2525-3468
DOI: https://doi.org/ 10.32810/2525-3468.ip.v4iEspecial.2019.41207.7-9
EDITORIAL
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Inf. Pauta, Fortaleza, CE, v. 4, n. especial, maio 2019 | ISSN 2525-3468
Duarte, por todo o tempo em que esteve conosco, partilhando seus conhecimentos, suas
experiências, sendo companheira na produção de artigos, teses, dissertações, aulas e
pesquisas. A publicação deste número especial é, com certeza, mais uma forma de a
termos presente, conosco.
Carlos Alberto Ávila Araújo
Editor convidado
Informação em Pauta
Maio 2019
Figura 1 - Reunião do grupo EPIC em junho de 2016
Fonte: Arquivo do grupo EPIC.
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Inf. Pauta, Fortaleza, CE, v. 4, n. especial, maio 2019 | ISSN 2525-3468
Figura 2 - Momento final da II Jornada em Práticas Informacionais do EPIC, em fevereiro de 2019, com
uma homenagem à professora Adriana Bogliolo Sirihal Duarte
Fonte: Arquivo do grupo EPIC.
MÉTODOS ESTRATÉGICOS GERAIS PARA ESTUDOS DA INFORMAÇÃO NO CONTEXTO
VIRTUAL
GENERAL STRATEGIC METHODS FOR STUDIES OF INFORMATION IN THE VIRTUAL
CONTEXT
Ruleandson do Carmo Cruz¹
¹ Doutor em Ciência da Informação pela
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
E-mail: ruleandson@gmail.com
ACESSO ABERTO
Copyright: Esta obra está licenciada com uma
Licença Creative Commons Atribuição 4.0
Internacional.
Conflito de interesses: O autor declara que não
há conflito de interesses.
Financiamento: Não há.
Declaração de Disponibilidade dos dados:
Todos os dados relevantes estão disponíveis
neste artigo.
Recebido em: 24/04/2019.
Revisado em: 01/05/2019.
Aceito em: 10/05/2019.
Como citar este artigo:
CRUZ, Ruleandson do Carmo. Métodos
estratégicos gerais para estudos da informação
no contexto virtual. Informação em Pauta,
Fortaleza, v. 4, n. especial, p. 10-25, maio 2019.
DOI: https://doi.org/10.32810/2525-
3468.ip.v4iEspecial.2019.41206.10-25.
RESUMO
Aborda-se métodos estratégicos qualitativos
gerais para estudo da informação no contexto
virtual. Define-se pesquisa qualitativa,
informação e o contexto virtual de produção e
circulação da informação. Traça-se estratégias
para articulação entre objetivos de pesquisa e
procedimentos metodológicos afim de alcançar-
se os resultados, respondendo ao problema de
pesquisa. Conclui-se que o estudo da informação
em contextos virtuais requer criatividade
metodológica.
Palavras-chave: Métodos. Internet. Estudos de
usuários.
ABSTRACT
General qualitative strategic methods are studied
for the study of information in the virtual context.
It defines qualitative research, information and
the virtual context of information production and
circulation. Strategies are articulated between
research objectives and methodological
procedures in order to reach the results,
responding to the research problem. We
conclude that the study of information in virtual
contexts requires methodological creativity.
Keywords: Methods. Internet. User studies.
Inf. Pauta
Fortaleza, CE
v. 4
n. especial
maio 2019
ISSN 2525-3468
DOI: https://doi.org/10.32810/2525-3468.ip.v4iEspecial.2019.41206.10-25
ARTIGO
Cruz | Estudos da informação no contexto virtual
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1 INTRODUÇÃO
O estudo dos sujeitos informacionais no contexto virtual da informação,
especialmente no âmbito da produção e da circulação da informação em sites e aplicativos
voltados à formação de redes sociais virtuais requer um esforço no referente ao desenho
da pesquisa, pois os métodos e procedimentos de coleta e análise de dados ainda são
insuficientes para a investigação de um cenário recente no campo das pesquisas
científicas, como o campo das redes virtuais.
Hodiernamente, sabe-se que dos cerca de 7,4 bilhões de pessoas que vivem no
mundo (CRIADO, 2016), pelo menos dois bilhões são usuários mensais do site voltado à
formação de redes sociais virtuais Facebook e 800 milhões de pessoas nele curtem
postagens diariamente ação de demonstrar ter gostado da informação compartilhada
por outro sujeito informacional usuário do referido site (AGÊNCIA BRASIL, 2017).
Destarte, o Facebook é apenas um das dezenas de sites do tipo existentes e nos quais
sujeitos de diversas partes do planeta criam e compartilham, socializam, informações. Na
contemporaneidade, o acesso a e a navegação em sites de redes sociais são as atividades
mais comuns dos internautas mundiais (CISCO, 2017), sendo que, especialmente no Brasil,
os sujeitos costumam passar, em dia, 650 horas por mês navegando em redes sociais
(COMSCORE, 2015).
Assim, no presente artigo, sugere-se alguns métodos estratégicos gerais que o
pesquisador no campo da Ciência da Informação CI e áreas correlatas, ao realizar
pesquisas qualitativas, pode adotar para desenhar a pesquisa e ir dos objetivos aos
resultados com mais assertividade.
2 SUJEITO INFORMACIONAL E INFORMAÇÃO ENQUANTO ARTEFATO CULTURAL
Como sugestão geral de desenho de pesquisa, o presente artigo recomenda que os
pesquisadores considerem nos estudos da informação no contexto virtual os conceitos de
sujeito informacional, práticas informacionais e informação enquanto artefato cultural.
Na CI, o sujeito em contato com a informação costuma ser entendido como usuário da
informação: inicialmente, usuário-público, com características sociodemográficas,
interage com dado sistema ou serviço de informação; posteriormente, é central o
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entendimento do sujeito por meio de um tripé necessidade-busca-uso (PINHEIRO, 1982;
LE COADIC, 1996). Por tal tripé, o usuário é um sujeito que, por uma necessidade
informacional, converte-se em usuário da informação, ao lidar com a informação (NÚÑEZ
PAULA, 2004, p. 24). Mas, tais entendimentos enfrentam críticas no campo. Duas das mais
fortes são as de Day (2011) e Réndon-Rojas e García Cervantes (2012), na qual emerge o
termo sujeito informacional.
De acordo com Day (2011), é preciso que o campo da CI demarque a morte do
termo usuário da informação, por ser ele teoricamente inadequado para a compreensão
dos aspectos sociais, culturais e físicos dos indivíduos e das relações dos sujeitos com os
afetos e poderes de tais aspectos. Também faz-se importante frisar-se que, ao pensar em
usuário da informação, segundo o autor, foca-se na pesquisa que visa determinar causas
e efeitos durante o processo de busca por informação. Assim, é preciso, mais do que isso,
"visualizar sujeitos e objetos como co-emergências mediadas através de co-
determinações contextuais e por meio de zonas comuns de afetos mútuos [relacionais]"
(DAY, 2011, p. 86, tradução nossa).
Assim, em considerável semelhança a entendimentos da problemática apontada
por Day (2011), surgem ideias divergentes ao termo usuário da informação. Neste
contexto, abordagens em ascensão nas pesquisas em CI, conceituam e entendem os
usuários enquanto sujeitos sociais que mantém relações com a informação, de acordo com
Araújo (2013).
A relação entre sujeito e objeto informacional é a premissa básica para se entender
o sujeito informacional, de acordo com Rendón-Rojas e García-Cervantes (2012), que
introduzem o conceito de sujeito informacional.
É neste contexto que se a emergência do sujeito informacional, em um cenário
que condiciona, mas ao mesmo tempo permite ao sujeito interpelar para
demandar, construir e articular novas estruturas socioinformativas, para atuar
nessa conjuntura social.
Perante este fenômeno social, se reafirma que as identidades não se impõem, se
constroem; são produto das relações sociais complexas (RENDÓN-ROJAS e
GARCÍA-CERVANTES, 2012, p. 36-37, tradução nossa).
Dessa forma, se faz sentido pensar em um sujeito informacional em um contexto
social, contexto no qual a informação apresenta-se enquanto artefato cultural. discutir o
funcionamento informacional da cultura, Marteleto (1995) tece algumas observações a
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respeito do “processo de construção da idéia de informação como artefato cultural, como
forma de criação e instituição dos significados ou ainda como modo de produção, controle
e distribuição social dos bens simbólicos” (online). Assim, a autora aborda a cultura
informacional nesses aspectos, buscando entender a funcionalidade da informação no
âmbito social e histórico e sem relação com o entendimento da cultura informacional dado
por Davenport (2000).
Para aprofundar tal discussão, Marteleto (1995, online) define no contexto de seu
entendimento da cultura informacional a cultura como “conjunto de artefatos
construídos pelos sujeitos em sociedade (palavras, conceitos, técnicas, regras, linguagens)
pelos quais dão sentido, produzem e reproduzem sua vida material e simbólica” e a
informação enquanto derivada da cultura como algo que “diz respeito não apenas ao
modo de relação dos sujeitos com a realidade, mas também aos artefatos criados pelas
relações e práticas sociais [...] uma probabilidade de sentido” (online).
A autora frisa que cultura e informação são conceitos e fenômenos interligados
naturalmente, pois a cultura é a depositária da informação social, pois, por meio dos
padrões culturais, a cultura funciona como modelo para organização dos processos sociais
e psicológicos. Desse modo, os padrões culturais (religioso, filosófico, estético, científico
ou ideológico) tornam-se fontes de informação através das quais a vida humana pode ser
padronizada (GEERTZ, 1978 , p. 188 apud Marteleto, 1995, online). Um dos pontos
principais desses processos, para Marteleto (1995, online), é que “a cultura é o primeiro
momento de construção conceitual da informação, como artefato, ou como processo que
alimenta as maneiras próprias de ser, representar e estar em sociedade”.
Acerca do funcionamento da cultura, Marteleto (1995, online) pondera ser ele um
modo de funcionamento social-histórico. Os artefatos culturais são produzidos e
reproduzidos através de sua institucionalização na sociedade, efetivada, em primeiro
plano, mediante a coerção e as sanções e, em segundo plano, pela adesão, o apoio, a
legitimidade e a crença. Assim, a cultura é social e histórica, pois os artefatos culturais e
os próprios indivíduos são criações culturais e históricas, que dão coesão à sociedade
comportando-se como um tecido imenso e complexo de significações (CASTORIADIS,
1987 , p. 229 apud MARTELETO, 1995, online).
Tais significações, de acordo com Marteleto (1995), desenvolvem-se sempre em
duas dimensões, a dimensão conjuntista-identitária e a dimensão propriamente
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imaginária. Nesse sentido, entende-se por dimensão conjuntista-identitária o modo como
“a sociedade opera, agindo e representando, por meio de elementos, classes, propriedades
e relações tidos como distintos e definidos [...] o funcionamento da sociedade, das
instituições e dos significados pode ser determinado e controlado” (CASTORIADIS, 1987,
p. 235-236 apud MARTELETO, 1995, online). Por sua vez, na dimensão propriamente
imaginária, “o esquema dominante é o da significação. Posto que as significações podem
ser demarcadas, mas não determinadas, uma vez que elas se conectam umas às outras
como uma cadeia infinita e não previsível) (CASTORIADIS, 1987, p. 235 apud MARTELETO,
1995, online).
Marteleto (1995) frisa também que a informação enquanto forma e dinâmica
cultural é uma “forma instituída de memória, gestão, distribuição e recepção dos artefatos
culturais, é aqui o elemento de ligação entre as dimensões conjuntista-identitária e
imaginária, que regem o funcionamento da ‘instituição total da sociedade’ e da própria
dinâmica cultural” (online). O resultado é que os artefatos culturais somente são
produzidos e reproduzidos pelo modo informacional, pois toda prática social é uma
prática informacional, compreendida como os “mecanismos mediante dos quais os
significados, mbolos e signos culturais são transmitidos, assimilados ou rejeitados pelas
ações e representações dos sujeitos sociais em seus espaços instituídos e concretos de
realização” (MARTELETO, 1995, online).
Nessa perspectiva, Bordieu (1980) apud Marteleto (1995, online) lembra que, nas
sociedades contemporâneas, a perda de poder da aristocracia e da Igreja resulta na
constituição e fortalecimento de campos relativamente autônomos de produção e
reprodução cultural, como os campos sociais artístico, filosófico, científico e educacional,
bem como os campos sociais de distribuição e consumo como editoras, bibliotecas,
arquivos, museus e a indústria cultural. Tal situação propicia a atual existência de um
mercado de oferta e de consumo dos bens culturais. Ressalta-se ainda que os bens
culturais produzidos como matéria informacional são distribuídos socialmente e não
compartilhados, pois são dependentes das instâncias de produção, reprodução,
transmissão e aquisição (MARTELETO, 1995, online).
Para a autora, o funcionamento dos campos sociais integra as condições de
produção, transmissão e aquisição dos bens culturais, sendo que tais condições são
representantes dos mecanismos que situam emissores-transmissores-receptores, assim
como integra também os objetos, valores e sentidos que acompanham as informações. No
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entanto, segundo Marteleto (1995), os campos sociais não criam uma totalidade, devido
à separação entre produtores e receptores dos bens culturais “por critérios de saber e de
poder, que, em última instância, dizem respeito à acessibilidade aos campos e aos seus
significados, [o que] supõe e repõe incessantemente as diferenças e os conflitos sociais”
(MARTELETO, 1995, online). Nesse cenário cultural, a informação, para a autora, organiza
as relações sociais dispersas e conflituais e aparência de dispersão e neutralidade
ao conhecimento racional produzido como se fosse homogêneo e indivisível.
Na mesma perspectiva social, surgem os chamados estudos das práticas
informacionais. Para Savolainen (2007), a ideia de prática informacional nasce nos anos
1960, mas ainda é pouco usada no campo da CI, em comparação ao uso do conceito de
comportamento informacional. De acordo com Araújo (2007; 2013), o conceito de prática
informacional é oriundo do conceito de prática usado pela etnometodologia estudo dos
métodos pelos quais os indivíduos o sentido às suas ações e permite estudar os
sujeitos informacionais considerando as facetas sociais da produção de conhecimento.
Assim, Savolainen (2007) afirma: "comparado com o modelo de comportamento
informacional, o conceito de prática informacional adota como papel central os aspectos
sociais e culturais enquanto fatores determinantes e qualificantes da busca por
informação e compartilhamento de informação pelos sujeitos" (SAVOLAINEN, 2007, p.
125, tradução nossa). Destarte, o autor frisa que tanto o comportamento informacional
quanto as práticas informacionais focam-se no modo como o sujeito lida com a
informação, apesar disso, o comportamento informacional entende o lidar com a
informação como sendo desencadeado por motivos e necessidades, enquanto a prática
informacional entende que o lidar com a informação relaciona-se com a continuidade e a
habitualização de ações moldadas e afetadas pelo social e pelo cultural (SAVOLAINEN,
2007).
3 PESQUISA QUALITATIVA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO
Este artigo demarca-se enquanto sugestão de métodos estratégicos para a
pesquisa social qualitativa. Para Bauer, Gaskell e Allum (2008), a pesquisa social é a que
se apoia em dados sociais resultantes e produzidos nos processos de comunicação,
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divididos em dois modos de dados sociais: comunicação formal e comunicação informal,
que podem ser produzidos em três meios, texto, imagem e som. De acordo com os autores,
o modo de dados sociais de comunicação informal é gerado quando o pesquisador
interessa-se por “como as pessoas espontaneamente se expressam e falam sobre o que é
importante para elas e como elas pensam sobre suas ações e a dos outros” (p. 21), sem a
exigência de um conhecimento especializado como se com os dados sociais de
comunicação formal.
Ao analisar a metodologia para a pesquisa social, Minayo (2009, p. 21) afirma que
o objeto das ciências sociais é essencialmente qualitativo, por tratar-se dos conjuntos das
expressões humanas presentes nas estruturas, processos, representações sociais,
expressões da subjetividade, símbolos e significados. Assim, a autora pondera que a
pesquisa qualitativa nas Ciências Sociais se ocupa com o universo da produção humana,
que dificilmente pode ser traduzido em números e/ou indicadores quantitativos.
Segundo Flick (2009, p. 16), a pesquisa qualitativa não possui modelos precisos,
por isso, uma de suas principais características e necessidades é o princípio da adequação
como orientador na pesquisa qualitativa: “os métodos devem ser adequados àquela
questão e devem ser abertos o suficiente para permitir um entendimento de um processo
ou relação”.
Do mesmo modo que a pesquisa qualitativa, a pesquisa em CI também não possui
uma metodologia específica e deve atentar-se à adequação das estratégias metodológicas
à problemática em estudo, pois, conforme ressalta González de Gomez (2000, online), a CI
apresenta-se desde seu início “como conjunto de saberes agregados por questões antes
que por teorias”. Com isso, a autora observa que
Quando são abordadas as práticas e ações de informação [como na presente
pesquisa], devemos usar estratégias comunicacionais seja para reconstruir a
produção de sentido dos atores sociais, seja para construir e interpretar
indicadores operacionalizados sobre produtos e resultados observáveis das
ações de informação. O acesso comunicacional aos fenômenos culturais da
informação requer estratégias metodológicas descritivas, interpretativas,
próprias da antropologia, a sociolinguística, os estudos sociais da ciência, entre
outras (GONZÁLEZ DE GOMEZ, 2000, online).
Para a objetivação e produção do conhecimento no campo da CI, associam-se
princípios conceituais e metodológicos diferentes. Assim, González de Gomez (2000)
sugere que no estudo das ações de informação dos atores sociais considere-se a seguinte
associação entre conceitos e metodologia de pesquisa, conforme ilustra o QUADRO 1.
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Assim, ao estudar-se o estrato informacional relacionado à produção subjetiva da
informação, como na presente pesquisa, o objeto da CI deve ser considerado como a
“construção de significado de segundo grau a partir das práticas e ações sociais de
informação, que constituem seu domínio fenomênico” (GONZÁLEZ DE GOMEZ, 2000,
online).
Destarte, considerado o supracitado, o pesquisador deve definir o desenho da
pesquisa. Para Flick (2009), o desenho da pesquisa qualitativa evidencia como serão
coletadas e analisadas as evidências que possibilitarão ao pesquisador responder às
perguntas da investigação em curso, sendo composto pela amostragem, comparação
pretendida (indicação das dimensões e níveis em que se pretende fazer comparações
comparar grupos ou pessoas ou situações específicas entre si), generalização pretendida,
questões relativas à qualidade, públicos e escrita, triangulação, e limitação do foco, para
tornar a pesquisa exeqüível.
Assim, sugere-se no presente artigo que o estudioso da informação no contexto das
redes sociais virtuais adote o desenho geral de pesquisa dos estudos devido a adequação
às características gerais de tal estratégia de pesquisa. conforme observa Yin (2005), tal
estratégia é válida à pesquisa social porque nela não se pode controlar eventos
comportamentais, portanto, pode-se estudá-los observando-se os acontecimentos
e/ou realizando-se entrevistas com as pessoas neles envolvidos (YIN, 2005, p. 26-27).
Segundo o autor:
estudos de casos representam a estratégia preferida quando se colocam
questões do tipo ‘como’ e ‘por que’, quando o pesquisador tem pouco controle
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sobre os acontecimentos e quando o foco se encontra em fenômenos
contemporâneos inseridos em algum contexto da vida real [...] a clara
necessidade pelos estudos de caso surge do desejo de se compreender
fenômenos sociais complexos [...] o estudo de caso permite uma investigação
para se preservar as características holísticas e significativas dos
acontecimentos da vida real (YIN, 2005, p. 19-20).
Segundo Martins (2008), o estudo de caso é uma estratégia de pesquisa que exige
análise qualitativa, por ter como objetivo o estudo aprofundado e intensivo de uma
unidade social (um caso), pesquisada dentro de seu contexto real, onde o pesquisador não
tem controle sobre eventos e variáveis, mas busca a apreensão total da realidade de uma
situação para descrevê-la, compreendê-la e interpretá-la diante de sua complexidade.
De acordo com Yin (2005), os estudos de casos dividem-se em estudos de caso
único e em estudos de casos múltiplos. Assim, o estudo de caso único consiste no estudo
de uma única unidade, que deve ser escolhida quando um caso representa o caso decisivo
para se testar uma teoria bem formulada, ou trata-se de um caso raro ou extremo,
representativo ou típico (YIN, 2005, p. 62-63), enquanto o estudo de casos múltiplos
consiste no estudo de mais de um caso único no mesmo estudo de caso, sendo que cada
caso selecionado deve servir a um propósito diferente (YIN, 2005, p. 68). Como a presente
pesquisa não possui subsídios para tratar uma única comunidade do Orkut como caso
decisivo, opta-se pela realização de um estudo de casos múltiplos, no qual cada
comunidade virtual em estudo representará um caso único.
Para Yin (2005), o estudo de caso pode ainda ser holístico ou incorporado. Com
isso, o estudo holístico de caso se dá quando se analisa a natureza global de um evento,
programa ou organização (YIN, 2005, p. 65), enquanto o estudo incorporado de caso
ocorre quando dentro de um caso único (ou de cada caso único em um estudo de casos
múltiplos) se dá atenção a uma subunidade ou a várias subunidades, cada uma podendo
utilizar cnicas diferentes de coleta de dados (YIN, 2005, p. 64-65). Como no presente
estudo se dará atenção a subunidades (comportamento informacional, cultura
informacional, redes sociais, representações sociais e informação sobre amor) em cada
caso (comunidade virtual) opta-se por um estudo incorporado de casos múltiplos.
Sob a ótica metodológica, Martins (2008, p. xii) diz que um estudo de caso deve ser
“precedido pela exposição do problema de pesquisa questões orientadoras do
enunciado de proposições teses que compõem a teoria preliminar que será avaliada a
partir dos achados da pesquisa; de uma plataforma teórica”. O autor destaca ainda a
importância de se apresentar um detalhado planejamento de toda a pesquisa, por meio
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do protocolo do estudo de caso, que deve conter: “descrição dos instrumentos de coleta
de dados e evidências, estratégias de coleta e análise dos dados, possíveis triangulações
de dados, prováveis encadeamentos de evidências e avaliações da teoria previamente
admitida” (MARTINS, 2008, p. xii).
Dento de tal desenho de pesquisa enquanto estudo de caso, o pesquisador deve
estar atento ao papel da revisão de literatura na pesquisa. Para Yin (2005), a revisão de
literatura (ou revisão teórica) tem como objetivo criar um referencial teórico ou
plataforma teórica para subsidiar a análise a ser realizada pela pesquisa e a teoria a ser
desenvolvida por ela. Com isso, Yin (2005, p. 28) observa que a revisão teórica em um
estudo de caso é um meio para se atingir uma finalidade, e não como pensam muitos
estudantes uma finalidade em si”. Assim, considerando-se Gil (2009), a revisão de
literatura para compor o referencial teórico do presente estudo considera a pesquisa
bibliográfica e a pesquisa documental: a) pesquisa bibliográfica) para Gil (2009), a
pesquisa bibliográfica contempla a revisão de livros e artigos científicos que permitem ao
pesquisador cobrir fenômenos mais amplos do que se imagina de início, dando base
teórica para a fase de análise de tais fenômenos; b) pesquisa documental) segundo Gil
(2009), assemelha-se à pesquisa bibliográfica, no entanto, sua maior diferença está na
natureza das fontes, pois tal pesquisa é formada por materiais que ainda não passaram
por tratamento analítico, ou que podem ser reelaborados segundo os objetivos da
pesquisa. De acordo com o autor, os documentos de primeira mão, que ainda não foram
tratados analiticamente, como: documentos oficiais, reportagens de jornal, cartas, filmes,
fotografias etc.; e os de segunda mão, que foram analisados de alguma forma, como:
relatórios de pesquisa; relatórios de empresas; tabelas estatísticas etc.
Além da revisão de literatura, em uma pesquisa social qualitativa na qual se utiliza
o desenho de estudo de caso, ainda teoria descritiva a ser desenvolvida. Acerca da
teoria a ser desenvolvida em um estudo de caso, pondera-se que tal teoria tem o objetivo
de ser um esquema suficiente para o estudo, bem como o de determinar quais dados
devem ser coletados e as estratégias de análise desses dados (YIN, 2005, p. 49-51). Sob
ótica similar, Martins (2008, p. 11-12) constata que tal teoria busca “explicações e
interpretações convincentes para situações que envolvam fenômenos sociais complexos”
e “inferências analíticas sobre proposições constatadas no estudo e outros conhecimentos
encontrados”.
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Dentre as possibilidades de teoria a serem desenvolvidos, Yin (2005) destaca o
desenvolvimento de uma teoria descritiva em um estudo de caso, teoria essa que deve: a)
voltar-se ao propósito descritivo de responder a questões sobre como se configura
determinado fenômeno; b) ser ampla, mas realista no sentido de exequível, considerando-
se uma variedade de tópicos que podem ser considerados como uma descrição do que se
estuda; c) apontar prováveis tópicos que serão a essência da descrição (ver as categorias
de análise dessa pesquisa, f. 186-188). Para o autor, o objetivo é o de generalizar um
conjunto particular de resultados a alguma teoria mais abrangente” (YIN, 2005, p. 58).
Dessa maneira, neste artigo sugere-se aos pesquisadores estudiosos da
informação no contexto da informação produzida e circulante em ambientes
virtuais que dediquem os estudos, de forma inicial, ao desenvolvimento de uma
teoria descritiva sobre como se configuram as práticas informacionais e a
informação enquanto artefato cultural dos sujeitos informacionais em estudo.
Para essa tarefa em específico, realiza-se duas etapas do estudo de caso: as
questões orientadoras (questões de estudo a serem respondidas pela pesquisa científica),
e as proposições teóricas (substitutas das hipóteses comumente formuladas em pesquisas
científicas), sendo que cada proposição direciona a atenção a alguma coisa que deveria
ser examinada dentro do escopo do estudo”. Segundo Martins (2008), tais proposições
teóricas são
formuladas a partir de algum conhecimento do caso e reflexões do pesquisador
[...] podem ser entendidas como uma teoria preliminar, criada pelo autor, que
buscará, ao longo do trabalho, defender e demonstrar. Ou seja, a explicitação de
uma teoria acerca do caso, anterior à coleta de qualquer dado ou evidências [...]
substituem os objetivos e as hipóteses normalmente formuladas nas pesquisas
convencionais (MARTINS, 2008, p. 68).
Para o desenvolvimento da referida teoria descritiva o pesquisador pode (ou deve)
valer-se de uma estratégia básica recomendada sempre em bancas de qualificação pela
professora Adriana Bogliolo: 1) criar um primeiro quadro associando objetivos de
pesquisa (questões orientadoras em estudos de casos) e categorias de análise (categorias
advindas do referencial teórico da pesquisa e que vão subsidiar a análise); 2) criar um
segundo quadro no qual o pesquisador associe categoria de análise com procedimentos
metodológicos e principais teorias associadas para a análise qualitativa. Sugere-se isso,
pois é comum o pesquisador ficar em dúvida sobre quais dados deve coletar e como deve
analisar tais dados. Assim, uma forma de clarificar tal processo é construindo um quadro
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relacionando cada objetivo da pesquisa e pensando em quais procedimentos
metodológicos ele deve utilizar para conseguir coletar tais dados.
A seguir apresenta-se tais quadros sem serem aplicados a uma pesquisa e na
sequência os quadros já aplicados a um estudo de mestrado (CRUZ, 2011).
Apresentados os modelos gerais desenhados pelo autor com base nas orientações
de Bogliolo, traz-se, na sequência, a aplicações dele em pesquisa de mestrado que
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objetivou estudar a representação do amor em sites de redes sociais, ressalta-se que a
referenciada pesquisa foi produzida em 2011, antes do autor adotar os conceitos de
sujeito informacional e práticas informacionais aqui sugeridos, o que não desmerece os
quadros enquanto exemplos metodológicos.
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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O desenho da pesquisa qualitativa é um dos principais desafios tanto para os
pesquisadores em geral no campo da CI quanto para os que especificamente dedicam-se
ao estudo das informações no contexto virtual. Dessa forma, a proposta do presente artigo
foi aplicada com êxito em dois estudos de fôlego e alta complexidade (CRUZ 2011; CRUZ
2014), o que faz com que se creia no êxito de tais sugestões.
Quando o pesquisador entende claramente a relação entre as categorias de análise,
os procedimentos metodológicos e o referencial teórico que subsidiará a análise ele se
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foca no que é necessário para se alcançar os objetivos da pesquisa, sem entregar um
estudo que não se relacione ao problema de pesquisa e sem gastar tempo e energia
desnecessários para entender como coletar e analisar dados. A ideia dos quadros aqui
apresentados é facilitar tal processo ao se estudar as práticas informacionais de sujeitos
informacionais imbricados na produção e socialização de informações no contexto virtual.
Frisa-se que as sugestões aqui apresentadas são gerais, em outro trabalho focou-se em
sugestões especificas para o estudo da informação nos sites de redes sociais virtuais
(CRUZ; 2018).
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A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE PRÁTICAS INFORMACIONAIS PELOS
PESQUISADORES DO EPIC
THE CONSTRUCTION OF THE CONCEPT OF INFORMATION PRACTICES BY EPIC
RESEARCHERS
Emanuelle Geórgia Amaral Ferreira¹
Flávia Ferreira Abreu²
Gracirlei Maria Carvalho de Lima³
Jéssica Patrícia Silva de Sá
4
¹ Mestra em Ciências da Informação pela
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
E-mail: emanuelle.gaf@gmail.com
2
Mestra em Ciências da Informação pela
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
E-mail: flaviaabreu2911@gmail.com
3
Mestra em Ciências da Informação pela
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
E-mail: leleygmc@gmail.com
4
Mestra em Ciências da Informação pela
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
E-mail: jessicadesa@gmail.com
ACESSO ABERTO
Copyright: Esta obra está licenciada com uma
Licença Creative Commons Atribuição 4.0
Internacional.
Conflito de interesses: A autora declara que
não há conflito de interesses.
Financiamento: Não há.
Declaração de Disponibilidade dos dados:
Todos os dados relevantes estão disponíveis
neste artigo.
Recebido em: 24/04/2019.
Revisado em: 01/05/2019.
Aceito em: 10/05/2019.
Como citar este artigo:
FERREIRA, Emanuelle Geórgia Amaral; ABREU,
Flávia Ferreira; LIMA, Gracirlei Maria Carvalho
de; SÁ, Jéssica Patrícia Silva de. A construção do
conceito de práticas informacionais pelos
pesquisadores do EPIC. Informação em Pauta,
Fortaleza, v. 4, n. especial, p. 26-43, maio 2019.
DOI:
https://doi.org/10.0000/ip.v4iEspecial.2019.41
077.26-43
RESUMO
O objetivo deste trabalho é investigar como se
deu a construção do conceito de Práticas
Informacionais pelos pesquisadores do Grupo de
Pesquisa Estudos em Práticas Informacionais e
Cultura (EPIC). A pesquisa iniciou-se na
disciplina “Usuários da Informação e Práticas
Informacionais” do Programa de Pós-Graduação
em Ciência da Informação (PPGCI) da UFMG,
ministrada pela Professora Dra. Adriana Bogliolo
Sirihal Duarte, no segundo semestre do ano de
2017. Ressalta-se que foi a última pesquisa
desenvolvida pela docente, líder do Grupo EPIC,
realizada coletivamente com os discentes
durante sua última disciplina no PPGCI. O estudo
foi realizado com pesquisadores do
PPGCI/UFMG que defenderam seus trabalhos
dentro da temática de estudos de Usuários da
Informação e Práticas Informacionais. Como
procedimento metodológico utilizou-se
entrevistas semiestruturadas realizadas com
sete pesquisadores. Nos resultados observou-se
que as primeiras pesquisas sobre Práticas
Informacionais não utilizavam essa
terminologia, apresentando-se como estudos de
usuários vinculados à abordagem social. Dessa
Inf. Pauta
Fortaleza, CE
v. 4
n. especial
maio 2018
ISSN 2525-3468
DOI: https://doi.org/10.32810/2525-3468.ip.v4iEspecial.2019.41077.26-43
ARTIGO
j.
Ferreira; Abreu; Lima; Sá | A construção do conceito de práticas informacionais
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forma, esse conceito foi se desenvolvendo à
medida em que as pesquisas foram sendo
realizadas no PPGCI. Identificou-se a atual
compreensão dos pesquisadores sobre as
Práticas Informacionais, além da diferenciação
entre práticas e comportamento informacional.
Na concepção dos estudos em Práticas
Informacionais no grupo EPIC, evidencia-se a
liderança da Profa. Dra. Adriana Bogliolo com o
desenvolvimento do conceito e metodologias de
pesquisa para investigação das Práticas
Informacionais.
Palavras-chave: Práticas Informacionais.
Usuários e usos da informação. Comportamento
do usuário.
ABSTRACT
The objective of this work is to investigate how
the concept of Informational Practices was
developed by researchers from the Research
Group on Informational Practices and Culture
(EPIC). The research began in the discipline
"Users of Information and Information
Practices" of the Graduate Program in
Information Science (PPGCI) of UFMG, taught by
Doctor Adriana Bogliolo Sirihal Duarte, in the
second half of 2017. It emphasizes it was the last
research developed by the teacher, leader of the
EPIC Group, held collectively with the students
during his last discipline in the PPGCI. The study
was conducted with researchers from the
PPGCI/UFMG who defended their work within
the theme of Information Users and Information
Practices studies. As a methodological procedure
we used semi-structured interviews with seven
researchers. In the results it was observed that
the first researches on Informational Practices
did not use this terminology, being presented as
studies of users linked to the social approach.
Thus, this concept was developed as the
research was carried out in the PPGCI. Identified
the current understanding of the researchers on
Informational Practices, as well as the
differentiation between practices and
informational behavior. In the conception of the
studies in Informative Practices in the EPIC
group, it is evident the leadership of Doctor
Adriana Bogliolo with the development of the
concept and research methodologies to
investigate the Informational Practices.
Keywords: Information Practices. Users and
uses of information. User behavior.
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo apresenta uma pesquisa realizada pelos discentes do Programa
de Pós- Graduação em Ciência da Informação (PPGCI) da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG) durante a disciplina nuclear da linha de pesquisa “Usuários, Gestão do
Conhecimento e Práticas Informacionais” ofertada pelo PPGCI/UFMG: a disciplina
“Usuários da Informação e Práticas Informacionais”, ministrada pela Professora Dra.
Adriana Bogliolo Sirihal Duarte, no segundo semestre do ano de 2017.
Tal pesquisa foi desenvolvida coletivamente pelos alunos com orientação efetiva
da professora, com intuito de compreender melhor como estava sendo abordado e
construído o conceito de Práticas Informacionais nas pesquisas de mestrado e
doutorado do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação (PPGCI/UFMG) no
âmbito do Grupo de Pesquisa Estudos em Práticas Informacionais e Cultura (EPIC).
Liderado pela Professora Dra. Adriana Bogliolo Sirihal Duarte e pelo Professor Dr.
Carlos Alberto Ávila Araújo, o grupo EPIC foi criado em 2013 e integrado ao Diretório de
Grupos de Pesquisa do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) em 2014. As atividades
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desenvolvidas pelo grupo objetivam a consolidação de uma nova perspectiva de estudar
os sujeitos e suas relações com a informação, centrando no contexto social e cultural de
cada indivíduo.
Assim sendo, a Professora Adriana nos apresentou o artigo sobre a
historiografia do grupo EPIC (SIRIHAL DUARTE; ARAÚJO; PAULA, 2017). O artigo
apresenta a relação das pesquisas de mestrado e doutorado sobre Práticas
Informacionais desenvolvidas no âmbito do PPGCI/UFMG pelo grupo de pesquisa.
Posteriormente, a professora orientou a formação de duplas de alunos, de forma que
cada dupla pudesse selecionar uma das dissertações listadas no artigo, com intuito de
que a pesquisa escolhida fosse estudada e apresentada para a turma. Dessa forma, sete
dissertações foram analisadas e apresentadas pelos discentes, de forma que toda a
turma pudesse conhecer os principais aspectos de cada pesquisa: objetivos, referencial
teórico, metodologia adotada e análises de dados.
Após a análise do conceito de práticas informacionais presente nas pesquisas
estudadas, a professora Adriana orientou a construção coletiva, em sala de aula, do
roteiro de perguntas para realização de entrevistas semiestruturadas com os autores
das pesquisas. O roteiro consistiu em onze perguntas para nortear a condução das
entrevistas, que foram realizadas em outubro de 2017. Cada dupla entrevistou o autor
da pesquisa que havia sido apresentada e analisada em sala. Foi elaborado também um
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), devidamente assinado pelos
entrevistados.
Em um primeiro momento, as duplas realizaram a análise de suas respectivas
entrevistas, criando categorias que abrangessem as temáticas abordadas pelos
entrevistados. Depois, foi realizada uma segunda análise das entrevistas, dessa vez, com
os alunos reorganizados em grupos pela professora. Dessa forma, cada grupo analisou
três entrevistas diferentes, reavaliando as categorias de análise elencadas. Por fim, após
a recategorização dos grupos, em sala de aula, chegou-se coletivamente às categorias
gerais e definitivas para a análise de todas as entrevistas. A disciplina encerrou-se
nessa etapa, com orientações da professora para a futura escrita de artigos com a
apresentação dos resultados encontrados. Contudo, o adoecimento da professora no
mês seguinte interrompeu os planos de dar prosseguimento à pesquisa.
Diante do exposto, como forma de homenageá-la, apresentaremos os resultados
encontrados na categoria geral “concepção do conceito de Práticas Informacionais”
Ferreira; Abreu; Lima; Sá | A construção do conceito de práticas informacionais
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desta que foi a última pesquisa conduzida pela Professora Dra. Adriana Bogliolo em sua
última disciplina no PPGCI/UFMG.
Elencamos como objetivo geral deste trabalho: investigar como se deu a
construção do conceito de práticas informacionais pelos pesquisadores do EPIC. Como
objetivos específicos, buscou-se: compreender a visão dos pesquisadores sobre o
conceito durante a pesquisa; entender a visão atual dos pesquisadores sobre o conceito;
avaliar a construção do conceito pelos pesquisadores.
2 CONTEXTUALIZANDO: OS ESTUDOS DE PRÁTICAS INFORMACIONAIS
Embora a perspectiva de Práticas Informacionais se encontre no tradicional
campo de "estudos de usuários da informação", os estudos sob tal ponto de vista vem
com uma proposta de pesquisas voltadas para uma postura sociocultural, fazendo parte
de um momento histórico de valorização do contexto nas investigações. A perspectiva
das Práticas Informacionais, ainda em construção, apresenta novos aspectos para os
estudos dos usuários, agora compreendidos como sujeitos informacionais, termo que
ressalta o seu caráter de ator (SIRIHAL DUARTE; ARAÚJO; PAULA, 2017; SÁ, 2018).
As práticas informacionais consistem nos diversos modos como os sujeitos
lidam com a informação, que nem sempre partem de uma necessidade
específica, considerando-se o encontro ocasional com a informação. A busca e o
uso da informação apresentam-se socialmente inseridos, permeados por
processos comunicativos, que envolvem a interação entre os sujeitos e o
compartilhamento de informações (SÁ, 2018, p. 36).
Dessa forma, essa perspectiva considera as relações dialógicas entre o sujeito e o
contexto. A terminologia Práticas Informacionais denomina “os estudos conduzidos a
fim de investigar como se dão os inter-relacionamentos entre o sujeito e a informação”
(SIRIHAL DUARTE; ARAÚJO; PAULA, 2017, p. 3).
Os estudos de Práticas Informacionais concentram-se em compreender os
indivíduos como membros de vários grupos e comunidades que constituem o contexto
de sua vida e atividades cotidianas. A ênfase é no papel dos fatores contextuais que
permeiam a busca, uso e compartilhamento de informações, o que difere das abordagens
individualistas e descontextualizadas, como é o caso dos estudos de comportamento
informacional. Nos estudos de comportamento informacional a informação é
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Ferreira; Abreu; Lima; Sá | A construção do conceito de práticas informacionais
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determinada por um fator externo e se ajusta às necessidades do indivíduo,
desconsiderando o conjunto de fatores humanos, pessoais, individuais e coletivos que
interferem na relação do sujeito com a informação. Os estudos de Práticas
Informacionais levam em conta às características microssociológicas, propondo-se a
olhar o micro para responder ao macrossocial (BERTI; ARAÚJO, 2017).
Berti e Araújo (2017) consideram que, nas investigações de Práticas
Informacionais, a interação caracteriza a complexidade do sujeito, que pertence a
dimensões individuais, coletivas, sociais, culturais e políticas. Assim, os contextos sociais
também são influenciados a partir dessas relações. As Práticas Informacionais também
podem lidar com elementos da comunicação e não apenas com a busca por informações.
Desse modo, a fronteira entre comunicação e informação é difícil de ser delimitada,
podendo sobrepor-se em muitos casos, como nos estudos de contextos interacionais de
informação (SAVOLAINEN, 2007).
Rocha, Sirihal Duarte e Paula (2017) apresentam uma revisão do que poderíamos
chamar de modelos teóricos de Práticas Informacionais empregados por diversos
autores da Ciência da Informação. Os autores discutem a perspectiva de Savolainen
(1995) que, mesmo não sendo um modelo efetivamente de práticas informacionais, é
apontado como o precursor desses, pois contribui para os atuais estudos de práticas
informacionais com a noção de vida cotidiana e a percepção de que a relação dos
sujeitos com a informação é permeada de fatores sociais, culturais, individuais e
temporais.
Na perspectiva apresentada por Savolainen (1995) há a quebra da sequência pré-
concebida de necessidade, busca e uso de informação dos tradicionais estudos de usos e
usuários da informação. O autor enfatiza que a busca por informação é parte da vida
cotidiana das pessoas. Assim, ele propõe um modelo de busca de informação na vida
cotidiana (Everyday Life Information Seeking, ELIS). Outra perspectiva pontuada é o
modelo bidimensional de práticas informacionais de McKenzie (2003). A autora adota o
conceito de vida cotidiana proposto por Savolainen (1995), criando um modelo que
considera as dimensões casuais envolvidas no processo de busca por informação. Para
ela, o encontro casual com a informação tem a mesma importância de uma busca ativa.
Diante do exposto, a perspectiva das Práticas Informacionais recusa, portanto, a
ideia de que a informação existe como objeto, independente do sujeito, e que estaria
apenas à espera de ser acessada e utilizada. Pelo contrário, conforme esta abordagem é
Ferreira; Abreu; Lima; Sá | A construção do conceito de práticas informacionais
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Inf. Pauta, Fortaleza, CE, v. 4, n. especial, maio 2019 | ISSN 2525-3468
necessário que o sujeito social esteja em ação ao (res)significar o mundo fazendo uso do
seu arsenal cultural.
Contudo, críticas à compreensão das Práticas Informacionais através de modelos
são realizadas. Para Berti e Araújo (2017), teorias que embasam modelos valorizam os
processos informacionais numa visão unidimensional do pensar, deixando de lado a
compreensão de como os significados são construídos. Pois é dessa forma que são
realizados os estudos de comportamento informacional, afastando-se as representações
simbólicas presentes na interação social.
Assim sendo, no contexto dos estudos desenvolvidos sob a perspectiva das
Práticas Informacionais, é preciso atentar para as ações, para aquilo que efetivamente se
faz, sobretudo no cotidiano. É na prática, na ação do sujeito na sociedade, que é possível
perceber como ele compreende a informação e como, criando um entendimento que é
baseado tanto em sua experiência particular como em sua experiência coletiva, ele atua
na sociedade na medida em que a expressão de sua interpretação também altera o
cenário no qual está inserido.
3 A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE PRÁTICAS INFORMACIONAIS PELOS
PESQUISADORES DO EPIC: RESULTADOS E DISCUSSÃO
É de fundamental importância ressaltar que a pesquisa apresentou-se como um
estudo em profundidade, cuja relevância está na variedade de dados encontrados, que
abrangem a construção das pesquisas de modo completo, contendo informações sobre:
a construção do conceito de Práticas Informacionais; a compreensão do conceito de
sujeito informacional; a abordagem metodológica das pesquisas; a influência do
orientador; o grau de satisfação com a pesquisa; os traços simbólicos do estudo; dentre
outros aspectos. Como forma de realizar um recorte para o desenvolvimento desse
artigo, optou-se por apresentar somente as categorias pertinentes à construção do
conceito de Práticas Informacionais, visto que essa análise foi completa o suficiente
para promover uma ampla discussão.
Elencou-se três categorias de análise, em conformidade com os objetivos do
presente trabalho: compreensão do conceito de Práticas Informacionais durante a
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Ferreira; Abreu; Lima; Sá | A construção do conceito de práticas informacionais
Inf. Pauta, Fortaleza, CE, v. 4, n. especial, maio 2019 | ISSN 2525-3468
pesquisa; concepção atual do conceito de Práticas Informacionais; e, Práticas
Informacionais X Comportamento Informacional.
Destaca-se que o nome dos entrevistados foi mantido em sigilo, de forma a
preservar os participantes da pesquisa, tal como explicitado no Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Dessa forma, os pesquisadores foram
identificados por E1, E2, E3, E4, E5, E6 e E7.
Quadro 1 - Pesquisas analisadas
Temática
Método
Aporte Teórico
Descreve e analisa as práticas informacionais
das profissionais do sexo da zona boêmia de
Belo Horizonte. (SILVA, 2008).
Coleta de dados: relatos,
entrevistas, com gravação em
áudio. Análise de dados: análise
de conteúdo.
Práticas Informacionais; paradigma
social da CI
Busca compreender as práticas
informacionais de ouvintes assíduos de rádio
(PESSOA, 2010)
Coleta de dados: relatos,
entrevistas, com gravação em
áudio. Análise de dados: análise
de conteúdo.
Descrição densa de Geertz;
Dimensão emocional de Maffesoli.
Busca compreender como os idosos
percebem, descrevem e atribuem significado
à experiência da inclusão digital e seus
efeitos na vida diária, perpassando pelo
campo da sociabilidade e do comportamento
informacional. (GANDRA, 2012)
Coleta de dados: entrevistas
semiestruturadas em
profundidade, com gravação
em áudio. Análise de dados:
análise de conteúdo.
Abordagem social dos estudos de
usuários; Fenomenologia social de
Alfred Schutz.
Busca indícios de como a subjetividade
interfere no processo decisório, ou como os
aspectos subjetivos se integram às
competências individuais para influenciar
esse processo. Investigou o processo
decisório de bibliotecários durante a
atividade de indexação em bibliotecas
universitárias. (ARAÚJO, 2013)
Coleta de dados: entrevista,
análise de tarefas, protocolo
verbal, aplicação do AT- 9.
Análise de dados: análise de
conteúdo, análise do AT-9,
análise de símbolos.
Abordagem clínica da informação.
Teste dos 9 arquétipos.
Investiga como pessoas com cegueira
congênita e adquirida interagem com a Web
e como percebem sua (in)acessibilidade,
buscando identificar as carências e
contribuições das Diretrizes de
Acessibilidade para o Conteúdo da Web
WCAG 2.0 para a construção de websites
mais adequados a esse perfil de usuários.
(ROCHA, 2013)
Coleta de dados: entrevistas
semiestruturadas envolvendo
ensaios de interação, com
gravação de áudio e salvamento
das telas. Análise de dados:
análise de conteúdo.
Abordagem social dos estudos de
usuários; Cognição Situada.
Investiga os elementos simbólico-afetivos
envolvidos no compartilhamento do
conhecimento na relação de orientação
estabelecida entre docentes e discentes de
um programa de pós-graduação stricto
sensu. (COELHO DE SÁ, 2015)
Coleta de dados: entrevista,
análise de tarefas, protocolo
verbal, aplicação do AT-9.
Análise de dados: análise de
conteúdo, análise do AT-9,
análise de símbolos
Gestão do conhecimento científico;
Teste dos 9 arquétipos; Abordagem
Clínica da Informação.
Analisa como as práticas informacionais de
mães de crianças com alergias alimentares
influenciam no dia-a-dia desses indivíduos.
(BARROS, 2016).
Coleta de dados: entrevista
semiestruturada em
profundidade. Análise de
dados: codificação livre e
Práticas informacionais (Modelos
de Pâmela McKenzie e Yeoman).
Ferreira; Abreu; Lima; Sá | A construção do conceito de práticas informacionais
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Inf. Pauta, Fortaleza, CE, v. 4, n. especial, maio 2019 | ISSN 2525-3468
Temática
Método
Aporte Teórico
análise de conteúdo com grade
de categorias mista: a priori (a
partir do modelo de análise) e
liberdade de criação de novas
categorias.
Fonte: Adaptado de SIRIHAL DUARTE, ARAÚJO e PAULA (2017).
O quadro acima permite visualizar que a partir de 2008, a concepção do conceito
Práticas Informacionais começa a ser introduzido nas pesquisas que buscam a
compreensão da relação do sujeito informacional com as informações que demandam
em seu cotidiano, por mais que o termo não se apresente diretamente nos títulos. Essa
perspectiva é influenciada, sobretudo, pelo direcionamento que os orientadores passam
para seus orientandos conforme podemos observar com as entrevistas.
3.1 A Compreensão do conceito de práticas informacionais durante a pesquisa
A presente categoria compreende o entendimento que os pesquisadores tinham
do termo práticas informacionais à época de suas pesquisas de mestrado. Apresenta-se o
conhecimento e/ou desconhecimento do conceito de práticas informacionais e
apontamentos gerais dos entrevistados sobre o termo.
Quatro entrevistados definem suas pesquisas de mestrado como vinculadas à
abordagem social dos estudos de usuários da informação. Observou-se que, no grupo
EPIC, as primeiras pesquisas não utilizavam o termo práticas informacionais, que o
conceito ainda estava começando a ser estudado, de forma que as pesquisas se
afirmavam pertencentes à abordagem social, promovendo uma ampliação da agenda do
campo dos estudos de usuários da informação. Para os entrevistados, um estudo de
Práticas Informacionais seria considerado mais profundo, uma vez que a utilização do
termo abordagem social sugere um estudo mais amplo e menos específico.
E1: [...] eu não conhecia o conceito de práticas, e mesmo hoje conhecendo, eu
penso que o conceito de práticas faz parte da abordagem social. Então era
abordagem social, era o nome amplo da coisa, que eu tinha conhecimento
naquele momento.
[...] Não, não chega a ser um estudo de práticas. [...] Eu acho que não chega.
Eu acho que… Na análise que eu fiz assim eu não fui tão, tão profunda a ponto
de chegar a ser práticas (grifo nosso).
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Ferreira; Abreu; Lima; Sá | A construção do conceito de práticas informacionais
Inf. Pauta, Fortaleza, CE, v. 4, n. especial, maio 2019 | ISSN 2525-3468
E2: Eu não conhecia o conceito com essa denominação de práticas
informacionais. A gente falava da ampliação da agenda de estudos de usuários,
fazia a relação com paradigma social naquela visão que Capurro falou sobre os
paradigmas na Ciência da Informação e tinha a proposta de estudos dentro do
paradigma social e de ampliar a agenda do campo de estudos de usuários, com
abordagem compreensiva, mas não era usada essa denominação de práticas
informacionais. Quando eu fiz a pesquisa a gente não falava, eu não tinha esse
conhecimento com essa denominação de práticas informacionais.
E3: [...] na época a gente conversava muito sobre isso: olha e estou querendo
pegar uma abordagem… Nós vamos pegar uma abordagem, então a gente
trabalhou uma abordagem que seja mais de acordo com o paradigma social do
Rafael Capurro. Que tem a abordagem tradicional que ela está muito ligada ao
paradigma físico, as abordagens alternativas e da Brenda Dervin sensi-cognitivo,
e aí o [orientador] foi construindo o conceito [...] que era uma tentativa de
ultrapassar essa ideia de comportamento.
O entrevistado E5, na ocasião da realização de sua pesquisa, a caracterizou como
um estudo segundo a abordagem social, conforme os entrevistados acima mencionaram.
No entanto, o entrevistado esclarece ainda que na ocasião da realização de sua pesquisa
de mestrado, o havia discussão a respeito da concepção de Práticas Informacionais,
embora ela fosse trabalhada, mas utilizando ainda o nome de abordagem social. Na fala
abaixo, o entrevistado explicita que havia a concepção de que a abordagem social que
trabalhavam no âmbito da pesquisa era diferente, mas ainda não havia sido denominada
como Práticas Informacionais.
E5: Práticas mesmo, que eu me lembre, não tinha uma discussão, mais
aprofundada não. Estava começando a se aprofundar numa discussão sobre a
abordagem social dos estudos de usuários. E de alguma forma, também, aqui na
Escola, com os meus professores que trabalham com essa abordagem aqui na
Escola, eu percebia que era uma perspectiva, uma abordagem social diferente
de como ela é trabalhada no cenário internacional. Mas, ainda assim era
tentando fortalecer essa abordagem social. E assim, eu ouvia falar de práticas,
mas não se sustentava, não fazia nenhuma construção em relação a isso. Eu
defendi em 2012, então era assim em 2010 e 2011. Falava-se de abordagem
social, práticas em algum momento, mas só de ouvir falar mesmo.
Contudo, a noção do conceito se ampliou e, hoje, o entrevistado E5 entende que a
pesquisa desenvolvida sob a abordagem social dos estudos de usuários foi o nascedouro
conceitual da perspectiva de Práticas Informacionais adotada atualmente.
E5: Eu me propus a fazer uma pesquisa conforme a abordagem social, mas hoje
eu vejo que foi dali que começou a minha construção do que eu entendo do que é a
perspectiva de práticas informacionais.
Assim como o E5, um dos entrevistados relatou que não conhecia o termo em
profundidade à época de sua pesquisa. Ele afirma que, ao final da pesquisa, sugeriu-se
Ferreira; Abreu; Lima; Sá | A construção do conceito de práticas informacionais
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que seu trabalho estaria relacionado aos estudos de usuários e ao conceito de Práticas
Informacionais.
E7: Na época eu não conhecia o conceito em profundidade. Eu tinha visto um
conceito sobre o conceito de práticas informacionais durante a disciplina da
Adriana de estudo de usuários que eu fiz no mestrado, e eu não lembro se eu
estava no grupo de práticas, mas ele não tinha esse nome antes. [...] Eu sabia o
que era, de certa forma sim, mas eu o consegui talvez na época, pensar na
relação com minha pesquisa. [...] Depois não me lembro se foi no final, alguém leu
minha pesquisa falou: “Olha isso aqui tem alguma coisa de estudo de usuários,
que poderia ser, que poderia colocar.”
O E3 também apontou pouco conhecimento sobre o conceito de Práticas
Informacionais na época, mas que foi apresentada pelo seu orientador. O entrevistado
também citou algumas referências que deram base para ele ir a campo e compreender
como se dava a busca de informação no cotidiano do seu universo de pesquisa. Além
disso, ele pontuou que o conceito estava sendo construído e citou a obra de Regina
Marteleto (MARTELETO, 1995) como base para o seu referencial teórico.
E3: Foi tudo indicação do [orientador] mesmo. Foi um livro que eu li na época,
uma pesquisa do Hermano Vianna sobre o funk carioca. Olha! Essa pesquisa do
Hermano você não precisa compreender o conteúdo da antropologia. Ele me disse
“capítulo muito técnico, mas eu quero que você entenda o trabalho de campo dele,
a descrição a narrativa, de como ele entendeu o campo, como ele escreveu a
abordagem do objeto”. Então assim é muito bom, não foi usado na minha
dissertação, mas foi um livro que foi importante porque o Hermano fez uma
profunda análise do espaço prático dele, o que ele fazia no Rio na década de 80.
Ele ia aos bailes, ele emergia para depois fazer a descrição do era que ele queria
que era relação daquela pessoas com funks.
E3: É porque assim... Eu tenho que lembrar aqui porque é eu trabalhei com um
conceito que estava presente na obra da Regina Marteleto[...] Na época ela não
tinha um conceito claro. Foi um conceito que estava sendo construído ainda. A
própria obra dela na época não tinha tudo muito claro, ela vinha com a ajuda do
[orientador] que era uma tentativa de ultrapassar essa ideia de comportamento.
Assim como o E3, o E5 pontuou que não tinha conhecimentos suficientes à época
da realização de sua pesquisa. Afirmou que na ocasião, não relacionou Práticas
Informacionais como uma perspectiva que poderia ser considerada como estudos da
abordagem social.
E5: Eu acho que se eu tivesse escutado antes, ou bem no inicinho do mestrado e
atrelasse esse termo à abordagem social dos estudos de usuários, talvez eu tivesse
utilizado. Mas, como foi no meio e realmente, assim, não tinha uma compreensão
do que era, se era exatamente a mesma coisa de uma abordagem social ou não.
Conforme podemos observar, a compreensão da concepção de Práticas
Informacionais se iniciou a partir da vinculação dos estudos de usuários realizados com
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Ferreira; Abreu; Lima; Sá | A construção do conceito de práticas informacionais
Inf. Pauta, Fortaleza, CE, v. 4, n. especial, maio 2019 | ISSN 2525-3468
a abordagem social. Os entrevistados, embora não nomeassem as pesquisas como
estudos de Práticas Informacionais, identificaram na ocasião que se tratava de pesquisas
com um viés mais amplo do que concebiam os estudos sob a abordagem social da época.
3.2 Concepção atual do conceito de práticas informacionais
Essa categoria apresenta a concepção atual que os pesquisadores possuem sobre
o conceito de práticas informacionais.
Uma parte dos entrevistados prosseguiu com atividade de pesquisa, realizando o
doutorado. Percebe-se que esse grupo amadureceu as suas concepções sobre práticas
informacionais, elaborando melhor o conceito.
E1: Na tese eu assumi práticas. Apesar de eu ter certeza do que não é práticas. O
que é práticas eu ainda estou descobrindo, mas eu já assumo termos e quero levar
isso até... Inclusive tendo uma discussão teórica um pouco mais aprofundada do
que eu fiz na dissertação (grifo nosso).
E5: Práticas informacionais estaria dentro da abordagem social dos estudos de
usuários, talvez, e que essa abordagem tenta entender o sujeito como um ser
histórico, cognoscente e que ele é conformado, constituído pelos referenciais
sociais. Então, as suas ações, suas ideias, elas são resultados da intersubjetividade
presente na sociedade.
E7: E as práticas, elas para mim são as percepções da pessoa mesmo, do sujeito,
em relação tanto à realidade dele, quanto também as questões culturais e sociais.
Mas eu acho que as práticas, elas entram mais na parte subjetiva do estudo de
usuários. Pensando assim, chamando de estudo de usuários, a questão das
práticas informacionais, mas acho que as práticas elas eram mais na parte
subjetiva dos usuários, mas que também tem um foco nas interações entre os
usuários.
No entanto, é notório que o conceito de práticas informacionais ainda é
incipiente, não havendo um consenso sobre sua definição. Até mesmo o uso da
terminologia é questionado, visto que as Práticas Informacionais podem ser
consideradas um conceito ou uma perspectiva, dependendo do ponto de vista de cada
pesquisador.
E1: É uma coisa um tanto quanto controversa assim, eu acho que o conceito ainda
é incipiente, na verdade eu não… Eu tendo a não ver práticas como conceito, eu
tendo a ver práticas como uma perspectiva, uma forma de olhar. Eu tenho um
pouco de dificuldade assim de definir práticas conceitualmente falando, eu acho
que é uma coisa muito fluida assim pra, pra você criar um conceito,
comportamento é mais… Porque passa aquela ideia de mais visível, práticas me
passa uma coisa mais fluida, então eu prefiro ver como uma perspectiva. E a
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diferença que eu vejo é a forma como voanalisa, a forma como você olha pra
aqueles dados.
Identificou-se nos discursos dos entrevistados que os estudos de Práticas
Informacionais são vinculados à pesquisa de uma coletividade, na análise da interação
de um grupo de pessoas.
E1: Porque eu vejo e práticas mais como o estudo de um coletivo de pessoas que
têm algum vínculo algum tipo de interação em comum. Posso estar equivocada,
mas para mim, prática fica mais, mais visível neste sentido da coletividade. [...] E
para fazer práticas eu acho que o estudo fica mais interessante com um grupo
que interage mais frequentemente, pode ser virtualmente inclusive, não precisa
ser presencialmente, mas que tenha uma construção conjunta; ou desconstrução.
E7: [...] partindo desse meu “pré concebimento” das práticas, tem muito foco nas
interações tanto sociais quanto dessa realidade mesmo entre as pessoas.
Seguindo a concepção de que os estudos de Práticas Informacionais são voltados
a pesquisas com a interação de grupos de pessoas, E6 pontua que nesse sentido, os
sujeitos informacionais da pesquisa são vistos do ponto de vista de atores sociais
realmente ativos em sua interação com a informação.
E6: Eu percebo as práticas informacionais como esse momento de sujeitos mais
ativos, de sujeitos mais complexos ao tratar com a informação, então eles têm um
senso crítico, eles têm percepções.
Existe também a concepção de que um estudo de Práticas Informacionais
necessita de outra teoria para ser operacionalizado.
E1: [...] exatamente porque eu falei que eu acho práticas uma coisa muito fluida e
eu preciso de uma teoria já estabelecida para operacionalizar a coisa.
O grupo EPIC apresenta-se como uma referência para o estudo das Práticas
Informacionais, pois direciona leituras e discussões sobre a temática. Entretanto, é
reconhecida a multiplicidade de ideias entre os pesquisadores do grupo, de forma que
não há unanimidade no entendimento do conceito.
E1: Eu acho que muita coisa tem uma influência do grupo. Eu às vezes assim,
apesar do grupo não ter uma, uma unanimidade no que se entende de práticas
(às vezes eu tenho a sensação que cada um entende uma coisa diferente), mas eu
acho que é importante porque direciona um pouco; mesmo não tendo um
consenso, direciona. Apesar de às vezes eu achar que eu tenho um entendimento
de práticas, de práticas informacionais, um pouco mais distinto do grande... do
que o grupo tem [...].
E7: [...] eu lembro que estava no início das discussões, acho que em 2015 mesmo
que talvez eu tenha começado a participar do grupo. Estava sendo uma coisa de
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estudo de usuários, de comportamento informacional, tinha uma discussão sobre
conceitos, então esse conceito ele não estava muito claro para mim ainda [...].
Tanto que o entrevistado E4 não usou o conceito de Práticas Informacionais em
sua dissertação e, atualmente, no doutorado, também o se sente seguro em usar a
conceituação em sua pesquisa.
E4: A complexidade da minha pesquisa não pede que eu entre com um conceito
que pra mim é novo, sem ter o domínio dele. Tanto que eu também não uso no
doutorado. Hoje não me sinto confortável pra usar isto.
No discurso de E1 foi presente a citação de vários autores, principalmente suecos,
que se dedicam a pesquisas sobre Práticas Informacionais.
E1: Tem uma autora da Suécia que ela fala que a prática informacional é meio
que corporificada e eu tendo a concordar com isso sabe. [...] Ela chama Harlan,
tem a Isah e a Harlan. Elas usam esse termo pra falar que é quase que
corporificada assim nas ões do dia-a-dia. Então eu acho que é uma forma de
agir meio que inconsciente e meio que sem uma, um start assim, tipo você tem
essa necessidade vai lá e busca.
[...] Porque acaba que eu vou sendo influenciada pela percepção e eles [autores
da Suécia] falam inclusive [de] um estudo sobre as; pelas lentes das práticas,
então quando eu falo que práticas para mim é uma perspectiva eu acho que é
mais pela influência deles. É porque eles também entendem práticas como uma
forma de ver uma determinada realidade e não como um conceito. Então eu acho
que talvez seja uma influência dessas leituras.
Consonante com o posicionamento de Berti e Araújo (2017), o E6 apontou que os
estudos desenvolvidos sob a perspectiva das Práticas Informacionais o se adéquam a
um modelo específico de pesquisa. Trata-se de estudos com enfoques socioculturais
que não se devem se limitar a modelos ou a uma representação gráfica.
E6: Eu acho interessante para isso, assim, perceber o quanto que, por mais que a
gente tente colocar numa tabela, colocar num gráfico, num quadro, é, essas
questões das práticas, elas são muito, muito mais complexas do que a gente possa
imaginar, é praticamente impossível a gente colocar isso bonitinho, né, num
quadro, aqui, num modelo.
Outra parte do grupo de entrevistados não prosseguiu com a atividade de
pesquisa, voltando-se para o mercado de trabalho. Essas pessoas, que distanciaram-se
da academia, percebem que os conceitos evoluíram, contudo não souberam especificar
como os compreendem atualmente.
E2: Eu acho que as terminologias, os conceitos foram mudando e se ampliando
com o tempo e refletindo essa nova compreensão e abrangência. [...] Eu acabei me
afastando dos estudos e não acompanhando essas novas terminologias. Depois do
mestrado eu no mercado de trabalho não estou tendo tanta oportunidade de
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contato com esses campos que estão se ampliando, mas eu acredito que as novas
terminologias dão mais a real dimensão dessa abrangência, maior do que está
sendo feito na área.
E3: Olha! Como eu disse… como eu estou por fora das mudanças da área, talvez é
só uma evolução do conceito de prática, né? E como eu disse antes também,
quanto à leitura especialmente nessas áreas, assim, mais novas… a literatura está
muito... Tem muita literatura norte-americana, talvez o conceito tivesse bem
trabalhado lá [na época da pesquisa]. Então assim, o que eu talvez... se fosse
aplicar hoje, se fosse mudar... Tivesse algum conhecimento da área hoje é seria
uma evolução desse conceito de prática [...] deve ter incorporado muita coisa
nova. Então assim eu queria ter me aprofundado mais nesse conceito de prática
para deixar a dissertação é… mais forte, eu ter ... sei lá... Eu acho que ela... Mais
força para ir a eventos da área.
A maioria dos pesquisadores continuaram suas pesquisas iniciadas no mestrado
em um doutorado. Entre esses pesquisadores, podemos perceber de um lado, o
aprofundamento do conceito da perspectiva dos estudos em Práticas Informacionais por
alguns doutorandos em suas respectivas pesquisas. Por outro lado, pouca identificação
conceitual e insegurança para usar o conceito por parte de alguns pesquisadores de
doutorado; fato que também ocorreu com aqueles que se afastaram do meio acadêmico
e, por conseguinte, do grupo EPIC, para se dedicarem ao mercado de trabalho.
Nota-se que parte dos pesquisadores adotou o conceito de Práticas
Informacionais em suas pesquisas atuais, devido ao aprofundamento da perspectiva
com relação ao período inicial das pesquisas de mestrado. Há ainda um entendimento de
que as Práticas Informacionais são uma perspectiva de pesquisa, vinculada a abordagem
social de estudos de usuários da informação. Contudo, não um consenso
terminológico por parte do grupo EPIC, uma vez que alguns adotam o termo conceito no
lugar de perspectiva.
Atualmente, é perceptível o consenso dentre os pesquisadores investigados da
concepção de sujeito informacional no âmbito dos estudos de Práticas Informacionais,
abandonando o termo usuários da informação por considerar além dos aspectos
cognitivos, os aspectos históricos e socioculturais nas pesquisas.
3.3 Práticas Informacionais X Comportamento Informacional
Nessa categoria apresentam-se as comparações e diferenciações entre os conceitos de
práticas informacionais e comportamento informacional.
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Nos discursos dos entrevistados identificou-se uma tentativa de fazer uma
distinção entre os dois conceitos, uma vez que ambos estão vinculados aos estudos de
usuários da informação. Contudo, os conceitos vinculam-se a diferentes vertentes dentro
desse campo.
E1: Eu posso equivocada, mas eu penso da seguinte forma, estudos de usuários
é uma subárea da Ciência da Informação… E estudo de práticas e de
comportamento? o vertentes possíveis de se fazer dentro dos estudos de
usuários, então um estudo de práticas ele é um estudo de usuários, só que ele pega
uma vertente, que é a vertente de práticas, da mesma forma o de comportamento
informacional.
E6: [...] o estudo de comportamento informacional, que também é mais antigo,
o estudo de práticas é mais recente do que o de comportamento, né, mas o
estudo de comportamento informacional está mais voltado para um usuário que é
mais estático, é um usuário que não é percebido como um ser tão evoluído quanto
o da prática informacional . No da prática, o usuário é visto como um ser atuante,
que sofre interferência do ambiente, das pessoas, mas também interfere, né,
então, ele é mais para o tipo de estudo que eu tenho a ver, que estou
relacionada, dentro da Comunicação mesmo, que percebe o ser como um ser ativo
[...].
E7: Do comportamento informacional, eu acho que ele pauta mais na cognição do
usuário né? E que seria talvez assim, como que ele se comporta diante da
informação. Para mim eu acho que seria mais ou menos isso essa diferença de
estudo de usuários para comportamento. E as práticas, elas para mim são as
percepções da pessoa mesmo, do sujeito, em relação tanto à realidade dele,
quanto também as questões culturais e sociais. [...] E sendo que os outros, são
muito focados no aprofundamento da melhoria do sistema, talvez os estudos de
usuários, o comportamento acho que não tem muito essa interação entre os
usuários né? Acho que é isso.
O entrevistado E1 mostrou certa resistência ao pensar em fazer um estudo utilizando o
conceito de comportamento informacional.
E1: Olha, a única certeza que eu tinha é que eu não queria fazer estudo da
abordagem cognitiva ou alternativa, sabe, eu já, apesar de pouco tempo na
área, eu já via que não era aquilo que eu queria, eu queria um pouco além.
[...] Eu tendo a achar que eu aproximei mais de práticas. Eu evitei
comportamento conscientemente. Eu não queria fazer um estudo de
comportamento informacional; é um tema que eu tenho uma certa resistência.
Na visão dos pesquisadores, o conceito de Práticas Informacionais mostra-se
mais profundo do que o conceito de comportamento informacional.
E1: E eu acho que práticas ela aprofunda um pouco mais do que comportamento.
Sabe, assim a sensação que eu tenho é... O comportamento ele tem uma motivação
mais sei lá, a lacuna, acho que é até lugar comum ficar repetindo isso, mas o
comportamento ele parte de uma lacuna, a prática ela é mais cotidiana e eu
não falando de informação pra vida cotidiana, falando de forma geral, é
meio que uma coisa incorporada… Incorporada sei lá, é uma coisa que a pessoa
não Porque o comportamento, eu vejo da seguinte forma, quando se fala de
comportamento informacional, você tem uma necessidade, você se levanta vai
Ferreira; Abreu; Lima; Sá | A construção do conceito de práticas informacionais
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faz uma busca, planejada, meio que uma sequência de passos. E a prática é como
se ela tivesse diluída no dia-a-dia [...].
E2: Eu acredito que estudos de usuários da informação surgiram muito
relacionados à visão mais positivista, mais pragmática, mais relacionada a
grupos específicos de usuários de sistemas de informação e eu acredito que esses
novos termos tem uma abrangência maior do que é feita agora.
Podemos observar a tentativa dos pesquisadores entrevistados em diferenciar os
estudos de Comportamento Informacional de estudos dedicados a concepção de Práticas
Informacionais. um claro consenso sobre as diferenças e finalidades de cada um dos
estudos. Embora façam parte dos estudos de usuários da informação, Comportamento
Informacional é um estudo conforme a abordagem cognitiva e Práticas Informacionais é
um estudo conforme a abordagem social. Os entrevistados frisaram que os estudos sob a
ótica das Práticas Informacionais são mais abrangentes, além de dar mais ênfase ao
protagonismo do sujeito e sua interação com a sociedade.
4 CONCLUSÃO
Com a realização desta pesquisa, podemos constatar como se deu a constituição
do conceito da perspectiva das Práticas Informacionais no âmbito do grupo EPIC. A
criação do grupo EPIC se deu em 2013, sendo consolidado por meio do cadastro no
CNPq em 2014. Mas muito antes, a maneira de olhar para os sujeitos informacionais por
meio da abordagem social de estudos de usuários realizada em vários trabalhos de
pesquisa de membros do grupo EPIC, já transmitia a diretriz do que viria.
Conforme podemos observar, os estudos realizados no âmbito das Práticas
Informacionais iniciaram vinculados à abordagem social e se mantém até então. Alguns
pesquisadores adotaram o termo inicialmente, outros utilizaram comportamento
informacional” mesmo compreendendo que o escopo de sua pesquisa havia sido mais
amplo. Contudo, o conceito de Práticas Informacionais foi sendo fundamentado a
medida que as pesquisas de mestrado foram se desenvolvendo e esses pesquisadores
foram dando continuidade no doutorado. Desde o princípio, a perspectiva das Práticas
Informacionais foi concebida de maneira a perceber o sujeito informacional como
protagonista da ação informacional, compreendendo que trata-se de um indivíduo
cognoscente que busca por informação de maneira natural, cotidianamente, que tem sua
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cultura, história, que interage com meio, influencia e é influenciado. Portanto, o sujeito
estudado nos estudos de Práticas Informacionais é visto em conformidade com o seu
contexto sociocultural, não somente em seu aspecto cognitivo como nos estudos de
Comportamento Informacional.
Destaca-se o protagonismo da Profa. Dra. Adriana Bogliolo Sirihal Duarte na
liderança do grupo e das pesquisas em torno das Práticas Informacionais. Profa. Adriana
é uma das responsáveis pela consolidação do conceito e adoção de algumas das
metodologias utilizadas na perspectiva de Práticas Informacionais desenvolvidas no
âmbito do grupo EPIC. Ela tinha o dom didático para categorizar os dados que permitia
uma compreensão mais efetiva das pesquisas. Uma profissional apaixonada que buscava
sempre inovar e levava consigo generosamente docentes e discentes que ousavam alçar
vôos mais altos. Essa pesquisa foi a última pesquisa desenvolvida coletivamente por ela
e por discentes em sua última disciplina no PPGCI/UFMG. Mais uma contribuição para a
compreensão dos conceitos que o grupo EPIC está construindo.
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ABORDAGENS DOS USUÁRIOS DA INFORMAÇÃO POR PROFISSIONAIS DA
INFORMAÇÃO E DA INFORMÁTICA
INFORMATION USERS APPROACHES BY INFORMATION AND INFORMATION
TECHNOLOGY PROFESSIONALS
Eliane Cristina de Freitas Rocha
¹ Doutora em Ciência da Informação pela
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
E-mail: prof.lili.rocha@gmail.com
ACESSO ABERTO
Copyright: Esta obra está licenciada com uma
Licença Creative Commons Atribuição 4.0
Internacional.
Conflito de interesses: A autora declara que
não há conflito de interesses.
Financiamento: Não há.
Declaração de Disponibilidade dos dados:
Todos os dados relevantes estão disponíveis
neste artigo.
Recebido em: 17/04/2019.
Revisado em: 02/05/2019.
Aceito em: 09/05/2019.
Como citar este artigo:
ROCHA, Eliane Cristina de Freitas. Abordagens
dos usuários da informação por profissionais da
informação e da informática. Informação em
Pauta, Fortaleza, v. 4, n. especial, p. 44-61, maio
2019. DOI: https://doi.org/10.32810/2525-
3468.ip.v4iEspecial.2019.41036.44-61
RESUMO
Este artigo apresenta reflexões originadas e
ampliadas de trabalho de tese realizado sobre as
abordagens dos usuários da informação por
profissionais da informação e da informática,
sob orientação da professora Adriana Bogliolo
Sirihal Duarte. Apresenta discussão sobre o
conceito de usuário da informação, de sistemas
de informação e de produtos interativos como
categorias distintas. No que diz respeito ao
trabalho dos profissionais da informação e da
informática, há o predomínio da abordagem
tradicional dos estudos de usuários na prática de
ambos os perfis profissionais, marcada pelo
empirismo e tecnicismo.
Palavras-chave: Usuário. Bibliotecário. Analista
de tecnologia da informação. Usuário da
informação. Usuário de sistemas de informação.
ABSTRACT
This paper presents reflections originated and
amplified from a thesis accomplished about user
information approacheb by information and
information technology professionals, oriented
by Adriana Bogliolo Sirihal Duarte. It presents
discussion about information, information
system and interactive products users as distinct
cattegories. In concern of the work
accomplished by information and information
technology professionals, the tradicional
approach of user studies dominates in the
pratice of both professionals, characterized by
empiricism and technicism.
Keywords: User. Librarian. Information
Technology Analyst. Information User. System
information user.
Inf. Pauta
Fortaleza, CE
v. 4
n. especial
maio 2019
ISSN 2525-3468
DOI: https://doi.org/10.32810/2525-3468.ip.v4iEspecial.2019.41036.44-61
ARTIGO
Rocha | Abordagens dos usuários da informação
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1 INTRODUÇÃO
Este trabalho é fundamentado, essencialmente, em estudo de tese (ROCHA, 2013)
orientado pela professora Adriana Bogliolo, a quem se presta homenagem nesta edição
especial da “Informação em Pauta”. Algumas reflexões posteriores à tese, publicadas em
língua inglesa (ROCHA, 2016) e relacionados a ela são acrescentadas para permitir ao
público brasileiro acesso às contribuições sobre os conceitos de usuários da informação
em diferentes áreas do conhecimento Biblioteconomia e Sistemas de Informação.
Na referida tese (ROCHA, 2013), ficou muito evidente que a temática dos usuários
da informação tem recebido muita atenção no campo da ciência da informação, nos
últimos anos. No entanto, o esforço teórico da área nem sempre é apropriado para
melhoria nas atividades dos profissionais relacionados ao campo. Isso se deve, em parte:
1) à pluralidade temática e metodológica dos estudos da ciência da informação (CI), 2) à
não correspondência entre os estudos do campo da CI e os espaços de atuação
profissional alinhados ao desenvolvimento do seu campo científico: não existe uma
profissão regulamentada de cientista da informação, e a definição de profissionais que
podem atuar no campo é objeto de discussão. Para estabelecer um recorte necessário
para compreender as abordagens dos usuários da informação em diferentes campos
profissionais relacionados à CI, a tese comparou a atuação de profissionais da
informação (denominação da CBO/2002 aos profissionais bibliotecários) e profissionais
da informática (analistas de tecnologia da informação) nos aspectos referentes às suas
práticas relativas aos seus usuários.
Tendo em vista que González Teruel (2005) considera de fundamental
importância que os estudos de usuários apresentem contribuições efetivas para a
prática do profissional que lida com informação, a questão principal norteadora do
trabalho foi: De que maneira têm sido abordados os usuários da informação nas práticas
profissionais de bibliotecários e analistas de sistemas? O objetivo principal foi comparar
as abordagens teórico-metodológicas dos usuários da informação nas práticas
profissionais de bibliotecários e analistas de tecnologia da informação (profissionais da
informática).
Para realizar tal empreitada, foi necessário realizar revisão bibliográfica das
abordagens dos usuários da informação da CI, apresentada brevemente na seção 2 a
seguir, que também apresenta reflexões sobre os conceitos de usuários da informação,
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usuários de sistemas de informação e de produtos interativos. Foi empreendido estudo
de campo com profissionais 17 bibliotecários e 16 analistas de sistemas que lidam com
usuários da informação, na tese. Reflexões originadas do trabalho empírico da tese serão
apresentadas na seção 3. Para finalizar, são apresentadas considerações sobre as
abordagens dos usuários da informação pelos profissionais.
2 ABORDAGENS DOS USUÁRIOS DA INFORMAÇÃO
Para González Teruel (2005), o histórico dos estudos de usuários aponta
investigações de natureza heterogênea úteis ao planejamento de serviços de informação
e voltadas para o estudo das necessidades da informação, estudo de demanda de
informação, estudo de usos da informação, estudos de satisfação com os serviços
informacionais, e estudos de impacto.
Os primeiros estudos de usuários voltaram-se para melhorias no
desenvolvimento de coleções, sendo caracterizados como estudos de usos e de coleções
das bibliotecas, empregando técnicas como análises estatísticas de empréstimo e uso da
biblioteca, e bibliometria - como a avaliação do uso de periódicos, de referências, de
citações (ARAÚJO, 2007). De acordo com Araújo (2007), os primeiros estudos de
usuários da informação, das décadas de 1940 a 1980, conhecidos como estudos da
abordagem tradicional, tinham orientação metodológica positivista, envolvendo a
“aplicação dos métodos das ciências naturais (exatas e biológicas) aos fenômenos
humanos ou sociais” (ARAÚJO, 2007, p. 87), com predomínio de técnicas quantitativas
de pesquisa.
É característico dos estudos de usuários realizados na perspectiva positivista-
funcionalista-empirista, normalmente associados aos primeiros trabalhos de estudos de
usuários e ao paradigma físico da CI, o propósito de previsão do uso que indivíduos ou
grupos fariam dos serviços de informação numa perspectiva voltada para a melhoria dos
sistemas, sendo conhecidos como perspectiva orientada ao sistema (estudos
orientados ao sistema) ou perspectiva tradicional dos estudos de usuários, associada
ao seu valor pragmático no planejamento dos serviços de informação e melhoria/criação
de bases de dados (GONZÁLEZ TERUEL, 2005).
Em meados da década de 1980, surgiram novas perspectivas de estudos dos
usuários que deslocaram o foco do sistema para o entendimento dos usuários,
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desenvolveu-se “uma linha de investigação orientada ao usuário que atribuía ao
usuário um papel ativo no processo de busca de informação, de tal maneira que o valor
da informação dependia de sua própria percepção” (González Teruel, 2005, p. 55, grifos
nossos, tradução livre), também conhecida como abordagem alternativa dos estudos de
usuários. González Teruel (2005, p. 22) aponta que são característicos dessa abordagem
o foco nas características “individuais, tanto cognitivas quanto afetivas que condicionam
o modo com que se busca e utiliza a informação” e a observação das situações que levam
o sujeito a necessitar da informação. Métodos qualitativos de pesquisa predominam
nesta abordagem, alinhada ao paradigma cognitivo da CI (ARAÚJO, 2007). Alguns
autores se destacam nesta abordagem: Khulthau, Brenda Dervin, Thomas Wilson, entre
outros.
Araújo (2010), em sua revisão do campo, aponta que os estudos da abordagem
tradicional (predominantemente marcados pelo paradigma físico da CI) e os estudos da
abordagem alternativa (predominantemente marcados pelo paradigma cognitivo da CI)
não abarcam a complexidade da constituição da realidade social pelos sujeitos.
Talja (1997) sustenta que estudar o usuário de maneira individualizada conforme
os moldes do paradigma cognitivo, e com uma visão de um sujeito orientado a fins
racionais e práticos é abraçar o paradigma racionalista do processo de busca da
informação, associado à dicotomia platônica que separa sujeito-objeto, a qual pressupõe,
para Hjørland (1998) que a pessoa/usuário é provida de um pré-conhecimento que o
permite interpretar os dados objetivos do mundo.
Talja (1997) acredita que seria necessário considerar os sujeitos como
conhecedores, imersos em seus ambientes culturais (como em suas comunidades de
prática), bem como considerar que a informação em si é construída socialmente. Ela
propõe uma orientação diferente para os estudos de usuários nem orientada ao
sistema, nem orientada ao usuário mas orientada para a formação de conhecimento
(knowledge-formation orientation), a qual deveria dar conta, de um lado, tanto dos
processos culturais de produção, organização e limites das necessidades de informação,
quanto, de outro, da produção, limites e organização culturais dos sistemas de
informação (TALJA, 1997, p. 77). A proposta envolve ampliar a compreensão do usuário
da informação como um indivíduo que se comporta para um sujeito que realiza práticas
culturais as quais, necessariamente, são informacionais. A abordagem oriunda desta
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visão não é tradicional, nem alternativa, mas social (ARAÚJO, 2010). Para abordar tais
práticas, predominam cnicas qualitativas de pesquisa, e diversas abordagens teóricas
do campo das ciências sociais são empregadas para empreender tais estudos.
Se os estudos de usuários envolvem estudos de “uso de bibliotecas ou de outros
sistemas de informação”, é preciso destacar que as mudanças tecnológicas trouxeram
outras variáveis para os estudos de usuários. Baptista e Cunha (2007, p.176) incluem os
estudos de usabilidade como voltados à “procura de soluções para sistemas de
informação automatizados”, o que permite identificar a problemática dos estudos de
usuários em ambientes informatizados (como os ambientes informacionais digitais com
a sua respectiva arquitetura da informação) como campo de interesse dos estudos de
usuários.
Têm-se feito presentes, na CI, os estudos de usabilidade, acessibilidade e de
comportamento informacional em contextos digitais, os quais se colocam, também, em
abordagens (inter)(trans)(multi)disciplinares com outros campos do conhecimento, em
especial com os estudos de caráter multidisciplinar da área de interação humano-
computador.
De maneira sumária, o campo de estudos de usuários relaciona-se com os
paradigmas da Ciência da Informação em suas potencialidades e fraquezas e não é a
ampliação dos contextos de investigação de estudo do campo (como o usuário em
contextos digitais) em si portadora de novas abordagens teórico-metodológicas.
As formulações sobre o usuário da informação no campo da Ciência da
Informação, no que diz respeito aos contextos digitais, interfaceiam e se apropriam de
referenciais do campo da Interação Humano-Computador, o qual apresenta
desenvolvimento próprio, também já avaliado como subproduto da tese que aqui se
comenta (ROCHA; SIRIHAL DUARTE, 2013).
Os campos de estudo de usuários da Ciência da Informação e da Interação
Humano-Computador atribuem aos usuários significados diferentes. Rocha (2016)
considera que o usuário de produtos digitais interativos inclusive dos produtos
cotidianos como o tênis inteligente com informação embutida o é o mesmo usuário
de um livro. Primeiramente, não é adequada a expressão usuário de livro: Quem usa o
livro é o leitor, o qual, mesmo em diferentes níveis de leitura (da mais ingênua à mais
profunda), interage com uma obra aberta à sua interpretação. O livro pode também
ganhar a forma digital o e-book, o hipertexto mas o sujeito que com ele interage
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entra em contato com saberes em diversos gêneros romances, manuais técnicos que
hoje podem ter formato aberto, estar em constante construção por comunidades de
usuários (na forma da escrita coletiva de enciclopédias online, por exemplo). A abertura
à escrita e leitura coletiva de textos tem colocado o leitor no papel de produser ao
mesmo tempo usuário, leitor e produtor de registros de conhecimento (ZILLER; MOURA,
2010).
Na nova mídia (mídias digitais), o sujeito é convertido em usuário (MANOVICH,
2001) o sujeito é essencialmente utilizador de recursos técnicos. O conhecimento da
materialidade do livro impresso não se destaca na criação de um leitor, mas o
conhecimento do recurso cnico em si (como os formatos dos livros eletrônicos, por
exemplo) pode impedir várias operações de leitura/escrita/produção de registros de
conhecimento em formato digital. Algumas ações de mediação explícita para auxílio à
leitura podem se voltar, inclusive, para as dificuldades de uso dos aparelhos (ROCHA,
2013). Como se pode igualar o leitor de um livro com o usuário de um dispositivo
eletrônico (como de um despertador eletrônico, por exemplo)? (ROCHA, 2016)
A comparação parece esdrúxula, mas constantemente nota-se que o usuário da
informação, outrora associado ao leitor (àquele que produz, recupera e usa registros de
conhecimento), é equiparado ao usuário de recursos técnicos digitais ou interativos. A
terminologia usuário não tem o mesmo significado nos campos da biblioteconomia e da
tecnologia da informação. Uma primeira e importante distinção diz respeito ao que seja
usuário da informação, usuário de sistemas de recuperação da informação, usuário de
sistemas de informação (em geral) e usuário de produtos interativos. Tais categorias
encontram-se ilustradas na FIG. 1, com suas respectivas intersecções.
O usuário da informação é visto como o sujeito que manifesta comportamento
informacional, entendido como as “atividades em que a pessoa se envolve quando
identifica suas necessidades de informação, procura por tal informação por qualquer
meio e usa ou transfere aquela informação”
i
(WILSON, 1999, p.249, tradução livre). Este
usuário pode envolver-se em atividades de busca de informação (information seeking
behavior) tanto ativa (active search, ongoing search) quanto passiva (passive atention,
passive search), e também em atividades de recuperação da informação (information
search behaviour) em sistemas de informação, conforme a proposição do modelo de
comportamento informacional em camadas de Wilson (1999). Tais camadas o
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apresentadas na FIG.1 pelas elipses Usuário da Informação-Information Behaviour;
Usuário da Informação-Information Seeking Behaviour e Usuário da Informação-
Information Searching Behaviour. O usuário é visto, predominantemente, de uma
perspectiva subjetivista alguém com necessidades de ordem psicológica, afetiva e
cognitiva como um sujeito que vai solucionar alguma questão relativa aos seus papeis
nos contextos sociais (WILSON, 1999), como nos ambientes de trabalho, escolares-
educativos e no cotidiano (campo da ELIS
ii
). Algumas das questões trazidas pelos
usuários enfatizam a busca do conhecimento (necessidade da informação da ordem do
saber, para Le Coadic, 2004 e que podem ser relativas aos contextos
educativos/escolares bem como a situações cotidianas de troca de informação e diálogo
entre pessoas apontadas por Savolainen, 2012) e, outras, a realização de tarefas de
simples a complexas (SAVOLAINEN, 2012; LE COADIC, 2004), nas quais a necessidade
de informação é derivada para realização de outra tarefa. Não se tem, aqui, exatamente,
a visão do usuário como sujeito leitor ou como aquele que aprende com os recursos
utilizados (ROCHA, 2016).
O usuário da informação pode interagir com fontes de informação variadas tanto
analógicas quanto digitais (pessoas, sistemas de recuperação da informação, por
exemplo) em processos de busca ativa (active information seeking behaviour). Os
usuários de sistemas de informação digitais são aqueles que utilizam aplicativos digitais
de diversas naturezas como os aplicativos de produtividade para o trabalho tanto
pessoais (planilhas, editores de imagem, som, etc) quanto para empresas (sistemas ERP,
por exemplo), incluindo os sistemas de recuperação da informação digitais (SRI) e
sistemas de gestão de documentos (GED). Ao usar SRIs digitais, sistemas de informação
digitais e produtos digitais em processos de recuperação da informação, o usuário
apresenta information search behavior, mas pode também ser produtor de registros em
repositórios digitais, numa aproximação à expressão produser (ROCHA, 2016).
O uso do sistema de informação digital se difere do uso de SRI também pela
dinamicidade do tratamento dos dados armazenados: o sistema, para o usuário, é um
meio para que ele acesse ou gere a informação que necessita de processamento de dados.
A tarefa que o usuário realiza pode: a) envolver processos de busca ativa (active seeking)
de algum item presente no sistema digital como um insumo informacional a ser
recuperado para solucionar uma questão (como é o caso da recuperação da informação
nos SRIs); b) precisar de insumo informacional processado ou gerado pelo sistema
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(necessidade da informação da ordem da ação, como nos sistemas de produtividade
exemplo: usar sistema na realização de algum cálculo para fazer alguma previsão; ou
necessidade da informação da ordem do saber, como um metereologista que consulta
um modelo preditivo pluviométrico) para o qual o comportamento do usuário não se
resume ao comportamento de busca, mas também à interação para geração de dados
(uso interativo de sistema para processamento de dado); c) não ter como foco procura
de informação ou geração de dados para solução de problemas (como em um sistema de
entretenimento), mas envolver atividades informacionais relativas a processos de
atenção passiva (passive attention - encontrar informação por acaso).
Outra maneira de abordar o usuário da informação, pela perspectiva do
paradigma social construcionista, é vê-lo como um sujeito social imerso em
comunidades de prática (SAVOLAINEN, 2007). O usuário da informação é aquele que
realiza práticas informacionais (ao invés de manifestar comportamento informacional),
entendidas como práticas sociais que incluem o trato com a informação em diversas
dimensões procurar, recuperar, receber, usar, transferir, indexar, etc e por meio de
variadas ferramentas que possibilitam comunicação e disseminação do conhecimento. O
usuário da informação enquanto realizador de práticas informacionais, representado no
círculo mais externo da FIG 1 (Sujeito Informacional), não é visto somente como um
sujeito que lida com informação para solucionar alguma questão ou problema ele
realiza práticas sociais que são informacionais (como as práticas de diálogo com seus
pares, por exemplo). Os ambientes nos quais são realizadas as práticas informacionais
são relativos a contextos sociais com suas configurações próprias (atores e normas) que
modelam a forma com que as trocas informacionais acontecem (information grounds),
(COUTRIGHT, 2007).
Os usuários de produtos interativos, por outro lado, são aqueles que lidam com
qualquer produto digital ou que tenha tecnologia digital embarcada para realizar tarefas
cotidianas. O comportamento destes usuários de sistemas de informação digitais e
produtos interativos nem sempre é associado à busca ativa de informação e não se
enquadra completamente nos modelos que caracterizam o usuário em processos de
atenção passiva e busca ativa (information behaviour). Este é o usuário de ferramentas
digitais de uso cotidiano (aqui tratado como usuário interativo) para solucionar
problemas da ordem do saber, da ordem da ação (a informação é subsidiária na
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Abordagens dos usuários da informação
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realização de tarefas) no entendimento de LeCoadic (2004), ou da ordem da fruição, ou,
simplesmente, para realizar práticas informacionais que tenham como suporte a
tecnologia da informação digital.
A princípio, o uso de produtos interativos no cotidiano (como jogos eletrônicos,
GPS, smart devices) pode ser visto como manifestação de práticas informacionais dos
sujeitos, ou práticas sociais que envolvem fluxos informativos entre os sujeitos entre si e
deles com os dispositivos técnicos. O foco do usuário, ao interagir com tais produtos,
está no uso da ferramenta para realizar uma tarefa que envolverá ou não a busca de
informação nas suas formas passiva ou ativa. Como exemplos têm-se: a) os usuários de
um aplicativo como o Tinder têm como foco encontrar parceiros afetivo-sexuais (que é
uma prática social) e, para isso, se envolverá em processos de busca ativa com a
interface da ferramenta (active seeking); b) os usuários de uma casa inteligente (uma
aplicação da computação ubíqua) que acende as luzes e executa uma música conforme o
humor de seu morador, identificado pela leitura da retina, não realizam práticas
informacionais nas formas de active searching, active scanning, non-directed monitoring
ou by Proxy (associadas a práticas informacionais cotidanas por MCKENZIE, 2003). Em
outras palavras, um conjunto de produtos digitais interativos que recebem insumos
informacionais dos seus usuários, os quais são tomados como objetos para a ação de tais
produtos. No limite, tal objetificação traz à tona a discussão sobre se as práticas de uso
de dispositivos digitais são sempre informacionais (se se considera que as práticas
informacionais requerem consciência dos sujeitos) e se as aplicações das ferramentas
digitais não se voltam para práticas que não sejam sociais (representadas além do
sujeito informacional, no box mais externo da fig 1). O usuário de produtos digitais não
necessariamente seria um usuário da informação (envolvido em processos de busca
ativa ou passiva) nem um sujeito informacional (envolvido em práticas sociais
informacionais).
Há, ainda, que se considerar a existência do usuário potencial de sistemas de
recuperação da informação, de sistemas de informação digital e de produtos interativos:
são todos aqueles que podem fazer uso de tais sistemas (público), mas não o fazem por
diversas razões, como inadequação do seu habitus ao seu uso. Eles se diferem dos não
usuários, os quais não se constituem no público-alvo de tais produtos, como é o caso dos
analfabetos em bibliotecas especializadas, por exemplo.
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Figura 1 Pessoas, sujeitos informacionais e usuários da informação
Fonte: elaborado pela autora.
Tendo em vista que diferenças entre as abordagens teóricas das disciplinas de
Usuários da Informação e Interação Humano-Computador, e os distintos conceitos
relativos aos usuários da informação, as abordagens dos usuários pelos bibliotecários e
analistas de tecnologia da informação foram comparadas tendo como parâmetro os
referenciais das abordagens de usuários da CI (tradicional-orientada ao sistema;
alternativa-orientada ao usuário e social-orientada à interação usuário-sistema).
3 ABORDAGENS DOS USUÁRIOS PELOS PROFISSIONAIS
duas grandes categorias de usuários de sistemas de informação (digitais ou
analógicos) tratadas por duas grandes categorias de profissionais: 1) o usuário da
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informação, conforme visto pela de Biblioteconomia e Ciência da Informação e pelos
profissionais bibliotecários; 2)o usuário de produtos digitais interativos (aqui tratado
como usuário interativo) conforme visto pela área dos sistemas tecnológicos de
informação, oriundos do campo da computação e congêneres.
O bibliotecário tem a responsabilidade de mediar a relação do usuário com os
registros de conhecimento sob sua responsabilidade (ORTEGA Y GASSET, 2006). Para
Almeida Júnior (2009) o trabalho de mediação tem duas dimensões: uma explícita,
relativa ao atendimento e orientação do usuário, normalmente realizada pelo setor de
referência; e outra implícita, relativa ao tratamento dos registros do conhecimento
normalmente realizado pelo setor de processamento técnico. Com relação ao trabalho
de mediação explícita, observa-se, no geral que: a) os bibliotecários de bibliotecas
públicas e escolares se mostram atuantes nas ações de mediação explícita de ordem
cultural (como a promoção da leitura), enquanto na biblioteca especializada tais ões
não recebem tanta atenção quanto a disseminação seletiva, por exemplo; b) nas
bibliotecas universitárias e também nas escolares, tem grande relevo as ações de
letramento informacional e digital (auxílio ao usuário na localização de fontes, no uso de
equipamentos digitais e normas bibliográficas, na elaboração de trabalhos escolares).
com relação ao trabalho do analista de tecnologia da informação, nota-se que
diferentes perfis profissionais a lidar com usuários conforme a divisão das tarefas
existente no mercado da tecnologia da informação. Os processos de trabalho dos
analistas mais diretamente associados aos usuários de sistemas estão associados, no
ciclo de desenvolvimento de sistemas, às etapas de análise de requisitos, implantação e
operação de sistemas (NASCIMENTO, 2003); e, no ciclo do design centrado no usuário,
às etapas de identificação das necessidades dos usuários e suas tarefas (parte da
investigação contextual) e à avaliação do design (ROCHA, 2013). diferentes papeis
profissionais que lidam com os usuários de sistemas de informação e produtos
interativos: os que realizam trabalho de mediação implícita elaboram projetos de
produtos interativos para os seus potenciais usuários e aqueles que realizam trabalho
de mediação explícita auxílio dos usuários no uso de produtos. De maneira sumária, o
trabalho de mediação explícita é realizado por analistas de TI que têm a função de
analistas de suporte (e analistas de negócio), os quais teriam a função de facilitar o uso
dos sistemas e mediar modificações nele junto às equipes de analistas-desenvolvedores.
As tarefas de conhecer as necessidades de usuários para elaboração de sistemas digitais
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(software) e produtos interativos tarefas de mediação implícita são divididas em dois
perfis profissionais, basicamente: a) os designers de interação ou UX designers (User
Experience Designers) são responsáveis por projetar as interações dos usuários com
produtos interativos de qualquer natureza (desde interfaces de softwares para
computadores desktop e interações humanas com dispositivos inteligentes e ambientes
com computação ubíqua) e podem atuar em conjunto com arquitetos da informação
(estes são responsáveis pela estrutura de navegação, rotulação, organização e busca da
informação em variados ambientes digitais); b) os analistas de sistemas ou engenheiros
de software são responsáveis pelos produtos de software (desde sua concepção,
desenvolvimento e gestão), podendo existir subdivisões desta especialidade conforme o
porte e a estrutura da empresa empregadora, como é o caso do perfil profissional
específico do analista de requisitos computacionais (responsável pela concepção das
soluções).
Além dos profissionais de TI, há outros papeis de mediação, como redação técnica,
e acompanhamento de clientes por equipe de marketing (que também prospecta
necessidades de usuários e propõe novas funcionalidades ou produtos) e consultores
externos (como consultores da área de negócios), atuando no mercado da tecnologia da
informação que lidam com usuários da tecnologia digital.
3.1 Abordagens pelos profissionais da informação
Em Rocha (2013), nota-se que, nas atividades de trabalho realizadas pelos
bibliotecários, o usuário é visto como o usuário da informação envolvido em busca de
informação para solucionar essencialmente problemas de ordem das necessidades do
saber (por exemplo: como fazer uma monografia, armazenar ou recuperar um
documento). Quando este usuário utiliza os SRIs (no acervo das bibliotecas, nas
bibliotecas digitais, nos repositórios institucionais, nos sistemas de gestão de
documentos), ele também é usuário de sistemas de recuperação da informação e
apresenta comportamento de procura de informação (information search behavior) mas
também pode ser produtor de documentos (como no caso dos sistemas de Gestão
Eletrônica de Documentos, ou no caso dos repositórios de objetos digitais, como os
repositórios de objetos de aprendizagem). Tal visão majoritária o usuário como aquele
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que procura informação para conhecer ou saber de algo é relacionada ao paradigma
tradicional dos estudos de usuários (system-oriented approach, perspectiva tradicional,
centrada no sistema) (TALJA, 1997): o usuário é o sujeito racional à busca da informação
para solução dos seus problemas que requerem ações de mediação do bibliotecário
relativas à busca da informação, e que exige dele conhecimento acerca dos conteúdos
pesquisados e de seus formatos. O papel de mediação do profissional bibliotecário, neste
caso, está relacionado à facilitação do acesso às fontes de informação e boa gestão do
acervo, e à promoção do letramento digital e informacional, o qual requer, em muitos
momentos, ações culturais (como as de promoção da leitura). O usuário é alguém a
quem se deve dar atenção, é um sujeito apressado interessado em recuperar registros de
informação e também em armazená-los, mas que nem sempre está preparado para
realizar tais operações (não sabe ler tão bem, não conhece tão bem a natureza das
fontes).
O usuário da informação presente na fala dos bibliotecários entrevistados na tese
pode ser entendido como aquele que está à procura de um insumo informacional para
solucionar alguma questão, seja na biblioteca, em SRIs, em sistemas de informação
(digitais ou não), ou de fontes como meios de comunicação e pessoas. A problematização
acerca dos não-usuários, ou dos usuários com necessidades não expressas é tímida entre
os profissionais bibliotecários (ROCHA, 2013).
O comportamento informacional (information behaviour) não se mostrou objeto
de atenção dos profissionais bibliotecários. Tampouco se vê presente a problematização
do sujeito informacional o sujeito imerso em práticas sociais relativas à informação.
Valem as impressões do cotidiano para conhecer o usuário. Os usuários, nestas
impressões, são vistos como apressados, sem paciência, e pragmáticos: precisam
realizar alguma tarefa de recuperação da informação e criação de conhecimento. Mas ele
também é visto na faceta de leitor, como alguém a quem se deve instruir e educar.
Para os sistemas digitais, porém, os bibliotecários atuantes em repositórios
digitais não têm uma ideia muito precisa de quem é o usuário, especialmente por ele não
estar fisicamente presente no espaço da biblioteca. Nestes espaços também é um desafio
lidar com o produser, como se notou no caso de dificuldades de auxílio a produtores de
objetos digitais de aprendizagem em um repositório digital, e também se nota atuação
no sentido de melhoria da findability de tais ambientes.
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De maneira geral, predomina a falta de sistematização do conhecimento do
usuário pelos bibliotecários entrevistados na tese (ROCHA, 2013), predominando
abordagem tradicional na forma se compreender quem é o usuário. As impressões da
experiência direta, empírica, e as abordagens técnicas e práticas predominam para
entender o usuário, em uma perspectiva orientada ao sistema.
3.2 Abordagens pelos profissionais da informática
Do ponto de vista do analista de TI, o usuário é, prioritariamente, um executor de
processos de trabalho ou de tarefas cotidianas que envolvem fluxos informacionais. Na
fala dos analistas de TI (ROCHA, 2013), distinção entre os sistemas de produtividade
(como os sistemas ERP, planilhas eletrônicas, etc), feitos para usuários trabalhadores, e
os aplicativos/sistemas sociais voltados para um amplo mercado (como os jogos, com
finalidade de entretenimento), feitos para o público (público consumidor). Tal distinção
guarda analogias com a especificidade dos estudos de usuários em ambientes de
trabalho (workplace) e nos ambientes cotidianos (everyday life seeking) que se
manifesta no campo da HIB (MACKENZIE, 2003; COURTRIGHT, 2007; SAVOLAINEN,
2012).
O analista de TI, para desenvolver produtos interativos voltados a quaisquer dos
perfis de usuários e características dos sistemas, precisa mapear fluxos de informação e
definir modelos de dados e sua manipulação. Ele cria uma representação do mundo
social e concebe um sistema dinâmico que processa dados de entrada e gera
saídas/resultados.
Na prática dos profissionais analistas de TI que não são designers de interação
(como os analistas de suporte, analistas de sistemas, engenheiros de software), o
usuário é um gerador de problemas, solicitante de serviços, entendedor do domínio de
trabalho que precisa ser consultado. Os levantamentos de requisitos de sistemas
realizados junto a usuários como os realizados por analistas de sistemas e de
requisitos, bem como por alguns bibliotecários na elaboração de SRIs [Sistemas de
Recuperação de Informação] envolvem realização de pesquisas de necessidades
informacionais de usuários. Neste caso, as técnicas utilizadas são qualitativas como
entrevistas e estudo de documentação dos sistemas existentes ou do domínio. O usuário
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pode ser visto em seu comportamento informacional, como aquele envolvido em
processos de procura de insumos informacionais tanto em SRIs (information search
behavior) quanto em sistemas digitais ou aquele envolvido em processos de busca
(information seeking behavior) tanto ativa quanto passiva.
O usuário de sistemas de informação digitais (que pode ser usuário envolvido em
busca ativa de informação) requer do analista de TI, em suas funções de suporte e
análise de negócios, não exatamente o domínio do saber associado às tarefas dos
usuários (trabalho do catalogador), mas a forma com que as tarefas do usuário são
realizadas e suas restrições (as regras do processamento e transformação dos dados, as
regras de negócio). O trabalho de mediação explícita do analista não se restringe ao
auxílio na recuperação de dados estáticos. Não se pode dizer que o analista de TI
promova o letramento informacional, nem que ele esteja tão atento ao letramento digital
na sua dimensão cnica. Do ponto de vista do analista de TI, de maneira geral, muitos
problemas associados aos usos dos sistemas são problemas de projeto e não de falta de
preparo do usuário.
Por outro lado, a concepção de produtos interativos requer equipes
multidisciplinares que contam com o designer de interação, o qual não tem como
atribuição definir modelos de dados para os sistemas. O projeto de tais produtos está
mais ligado às ações/tarefas exercidas pelos usuários no cotidiano que podem ou não ter
a informação como subsidiária à sua realização. O usuário de tais produtos muitas vezes
é visto como o público com necessidades de ordem social a serem exploradas pelo
mercado dos produtos interativos, por exemplo: quais são as features mais atrativas
para os celulares (como a criação do pau de selfie para as fotos)? Só se projeta um pau de
selfie quando se observa o comportamento social e não os insumos informacionais
ofertados pelos aparelhos de celulares e seus usos (seus metadados). O usuário é um
usuário do produto, a exercer tarefas cujo foco não está na visão de obtenção da
informação para suprir uma lacuna. O comportamento dos usuários nos ambientes
digitais pode ser qualificado ou quantificado por meio de testes, como aqueles que
empregam análises métricas (análise de page views em websites, por exemplo). O
usuário de produtos interativos não é necessariamente um usuário de informação que
expressa comportamento informacional, embora possa (e deva) ser visto como um
sujeito informacional.
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No sentido de criar produtos interativos, os designers de interação e UX
designers adotam um conjunto de técnicas empíricas que envolvem o conhecimento dos
usuários em seu cotidiano, o conhecimento do modelo de negócio (propósitos
comerciais) e as restrições da tecnologia envolvida (ROCHA, 2013). Normalmente as
técnicas utilizadas são qualitativas uso da etnografia pida, observação do ambiente
de trabalho, entrevista semi-estruturada, grupos focais. Interessa saber qual é o ponto
de vista do usuário sobre as funcionalidades ou produtos que serão criados, a pesquisa
tem um caráter prospectivo. O trabalho visa conhecer as práticas sociais para que sejam
criadas soluções (na forma de protótipos) que são testados pelos usuários (testes de
usabilidade) ou pelas equipes de trabalho (inspeções de usabilidade) para serem
produzidos comercialmente.
Embora os usuários participem da prospecção de ideias e validação de protótipos
e sejam informantes para geração de sistemas e solução de problemas, não se notou
participação efetiva dos usuários nos processos de concepção dos sistemas, experiências
de cocriação de produtos interativos (ROCHA, 2013). A eficiência e a eficácia dos
produtos e sistemas são critérios de qualidade para concepção de produtos: o usuário é
um sujeito pragmático que quer realizar tarefas cotidianas de maneira mais prática,
independentemente dele ser visto como público consumidor de produtos interativos
(que podem ser ubíquos) ou como trabalhadores usando ferramentas de produtividade.
Ele também é visto em uma relação utilitarista: ele é um elemento de cálculo para o
sucesso de um produto, de um sistema e não é tido como um sujeito autônomo ou
produtor de conhecimento. Nesta direção, predomina a abordagem empirista, orientada
ao sistema, típica da primeira orientação de estudos de usuários da CI (abordagem
tradicional).
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os bibliotecários lidam com usuários que buscam conhecimento, enquanto os
analistas de TI com trabalhadores e público consumidor de produtos interativos. De
maneira geral, há afastamento no propósito nas ações de mediação dos profissionais o
bibliotecário auxilia a busca do conhecimento do seu usuário (leitor, trabalhador em
busca de insumos informacionais), o analista de TI projeta ferramentas para
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realização de alguma atividade cotidiana de maneira mais eficiente (trabalhador, público
consumidor) e, eventualmente, dá suporte ao seu uso.
A visão predominante do usuário por ambos os perfis profissionais é orientada
ao sistema. Do ponto de vista do analista de TI, é preciso conhecer o seu usuário para
cativá-lo, o que torna necessário o conhecimento de suas práticas sociais para
esclarecimento dos fluxos informacionais (práticas informacionais) na proposição de
produtos para os sujeitos-objetos de ações mercadológicas. Do ponto de vista do
bibliotecário, seria importante compreender os usuários em suas práticas sociais para
entender o valor da informação na cultura a fim de evitar que o sujeito informacional
seja subsumido ao consumidor de produtos interativos.
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i
“activities a person may engage in when identifying his or her own needs for information, searching for such
information in any way, and using or transferring that information”.
ii
Everyday Life Information Seeking.
POR UMA PEDAGOGIA CRIADORA E IMAGINATIVA: retratos de uma prática docente
transformadora
FOR A CREATIVE AND IMAGINATIVE PEDAGOGY: portraits of a transforming teaching
practice
Eliane Pawlowski Oliveira Araujo
Claudio Paixão Anastácio de Paula
¹ Pós-doutoranda em Ciência da Informação pela
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
E-mail: elianepaw@yahoo.com.br
2
Doutor em Psicologia pela Universidade de São
Paulo (USP).
E-mail: claudiopap@hotmail.com
ACESSO ABERTO
Copyright:Esta obra está licenciada com uma
Licença Creative Commons Atribuição 4.0
Internacional.
Conflito de interesses: Os autores declaram
que não há conflito de interesses.
Financiamento: Não há.
Declaração de Disponibilidade dos dados:
Não se aplica.
Recebido em: 24/04/2019.
Revisado em: 02/05/2019.
Aceito em: 09/05/2019.
Como citar este artigo:
ARAUJO, Eliane Pawlowski Oliveira; ANASTÁCIO
DE PAULA, Claudio Paixão. Por uma pedagogia
criadora e imaginativa: retratos de uma prática
docente transformadora. Informação em Pauta,
Fortaleza, v. 4, n. especial, p. 62-81, maio 2019.
DOI: https://doi.org/10.32810/2525-
3468.ip.v4iEspecial.2019.41103.62-82
RESUMO
A Ciência da Informação, pela inserção de
pesquisadores de várias áreas interessados no
estudo da informação enquanto objeto científico,
acaba tornando-se, à parte qualquer polêmica a
respeito, um campo interdisciplinar. Sua práxis
pode se fortalecer enormemente se as
investigações realizadas na área repercutirem
no ensino numa perspectiva afinada com a
noção segundo a qual o professor deve,
obrigatoriamente, ser um pesquisador. Essa
ideia, esboçada por Paulo Freire, parte do
pressuposto de não ser possível o real ensino
sem pesquisa, e vice-versa. O presente artigo
procura destacar essa indissociação por meio da
análise dos relatos de experiências vivenciados
por vários alunos e colegas que cruzaram a
trajetória da pesquisadora Adriana Bogliolo
Sirihal Duarte, docente da Escola de Ciência da
Informação da Universidade Federal de Minas
Gerais. Mais ainda, pretende apontar o percurso
dessa professora, formada inicialmente em
Ciência da Computação, que foi entremeado não
de relevante contribuição para a área, mas de
uma prática educativa exercida com afetividade,
alegria, capacidade científica e domínio técnico a
serviço da mudança, características que Freire
atribui ao professor ideal.
Palavras-chave: Adriana Bogliolo Sirihal
Duarte. Fazer pedagógico. Espírito científico.
Imaginação criadora.
ABSTRACT
Information Science, through the insertion of
researchers from various areas interested in the
study of information as a scientific object, ends
up becoming, apart from any controversy about
it, an interdisciplinary field. Its praxis can be
greatly strengthened if the investigations carried
Inf. Pauta
Fortaleza, CE
v. 4
n. especial
maio 2019
ISSN 2525-3468
DOI: https://doi.org/10.32810/2525-3468.ip.v4iEspecial.2019.41103.62-82
ARTIGO
Araujo; Anastácio de Paula | Por uma pedagogia criadora e imaginativa
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out in the area have repercussions on teaching
in a perspective that is in tune with the notion
that the teacher must, necessarily, be a
researcher. This article seeks to highlight this
association by analyzing the experiences of
several students and colleagues who crossed
paths with the researcher Adriana Bogliolo
Sirihal Duarte, a professor at the School of
Information Science of the Federal University of
Minas Gerais. Moreover, it intends to point out
the path of this teacher, initially formed in
Computer Science, which was punctuated not
only by relevant contribution to the area, but by
an educational practice performed with
affection, joy, scientific ability, and technical
mastery in the service of change, characteristics
that Freire attributes to the ideal teacher.
Keywords: Adriana Bogliolo Sirihal Duarte.
Pedagogical doing. Scientific spirit. Creative
imagination.
1INTRODUÇÃO
Esse texto poderia começar com um “Era uma vez uma professora...” porque é
desta forma que histórias que fazem a diferença se eternizam. Exemplos, lembranças,
ensinamentos e um ombro amigo se entrelaçam com competência, paixão pela docência
e comprometimento e tornam únicos certos professores que passam pela vida de muitas
pessoas e permanecem vivos em suas memórias. Essas características, contudo, nem
sempre são destacadas no dia-a-dia nas instituições de ensino e permanecem como
marcas apenas para aqueles envolvidos nas relações de afetividade que são construídas
no contexto escolar.
Considerando, entretanto, que o ambiente acadêmico, principalmente o
universitário, tem se configurado nos últimos anos como um cenário sufocado pela
exigência de publicações, cobrança por internacionalização e sobrecarga acadêmico-
científica, culminando muitas vezes em questões que envolvem a saúde mental de
professores e alunos, destacar pontos que não são mensuráveis a partir de uma análise
do currículo Lattes se torna cada vez mais urgente.
Neste sentido, o presente artigo se propõe a apresentar uma das vertentes de
atuação da professora Adriana Bogliolo Sirihal Duarte, docente da Escola de Ciência da
Informação da Universidade Federal de Minas Gerais, que demonstra que a docência não
se faz apenas em 50 minutos de uma hora/aula. Estabelecendo um diálogo da trajetória
da docente com as proposições do educador Paulo Freire, pretende-se destacar as
contribuições da referida professora na construção de uma Ciência da Informação
pautada no desenvolvimento de competências individuais e institucionais, na
indissociação ensino-pesquisa-extensão, na visão crítica da área, no desenvolvimento de
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Araújo; Paula| Por uma pedagogia criadora e imaginativa
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perspectivas inovadoras de investigação e na afetividade como o motor propulsor dessa
engrenagem.
2 UM BREVE CURRÍCULO
A professora Adriana Bogliolo Sirihal Duarte (Figura 1) graduou-se em Ciência da
Computação no ano de 1992, tornou-se Mestre em Ciência da Computação, em 1995,
com o trabalho sobre “Configuração de Redes de Distribuição em Sistemas de
Telecomunicação” e Doutora em Ciência da Informação, em 2005, com a tese sobre
Informação, comunicação e sociabilidade via Internet: um estudo das interações no
ciberespaço entre membros do Movimento Escoteiro”. Todos os títulos foram obtidos na
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), instituição de ensino na qual a docente
ingressou como Professora, no ano de 2006, para atuar junto ao Departamento de
Teoria e Gestão da Informação da Escola de Ciência da Informação.
Figura 1 - Adriana Bogliolo
Fonte: Facebook da docente
Na esfera administrativa, Adriana coordenou o Centro de Extensão, foi chefe de
Departamento por dois mandatos e Vice-Diretora da Escola de Ciência da Informação.
No âmbito de pesquisa seus interesses perpassaram os temas Usuários da informação,
Aspectos sociais e culturais da informação, Tecnologias e inclusão digital e Biblioteca
escolar. Em função desses interesses, liderou o Grupo de Estudos em Práticas
Araújo; Paula| Por uma pedagogia criadora e imaginativa
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Informacionais e Cultura (Epic) e integrou o Grupo de Estudos em Biblioteca Escolar
(Gebe).
Considerando a última atualização do currículo Lattes da docente, em janeiro de
2018, é possível verificar sua produção acadêmica: em linhas gerais, foram 36 artigos
publicados em periódicos, um livro publicado sobre o projeto de extensão coordenado
por ela, sete capítulos de livros, 37 trabalhos completos publicados em eventos e quatro
resumos. Adriana orientou 13 dissertações de mestrado e duas teses de doutorado, além
de 18 trabalhos de conclusão de curso de graduação, oito monografias de especialização
e 14 bolsistas em projetos de iniciação científica. No período de 2016 a 2017, a
professora realizou estágio pós-doutoral na Florida State University (FSU), nos Estados
Unidos, sobre temática relacionada à Biblioteca Escolar.
3 DA PEDAGOGIA CRIADORA
Os quantitativos acima demonstram uma produção que servem de parâmetro
para os relatórios de desempenho acadêmico. Porém, não são suficientes para traduzir o
desempenho de um professor em outros aspectos que conformam a prática docente.
Para essa análise, considera-se que a referência deve se pautar, não no ramo da
produtividade, mas em parâmetros que se situam no campo da Educação.
Paulo Freire, educador brasileiro de reconhecimento internacional, é um dos
autores que bem traduzem essa dimensão da prática docente. O autor considera que o
cotidiano do professor, que acontece tanto na sala de aula quanto fora dela, deve se
basear em uma pedagogia fundamentada na ética e no respeito à dignidade, o que
implica uma convivência amorosa com os alunos, dimensões que não são mensuráveis
em relatórios estatísticos.
Edina Oliveira, ao prefaciar a obra de Freire (1996, p. 10), destaca as ideias deste
autor de que uma prática pedagógica criadora, assim como os demais saberes, demanda
do educador um exercício permanente:
A competência técnico científica e o rigor de que o professor não deve abrir
mão no desenvolvimento do seu trabalho, não são incompatíveis com a
amorosidade necessária às relações educativas. Essa postura ajuda a construir
o ambiente favorável à produção do conhecimento onde o medo do professor e
o mito que se cria em torno da sua pessoa vão sendo desvalados.
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Freire (1996) enxerga a prática docente enquanto dimensão social da formação
humana e a solidariedade como uma das formas de promover e instaurar a “ética
universal do ser humano”. O educador considera que a formação é muito mais do que
simplesmente treinar o educando no desempenho de destrezas. Para ele, ensinar não é
transferir conhecimentos, mas, sim, criar as possibilidades para sua produção ou
construção.
Sobre a ética, Freire (1996) a aborda como uma ética universal do ser humano”,
ou seja, a ética como marca da natureza do homem enquanto sujeito e algo
absolutamente indispensável à convivência humana. Para o autor, a melhor maneira de
trazê-la na atuação docente é vivê-la na prática cotidiana e testemunhá-la no dia-a-dia
com os educandos. Isso pode ocorrer no modo como os professores lidam com os
conteúdos que ensinam e também no modo como citam autores de cuja obra discordam
ou concordam. Para ele, o preparo científico do docente deve coincidir com sua retidão
ética:
Formação científica, correção ética, respeito aos outros, coerência, capacidade
de viver e de aprender com o diferente, não permitir que o mal-estar pessoal ou
a antipatia com relação ao outro nos façam acusá-lo do que não fez são
obrigações a cujo cumprimento devemos humilde, mas perseverantemente nos
dedicar.
É não interessante, mas profundamente importante que os estudantes
percebam as diferenças de compreensão, as posições às vezes antagônicas
entre professores na apreciação dos problemas e no equacionamento de
soluções. Mas é fundamental que percebam o respeito e a lealdade com que um
professor analisa e critica as posturas dos outros. (FREIRE, 1996, p. 16-17)
Ao falar da prática docente tendo como princípio norteador uma pedagogia
criadora, Freire (1996) demonstra que a educação pode ser algo diferente do que os
modelos tradicionais preconizam e que se caracterizam como uma educação bancária”.
Nesta, a prática educativa apresenta uma característica imobilista, transferidora de
conteúdos e que se opõe ao entendimento do autor de que em todo homem existe um
ímpeto criador, sendo a educação mais autêntica quando desenvolve esse ímpeto
ontológico de criar (FREIRE, 2016).
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4 DA PRÁTICA DOCENTE TRANSFORMADORA
O entendimento de Paulo Freire sobre a docência vivenciada por meio de uma
“pedagogia da autonomia” pode ser vislumbrado na prática docente de Adriana Bogliolo,
o que nos leva a abordar sua atuação como professora e pesquisadora na vertente de
uma ação transformadora. Essa identificação, na qual os princípios conceituais se
alinham aos práticos, pode ser vista nas falas dos alunos da referida docente, oriundos
do programa de pós-graduação em Ciência da Informação, da graduação em
Biblioteconomia, bem como de seus colegas de Universidade.
Verifica-se que as características que Freire (1996) atribui a essa pedagogia, que
são apresentadas num plano conceitual”, podem ser visualizadas nas rememorações
i
que foram feitas pelos alunos da professora Adriana Bogliolo em evento realizado em
fevereiro de 2019 na UFMG (Figura 2). Denominado II Jornada em Práticas
Informacionais”, o evento foi promovido pelo grupo de pesquisa Estudos em Práticas
Informacionais e Cultura (Epic) como forma de homenagear a docente por ocasião do
seu falecimento, em dezembro de 2018, e destacar sua relevante contribuição para o
fortalecimento da Ciência da Informação.
Figura 2 - II Jornada
Fonte: Facebook
O evento, entretanto, constituiu-se mais do que um tributo à memória de uma
grande professora; foi responsável também por demonstrar que a pedagogia pregada
por Paulo Freire o se situa no nível de apenas mais um discurso, mas que se
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personifica no trabalho daqueles que são realmente comprometidos com a educação no
sentido de formação integral do indivíduo, como será demonstrado nos paralelos feitos a
seguir:
a) Ensinar exige rigorosidade metódica, diz Paulo Freire. Esse argumento se baseia
no entendimento do autor da necessidade de uma aprendizagem crítica: “O
educador democrático não pode negar-se o dever de, na sua prática docente,
reforçar a capacidade crítica do educando, sua curiosidade, sua insubmissão”
(FREIRE, 1996, p. 26).
Essa característica pode ser vislumbrada na atuação de Adriana, que tinha como
marca o incentivo ao aprendizado de seus alunos não apenas no que se relacionava a
conteúdos teóricos, mas no exercício de sua autonomia. Para Freire (1996, p. 26), a
verdadeira aprendizagem pressupõe que os educandos vão se transformando em reais
sujeitos da construção e da reconstrução do saber ensinado, ao lado do educador,
igualmente sujeito do processo.
O depoimento de Thaiane, aluna na graduação em Biblioteconomia, demonstra
essa faceta da educadora:
O que ela contribuiu para o meu profissional hoje [...] o quão importante ela foi
pra mim, porque desde que eu entrei para a biblioteconomia eu nunca gostei de
biblioteca escolar [...] e eu falei com ela que queria fazer outra coisa na
computação e ela olhava assim pra mim e dizia “bom, se você quer, por que não?”
[...] Foi uma experiência sensacional.
Ela, por várias vezes, me deixou lecionar algumas aulas; tipo assim, ela tava e
dizia “Thaiane, eu sei que você gosta disso, você quer falar?” Sabe, ela não
precisava ter feito isso; ela o me jogou e disse “como monitora você se vira”.
Não, ela fazia com carinho porque ela queria me dar oportunidade: [...] “Você
pode ir mais além.”
No II Ciclo eu participei como apresentadora. No III Ciclo, como organizadora. Foi
uma experiência sensacional que eu levo pra vida inteira.
b) Ensinar exige pesquisa, diz Paulo Freire. Esse argumento se baseia no
entendimento do autor de que por meio da pesquisa é possível conhecer o que
não se conhece e anunciar uma novidade. Essa relação da pesquisa com o ensino,
segundo Freire (1996, p. 29), se no sentido de que “Ensino porque busco,
porque indaguei, porque indago e me indago”:
Fomos amadurecendo juntos o quadro de estudos de usuários [...] A contribuição
dela muito forte é na parte metodológica, a precisão conceitual.
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Em 2014 nós propusemos a criação do Epic [...] Nossa ideia foi firmar nesse
compromisso da consolidação de um grupo de pesquisa. [...] Hoje nós temos um
grupo de pesquisa que é composto por cinco professores da ECI, por seis
pesquisadores doutores [...] temos um conjunto de doutorandos, de mestrandos,
que estão conosco acreditando numa maneira de construir pesquisa. Uma
maneira que é inovadora, ela é ousada e ela prima, ela busca, ela é muito
sintonizada com uma perspectiva de um referencial teórico com mais
complexidade para capturar a complexidade dos fenômenos [...]Existe um
reconhecimento do Epic no Brasil. [...] É um grupo de Minas Gerais [...] do qual
fazem parte professores da Espanha, do Uruguai, da Argentina e da Colômbia.
Adriana, entre todas as contribuições que ela nos deu, eu destacaria o rigor [...]
Ela preparava o terreno para que cada um pudesse ir e realizar sua pesquisa.
[...] Uma coisa que ela deixou forte para o grupo foi a criação de categorias, a
maneira como produzimos categorias de análises dos fenômenos que s
estudamos (Prof. Carlos Alberto).
c) Ensinar exige risco e aceitação do novo. Nesse aspecto destacado por Paulo
Freire (1996) é possível perceber uma característica de Adriana que compõe o
seu perfil de pesquisador atento aos movimentos do mundo contemporâneo:
Ela estava sempre buscando coisas novas para trazer para os alunos. Essa
discussão de práticas, ela e o Casal foram trazendo, e não foi uma coisa colocada
pronta: a gente acompanhou, como aluno, como foi se desenvolvendo na Ciência
da Informação.
Essa aproximação [aulas e bancas] fez com que a gente se tornasse parceiras,
porque meu tema de pesquisa dentro do campo era um tema que trazia coisas
novas. Eu procurei estudar a tomada de decisão organizacional vendo os aspectos
subjetivos, mas utilizando pra isso uma dimensão simbólica. Então a Adriana
acompanhou como eu desenvolvi minha pesquisa e, a partir de ver esse processo,
ela passou a me convidar para apresentar aos alunos nas aulas [...] outras opções
metodológicas, outras teorias que poderiam ajudar o campo a ser visto de uma
forma mais abrangente. Não eram questionários e entrevistas, mas havia
outras formas de pesquisar. (Eliane Pawlowski)
d) Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua
própria produção ou a sua construção. Segundo Freire (1996, p. 38), a grande
tarefa do educador não é transferir, depositar ou oferecer ao outro, tomado como
paciente de seu pensar, a intelegibilidade das coisas, dos fatos e dos conceitos,
mas desafiar o educando a produzir sua compreensão do que vem sendo
comunicado. Para ele, “Não intelegibilidade que não seja comunicação e
intercomunicação e que não se funde na dialogicidade”. Na prática acadêmica de
Adriana essa característica pode ser percebida em vários momentos:
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Ela me ensinou a descobrir o potencial que eu tinha dentro de mim. Ela tem o
potencial de nos fazer acreditar. [...] A Adriana contribuiu sim para minha
formação, me ensinou o que é ser uma profissional bibliotecária e pesquisadora
com ética, responsabilidade, com rigor; acreditou em quem eu sou, acreditou que
eu sou capaz. (Pamela)
Ela tem uma didática muito boa para te mostrar os caminhos. (Flávia)
Ela tinha ideias boas e ela era uma pessoa muito boa de trabalhar porque ao
mesmo tempo em que ela tinha uma acolhida, ela era objetiva. [...] tenho muito a
agradecer a ela pela acolhida, pelo trabalho conjunto. (Eliane Rocha)
e) Ensinar exige alegria e esperança. Na prática de Freire, o envolvimento com a
prática educativa (sabidamente política, moral, gnosiológica) jamais deixou de
ser feito com alegria, o que não significa dizer que ele tenha invariavelmente
podido criá-la nos educandos. Mas, estando preocupado com ela, enquanto clima
ou atmosfera do espaço pedagógico, Freire nunca deixou de se empenhar em
buscar e incentivar esse envolvimento (1996, p. 72).
Percebe-se nessa visão de Freire uma grande semelhança com a ação educativa
de Adriana. É possível reconhecer nas duas a mesma relação entre a alegria
necessária à atividade educativa e a esperança. Nas palavras de Freire (1996) a
esperança de que professor e alunos juntos podem aprender, ensinar,
inquietarem-se, produzir e juntos igualmente resistirem aos obstáculos à sua
alegria. Em ambas as práticas, de Freire e de Bogliolo, percebe-se a certeza de
que, do ponto de vista da natureza humana, a esperança não é algo que a ela se
justaponha, a esperança é parte constituinte da natureza humana:
O que eu acho que a gente deve guardar da Adriana é a alegria dela e a firmeza
dela de lidar com situações as vezes muito difíceis (Profª Mônica Nassif).
Trabalhar com a Adriana era extremamente bacana. Era uma cumplicidade, era
realmente trabalha junto [...] A gente trocava muita ideia. [...] Ela tinha uma
disponibilidade de dividir: “olha, eu vi isso lá e isso serve pra gente”. (Raquel)
O quanto ela era iluminada, colorida, jovial, generosa, [tinha] essa qualidade do
diálogo, do ouvir. [...] postura, alegria, generosidade, seriedade. (Profª Marília)
f) Ensinar exige segurança, competência profissional e generosidade. Paulo Freire
(1996) considera que a segurança com que a autoridade docente se move
fundamenta-se na sua competência profissional. Contudo, para Freire (1996), a
prática democrática do docente não é determinada apenas pela competência
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científica, mas alia-se à generosidade na medida em que não nada que
inferiorize mais a autoridade do que a arrogância e a mesquinhez no
comportamento. Esses atributos de Adriana, que aliam competência e
generosidade, podem ser percebidos nas seguintes falas:
O que ela tinha de melhor era a generosidade e acreditar nas pessoas. [...] Em
nenhum momento ela deixava de acreditar nos alunos que estavam ali com ela.
Ela acreditou que eu daria conta [...], fica minha gratidão (Ruleandson)
As primeiras impressões da Adriana foram de acolhimento, de uma pessoa afetiva,
de uma pessoa generosa, de uma profissional super competente eu não tenho
palavras o quanto a Adriana me inspirava como professora, como mulher, como
pessoa. (Pamela)
Se tem uma coisa que é zero na Adriana é arrogância. (Profª Marília)
g) Ensinar exige comprometimento. Para Freire (1996) não é possível
exercer a atividade do magistério como se nada ocorresse com o docente. Desta
forma ele entende que uma das preocupações centrais deve ser a de procurar a
aproximação cada vez maior entre o discurso e a ação, entre o que se parece ser e
o que realmente se é de verdade. Ensinar exige, portanto, na visão desse
educador, a corporificação das palavras pelo exemplo. Nesta vertente de
observação, percebe-se que a preocupação de Adriana na formação de seus
alunos e orientandos não era fruto de um discurso teórico, mas era perceptível
pelo seu comprometimento com o desempenho destes:
Pra mim a contribuição mais importante da Adriana é a questão da formação do
pesquisador. Ela tinha um extremo cuidado, uma extrema dedicação nesse
processo de orientação, que não era simplesmente uma orientação, era a
formação de um pesquisador.[...] A Adriana não tinha esse lado de dar um
apoio emocional, psicológico, mas desde o icio ela ia ensinando mesmo,
formando pesquisadores, ensinando cada etapa, passo a passo, os mínimos
detalhes de como fazer uma pesquisa bem feita. [...] A gente buscou junto, a gente
construiu junto[ ...] ela estava ali junto comigo e foi o que deu segurança de que a
gente está fazendo um trabalho bem feito. E isso tudo ela fazia com empatia, com
extrema sensibilidade e integridade. (Tatiane)
Pra mim a Adriana é um exemplo completo de mulher, de pessoa, de profissional.
Incentivo e inspiração. Eu relaciono porque eu cresci em um ambiente muito
árido na minha família [...] e ela nunca perdeu uma oportunidade de “encher
minha bola”[...] ajudou muito a mudar a visão que eu tenho de mim. Ela sempre
respeitou a autonomia do meu trabalho [...] eu construí minha narrativa, ela foi
só me direcionando com todo carinho, com toda paciência. Ela me ajudou a
diferenciar críticas construtivas de destrutivas. (Maria Amorim)
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h) Ensinar exige saber escutar. O educador que escuta, segundo Freire (1996)
aprende a difícil lição de transformar o seu discurso em uma fala, não ao aluno,
mas com o aluno. Essa atitude implica, segundo ele, apoiar o educando para que
ele vença suas dificuldades na compreensão do objeto e para que sua curiosidade,
compensada e gratificada pelo êxito da compreensão alcançada, seja mantida e,
assim, estimulada a continuar a busca permanente que o processo de conhecer
implica. É neste sentido que o autor considera que se impõe escutar o educando
em suas dúvidas, em seus receios, em sua incompetência provisória. E ao escutá-
lo, aprendo a falar com ele” (FREIRE, 1996, p.119).
Comecei a conversar com a Adriana e ela foi muito pronta a me ajudar a
trabalhar esse conceito de ação cultural e levar para o carro biblioteca. Nesse
primeiro momento eu ainda não tinha nenhuma experiência de pesquisa, não
tinha noção nenhuma, não sabia nem o que era escrever um objetivo de pesquisa,
no começo da minha graduação, e a Adriana foi totalmente paciente para me
explicar todo um processo de pesquisa,como funciona, metodologia, [...] e eu me
lembro que ela estava sempre disponível na sala dela para conversar, sempre.
(Pamela)
i) Para Freire (1996) ensinar exige querer bem aos educandos. Ele propunha que
nada haveria que ser dito e nem nada se poderia esperar de um professor que
não fosse tomado por outro tipo de saber: o saber de precisar estar aberto ao
gosto de querer bem e, às vezes, à coragem de querer bem aos educandos e à
própria prática educativa da qual ele participava. Esta abertura ao querer bem
não significava que, por ser professor, o mestre deveria se obrigar a querer bem a
todos os alunos de maneira igual. Significava, para ele, que a afetividade não
deveria assustar, que o professor não deveria ter medo de expressá-la.
Percebe-se na prática preconizada por Freire e a exercida por Adriana a mesma
abertura ao querer bem como uma forma de, autenticamente, selar um
compromisso com os educandos, numa prática específica do ser humano. Uma
forma de, na visão do autor, descartar como falsa a separação radical entre
seriedade docente e efetividade. Para ambos não era certo, sobretudo do ponto
de vista democrático, dizer que quanto mais severo, mais frio, mais distante e
"cinzento” o professor se põe nas suas relações com os alunos, no trato dos
objetos cognoscíveis que deveria ensinar, melhor esse professor seria. A
afetividade não se acha excluída da cognoscibilidade no pensar freiriano e na
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prática de Adriana. No entanto, percebia-se em ambos, o cuidado para que a
afetividade não interferisse no cumprimento ético dos seus deveres como
professores no exercício de sua autoridade; com o não condicionamento da
avaliação do seu trabalho acadêmico ao maior ou menor bem querer que se tenha
por ele. Essa dupla preocupação resulta, por outro lado, na necessidade que
Bogliolo tinha de, como Freire, reafirmar a necessidade de não se pensar que a
prática educativa vivida com afetividade e alegria, prescinda da formação
científica séria e da clareza política dos educadores ou educadoras. Para ambos, a
prática educativa era um misto de afetividade, alegria, capacidade científica,
domínio técnico a serviço da mudança e uma espécie de pharmakon contra o que
Freire chamava de permanência do hoje.
Esta característica talvez seja uma das marcas mais fortes de Adriana. Em vários
relatos, seja de alunos, orientandos ou de seus colegas de Universidade, é visível
o carinho da docente, que é expresso em diferenciadas situações:
Eu entrei em um processo de adoecimento muito grande e ela foi a pessoa que me
acolheu. Ela foi a profissional, a professora e a amiga que ligou pra me dizer “tá
tudo bem, calma; tudo vai dará certo”. Já teve dias de eu chegar na faculdade e eu
corria pra sala dela porque eu não conseguia ir mais para nenhum lugar. E eu me
lembro que Adriana me recebia, fechava a porta e por horas ela me ouvia, me
abraçava e eu posso dizer que muito da conclusão da minha graduação e do meu
mestrado tem muito da parceria, do acolhimento e da amizade da Adriana.
(Pamela)
Ela me acolheu, principalmente no final da pesquisa [...] meu problema de saúde,
isso me influenciou muito porque eu achei que não fosse dar conta de terminar a
pesquisa. E ela me acolheu, me deu força e disse que eu ia dar conta sim, que eu ia
conseguir (Andreza)
Ela não abria apenas a porta do gabinete, mas da casa dela também pra gente.
(Janicy)
Os excertos apresentados, referentes às falas das pessoas que conviveram com
Adriana, possibilitaram fazer uma associação entre conceito de professor defendido por
Paulo Freire (1980) e a trajetória da docente, e demonstraram que não um sujeito
que ensina e um que aprende, mas sim dois sujeitos que pensam em conjunto e que
aprendem um com o outro. Acredita-se que essa relação de confiança e cumplicidade é
potencializada porque há um diálogo da razão com a emoção que é alimentado por um
simbolismo presente na imagem do professor.
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Os símbolos constituem-se como uma “categoria invisível” e, conforme
mencionam Chevalier e Geerbrant (1998), representam um microcosmos, um mundo
total que permite concentrar, sobre uma realidade de partida, todas as forças evocadas
em todos os planos do cosmos e em todos os níveis de consciência. Segundo os autores,
o símbolo é um instrumento de compreensão que conduz às mais profundas dimensões
e que tem uma capacidade simultânea de introdução, tanto no cerne individual, quanto
no social. Nessa dimensão de análise cabe ressaltar a fala de Jung (1977), um dos
autores que destacou a existência de aspectos inconscientes na percepção da realidade
de que
[...]quando nossos sentidos reagem a fenômenos reais, as sensações visuais e
auditivas, tudo isto, de certo modo, é transposto da esfera da realidade para a
da mente. Dentro da mente esses fenômenos tornam-se acontecimentos
psíquicos cuja natureza extrema nos é desconhecida[...]. Assim, toda
experiência contém um número indefinido de fatores desconhecidos, sem
considerar o fato de que toda realidade concreta sempre tem alguns aspectos
que ignoramos desde que não conhecemos a natureza extrema da matéria em si.
(JUNG, 1977, p. 23)
Percebe-se, assim, que as relações entre professor e aluno, compostas por um
emaranhado de relações e afetos, são tecidos tendo uma base que pode se situar, não em
um nível consciente, mas como cita Araújo (2018) em suas pesquisas, em imagens
oriundas de um imaginário coletivo.
5 ASPECTOS SIMBÓLICOS DA RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO
Os modelos exemplares que regem psicologicamente as relações humanas e que
parecem transcender história e culturas são frequentemente denominados arquétipos
(JUNG, 2000, DURAND, 1997). Como uma tendência estruturadora da experiência
humana calcada basicamente nas emoções e na forma como simbolizamos as relações
entre os seres humanos e o universo (incluindo a relações dos seres humanos uns com
os outros), os arquétipos guardam em si polaridades. Mais que isso, os arquétipos
guardam possibilidades: podem ser boas, más ou, mais comumente, situarem-se em
algum lugar da infinidade de possibilidades situadas entre os extremos “bom-mau”
dessa polaridade mais ampla. Podem, inclusive, ser frequentemente o substrato através
do qual se constelam representações mentais multiunívocas que reúnem e buscam
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interlocução entre duas ou mais posições antagônicas de difícil conciliação: os símbolos,
já mencionados anteriormente (JUNG, 1986).
A prática docente da professora Adriana, em sua estreita relação com as ideias
preconizadas por Paulo Freire para uma prática pedagógica plena, parece remeter,
simbolicamente, a um dos aspectos essenciais para a transposição da prática da docente
de um modelo tradicional alinhado com um dos extremos da polaridade arquetípica
professor-aluno, para outro modelo menos conservador mais afinado com as
necessidades da contemporaneidade. Uma passagem de um modelo calcado nas
oposições Eu-Outro, agente-receptor ou ativo-passivo (BYINGTON, 1996) onde o
professor se identifica somente com o polo daquele que sabe e identifica o aluno com o
polo daquele que deve receber” o conhecimentoe que implica no reforçamento de uma
fantasia, bastante comum na sociedade contemporânea, segundo a qual o bom professor
deve transferir o seu conhecimento para os seus estudantes e ir, gradualmente,
preenchendo-os com seu conhecimento para uma postura suficientemente boa
(WINNICOTT, 1953; SAMUELS, 2002; QUEIROZ e PAULA, 2017).
Nessa nova postura, o professor ciente da impossibilidade da idealizada
transferência de conhecimento”, impõe, gradualmente, um desapontamento sistemático
ao aluno diante dessas expectativas quase “mágicas” e promove a sua substituição por
uma avaliação mais real do processo de ensino-aprendizagem. Nessa avaliação mais
realística, o desapontamento inevitável do aluno com as capacidades “transcendentais”
de o professor lhe transferir conhecimento acaba abrindo espaço para um novo
percurso de aprendizagem que se situa a meio caminho entre a dependência de antes e a
autonomia futura. Essa nova postura, ao falar à experiência das pessoas, mostra ao aluno
a possibilidade dele crescer ocupando os espaços deixados em aberto pelo seu professor
agora visto não como um repositório de todo o saber, mas como um interagente no
processo de construção de conhecimento que tem características particulares. Dentre
essas características está o lugar de tutor que ele ocupa (simultaneamente: facilitador,
incentivador e avaliador), sua afetividade e, inevitavelmente, a sua falibilidade. Será
exatamente essa falibilidade que tornará possível a esse aluno prosperar como uma
entidade criativa e não apenas como um mero reprodutor dos modelos que
anteriormente lhe foram apresentados.
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As vantagens dessa postura são evidenciadas nos estudos de Queiroz e Paula
(2017) e e Paula (2017), onde em duas situações completamente diversas, é
demonstrado que a relação docente-discente culmina, muitas vezes, no estabelecimento
de uma relação duradoura de colaboração que ultrapassa a dimensão formal e se
prolonga pela vida toda através de um profundo vínculo emocional entre eles. Em ambos
os casos é sugerido que essa relação de vínculo estabelecida seja responsável por
alimentar um substrato imaginário que virá a ser parte constituinte não somente dessa
relação, mas das identidades das pessoas nela envolvidas.
Em outras palavras, ainda remetendo a Queiroz e Paula (2017) e Sá e Paula
(2017), quando a relação se horizontaliza e o professor se torna próximo, será
exatamente por causa da proximidade dessa relação, que ocorrerá o processo de “des-
idealizá-lo”. O aluno passa a reconhecer esse professor como um modelo humanizado e é
esse movimento que torna possível uma “passagem do bastão”. Nessa passagem o aluno
encontraria espaço para crescer psicologicamente, amadurecer a ponto de, no futuro,
sentir-se apto e capaz o suficiente para ocupar um lugar semelhante ao assumido pelo
seu preceptor e buscar ele próprio, novas formas de contribuir para a sociedade.
Será um desdobramento particular do impacto dessa vinculação simbólico-
afetiva pela via do imaginário não somente com as pessoas, mas com a própria ciência
na prática docente e na pesquisa da professora Adriana que será alvo de reflexão no
próximo tópico.
6 ESPIRITO CIENTÍFICO E IMAGINAÇÃO CRIADORA
Existiriam inúmeros caminhos para se buscar a relação entre o imaginário e a
ciência. Talvez o mais próximo do discurso acadêmico seja o mais singular de todos, o de
um professor de ciências: Gaston Bachelard. Contam que, certa vez, Bachelard ouviu um
estudante remeter-se ao seu modo de lecionar tanto a ciência quanto a filosofia como
oriundas de um “universo pasteurizado”. Sobre essa passagem Bachelard, numa espécie
de autocrítica, citada por Quilet (1970, p. 21) apud Japiassu (1976, p.86), iria comentar:
Foi como uma iluminação para mim. Era isso: um homem não poderia ser feliz
num mundo esterilizado; era-me necessário introduzir nele certos micróbios
para restituir-lhe a vida. Corri em direção aos poetas e ingressei na escola da
imaginação.
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Pode-se dizer que, ao ser confrontado por seu estudante, o autor viu constelar-se
a sua frente o resultado de um longo período de reflexão que, nos dizeres de Barreto
(2016), contrabalançou “os efeitos da organização racional-instrumental do mundo”
com gênese uma singular teoria da imaginação que pode ser mais bem descrita a partir
da noção de imaginação criadora. É a partir de uma breve leitura da interação desse
conceito com a noção clássica bachelardiana de formação do espírito científico que se
pretende delinear uma última leitura sobre os comentários sobre a vida e a obra da
professora Adriana apresentados até aqui.
Sem medo de cometer uma heresia, poder-se-ia, dizer que a passagem feita pela
professora Adriana da graduação e do mestrado em Ciência da Computação para a
Ciência da Informação em sua vertente mais ligada à cultura tem notas bachelardianas.
Como uma espécie de confirmação dessas notas, está o fato de que a entrada da
professora em sua escola de eleição tenha se dado através de pesquisas e docência
ligadas a disciplinas que poderiam ter seus títulos reunidos sobre um grande guarda-
chuva chamado Necessidades e usos da informação. É sintomático dos tempos atuais
de “hiperespecialização” que esse seja o último bastião em que a Psicologia disciplina
que em última instância é a que mais coloca em relevância a humanidade dos sujeitos
informacionais e que foi reconhecida e apontada por diversos teóricos como uma área
interdisciplinar à Ciência da Informação ainda apareça e seja seriamente considerada
(sobre essa questão ver Pinheiro, 2002). E é ilustrativo que tenha sido exatamente essa
subárea que tenha capturado a atenção da jovem professora em sua transposição seu
curso de formação para o curso em que viria a lecionar.
Essa passagem, que foi marcada desde o início pelo apreço da professora pelas
humanidades e pelo mundo das artes e que a conduziu, inclusive, ao estudo das artes
cênicas e a atuação no palco (experiências não mencionados em seu Currículo Lattes)
parece remeter a uma busca de um caminho, nas humanidades e nas artes que
permitisse ir além não somente do tecnicismo que ela enxergava na Ciência da
Computação, mas também da tendência, ainda presente em alguns estudos na área da
Ciência da Informação, de repetir as abordagens convencionais em pesquisas de
comportamento [...] informacional [...] num viés nomotético. (PAULA, 2012). A
professora Adriana sempre foi um agente neguentrópico que se rebelou contra uma
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visão da Ciência da Informação que se preocupa mais com o estabelecimento de leis ou
com o estudo de eventos recorrentes do que com a compreensão daqueles que se
tornaram o centro maior dos seus interesses: os sujeitos informacionais. o é de se
espantar que o leitor atento encontre na história da professora o mesmo prazer de
render-se aos resultados de se deixar permear pela interação com seus estudantes que
foi expressa, em tons diferentes, tanto por Paulo Freire como por Gaston Bachelard.
No trabalho acadêmico e na prática pedagógica cheios de inspiração da
professora Adriana fica evidente a resultante de uma rica convergência de posturas
sobre sua prática acadêmica. A convergência de uma consciência aberta a um
sentimento de infinitude e de uma postura que constata que existem significados no
fazer científico e pedagógico que estão para além do que as palavras podem transmitir
por completo imprimiu uma dinâmica muito mais rica à produção do conhecimento e à
formação de pesquisadores sob sua tutela.
Para Bachelard (BARRETO, 2016), a prática efetiva da ciência deve ter prioridade
sobre as construções epistemológicas que tentam compreendê-la, mantendo-se ao lado
da produção científica e não lhe impondo ou prescrevendo-lhe condições e limites. A
solução radical de Bachelard foi apontar o papel dominante que a imaginação tem sobre
o conhecimento e o discurso científico. Para o autor havia um “paradoxo das imagens”
nas ciências. As imagens seriam o ponto de partida do pensamento científico e
necessárias à evolução deste. As imagens, por fazerem parte da própria estrutura da
mente humana, de seu funcionamento elementar, gozariam de uma anterioridade
psíquica sobre as ideias. Segundo Bachelard, se por um lado, as imagens estariam na
origem do conhecimento científico como um elemento deflagrador da sua intenção; por
outro, o pesquisador deveria acautelar-se com a intromissão indébita das imagens no
discurso científico. Para o autor, a imaginação humana alimenta dois irmãos inimigos: o
sonho e a teoria.
Conforme nos demonstra Barreto (2016), ao mesmo tempo em que a imaginação
produz imagens poéticas que instigam a descoberta e os voos da imaginação que lançam
o humano à indagação dos comos e os porquês de si mesmo e do universo que o
envolve, também produz seduções imaginárias que falseiam as inferências científicas.
Pelo fato de poesia e ciência desenvolverem-se segundo vetores opostos, a adesão
acrítica às impressões primitivas das adesões simpáticas imaginárias coloca em perigo a
objetividade do conhecimento científico. Diante da impossibilidade das antigas
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condições de devaneio serem eliminadas, tornar-se-ia fundamental saber distinguir
entre o imaginário simbólico, afetivo e ardente que é fonte de inspiração e beleza poética
que podem fazer brotar um tratado científico, de um segundo imaginário que é fonte de
extravio e ilusão para o espírito científico. Em outras palavras, distinguir entre o fogo
que foi descoberto em nós antes de ter sido arrancado do céu” (BACHELARD, 1989, p.
38) e o fogo da explicação racionalista segundo a qual os nossos ancestrais pré-
históricos descobriram o fogo ao observar que os incêndios nas florestas durante o
verão eram resultado da fricção espontânea dos ramos secos movidos pelo vento. Para
Bachelard, se esse fenômeno
[...] houvesse sido observado com toda ingenuidade, nunca se teria pensado
numa fricção, mas num choque; ninguém descobriria nada que pudesse sugerir
um fenômeno lento, preparado, progressivo, como essa fricção que leva à
inflamação da madeira. Chegamos, portanto a esta conclusão crítica: nenhuma
das práticas alicerçadas na fricção, usadas pelos povos primitivos com o fim de
produzir fogo, pode ter sido sugerida por um fenômeno natural (BACHELARD,
1989, p. 42).
Essa leitura comporta uma dupla chave: a primeira nos alerta para o fato de que
certos produtos da imaginação podem se converter em falsidade ao generalizar um
princípio e estender a perspectiva científica para além das suas fronteiras legítimas; a
segunda nos introduz a noção de que, na impossibilidade da descoberta da fricção como
indutora do fogo ser resultado da mera observação, talvez possa ser postulado que a
autonomia do imaginário, ao reunir percepções não reconhecidas (por assim dizer,
inconscientes), possa resultar numa inspiração para determinação de uma ação objetiva
no caso apresentado, friccionar dois gravetos para, do atrito entre eles, obter calor e,
consequentemente, fogo.
Finalizando, após essa rápida digressão, é relevante destacar a afinada abertura
da professora Adriana a esses princípios organizadores que não somente dão
consistência ao espírito poético, mas também oferecem inspiração, originalidade,
autenticidade, coerência e consistência à investigação científica. Ela sempre se esforçou
para incentivar a ousadia criativa e a originalidade de seus alunos; paralelamente, ela
sempre foi uma crítica atenta das inconsistências lógicas presentes no discurso das
ciências e dos obstáculos epistemológicos que uma abordagem rasa do método científico
imprimia a muitos dos estudos desenvolvidos na Ciência da Informação.
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7 CONCLUSÃO
Paulo Freire fala do professor ideal, do ensino com autonomia, do espírito crítico
e de uma pedagogia criadora. Mas não fala disso como algo utópico ou como uma tarefa
a ser exercida por uma pessoa dotada de superpoderes. O educador considera nessa
análise que o professor é um indivíduo como os outros, “gente, como a gente” e isso é um
fator importante:
Gosto de ser gente porque, inacabado, sei que sou um ser condicionado, mas,
consciente do inacabamento, sei que posso ir mais além dele. Esta é a diferença
profunda entre o ser condicionado e o ser determinado. A diferença entre o
inacabado que não se sabe como tal e o inacabado que histórica e socialmente
alcançou a possibilidade de saber-se inacabado. Gosto de ser gente porque,
como tal, percebo afinal que a construção de minha presença no mundo, que
não se faz no isolamento, isenta as influências das forças sociais, que não se
compreende fora da tensão entre o que herdo geneticamente e o que herdo
social, cultural e historicamente, tem muito a ver comigo mesmo. (FREIRE,
1996, p. 53)
Pelo que foi exposto até aqui, é possível reconhecer esse “gosto por ser gente”
como uma abertura ao “suficientemente bom” e ao experienciar em profundidade as
nuances da vivência simbólica da relação professor-aluno com todo o impacto dessa
relação na formação de futuros pesquisadores e docentes. E neste trajeto em que se
desenvolve a docência cabe destacar a fala de Rubem Alves de que o exercício do
ensinar, no contexto de que aprendemos também para a vida, é um exercício de
imortalidade: “De alguma forma continuamos a viver naqueles cujos olhos aprenderam a
ver o mundo pela magia da nossa palavra. O professor, assim, não morre jamais.”
Talvez essa seja a melhor forma de alcançar a imortalidade. Adriana continuará
viva nas memórias, nas histórias, nos corações e no legado que deixa para todos que
conviveram com ela e todos aqueles que, mesmo sem a ter conhecido, se beneficiarão
das sementes que ela plantou ao longo de sua trajetória:
Ela certamente cumpriu com nós todos a missão. Ela esteve conosco o tempo todo.
Nas relações que nós tivemos com ela acadêmicas, algumas mais pessoais, ela
sempre estava ali. (Profª Marília)
Ela mudou a minha vida. (Janicy)
Na verdade, ela foi uma fada madrinha para todos nós. (Thaiane)
Em mim não fica a tristeza, fica a gratidão. (Ruleandson)
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Isso é a Adriana: afetividade, alegria, uma competência muito grande e domínio
técnico, visando sempre a mudança. [...] Ela fazia tudo com amor. (Eliane
Pawlowski)
A Adriana es presente. Eu acho que ela está presente pra [sic] todos nós por
uma diferença. Todo mundo fez uma fala pessoal por essa diferença. Adriana era
amiga e amizade se faz com duas pessoas. Amar a gente consegue amar sem ser
correspondido; a gente consegue ser apaixonado sem que a pessoa seja
apaixonada de volta. Agora não tem jeito de ser amigo sem ter correspondência.
(Prof. Claudio)
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i
As citações feitas nesse artigo referentes aos depoimentos dos alunos estão disponíveis na página do EPIC no
Facebook - https://www.facebook.com/epicufmg/-em vídeos postados no dia 25 de fevereiro de 2019.
ORIENTAÇÃO ACADÊMICA COMO ESPAÇO DE INTEGRAÇÃO INTELECTUAL, SOCIAL E
AFETIVA
ACADEMIC SUPERVISION AS A SPACE FOR INTELLECTUAL, SOCIAL AND AFFECTIVE
INTEGRATION
Tatiane Krempser Gandra¹
Janicy Aparecida Pereira Rocha
2
¹ Doutora em Ciência da Informação pela
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Analista de Gestão - Bibliotecária da Diretoria de
Educação Escolar e Assistência Social da Polícia
Militar de Minas Gerais.
E-mail: tatikrempser@gmail.com
2
Doutora em Ciência da Informação pela
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Professora no Instituto de Gestão e Tecnologia da
Informação (IGTI).
E-mail: janicy.rocha@gmail.com
ACESSO ABERTO
Copyright: Esta obra está licenciada com uma
Licença CreativeCommons Atribuição 4.0
Internacional.
Conflito de interesses: A autora declara que
não há conflito de interesses.
Financiamento: Não há.
Declaração de Disponibilidade dos dados:
Não se aplica.
Recebido em: 18/04/2019.
Revisado em: 02/05/2019.
Aceito em: 09/05/2019.
Como citar este artigo:
GANDRA, Tatiane Krempser; ROCHA, Janicy
Aparecida Pereira. Orientação acadêmica como
espaço de integração intelectual, social e afetiva.
Informação em Pauta, Fortaleza, v. 4, n.
especial, p. 83-100, maio 2019. DOI:
https://doi.org/10.32810/2525-
3468.ip.v4iEspecial.2019.41208.83-100
RESUMO
O presente artigo objetiva rememorar
características da orientadora Adriana Bogliolo
Sirihal Duarte conforme a percepção de suas
orientandas. Para tanto, intercala elementos da
literatura acerca da relação orientando-
orientador com a narrativa de sete de suas
orientandas, em nível de mestrado e doutorado.
A narrativa se divide em três instâncias que se
integram, a saber: (a) esfera intelectual, que
centra-se nas contribuições epistemológicas da
docente nas atividades da pós-graduação e no
desenvolvimento da pesquisa; (b) esfera social,
compreendida como uma ampliação do processo
de orientação, estendendo-se à formação
profissional dos discentes e percebendo o
orientador como um mentor; (c) esfera afetiva,
que aborda as diversas formas de suporte
emocional que o orientador pode oferecer ao
discente, guiando-o em sua vivência acadêmica.
Os relatos evidenciam o extenso suporte
oferecido pela orientadora Adriana ao longo de
todo o processo de formação de mestres e/ou
doutores por ela orientados. Muitas vezes, tal
relação configurou-se como uma verdadeira
parceria que se estendia, inclusive, para além da
jornada acadêmica.
Palavras-chave: Relação orientando-orientador.
Adriana Bogliolo Sirihal Duarte. Narrativa. Pós-
graduação.
ABSTRACT
This paper aims to recall the supervisor’s
characteristics of Adriana Bogliolo Sirihal Duarte,
according to the perception of her students. It
interweaves elements of literature about the
supervisor-student relationship with the
narrative of seven postgraduate students. The
narrative is divided in three instances that are
integrated, namely: (a) intellectual sphere, that
Inf. Pauta
Fortaleza, CE
v. 4
n. especial
maio 2019
ISSN 2525-3468
DOI: https://doi.org/10.32810/2525-3468.ip.v4iEspecial.2019.41208.83-100
ARTIGO
84
Gandra; Rocha| Orientação acadêmica/Academic supervision
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focuses on the epistemological contributions of
the teacher in the activities of the postgraduate
and in the development of the research; (b) social
sphere, understood as an extension of the
orientation process, extending to the
professional formation of the students and
perceiving the supervisor as a mentor; (c)
affective sphere, refers to many forms of
emotional support that the postgraduate
supervisor can offer to student, guiding him in his
academic experience. The reports show the
extensive support offered by Adriana throughout
the entire process of masters or doctors
formation. Often, such relationship became a true
partnership that extended even beyond the
academic journey.
Keywords: Supervisor-student relationship.
Adriana Bogliolo Sirihal Duarte. Narrative.
Postgraduate studies.
1 INTRODUÇÃO
Embora cotidiana, a atividade de orientação na pós-graduação é permeada por
desafios diversos, alguns deles oriundos do tipo de relação estabelecida entre orientandos
e orientadores. Orientar é um processo complexo e multimensional que, nos dizeres de
(2015), contempla desafios didáticos-pedagógicos e dialógicos-afetivos. Desempenhar o
papel de orientando também é um processo árduo e passional que envolve a construção
de identidade e carreira do pós-graduando (JOHANSSON et al., 2014), levando-o a
experienciar angústias e incertezas diversas durante o desenvolvimento de sua pesquisa.
Desafios enfrentados por orientandos e orientadores durante essa convivência são
distintos e possuem motivações diversas. Todavia, superá-los demanda compromisso
substancial de ambos. Articular expectativas distintas, cumprir prazos e definir limites e
atribuições de ambos são algumas situações que podem resultar em conflitos ou, se bem
administradas, em crescimento profissional e pessoal para ambos .
Ainda que a literatura sobre a relação orientando-orientador indique não haver
uma fórmula para sua construção, dois aspectos são fundamentais (ABIDDIN; HASSAN;
AHMAD, 2006). Um deles refere-se à orientação como um processo aberto à negociação e
à mudança, quando o orientador assume o papel de guia. O outro aspecto diz respeito à
diligência do orientador em explicitar, em conjunto com o orientando, expectativas,
responsabilidades e regras para as interações relativas ao processo de orientação. Isso é
fundamental para que problemas éticos, técnicos, metodológicos e pessoais sejam
minimizados, ou até mesmo evitados.
Similaridades e dissimilaridades das características comportamentais e cognitivas
dos envolvidos na referida relação também são apontadas por Machado, Tonin e Clemente
(2018) como fatores cruciais para seu sucesso ou insucesso. Ainda que determinantes
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para a configuração do relacionamento que se estabelece nesse período, tais
características, se bem administradas, podem convergir em confiança e respeito mútuos.
A relação orientando-orientador não é pautada apenas por atividades relativas à
produção de um trabalho acadêmico em formato de dissertação ou tese. De forma
complementar, o processo de orientação visa, também, a transformação do então
estudante em um pesquisador independente e, na maioria das vezes, em docente e futuro
orientador. Assim, ainda que entendida como uma “intervenção formal” (LIDÉN; OHLIN;
BRODIN, 2013) oferecida aos pós-graduandos pela universidade, a orientação,
eventualmente, extrapola esse formalismo intelectual. Exceções à parte, nesse percurso
os orientadores podem se tornar mentores de seus orientandos; figuras de referência com
as quais vínculos sociais e afetivos duradouros são estabelecidos e perduram para além
da integração intelectual.
O intuito desse artigo é discutir a relação orientando-orientador como um espaço
de integração intelectual, social e afetiva. Para tal, aborda a referida relação, narrada do
ponto de vista de sete orientandas da professora Adriana Bogliolo Sirihal Duarte (1970-
2018), nos níveis de mestrado e doutorado, no Programa de Pós-Graduação em Ciência
da Informação da Universidade Federal de Minas Gerais (PPGCI/UFMG). Dessas
orientandas, duas são as autoras. As demais, selecionadas conforme critério de
acessibilidade, compartilharam suas experiências narrando fatos marcantes da relação
construída com Adriana.
Objetivamos, com isso, rememorar e registrar características da orientadora
Adriana, conforme a percepção de suas orientandas. Para tanto, iniciamos com uma breve
apresentação de sua formação e trajetória acadêmica. Em seguida, apresentamos trechos
das narrativas coletadas com as cinco participantes, intercalados com relatos de nossas
próprias experiências, quando orientadas por Adriana.
2 FORMAÇÃO E TRAJETÓRIA ACADÊMICA: UMA CIENTISTA DA
COMPUTAÇÃO QUE SE ENCANTOU PELA BIBLIOTECA ESCOLAR
Adriana Bogliolo Sirihal Duarte graduou-se em Ciência da Computação em 1992 na
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Nessa mesma instituição, concluiu o
mestrado em Ciência da Computação em 1995 e o doutorado em Ciência da Informação
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em 2005. Tão logo concluiu o mestrado, lecionou em cursos de graduação da área de
Ciência da Computação em universidades privadas mineiras.
No entanto, escolheu a Ciência da Informação para se estabelecer como docente e
pesquisadora, sempre reafirmando a alegria dessa escolha. Aprovada em concurso para o
Departamento de Teoria e Gestão da Informação (DTGI) da Escola de Ciência da
Informação da Universidade Federal de Minas Gerais (ECI/UFMG), iniciou suas atividades
em 2006. Desde então, lecionou diversas disciplinas em cursos de graduação e pós-
graduação na referida instituição, atuou em projetos de extensão e coordenou o
departamento ao qual esteve vinculada.
Como pesquisadora, participou ativamente da formação de pessoal, orientando
projetos de iniciação científica, trabalhos de conclusão de curso de graduação e
especialização, dissertações de mestrado e teses de doutorado. Também atuou como
coorientadora e participou de diversas bancas de qualificação e defesa, tanto na UFMG
quanto em outras instituições. De forma geral, esses trabalhos relacionam-se à subárea
de Estudos de Usuários da Informação e similares.
Nos últimos anos, também agregou a Biblioteca Escolar a seus interesses de
pesquisa, inclusive fazendo um pós-doutorado na Florida State University entre 2016 e
2017, período no qual iniciou o projeto “Possibilidades curriculares para a
Biblioteconomia Escolar”. Além de um acervo maravilhoso, em um espaço maravilhoso,
para atender o público infanto-juvenil, a Biblioteca Escolar dos seus sonhos “... não é o
lugar do silêncio, não é o lugar da introspecção: é o lugar do barulho, é o lugar do estímulo
à curiosidade e é o lugar do relacionamento!
i
.
Também liderou o Grupo de Estudos em Biblioteca Escolar (GEBE)
ii
. Líder do
grupo de pesquisa “Estudos em Práticas Informacionais e Cultura” (EPIC)
iii
, desde sua
criação em 2013, o conduziu com dedicação e proatividade. Ao finalizar o pós-doutorado
e retornar ao Brasil, foi eleita vice-diretora da ECI/UFMG, cargo exercido por um curto
período de tempo devido ao seu adoecimento.
3 A JORNADA DA ORIENTAÇÃO: RELAÇÕES DE PARCERIA E
COAPRENDIZAGEM
Não há, na literatura, consenso acerca da definição do papel e das atribuições de
um orientador de pós-graduação. A temática, aliás, é ainda pouco explorada, assim como
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são poucos os estudos que investigam a interação entre orientadores e orientandos
(LEITE FILHO; MARTINS, 2006; MACHADO, 2012; COSTA; SOUSA; SILVA, 2014). Ademais,
os papéis e as atribuições na referida relação assumem diferentes características
conforme o país, a área de conhecimento e a cultura institucional à qual ambos,
orientando e orientador, estão vinculados.
Assim como em qualquer relação interpessoal, inúmeras outras dimensões
perpassam o processo de orientação, não apenas no âmbito intelectual, mas também no
social e no afetivo. Resultados de uma pesquisa conduzida por Johansson e outros (2014)
indicam, inclusive, que importante parte do processo de orientação está ligada à gestão
emocional do relacionamento orientando-orientador. Em consonância com essa
perspectiva, Costa, Sousa e Silva (2014) argumentam que a orientação é uma atividade
especializada do trabalho docente e, assim como ele,
[...] envolve um conjunto de elementos que se inter-relacionam: contexto sócio-
histórico particular, sistema educacional, sistema de ensino, professor, objeto de
ensino, “outros” (colegas de trabalho, alunos...) e artefatos simbólicos ou
materiais. (COSTA; SOUSA; SILVA, 2014, p. 827).
As narrativas das orientandas de Adriana indicam que suas relações perpassaram
pelas diferentes dimensões dos relacionamentos interpessoais e, por isso, são
subdivididas em três eixos: intelectual, social e afetivo. No entanto, esses eixos se
integram e, muitas vezes, são vivenciados de modo indissociável.
3.1 Esfera intelectual
A esfera intelectual, de acordo com Halse e Malfroy (2010), refere-se aos saberes
teóricos, metodológicos e epistemológicos, oferecidos pelo orientador. Cabe a ele definir,
junto ao discente, o planejamento da pesquisa, auxiliando na elaboração do plano de
trabalho durante o percurso acadêmico, bem como contribuir para a formação do
orientando.
Como orientadora, Adriana acompanhava seus orientandos, fossem eles de
iniciação científica, mestrado ou doutorado, decidindo em conjunto os detalhes referentes
a cada etapa dos projetos. Especificamente quanto à escolha do tema de pesquisa, as
orientandas ressaltam sua flexibilidade. As narrativas mostram-na como alguém que
conseguia guiá-las ao propor caminhos nessa fase inicial da pesquisa, mas também aceitar
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ideias e temas de pesquisa trazidos por elas nas primeiras reuniões. Juntas, buscavam a
melhor alternativa para o desenvolvimento da pesquisa.
A Adriana desde o primeiro momento me deu total abertura para prosseguir com o meu
tema de interesse do pré-projeto. Tive total abertura de escolher o tema, os autores com
os quais trabalhar e a forma de conduzir a narrativa. Muito apoio (P2, orientanda de
mestrado).
A escolha do tema partiu do meu interesse, mas foi toda delineada em conjunto. A Adriana
tinha uma incrível capacidade de trabalhar em conjunto. As decisões foram tomadas sem
dramas ou problemas. Sempre na base da conversa, da ponderação, sempre em comum
acordo, aliando a experiência e o conhecimento de ambas. O diálogo sempre prevaleceu
(P4, orientanda de doutorado).
Eu cheguei na Sala da Dri para trabalhar com a Mediação de leitura em bibliotecas da
UFMG que não tinham como foco o público universitário [...]. Ela foi muito sincera e pediu
para que eu pensasse com carinho sobre a possibilidade de mudar o campo da pesquisa,
pois achava que não colheria frutos nessas unidades. Mas deixou claro que a escolha era
minha, sugerindo um contato de início com as bibliotecas para verificar a possibilidade
da pesquisa acontecer. [...] Então, me sugeriu trabalhar com a Biblioteca Escolar, depois
que contei de uma escola que tem um projeto o Clube da Leitura com o intuito de
compartilhar leituras, ela gostou muito da história dessa escola e me incentivou a
procurar escolas que eu realmente encontrasse insumos para minha pesquisa e que
atendesse as três modalidades de ensino: privado, público municipal e estadual (P5,
orientanda de mestrado).
Percebe-se que, mesmo na controvérsia, na diferença de opiniões, o trabalho em
conjunto e o respeito em relação às ideias do outro prevalecia, o que sempre contribuiu
para uma harmoniosa relação orientando-orientador. É nesse sentido que Ventorini e
Garcia (2004) se apropriam de conceitos de Robert Hinde
iv
, ao discorrer sobre as relações
interpessoais, para salientar que as diferenças são positivas no trabalho em equipe, na
medida em que estimulam o confronto de diferentes perspectivas e a troca de ideias. Os
relatos das orientandas suscitam, também, outros conceitos de Hinde: a reciprocidade e
complementaridade, que aludem a casos de manifestações e comportamentos amistosos
de ambas as partes, inclusive no que se refere às trocas de conhecimentos e informações.
As orientandas relatam, ainda, que a mesma postura e forma de trabalho de
Adriana eram mantidas nas demais etapas da pesquisa: escolha dos referenciais teórico-
metodológicos e dos instrumentos de coleta de dados, bem como nas contribuições
oferecidas por ela nas decisões metodológicas e na análise de dados.
Contribuição para a delimitação do escopo da investigação, e para que não me perdesse
em muitas questões que não teriam importância (P1, orientada de doutorado).
Nesse ponto [escolha dos referenciais teórico-metodológicos e instrumentos de coleta de
dados] a colaboração da Adriana foi fundamental. Sempre sugerindo e mostrando
possibilidades. Sempre ouvindo o que eu tinha "descoberto" e contribuindo com o que ela
tinha "descoberto". Era uma troca prazerosa, mas ela tinha uma capacidade de
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orientação fantástica. Ela sabia me guiar pelas possibilidades de forma muito tranquila.
[...] Ela me ajudou muito ouvindo e pesquisando as possibilidades comigo. Eu queria
pesquisar adolescentes e nós tivemos muita preocupação com a forma de abordar esses
sujeitos. Ela caminhou comigo, procurando, estudando e pesquisando, até nos depararmos
com a etnografia. Eu trouxe a proposta, mostrei, demonstrei e ela abraçou a ideia comigo.
E me ajudou muito a delinear o que seria feito, como seria, os locais de pesquisa, de
maneira muito presente e participante. (P4, orientanda de doutorado).
Ela me sugeriu trabalhar com a teoria etnográfica. Pois a partir de observações contínuas,
durante no mínimo dois meses, eu poderia conhecer melhor o campo a ser estudado e no
momento das entrevistas em profundidade teria base de buscar informações mais
detalhadas sobre os fatos observados, que poderiam ser confirmados com a observação
pós entrevistas (P5, orientanda de mestrado).
Algumas dessas características e atitudes, lembradas nos relatos, são apontadas
por Mainhard (2009) como essenciais em um orientador. O autor assinala que o docente
deve ser capaz de ouvir o orientado, encorajando o debate e oferecendo feedback
contínuo. Além disso, deve ser entusiasmado e demonstrar atenção e respeito.
No que tange às contribuições na fase da análise de dados, algumas entrevistadas
destacam, especialmente, uma nova forma de categorizar os dados, trazida por Adriana
após seu retorno do pós-doutorado, e compartilhada com os orientandos.
Nossa! Essa parte foi fundamental. Ela tinha acabado de chegar dos Estados Unidos e
aprendido lá uma forma boa de categorizar e analisar os dados de entrevistas utilizando
uma macro do Word. Com toda a generosidade dela, aquela vontade de ajudar, reuniu
seus orientandos e nos deu uma aula desse método. Foi a minha salvação! (P4,
orientanda de doutorado).
Depois de sugerir a teoria para dar base as observações e entrevistas, ela apresentou uma
ferramenta que poderia auxiliar na categorização dos dados das entrevistas. Eu tive a
grande oportunidade de cursar a disciplina da s Usuários e práticas informacionais com
a Adriana em 2017/2, foi ótimo, pois entrevistamos ex-alunos do PPGCI e praticamos esse
processo de entrevista e categorização dos dados (P5, orientanda de mestrado).
[Ela contribuiu] discutindo as categorias de análise. Também pela leitura cuidadosa do
texto, em sua coerência (P1, orientanda de doutorado).
Apenas uma orientanda afirma que, nesta etapa da pesquisa, não houve
necessidade de um auxílio muito efetivo por parte da orientadora.
Nesta etapa, não muito... Ela me deixou bem solta, por que segundo ela, "sabia que eu
conseguiria" (P2, orientanda de mestrado).
Para nós, autoras, as contribuições da Adriana na etapa de análise de dados foram
essenciais durante nossas pesquisas de mestrado. Embora ainda não tivesse aprendido
essa técnica de categorização por meio do uso de macros do Word - o que só aconteceria
durante seu pós-doutoramento - ela nos orientou, de forma prática, como agrupar os
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dados relacionados e rotulá-los. Revisou categorias construídas previamente, nos
mostrando como elas poderiam ser desmembradas em subcategorias para melhor
expressar o que os dados indicavam. Complementarmente, nos ensinou como relacionar
os achados expressos nas categorias com o suporte teórico de nossas respectivas
pesquisas.
Profissional comprometida, Adriana demonstrava grande preocupação, zelo e
rigor com as questões metodológicas de uma pesquisa científica. Orientava que
fundamentássemos muito bem nossas escolhas, justificando-as com clareza para não
suscitar questionamentos posteriores. Essa sua preocupação não se manifestava apenas
em relação às pesquisas de seus orientandos, mas se estendia às pesquisas de quaisquer
discentes que cursassem disciplinas por ela ministradas.
Nessas disciplinas, dedicava-se a ensinar o passo a passo do processo de
categorização, embora ela mesma dissesse, repetidas vezes, que não havia uma ‘receita
pronta’ e, portanto, cada caso exigia reflexões apropriadas. Na disciplina Usuários da
Informação”, ofertada para a graduação, ela ensinava com trabalhos práticos, orientando
os discentes na criação de categorias de análise dos estudos de usuários por eles
desenvolvidos. O mesmo acontecia nas disciplinas da pós-graduação, com maior nível de
aprofundamento.
Frequentemente, durante conversas sobre pesquisas, reuniões de orientação e de
grupos de estudo, ela explicava o que são e como se criam categorias de análise e sugeria
pesquisas já concluídas para serem lidas como exemplo. Complementarmente, convidava
orientandos cujas pesquisas tinham sido concluídas para as apresentarem em suas
disciplinas, incentivando trocas entre eles e os alunos não apenas sobre os resultados,
mas também sobre processo de elaboração das ideias e redação das pesquisas. Fazia,
ainda, demonstrações de como se categorizar dados de pesquisa com o intuito de facilitar
que discentes mais inexperientes compreendessem o processo.
Essa habilidade, marcante na Adriana (enquanto professora e orientadora), é uma
temática abordada por Lowman (2007), para quem dois pontos são importantes como
habilidades para um docente criar estímulo intelectual. Um deles é a capacidade de ter
clareza nas apresentações (relaciona-se com o que se apresenta, com o conteúdo) e o
outro se refere ao impacto emocional que é estimulado (tem a ver com o modo como o
material é apresentado). Possuindo essas habilidades, o docente consegue explicar
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tópicos complexos - como o processo de criação de categorias de análise - de forma mais
simples e compreensível para os discentes.
Sendo uma orientadora que acompanhava efetivamente cada etapa da pesquisa, ao
chegar às bancas de qualificação e/ou defesa, também oferecia total suporte aos
orientandos. Isso emerge nos relatos das orientandas, a maioria afirmando ter recebido
suporte além do esperado nos exames de qualificação e/ou nas defesas de teses e
dissertações. Em momentos como esses, decisivos e muitas vezes angustiantes, o respaldo
do orientador é fundamental para que o orientando se sinta mais confiante ao apresentar
a pesquisa à banca avaliadora. A parceria intelectual e o acompanhamento efetivo ao
longo de toda a pesquisa aumentam a confiança de ambos na qualidade do trabalho a ser
apresentado.
Ela transmitiu segurança (P1, orientanda de doutorado).
Indescritível. Na qualificação, ela anotou item por item as sugestões da banca (P2,
orientanda de mestrado).
[...] sentou comigo, traçou brilhantemente o caminho das minhas correções (P4,
orientanda de doutorado).
Adriana transmitia confiança aos orientandos de que as escolhas feitas ao longo da
pesquisa eram decisões tomadas em conjunto e como tal, caso houvesse alguma crítica
por parte da banca arguidora, a responsabilidade era, também, assumida por ambos. Ela
sempre se dedicou a acompanhar seus orientandos de perto, o máximo possível, mesmo
quando esteve em pós-doutoramento fora do Brasil. Nessa ocasião, as reuniões eram
feitas por meio de videoconferência, além de frequentes trocas de e-mails. Seu suporte
excedia a dimensão intelectual, manifestando-se também na forma de incentivos e
palavras afetuosas de encorajamento.
Acerca do posicionamento do orientador em acompanhar de forma mais próxima
ou mais distante o orientando, alguns aspectos devem ser destacados. Costa, Sousa e Silva
(2014), em sua proposição de modelo de orientação, salientam que a forma de orientação
mais próxima (hands on) ou a mais distante (hands off) depende, dentre outros fatores, do
nível de maturidade do orientando e, especialmente, da sensibilidade do orientador em
reconhecer qual o nível de aproximação ou de distanciamento do processo de formação é
mais adequado para cada aluno durante o período de sua formação” (p. 842).
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Com efeito, espera-se que o doutorando seja conduzido a um processo de hands
off na medida em que avança no curso, ao passo que o mestrando, em razão do
tempo de formação e da falta de experiência na pós-graduação, precisa de um
acompanhamento mais próximo do orientador (COSTA; SOUSA, SILVA, 2014, p.
842).
Contudo, os autores atentam para uma questão relacionada que ocorre com
frequência nos processos de orientação acadêmica: dar autonomia ao orientando é
diferente de não orientar. Então, mesmo adotando uma postura hands off, principalmente
em relação à orientandos de doutorado, mais experientes, isso não significa que o docente
não deve acompanhar o discente em todas as etapas da pesquisa, oferecendo suporte
intelectual.
Uma das características notáveis em Adriana refere-se exatamente a essa
sensibilidade de perceber qual forma de orientação, ou de acompanhamento, cada um de
seus orientandos demandava. Na medida certa, ela se mantinha ao lado do discente,
auxiliando-o, mas sempre deixando espaço para que o mesmo pudesse caminhar com seus
próprios pés. E mesmo com orientandos mais experientes, ela mantinha-se sempre
disponível, buscando contribuir para com a pesquisa da melhor forma possível.
Por fim, não poderíamos passar para o próximo tópico sem frisar que, muito mais
que uma postura profissional exemplar como orientadora, as habilidades,
comportamentos e atitudes em geral, relatadas aqui pelas orientandas, são as
características pessoais, qualidades da personalidade e caráter de Adriana Bogliolo.
3.2 Esfera social
Além das atividades de orientação da pesquisa, propriamente ditas, entendemos
que o processo de orientação é muito mais abrangente, estendendo-se à formação
profissional de mestres e doutores, futuros professores, docentes e pesquisadores. Tal
[...] perspectiva amplia o papel da orientação para além da elaboração do trabalho final e
passa a estar vinculada também à visão do orientador como um conselheiro ou mentor
acadêmico [...]” (COSTA; SOUSA; SILVA, 2014, p. 833).
Para Khene (2014 apud COSTA; SOUSA; SILVA, 2014, p. 831), o orientador deve ir
além da dimensão de orientação de pesquisa, “conduzindo o discente para o seu ingresso
na comunidade acadêmica, pela pesquisa, pela vivência do campo, pela inserção no
mundo da universidade.” Em consonância, Gardner e Barnes (2014, apud COSTA; SOUSA;
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SILVA, 2014) reiteram que a formação dos discentes mestres e doutores como futuros
pesquisadores, professores e profissionais é de responsabilidade dos orientadores.
Imbricadas, as dimensões contextual e social vinculam-se ao ambiente de aprendizagem
dos discentes, o que perpassa pela estrutura física e ambiente institucional, que podem
favorecer ou prejudicar o processo de formação dos orientandos (COSTA; SOUSA; SILVA,
2014).
A formação e trajetória acadêmica da Adriana, apresentadas na Seção 2,
evidenciam os cargos e funções assumidos por ela. Estes contribuíram para que ela
tivesse ampla compreensão acerca da estrutura e funcionamento de diferentes setores da
Universidade enquanto instituição acadêmica, o que por sua vez mostrou-se
indispensável nos momentos de interação com discentes e entre seus pares. Um exemplo
é sua função enquanto líder do grupo de pesquisa Estudos em Práticas Informacionais e
Cultura - EPIC, da UFMG.
[Como líder do EPIC] Muito querida, carismática, com a real capacidade de unificar e
reunir inúmeras pessoas, com pesquisas e interesses distintos. (P2, orientanda de
mestrado).
Era um exemplo de líder. Apesar de sua sabedoria e conhecimento, dava voz a todos os
participantes e os incentivava a prosseguir nos estudos das práticas. (P3, orientanda de
mestrado).
Muito responsável, criativa, super didática e sempre aberta ao diálogo. (P5, orientanda
de mestrado).
Como narrado nos trechos de fala das orientandas, Adriana era uma líder que
conseguia incentivar e entusiasmar as pessoas à sua volta, estimulando os participantes
do EPIC a buscar o crescimento do grupo e da temática trabalhada. Sem nunca perder o
bom humor e a empatia, era, também, muito prática e objetiva, com uma postura dinâmica
para resolver pendências e encontrar soluções em prol do grupo e/ou de seus
orientandos.
A Adriana me acolheu na mudança de orientadora, algo que serei sempre grata. A história
fica por conta do dia da defesa, em que eu estava muito atarantada e atarefada, nem
pensei em lanchinho... E ela preparou tudo! (P1, orientanda de doutorado).
Como relatado anteriormente, Adriana era uma orientadora presente e ativa,
que contribuía em todas as etapas da pesquisa. Muitas vezes, como exemplificado no
relato anterior, o apoio oferecido extrapolava aquilo que concerne, exclusivamente, ao
fazer de uma pesquisa científica. Sensível e atenta aos ritos de diversas ocasiões no
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ambiente acadêmico, ela estava sempre pronta para ajudar, independentemente de a
tarefa ser ou não, estritamente, uma obrigação de orientadora.
Outra característica da Adriana refere-se ao seu interesse em manter uma relação
próxima e cordial com discentes e seus pares, inclusive, estendo-a para além dos limites
da universidade.
No meio a turbulência de nossas vidas no início de 2018, Dri me convidou para o lançamento do livro
da mãe dela, esta[va]mos com muita esperança de dias melhores. Depois de conhecer o lado escritora
da [cita o nome da mãe de Adriana], começamos a trocar informações sobre uma possível visita da
[cita o nome da mãe de Adriana] para compartilhar suas vivências de escritora com esses jovens
leitores, mas infelizmente não foi possível. Mas ela não esqueceu em nosso último encontro, outubro
2018, me disse: ‘temos que levar os livros para os alunos do Clube de Leitura’. Eu falei: Dri não se
preocupe, depois a gente vê isso’. (P5, orientanda de mestrado).
Mais uma vez é ressaltado, nos relatos, um traço característico da Adriana: o desejo
de unir, de integrar as pessoas ao seu redor. Ele gostava de compartilhar seus bons
momentos, suas conquistas e orgulhos com as pessoas de seu convívio.
Nós, autoras, ressaltamos que, além da excelente relação de parceria orientadora-
orientanda, Adriana contribuiu de maneira crucial para nossa formação profissional, de
modo completo. Além de nos guiar e apoiar desde os primeiros passos na pós-graduação,
aspirantes a pesquisadoras, ela nos incentivou e orientou, também, no início de nossas
carreiras docentes.
Durante o período em que lecionamos disciplinas para cursos de graduação na
ECI/UFMG, em formato de Estágio Docente, Adriana discutia conosco o cotidiano da sala
de aula, oferecendo orientações quando solicitávamos e nos incentivando a exercermos
nossa autonomia, enquanto professoras responsáveis pelas disciplinas. Eventualmente,
assistia a nossas aulas e nos orientava sobre o que poderia ser melhorado em termos de
didática, métodos e técnicas de ensino e avaliação. Nós também assistíamos algumas de
suas aulas para outras turmas, por sempre serem momentos de aprendizado e também
de inspiração, enquanto uma profissional que amava o que fazia.
Dessa forma, Adriana Bogliolo é, para nós, um exemplo de orientadora no sentido
mais amplo (como discutido no início deste tópico), cuja atuação extrapolou as atividades
específicas da pesquisa científica, se refletindo em outras esferas da formação humana e
profissional de seus orientandos.
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3.3 Esfera afetiva
Relacionada à esfera social, a dimensão afetiva manifesta-se em qualquer
relacionamento interpessoal, o que não é diferente da relação orientador-orientando. O
ingresso em um curso de mestrado ou doutorado é um momento de transformações na
vida de qualquer estudante, gerando, naturalmente, grande expectativa. No caso do
discente de mestrado, a pesquisa científica pode ser algo totalmente novo, o que causa
apreensão e ansiedade no aluno. em relação aos estudantes de doutorado, embora a
maioria já tenha experienciado a vivência do mestrado, existem outras cobranças e
responsabilidades que tornam esse período igualmente estressante.
Trabalhos como os de Costa, Sousa e Silva (2014) e Johansson et al. (2014)
abordam a temática ao discutir o processo de orientação na pós-graduação. Para esses
autores, são vários os fatores que afetam emocionalmente os discentes em formação:
desde a própria adaptação com contexto da pós-graduação, passando pelas dificuldades
próprias dos processos de aprendizagem, até os problemas pessoais que interferem na
vida acadêmica do orientando.
Johansson et al. (2014) salientam, ainda, que, a partir da década de 1990, houve
grandes mudanças no sistema de pós-graduação envolvendo o contexto administrativo e
todo o conjunto de regras e demandas acadêmicas. Aliado à natureza problemática do
processo de aprendizagem, o formalismo do sistema acadêmico potencializa as tensões
vivenciadas pelos discentes no processo de escrita. Neste momento de transformações na
vida do discente, o orientador pode assumir importante papel como conselheiro ou
mentor. A capacidade de ouvir o outro, tentando compreender suas angústias, ansiedades
e incertezas, e o compartilhamento de suas experiências com o estudante, representa um
grande apoio emocional.
A seguir, apresentamos excertos de relatos das orientandas indicativos de que, em
qualquer momento do processo de formação na pós-graduação, Adriana ofereceu suporte
também na esfera afetiva.
A Adriana era um furor! Sempre ativa, sempre disposta, com muita capacidade de ajudar
e de ouvir. (P4, orientanda de doutorado)
Muito responsável, criativa, super didática e sempre aberta ao diálogo. (P5, orientanda
de mestrado)
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Na defesa, chegou a desconvidar uma suplente, por considerar que o tipo de críticas que a
mesma ofereceria, não seriam produtivas. (P2, orientanda de mestrado)
Considero que o suporte oferecido ultrapassou a fronteira orientando x orientador. Ela
era uma pessoa de uma sensibilidade e compreensão inexplicáveis. (P3, orientanda de
mestrado)
Vou me focar na defesa. Quando eu comecei a análise de dados, ela estava começando a
fazer os exames. Logo veio o diagnóstico e nós duas perdemos o chão. Foi um período
muito conturbado para ela, e, mesmo assim, ela queria me ajudar. Ela já não conseguiu
compor a minha banca de defesa, mas foi lá, me apoiou. [...] Em nenhum momento ela
deixou eu me sentir sozinha nessa caminhada. Até o fim, ela esteve comigo. Sempre
apoiando, sempre contribuindo. (P4, orientanda de doutorado)
Muitas vezes, o processo de formação na pós-graduação é um projeto de vida para
o estudante, por isso a dimensão emocional tem uma demarcação tão forte nessas
experiências. “Esses são elementos da vivência da pós-graduação que podem provocar,
por exemplo, medo, raiva, sofrimento e angústia. [...] Cabe ao orientador conduzir o aluno
na “vivência” de sua formação”. (COSTA; SOUSA; SILVA, 2014, p. 837).
Adriana sempre compreendeu as dificuldades e questões emocionais presentes na
formação dos pós-graduandos. Estava sempre aberta para ouvir e ajudar quem a
procurasse. Um exemplo disso é que ela recebeu inúmeros discentes que trocaram de
orientador no meio do processo. Sempre aberta ao diálogo e oferecendo suporte nas
esferas intelectual, social e afetiva, ela era considerada muito mais do que uma
orientadora para a maioria de seus orientandos. Mesmo após finalizar o vínculo formal de
orientadora com as autoras, Adriana continuou presente, oferecendo apoio - em todas as
esferas discutidas até aqui - sempre que necessário.
Ao término das narrativas, pedimos às participantes que definissem a orientadora
Adriana em uma única palavra e, na sequência, questionamos o porquê de tal palavra. As
respostas, em sua maioria, fazem referência a uma dimensão afetiva, denotando
admiração e respeito à sua postura enquanto orientadora e, de forma mais ampla, como
pessoa. Assim, transcrevemos as palavras escolhidas, bem como suas justificativas, no
Quadro 1. As duas últimas palavras são aquelas atribuídas a Adriana pelas autoras,
respectivamente.
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Quadro 1 Adriana Bogliolo em uma palavra.
ORIENTADORA ADRIANA
EM UMA PALAVRA
POR QUE ESSA PALAVRA?
Prática
Ela procurava desatar os nós, não perdia tempo, era muito
profissional.
Potência
Qualidade do que é potente, eficaz, que inicia movimento, impulsão
e eminência.
Humana
Porque traduz a essência de uma pessoa competente, sábia e
humilde.
Amor
Porque era transparente que ela fazia tudo com muito amor! E acho
que esse amor pela vida, pela profissão, pela pesquisa, pelo outro
que fez dela essa pessoa especial, que marcou a todos que tiveram
o prazer de conviver com ela.
Dedicada
Porque a vejo assim, sempre pronta para ajudar a solucionar nossas
dúvidas, dando sugestões, com uma vasta experiência no assunto,
ela pegava em nossa mão, escrevia junto o texto para a dissertação.
Especial
Porque ela reunia tantas qualidades incríveis. Era uma ótima
professora e a orientadora ideal. Mas acima de tudo, era uma pessoa
notável, com sua empatia, benevolência, coragem e um bom humor
e alegria contagiantes.
Generosidade
Porque ela estava sempre disposta a partilhar, a oferecer algo às
pessoas, ainda que fosse um sorriso, uma palavra de incentivo.
Fonte: Elaborado pelas autoras a partir das narrativas coletadas.
Por fim, a partir das narrativas apresentadas e das relações vivenciadas por nós,
autoras, com a orientadora Adriana Bogliolo, evocamos três metáforas propostas por
Grant, Hackney e Edgar (2014). Conforme a metáfora da máquina, de fundo mecanicista,
a orientação tem uma meta predeterminada e funciona de maneira previsível, conforme
as políticas institucionais. Na metáfora do treinador, a orientação assemelha-se a uma
atividade de aconselhamento relacionada não apenas ao projeto de pesquisa, mas
também à construção da carreira. Já conforme a metáfora da jornada, a orientação é uma
parceria na qual orientando e orientador aprendem juntos, negociando por meio de
diálogos construtivos.
Entendemos que o estilo de orientação adotado por Adriana agregava elementos
das três metáforas: ela observava com cuidado as políticas institucionais da universidade;
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estendia seu papel de orientadora para além dos limites dos projetos de teses e
dissertações - se o orientando fosse receptivo a isso - e, principalmente, empreendia
parcerias com os orientandos ao longo da jornada do mestrado ou doutorado e, não raro,
para além dela.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Adriana será lembrada por seu legado à Biblioteconomia e à Ciência da Informação,
fruto de seu amor à docência e à pesquisa. Ela também será lembrada por sua alegria,
generosidade, objetividade, conduta ética e a admirável capacidade de tornar o ambiente
acadêmico mais humano, sempre estimulando a cooperação e a afetividade entre pares.
Para nós, é difícil separar, em Adriana, a amiga da orientadora. Como amiga, era
expansiva, afetuosa, generosa. Como orientadora e professora, também o era. Dona de
uma gargalhada farta, ouvia com interesse, aconselhava com firmeza, trabalhava (e vivia)
com brilho nos olhos. Sabia aceitar os orientandos conforme suas particularidades:
estendia a mão e caminhava junto com quem precisasse, mas também oferecia espaço a
quem assim desejasse. Discordava, questionava e cobrava, sem perder a ternura. E nos
incentivava a crescer, traçando nossos próprios caminhos.
Ao imaginar um modo de falar sobre Adriana, prestando a ela nossa homenagem
e, ao mesmo tempo, apresentando suas contribuições, algumas possibilidades nos
ocorreram. Escolhemos a aqui apresentada, por acreditarmos que melhor representa algo
fundamental que aprendemos com ela: a importância do trabalho colaborativo. Nós, duas
de suas orientandas, aqui reunimos outras colegas para registrar sua participação em
nossa formação e, consequentemente, suas contribuições à [pesquisa em] Ciência da
Informação. Esperamos ter conseguido transpor para esse texto a dádiva que foi para nós,
suas orientandas, tê-la conhecido e partilhado de sua vida. A ela nossa deferência.
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5 AGRADECIMENTOS
As autoras agradecem a Andreza Barbosa, Eliane Rocha, Flávia Abreu, Maria Antunes e
Raquel Paiva pela gentileza em compartilhar seus relatos acerca da experiência como orientandas
de Adriana Bogliolo, contribuindo, dessa forma, para a elaboração desse texto.
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100
Gandra; Rocha| Orientação acadêmica
Inf. Pauta, Fortaleza, CE, v. 4, n. especial, maio 2019 | ISSN 2525-3468
NOTAS
i
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=dlhXaUD6cdQ. Acesso em: 04 abr. 2019.
ii
Disponível em: http://gebe.eci.ufmg.br. Acesso em: 04 abr. 2019.
iii
Disponível em: http://epic.eci.ufmg.br. Acesso em: 04 abr. 2019.
iv
Zoólogo, etologista e psicólogo britânico, Robert Hinde desenvolveu conceitos relacionados à formação de uma ciência dos
relacionamentos interpessoais.
DA CULTURA DO IMPRESSO ÀS PRÁTICAS INFORMACIONAIS EM UMA BIBLIOTECA
PATRIMONIAL
FROM THE PRINTED CULTURE TO THE INFORMATIONAL PRACTICES IN A
PATRIMONIAL LIBRARY
Elizabeth Aparecida Duque Seabra
¹ Pós-Doutora em Ciências da Educação pela
Universidade do Minho, Portugal.
E-mail: elizabeth.seabra@ufvjm.edu.br
ACESSO ABERTO
Copyright: Esta obra está licenciada com uma
Licença Creative Commons Atribuição 4.0
Internacional.
Conflito de interesses: A autora declara que não
há conflito de interesses.
Financiamento: Não há.
Declaração de Disponibilidade dos dados:
Todos os dados relevantes estão disponíveis
neste artigo.
Recebido em: 30/04/2019.
Revisado em: 02/05/2019.
Aceito em: 09/05/2019.
Como citar este artigo:
SEABRA, Elizabeth Aparecida Duque.
Informação em Pauta, Fortaleza, v. 4, n.
especial, p. 101-120, maio 2019. DOI:
https://doi.org/10.32810/2525-
3468.ip.v4iEspecial.2019.41146.101-120
RESUMO
Este artigo tem por objetivo apresentar e discutir
os resultados de uma pesquisa de pós-doutorado
realizada junto ao grupo de Estudos em Práticas
Informacionais e Cultura (EPIC) da Escola de
Ciência da Informação da Universidade Federal
de Minas Gerais que teve por objeto uma
Biblioteca subordinada à administração regional
do Iphan, abrigada em um edifício tombado desde
1954, a Casa do Muxarabiê, localizada no centro
de Diamantina, Minas Gerais. A biblioteca é
analisada a partir do conceito de práticas
informacionais engendradas pelos usuários que a
frequentam (estudantes, turistas e
pesquisadores) e seus profissionais em suas
ações cotidianas, experiências e aprendizagens. A
investigação utiliza como estratégias
metodológicas a pesquisa documental e
entrevistas semiestruturadas com diferentes
usuários. A partir da análise documental e das
falas dos usuários estabelece-se
questionamentos em relação ao lugar social da
biblioteca como parte da paisagem e patrimônio
da cidade. Postula-se que a relação entre
instituição e usuários desencadeia práticas de
produção de conteúdos informacionais
diversificadas. Destaca-se como resultado da
pesquisa que esta instituição não apresenta em
suas ações cotidianas uma separação rígida entre
as funções de arquivo, biblioteca e museu e, o
se exibe claramente aos diferentes blicos com
todas as potencialidades educativas decorrentes
da riqueza de linguagens documentárias e de
seus conteúdos específicos estando aberta a
novas práticas informacionais.
Palavras-chave: Estudos de usuários. Práticas
Informacionais. Diamantina. Biblioteca Antônio
Torres.
ABSTRACT
The main objective of this article is to introduce
and discuss the results of a postdoctoral study
made alongside with EPIC group - Studies in
informational Practices and Culture the in
Information Science of Federal University of
Minas Gerais. The object in question is a library
Inf. Pauta
Fortaleza, CE
v. 4
n. especial
maio 2019
ISSN 2525-3468
DOI: https://doi.org/10.32810/2525-3468.ip.v4iEspecial.2019.41146.101-120
ARTIGO
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associated with Iphan’s regional administration,
and it is located in a building in the center of
Diamantina, which was recognized as a national
monument in 1954, the Muxarabiê house. The
library is analysed through a concept of
informational practices developed by its users
(students, tourists and researchers) and its
professionals, through their daily actions and
learning experiences. The analysis uses
documental research and semistructured
interviews with the varied users as a
methodological strategy. The questionings of the
library’s social role as part of the city landscape
and heritage are established through the
documental analysis and the users testimonies. It
is postulated that the relationship between
institution and user triggers varied practices of
informational content production. The fact that
this institution does not present a strict
separation between functions of archive, library
and museum in its daily actions is highlighted as
one of the results of the research. In addition to
that, the library does not present itself to its
different publics with all the educational
potential of the documental languages and its
specific contents, being opened to new
informational practices.
Keywords: User studies. Informational practices.
Diamantina. Antônio Torres library.
1 INTRODUÇÃO
Infelizmente, ao longo do ano de 2018, enquanto participava das atividades do
grupo de pesquisa EPIC (Estudos em Práticas Informacionais da Escola de Ciência da
Informação da UFMG) pude conviver com a professora Adriana Bogliolo em duas
ocasiões. A primeira reunião do grupo EPIC da qual participei foi em sua casa e
comemoramos seu aniversário e seu retorno do pós-doutorado. O último encontro foi de
despedida. Senti ao longo do ano sua presença por meio de seus orientandos externada
na preocupação com sua saúde. Foi um ano de muita expectativa de sua melhora. Eu
pensava que a qualquer momento ela retornaria e eu poderia discutir com ela minha
pesquisa sobre a biblioteca Antônio Torres. Foi um breve intervalo no qual senti a sua
presença na ausência. Registro aqui minha saudade e peço licença para comunicar um
pouco da pesquisa realizada.
Este artigo resulta do processo de reflexões sobre minhas experiências
profissionais e de pesquisa no campo da História e da Educação em relação ao campo
epistemológico da Ciência da Informação. Em especial, com as possibilidades teóricas dos
estudos de usuários na perspectiva das práticas informacionais de modo a dialogar com
uma pesquisa empírica sobre usuários de uma biblioteca patrimonial existente desde
meados do século XX na cidade de Diamantina-MG. A questão central que perpassa todo
o trabalho é discutir em que medida os modelos de práticas informacionais podem
responder a cenários e processos históricos como o de uma biblioteca patrimonial.
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Uma biblioteca que comemora 65 anos e tem seu acesso por uma escadaria em um
largo comercial do centro de Diamantina identificada por uma pequena placa que avisa
que ela disponibiliza para a pesquisa acadêmica diversos documentos do século XVIII,
XIX e XX”. Junto à porta o horário de funcionamento, dividido ao longo da semana, entre
aberto para “Pesquisa e/ou Visitação”. A pesquisa na Biblioteca Antônio Torres implicou
em revisitar os paradigmas da Ciência da Informação”, no entrelaçamento entre o “físico,
o cognitivo e o social”, se pensarmos a partir da lógica do usuário da informação e
observarmos aspectos das materialidades de suas práticas.
O uso do termo do usuário para esta biblioteca parece incluir os seus vários
sujeitos. Aqueles que cumprem uma rotina de trabalho, aqueles que prestam serviços de
higienização e conservação, de limpeza, outros que para lá se dirigem para realizar
pesquisas acadêmicas, outros que também a procuram por lazer, numa dispersão de
experiências, para conhecer o Muxarabiê.
O primeiro movimento foi deslocar o problema de pesquisa da instituição
biblioteca para um conjunto de práticas informacionais e fazer um percurso da cultura do
impresso para os usuários. A aproximação com as práticas informacionais, a partir da
história da uma biblioteca e dos vestígios deixados por diferentes usuários em relação aos
seus acervos, implica em considerar como são produzidas e circulam em um prédio de
musealizado de uma cidade colonial mineira práticas sociais situadas.
Uma abordagem das práticas informacionais provoca posicionamentos sobre o
processo dinâmico e emergente de uma polifonia - um fluxo contínuo de informações
entre os sujeitos e a materialidade - de modo a entrelaçar os registros, categorizações,
construções de significado entre o acervo da biblioteca e seus usuários.
2 ASPECTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS: UMA EPISTEMOLOGIA PRÁTICA
Este trabalho não pretende realizar um balanço das principais tendências,
abordagens e recortes teórico-metodológicos em relação ao campo dos Estudos de
Usuários. Considerar as teorias existentes em uma revisão de literatura, tentando
localizar e selecionar, entre as várias abordagens contemporâneas, aquelas pertinentes à
análise pretendida, é um trabalho já realizado de maneira competente por autores como
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Cunha (1981), Araújo (2009; 2012; 2013), Rolim e Cedon (2013), Moreira e Duarte
(2016), Figueiredo (1994), dentre outros. Cabe definir e indicar, frente as inúmeras
possibilidades, as escolhas tomadas para evidenciar o problema de pesquisa e dar
encaminhamento adequado nos marcos dos Estudos de Usuários na Ciência da
Informação.
Araújo et al. (2018, p. 209) apontam que com a instauração do “paradigma social”
o conceito de informação passou a ser visto de modo intersubjetivo e de dentro de um
contexto ou “regime de informação”, em oposição ao conceito físico e cognitivo da
informação. Tornou-se, portanto, o local de encontro e de diálogo entre as correntes
teóricas consideradas como campos autônomos de conhecimento, a arquivologia, a
museologia e a biblioteconomia, ainda que com percursos históricos distintos (CAPURRO,
2003; GONZÁLEZ DE GOMEZ, 2012).
Esta aposta no campo da Ciência da Informação como uma ciência interdisciplinar
tem sido capaz de oferecer aportes para diferentes subáreas de pesquisa, em especial para
os Estudos de Usuários, que se aproximam empiricamente dos três campos das “ciências
dos acervos” a partir do conceito de informação. Na pesquisa empírica com os usuários
de diferentes idades e formações acadêmicas é possível perceber como eles identificam,
dialogam e apontam, em suas experiências com os documentos bibliográficos,
arquivísticos e museais, a questão do fundamento social, ou do peso da herança
patrimonialista dessa cultura e memória social.
Ao escolher a abordagem social também se assume uma opção por uma amostra
qualitativa e descritiva na pesquisa empírica. Nesse artigo, trabalhamos com um recorte
a partir de entrevistas semiestruturadas com quatro usuários, escolhidos frente a uma
tipologia definida pela própria instituição/biblioteca, e um desenho flexível da pesquisa
documental, considerando as possibilidades oferecidas pelas leituras dos documentos
internalistas, aqueles produzidos pela própria Biblioteca os Livros de Registro de
Visitantes, os inventários e catálogos. Também nos valemos de observações
assistemáticas das práticas dos diversos sujeitos (usuários) da Biblioteca. Como
investigadora de certa maneira externa, à medida que não realizo habitualmente
pesquisas no ambiente escolhido, mas visitas com estudantes da educação básica, o
trabalho teórico-metodológico implicou em uma codificação aberta e em categorias de
análise ou de compreensão dedutivas (GONZÁLEZ-TERUEL, 2012). A observação, a
pesquisa documental e as entrevistas se realizaram entre os meses de junho e julho de
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2018. A visita com estudantes foi realizada em julho de 2017 e orientou a elaboração da
primeira versão de um projeto de pesquisa.
Cabe também explicitar a adesão dessa pesquisa a uma abordagem que entende o
conhecimento como parte de um agir cotidiano, um fazer que é uma das modalidades de
saber. Neste caso, esta abordagem se afasta daquelas que dividem e classificam numa
ordem hierárquica o senso comum, o conhecimento científico, o filosófico, o artístico, o
religioso e o mítico, restringem o conhecimento ao saber científico e defendem uma
linguagem acadêmica que se afasta do nível da ação e fixa-se na dimensão da
representação. Aqui o agir cotidiano e o fazer, entendidos como as práticas informacionais
dos usuários, são considerados como modalidades de fazer e conhecer. O conhecimento
envolve o entendimento e a sensibilidade numa tentativa de romper com a concepção
presente tanto na cotidianidade quanto no fazer científico, em que o agir e o fazer são
opostos ao conhecer. Este enfoque para pensar os estudos de usuários demanda uma
abordagem interdisciplinar em suas teorias e empirias, mantendo no horizonte de
expectativas a ideia de que as reflexões teóricas fundadoras do campo também
possibilitam uma epistemologia prática, uma vez que consideram a possibilidade de
diálogo entre os campos da ação e da representação (PAVIANI, 2013, p. 18).
A problematização de um objeto empírico a partir do chamado “paradigma social”
é um trabalho de “contextualizar” ou recontextualizar” a informação sob o prisma de seus
produtores e do cenário no qual estão inseridos. É necessário historicizar a relação
teoria/prática que produz a informação considerando que o conteúdo e o conceito são
compreendidos numa relação tensa com uma série de critérios de seleção e valores, numa
dinâmica de continuidades e descontinuidades temporais e no momento de seus usos por
sujeitos específicos. As fontes do cotidiano e as experiências individuais não devem ser
alocadas imediatamente no “contexto social”, ou em um passado prefigurado. Segundo
Certeau (1994), no cotidiano uma dimensão epistemológica que nomeia, corta, codifica
e enquadra as experiências. Investigar essa pequena história em contraponto aos grandes
fatos da “grande história” é remontar aos lugares privilegiados das lutas sociais e aos
aspectos de esperanças e significações que foram invisibilizadas numa totalidade
abstrata.
Frente às limitações de um método apropriado para capturar uma experiência
subjetiva dotada de sentidos diversos e inserida no terreno da experiência histórico-
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cultural (ARAÚJO, 2009, p. 203), parece imperativo discutir conceitos de experiência
iii
capazes de envolver práticas de rememoração, seleção, esquecimento e atualização de
conceitos, expressão de identidades e a construção de valores de pertencimento a uma
comunidade de sentido ou uma tradição.
Paulo Freire, em Pedagogia dos Sonhos Possíveis
iii
, oferece uma inspiração para
pensar o conceito de experiência que permite uma leitura das vivências dos sujeitos para
impulsionar emancipações. Com isso nos a chance de repensar nossas próprias
concepções epistemológicas e políticas admitindo a reconstrução do conhecimento a
partir da realidade concreta das classes populares e de uma crítica da modernidade, como
concepção linear, e da crítica da razão, que seria capaz de domesticar as subjetividades e
experiências individuais ou coletivas.
A questão metodológica colocada para o campo dos Estudos de Usuários sofre,
nessa perspectiva, uma alteração significativa. Segundo González-Teruel (2012), o
enfoque nos sujeitos informacionais pode ser fundamentado nas características da
própria metodologia qualitativa, o que implica em orientar-se pela ideia de
intersubjetividade e multiplicidade da própria realidade diferentemente do enfoque das
pesquisas quantitativas que buscam objetivar e unificar a realidade. O “contexto” é o lugar
onde os sujeitos estão e atribuem significados às suas ações, não o laboratório. O
investigador interage com o investigado e não se aliena de sua experiência. Os resultados
da pesquisa são de interesse comum e permitem compreender as singularidades dos
processos de investigação sem generalizações e preleções. Tais pesquisas dedutivas
constroem categorias e dados e existem inúmeras formas de fundamentá-las
conceitualmente. Do ponto de vista dos estudos sobre a documentação, são estratégias
flexíveis que canalizam processos de investigação e construção teórica partindo de dados
reconhecidos por meio do enfoque qualitativo-dedutivo (GONZÁLEZ-TERUEL, 2012).
Todavia, a crítica às teorias da representação, à medida que elas dificultam a
visibilidade das vivências dos sujeitos como parte de suas explicações sobre o social, não
nos leva necessariamente a um outro lugar analítico menos ingênuo em suas explicações
que nos ajudaria a não cometer outros erros na pesquisa. A proposição de um roteiro que
considere os usuários sujeitos de práticas informacionais é ainda um desafio a ser
enfrentado com os limites metodológicos aqui apresentados.
A bibliografia sobre os Estudos de Usuários na Ciência da Informação indica que
essa temática tem início com pesquisas empíricas nas bibliotecas norte americanas nos
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anos de 1930 e sofre uma intensificação na Inglaterra da década de 1970, quando se
consideram abordagens sobre os “usos da informação por determinados grupos e as
“necessidades” de caracterizar o indivíduo usuário da informação. Frente a toda esta
tradição de investigação, quando avaliamos instituições brasileiras concretas verificamos
que as práticas de pesquisa estão muito distantes de suas realidades. No Caso da
Biblioteca Antônio Torres, não há nenhum estudo sobre a instituição ou seus usuários. O
que pode sugerir que mesmo as abordagens mais tradicionais sobre os usuários poderiam
contribuir para um “conhecimento, o aperfeiçoamento, e o entendimento das relações e
distribuição de recursos de sistemas de informação e tantos outros aspectos direta ou
indiretamente relacionados à informação” (PINHEIRO, 1982, p. 5).
O conceito de usuário resulta de longa tradição de pesquisas no campo da Ciência
da Informação e é objetivado em diferentes públicos, sujeitos e interações nos processos
de recriação empírica dos objetos de pesquisa. O usuário é sujeito histórico, que
estabelece fronteiras entre sua identidade e as diferenças dos cenários em que se
inscreve. Mais que sustentar que o usuário é uma classe, uma quantidade, uma ordem, ou
quaisquer outras categorias, a proposição aqui defendida é o que o usuário é sujeito de
experiência e que dialoga com os produtos da informação e cria práticas sociais de
significação.
Aproximar as linhas de investigação do universo das práticas cotidianas nas
instituições pode ser feito não procurando reconstituir um ficit de pesquisas, mas situar
estes novos estudos a partir das experiências dos indivíduos ou grupos cujos cenários de
busca, gestão, difusão e uso da informação se apresentam frente aos sistemas (virada
cognitiva) com base na ideia de comportamento informacional. Trata-se de uma
perspectiva que condiciona a maneira como a informação é interpretada e usada ao
próprio mapa do usuário, que gera ele mesmo modelos teóricos, justificativas,
intervenções e metodologias para validar suas práticas informacionais e transformar-se
em provedor de seu próprio conhecimento.
A realidade dos usuários pode ser pensada frente aos instrumentos e políticas das
instituições, como se afetam mutuamente e como as atividades dos profissionais
conformam determinadas práticas, observadas e compreendidas nas condições
específicas no qual acontecem e sem a pretensão de controlar ou aplicar tais resultados
em outros contextos. Se o usuário desenvolve habilidades de leitura de fontes
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documentais, como os jornais do culo XIX, por exemplo, este mesmo contexto que lhe
permite uma competência” limita uma leitura mais ampla e o acesso a outras fontes de
informação. Explicar a relação do usuário com a instituição não é explicar um fenômeno
isolado, mas também não é compreender e controlar todo o fenômeno e o seu entorno.
É importante destacar que as teorias sociais ligadas a fundação e desenvolvimento
da Biblioteconomia, como o behaviorismo, o funcionalismo, o estruturalismo, o
pragmatismo, o construtivismo e o interacionismo, cada um com uma maneira de
considerar o usuário, não deixaram de existir nos universos de formação acadêmica e
menos ainda de orientar práticas sociais em determinadas instituições. Permanecem
como formas de redimensionamento histórico-social dos estudos de usuários, política de
acervo, uso das fontes de informação, elaboração de produtos e serviços de informação,
preservação da memória etc. aplicados em bibliotecas e outros ambientes de informação”
(SILVA, 2018, p. 33).
Esta perspectiva de biblioteconomia social nos interessa à medida que defende o
foco nos sujeitos e implica reconhecer sua autonomia. É o usuário quem constrói suas
próprias informações por meio das práticas informacionais (mediações, políticas,
programas, projetos, eventos, estudos, pesquisas, visitas, serviços, produtos, tecnologias
da informação). É importante enfatizar que as práticas informacionais institucionais,
defendidas pela biblioteconomia social, não comparecem apenas aos lugares clássicos
como as bibliotecas físicas. Podem estar em qualquer lugar em que estejam os sujeitos
informacionais (escolas, universidades, ambientes de trabalho, lazer, residência etc.),
primando pela multiplicidade e opção do acesso presencial e/ou virtual.
O usuário entendido como um sujeito, não um objeto ou uma ação genérica, se
apresenta assim como o ator principal, possui interesses e conhecimentos tácitos e é
socialmente constituído, elabora perguntas, respostas e caminhos para suas demandas. O
protagonismo na ação do usuário cria significados complexos e dinâmicos. O postulado
das práticas informacionais procura dar uma dimensão intersubjetiva a própria
informação de maneira que as identidades dos usuários e os usos socialmente
constituídos liguem-se diretamente às experiências dos sujeitos.
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3 BIBLIOTECA, ARQUIVO OU MUSEU: DA INVISIBILIDADE DA BIBLIOTECA ANTÔNIO
TORRES À VISITAÇÃO AO MUXARABIÊ
O Jornal Voz de Diamantina noticiava em uma pequena nota, em agosto de 1954, a
criação da Biblioteca Antônio Torres associada ao nome de Juscelino Kubitschek, então
governador de Minas Gerais, que havia defendido junto à Câmara dos Deputados a
proposta de criação da Biblioteca e do Museu do Diamante. O nome Antônio Torres
aparece como uma homenagem ao escritor e diplomata diamantinense.
A multiplicidade do acervo documental da Biblioteca constituído de parte
arquivística e de parte bibliográfica testemunha a cultura do impresso entre os séculos
XIX e XXI. Os documentos cartoriais dos séculos XIX e XX são bastante consultados por
pesquisadores profissionais. A biblioteca possui 8.185 documentos do 1º e Ocio entre
os períodos de 1781 a 1959 organizados em 299 caixas. Conta também com 164 Livros de
Registro do 1º, e Ofícios do período de1806 a1902. culo XX: Possui 15.234 do
período de 1832 a 1978 organizados em 493 caixas.
Os documentos particulares, ao todo seis arquivos, são os menos consultados.
Arquivo de Antônio Torres: 241 documentos de 1826 a 1934; Arquivo Godofredo
Filgueiras Filho: 25 documentos de 1929 a 1983; Arquivo Cônego Severiano Campos
Rocha: 09 documentos sem data; Arquivo José Teixeira Neves: 145 documentos de 1945
a 1968; Arquivo Delenda Carthago: 06 documentos de 1910 a 1911; Arquivo Ciro Arno:
02 documentos sem data. Partituras: Cerca de 200 partituras de 1877 a 1908. Iconografia:
Cerca de 14 estampas de 1899 a 1960.
Os jornais são um total de 88 títulos, totalizando mais de 3224 exemplares todos
em papel, sem qualquer tratamento em meio digital. Alguns só existem no formato
impresso própria Biblioteca Antônio Torres. A Catedral, A Diamantina, A Estrela Polar, A
Família Maçônica, A Floresta, A Gazeta, A Idea Nova, A Verdade, A Voz do Norte, Cidade de
Diamantina, Decreto, Diamantina, Diário do Rio, Folha do Dia, Gazeta Tijucana, Jornal do
Comércio,, Liberal do Norte, Monitor do Norte, Nova Diamantina, O Aprendiz, O Arariboia,
O Atomo, O Azorraque, O Beija-Flor, O Canarinho, O Cathólico, O Conciliador, O Correio de
Minas, O Demolidor, O Diamante, O Diamantinense, O Diamantino, O Echo do Serro, O
Futuro, O Imparcial, O Itambé, O Jequitinhonha, O Momento, O Mucury, O Município, O
Nordeste, O Normalista, O Norte, O Novo Argos, O Operário, O Peixe Vivo, O Perereca, o
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Piruruca, O Porvir, O Pygmeu, O Restaurador, O Sete D’Abril, O Tambor, O Tempo, O Tic
Tac, Pão de Santo Antônio, Sete de Setembro, Voz de Diamantina, Voz do Povo, Voz
Feminina, entre outros, são títulos que testemunham a vida do Tejuco e região do Vale do
Jequitinhonha e são amplamente consultados por pesquisadores.
Esta biblioteca também guarda outra peculiaridade que a coloca como privilegiada
para a discussão das práticas informacionais: um edifício tombado pelo IPHAN antes
mesmo da criação da biblioteca e da constituição da coleção documental e bibliográfica.
(IPHAN-MG, S/D).
Do ponto de vista de seus usuários a instituição é vista, ao longo de sua trajetória
histórica
iv
, como um misto de museu, arquivo e biblioteca à medida que os pprios
usuários se identificam como estudantes, visitantes, consulentes e pesquisadores. O
caráter patrimonial é aquele que se apresenta para os visitantes da Biblioteca. Ao
tomarmos a edificação, localizada no centro de Diamantina e considerada como uma
construção singular do chamado período colonial mineiro, podemos dizer que ela
representa a função de um museu. É algo perceptível ao receber visitas agendadas e
espontâneas de diversos públicos (estudantes, professores, excursionistas, grupos
organizados por agências, etc.) que percorrem os cômodos da “Casa” descritos por
um/uma funcionário/a da biblioteca que chama a atenção para detalhes como a
conservação de um balcão de “procedência mourisca” fechado com treliças e que se
projeta, no segundo andar do edifício, para a rua juntamente com duas outras sacadas em
madeira. Este balcão é identificado como uma forma original de Muxarabiê, “destinado a
assegurar a ventilação, sobra e maior privacidade, sobretudo às mulheres” (Livro do
Tombo, p. 108). A visita apresenta a estrutura interna do prédio com grande pátio
contornado por varanda e pequenos cômodos nos quais estão acomodadas as coleções
documentais e bibliográficas. A parte inferior do edifício é apresentada como um “local
onde os escravos ficavam”.
A tentativa de aprofundar alguns detalhes desta narrativa oral sobre o edifício, ou
encontrar outras narrativas sobre o prédio da Biblioteca, por meio de referências
bibliográficas e documentais existentes na própria Biblioteca, resultou na apresentação
por parte do funcionário responsável de atas, revistas, livros de memórias, todas as
referências muito genéricas. Neste conjunto de obras de referência se confirma que a
doação do prédio à União foi feita “no ano de 1942 por Virgínea Neto Aguiar, sendo
tombado pelo IPHAN em 28 de junho de 1950 através do Processo Nº 429-T-50, Inscrição
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Nº 372, Livro de Belas Artes, folha 75”. Não há detalhes sobre as condições físicas da casa
naquele momento, também não dados sobre a doadora. Da mesma forma, não foi
localizado o processo ou outra documentação sobre a casa. Naquele momento da
investigação, toda questão relativa à pesquisa documental era remetida ao Escritório
Regional que fica em outro edifício, a chamada Casa Chica da Silva, sede do Escritório
Regional do IPHAN. Outra pesquisadora que demandava documentos sobre o
tombamento de outros edifícios e que se encontrava na sala de consulta nessa mesma
ocasião também foi orientada para que procurasse o escritório regional.
Em outro momento da investigação foram realizadas quatro entrevistas com os
usuários escolhidos a partir de um “mapa” construído a partir das observações e pela
visita realizada por estudantes da educação básica. Priorizou-se dois profissionais que
testemunham a rotina da Biblioteca há mais de trinta anos
v
. Também foram entrevistados
dois pesquisadores, um jovem e outro um professor universitário com maior experiência
de pesquisa.
O principal objetivo das entrevistas era traçar uma história do usuário com a
Biblioteca. A usuária, que também responde pela gestão do espaço à medida que o
escritório regional se encontra em outro imóvel, quando perguntada sobre o que mais
impressiona aqueles que visitam o edifício, construiu uma tipologia dos visitantes a partir
de suas impressões e conhecimentos adquiridos ao longo de muitos de trabalho na
instituição. Para ela, são diferentes “categorias de visitantes”:
Tem aquele esporádico, que está na cidade, vê o prédio e sobe. O que a gente tem é
uma visitação guiada. (...). Tem vários tipos de visitantes, tem aquele que mal
escuta o que você está falando e tem aquele que quer saber dos detalhes de tudo.
Quer saber até porque aquela fechadura é assim. É prazeroso quando a gente pega
esse visitante que quer saber de tudo. Tem a visitação de escolas. Geralmente são
agendadas.
P- As escolas de Diamantina têm vindo?
R- Em geral tem vindo. Depende muito do professor. São os mesmos professores.
Eles mudam de escola e continuam vindo. Vem escolas particulares de outras
cidades. Tem uma aula-passeio da universidade aqui. Visita/aula, a gente explana
toda a biblioteca e no final o professor explora alguns documentos. É uma aula
temática. Ele vem dá uma aula prática e utiliza a biblioteca. Mostra os documentos,
os jornais, como é feita a higienização, a conservação como é feita, os materiais que
a gente usa. (Usuário 1)
Esta separação entre os visitantes e os pesquisadores é apontada no Livro de
Registro, que contém poucas informações, basicamente a data, o local de origem do
usuário e se se trata de uma pesquisa ou visita. A partir dessa anotação os responsáveis
encaminham uma primeira abordagem na sala de consultas.
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Os imóveis públicos tombados em Diamantina e vinculados diretamente ao IPHAN
têm um histórico bastante intrigante. Disputas entre o público e o privado, entre o poder
municipal legislativo, executivo e o IPHAN levam à demora da definição legal sobre o
tombamento do casario. O prédio do Muxarabiê, ao que indicam as pesquisas de Julião
(2008), Oliveira (2016) e Fassy (2016), seria a sede do Museu do Diamante. Pelo que
informa um telegrama do diretor do IPHAN o processo de tombamento foi concluído em
1950 e só em 1954 estava pronto para receber o Museu do Diamante.
P- A visitação aqui na Biblioteca mantém uma certa regularidade? Como é?
R- Bem menos que o Museu, mas sempre tem turistas.
P- O turista ele vem com a referência da Biblioteca ou ele fica sabendo quando
chega aqui que é uma Biblioteca?
R- Ele vem sabendo por meio de sites, nas próprias pousadas eles ficam sabendo
dos pontos turísticos. A casa do Muxarabiê. O prédio. Vem mais pelo prédio, eles
chegam aqui para ver a Casa do Muxarabiê e não a Biblioteca, não sabem que aqui
funciona uma biblioteca (Usuário 2).
Outro visitante também se impressiona com o prédio
R- O primeiro contato que eu tive com a Biblioteca Antônio Torres foi através do
Ensino Médio, com minha professora de História, a Sophia (tem um sobrenome
grego), ela sempre levava a gente. Eu lembro dela, acho que no Ensino Médio a
gente veio aqui umas duas vezes (...) E quando a gente conhece a BAT da maneira
que é apresentada. Foi uma visita guiada quando eu vim e foi uma maneira assim
de conhecer a história de Diamantina. O prédio tem peculiaridades, o Muxarabiê.
Não sei se me influenciou, mas com certeza me encantou das primeiras vezes que
eu vim.
P- O que mais chamou a atenção na época? O prédio? Os livros?
R- Principalmente o que eu me lembro, a discussão se na época do Ensino Médio, se
a parte da Biblioteca de baixo era uma senzala, ou não.
Especulavam que aqui era uma senzala, a gente não sabia. Quando eu entrei aqui,
olhava e ficava imaginando, a parte de baixo e eu ficava imaginando como era a
circulação de pessoas ali a situação das pessoas. Imaginava a quantidade de
conteúdo historiográfico, claro que eu aprendi esse termo depois, mas a quantidade
de história que tem aqui na Biblioteca (Usuário 3).
O impacto da arquitetura não é menos importante para outro usuário, que se
identifica como pesquisador da biblioteca.
P- Para você a Biblioteca Antônio Torres aparece com essa ideia de um museu, de
um arquivo e ou de uma biblioteca? Essa questão faz diferença para a pesquisa?
R- Olha, por um lado eu não posso dizer que faz diferença para a pesquisa, faz, mas
depois de um primeiro momento com a biblioteca eu passei a me relacionar com a
Biblioteca como um arquivo, como uma instituição como arquivo. Meu interesse
principal na Biblioteca é como um arquivo porque ela contém um acervo que me
interessa como pesquisador e me forneceu elementos importantes para as minhas
pesquisas. (...) Estando para pesquisar eu acho que essa situação de uma casa
que teve vários usos ao mesmo tempo é algo interessante, gostoso de viver eu acho
que ambientação colabora com o sentido que a gente com a pesquisa e um pouco
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estranho eu falar isso, mas estar naquele lugar parece que me exige um certo
comportamento por estar ali, certo respeito aquele lugar (Usuário 4).
Os quatro usuários ressaltam o papel específico da Biblioteca em sua formação
profissional e pesquisas, bem como o papel de documentos específicos existentes na
biblioteca, como a coleção de jornais de Diamantina dos séculos XIX e XX. O atendimento
cuidadoso dos funcionários e seu conhecimento das coleções também são ressaltados nas
entrevistas. Entretanto, estar presente em um local que foi objeto de vários usos e práticas
no passado e que carrega uma dimensão de deslocamento temporal, de questionamento
das experiências de estar no tempo presente, imediato, mas influenciado por processos
que estão em outras situações e condições, provoca novas experiências aos usuários para
além das demandas de uso da própria informação.
Um quadro teórico e metodológico favorável ao diálogo entre as áreas de
museologia, biblioteconomia, arquivologia e ciência da informação pode ajudar na
compreensão de questões que ficam na fronteira, ou numa zona de confluência entre a
empiria e a teoria, um pensar sobre os princípios e ambiguidades das práticas que
organizam os diversos campos nos quais as instituições se configuram e se diferenciam
para os usuários, sujeitos de práticas de visita, pesquisa, estudo e leitura.
A questão que se coloca para o estudo de uma Biblioteca cujo edifício e o próprio
acervo podem ser considerados patrimoniais”
vi
, do ponto de vista de um olhar
informacional, ou seja, dos diversos sujeitos que se interessam por suas coleções, ou que
apenas visitam seu prédio, é de aprofundar suas particularidades associadas a sua função
social. A biblioteca Antônio Torres é então um conjunto de fontes e práticas passíveis de
investigação no campo da Ciência da Informação, entendida como campo teórico e
empírico capaz de fazer dialogar com as similaridades e diferenças entre as instituições
arquivos, museus e bibliotecas em práticas interdisciplinares em cenários profissionais e
de formação teórica.
Examinar as práticas informacionais implica em discutir essa vertente
“patrimonial” da Biblioteca a partir da relação com seus usuários. No caso aqui
apresentado, em que medida ela se aproxima ou se distancia, ao longo de sua trajetória,
de diferentes públicos ou sujeitos informacionais. Um primeiro olhar sobre a biblioteca é
aquele dos estudantes de Educação Básica que formam um público em visitas escolares
ao longo dos anos. A Biblioteca está aberta a esse público e é apresentada com uma
114
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narrativa oral sobre o prédio e o acervo da biblioteca. Alguns aspectos dessa visita são
analisados a seguir.
A visita ocorreu como parte de um projeto desenvolvido em escolas públicas na
cidade de Diamantina, cujo objetivo central era potencializar ações educativas de
interpretação do patrimônio, apropriação e usos dos bens preservados considerando os
estudantes. Uma das visitas realizadas ao chamado “centro histórico” por estudantes de
uma escola localizada fora do circuito do tombamento e as atividades desencadeadas em
sala de aula, como desdobramento, são aqui utilizadas para debater os significados
atribuídos por uma turma de estudantes da educação básica à Biblioteca Antônio Torres
frente ao conjunto dos locais visitados e ao que viram durante a visita. O instrumento
utilizado foi um inquérito pós-visita, respondido em sala de aula, cujo primeira parte era
composto de questões gerais sobre o número de vezes que visitou cada ponto da cidade e
o que mais gostou em cada um deles. A intenção aqui é destacar o momento da visita à
Biblioteca, mas é importante considerar que o circuito foi realizado a pé, saindo do bairro
e percorrendo os principais pontos de referência turística, passando pela Casa da Glória,
onde funciona o Centro de Geologia Eschwege, ligado à Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG), pelo prédio do Campus I da Universidade Federal dos Vales do
Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), pelo Hotel Tijuco, um dos prédios projetados em
Diamantina pelo arquiteto Oscar Niemeyer, pelo Museu do Diamante, pelo Mercado Velho,
local onde ocorrem eventos culturais e feiras artesanais, e pela Biblioteca Antônio Torres.
O grupo totalizou 28 estudantes, acompanhados por sete universitários, uma
professora da escola e por mim, professora da universidade e coordenadora do projeto.
Ao longo do percurso foram dadas explicações, pelos estudantes universitários, acerca
dos prédios e lugares que compõem o circuito do tombamento. Muitos dos estudantes da
educação básica não sabiam ao certo a história e os usos dos espaços presentes na
caminhada, por isso foi elaborado com antecedência um roteiro para explicar cada ponto
durante a passagem. Acostumados à rotina de sala de aula, ou mesmo não estando
presentes nesses ambientes, a maioria dos estudantes não sabia dizer a função social
desses locais. No inquérito pós-visita se confirmou essa visão. Apenas dois estudantes
conheciam ou haviam visitado os monumentos destacados, indicaram que haviam
visitado o Museu do Diamante duas vezes, a Casa da Glória e a Biblioteca Antônio Torres
uma vez.
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Após percorrer vários pontos da cidade, realizar uma pausa para o lanche no
Mercado Velho que fica na Praça Barão de Guaicuí, foi realizada a visita à Biblioteca
Antônio Torres, ou Casa do Muxarabiê. O prédio está localizado em terreno estreito e
ocupa todo o terreno. um pátio quase retangular e vai até os fundos do terreno com
estrutura em pau-a-pique parcialmente substituída por alvenaria de tijolos.
Após a visita foi aplicado em sala de aula um instrumento de registro e avaliação
composto de dezenove questões divididas em três partes que poderiam ser respondidas,
ou não, pelos estudantes. A primeira parte solicitava informações básicas sobre idade,
gênero e anos de escolaridade. A segunda parte avaliava o número de vezes que visitou
cada ponto turístico e solicitava que o estudante escrevesse três coisas que mais gostou
de cada um dos locais. Foram listados o Centro histórico de Diamantina”, a Casa da Glória,
O Museu do Diamante e a Biblioteca Antônio Torres. A terceira parte do inquérito avaliava
visitas a museus
vii
. Quando perguntados quais dos pontos visitados eles mais gostaram,
as respostas ficaram divididas entre o Mercado Velho, o Museu do Diamante e a Casa da
Glória. A Biblioteca foi apontada por apenas um estudante.
Figura 1 - O que mais chamou a atenção na visita à Biblioteca Antônio Torres - Inquérito
visitantes
Fonte: Esquema elaborado pela autora
Dos 28 estudantes que participaram da visita à Biblioteca Antônio Torres apenas
dois a haviam visitado. Entretanto, em apenas uma visita os estudantes da educação
básica parecem identificar as três “fuões” da Biblioteca Antônio Torres. Quando
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perguntados, após a visita, sobre as três coisas que mais gostaram na Biblioteca as
respostas foram “livros”, “o lugar que os escravos viviam” e os “documentos”.
Ainda que possa parecer óbvio relacionar livros a biblioteca, esta associação na
Biblioteca Antônio Torres não é tão evidenciada. livros nas salas ao longo de dois
corredores laterais, mas a biblioteca prioriza sua coleção documental, seus usuários
habituais são consulentes especializados em história local e regional e não há
empréstimos de livros. Entretanto, esta “função” de uma biblioteca pode estar no
imaginário dos estudantes que a reconhecem ali, quer pelo nome, quer pelos objetos nas
estantes de uma Biblioteca. É importante lembrar que houve um momento em que os
usuários da Biblioteca Antônio Torres eram predominantes estudantes que utilizavam
uma sala de leitura e consultavam enciclopédias e livros para trabalhos escolares.
Também houve um curto período da história da biblioteca em que ela realizava
empréstimos domiciliares.
viii
Os estudantes reconhecem outra “função” que podemos identificar como de um
museu, ainda que eles não tenham visitado outros museus. O fato do local ser identificado
como uma “senzala” chama muito a atenção e o destaque para tais peculiaridades faz com
que seja lembrado no pós-visita. A visão e a vista das sacadas também chamam a atenção,
todos querem ver a rua do segundo andar, ver de dentro do Muxarabiê, percorrer as salas
e ir do sótão ao porão. A casa é percebida neste momento como um museu e não como
uma biblioteca.
A terceira “função” que os estudantes podem experienciar é a de um arquivo. Não
exatamente aquele arquivo que os pesquisadores utilizam, mas eles também são
apresentados a folhas e relatórios antigos que classificam como “documentos”. Tudo isso
marcado pela ideia de o centro da cidade e seu casario ser lugar do “antigo”, da “história”
diferente do local onde moram, que é “novo”.
Podemos inferir que os jovens estudantes reconhecem nesta instituição uma
diversidade de práticas informacionais. Pelo olhar dos estudantes pode-se deduzir que
um usuário específico de arquivo (consulente), de museu (visitante) ou de uma biblioteca
(leitor). Este usuário pode ser uma mesma pessoa, ou vários sujeitos que realizam
diferentes práticas como a leitura e reprodução de um trecho de um documento, uma
mirada pelo casarão da biblioteca, identificando seus usos no passado, ou anotações a
partir de um livro referência ou de memorialistas sobre a cidade de Diamantina.
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4 CONCLUSÃO
Ao observar uma biblioteca e seus usuários pode-se concluir que suas atividades
cotidianas talvez não tenham sido suplantado um modelo patrimonialista dos “tesouros”,
a serem custodiados, ou um “modelo tradicional tecnicista”, no tratamento dos acervos.
No caso da instituição destacada nesse artigo, a Biblioteca Antônio Torres em Diamantina
(MG), é importante ressaltar que esta instituição não apresenta em suas ações cotidianas
uma separação gida entre as funções de arquivo, biblioteca e museu e, menos ainda, não
se apresenta claramente a diferentes públicos com todas as potencialidades pedagógicas
decorrentes da riqueza de linguagens documentárias e seus conteúdos específicos. Inclui-
se também a questão do próprio edifício, entendido como parte do acervo e objeto de
práticas específicas de interpretação pelos usuários/visitantes. Não se trata apenas de
estratégias da Biblioteca para criar visualidade, mas de uma materialidade/lugar central
na própria lógica da instituição que se apresenta neste caso mais museológica que
bibliográfica ou arquivística. Os conteúdos (acervos documentais, bibliográficos e
coleções) colocam-se dentro de um plano, se apresentam simbolicamente e são aceitos
socialmente como parte de uma cultura universal e voltados a um público universal, uma
vez que a própria cidade se define como patrimônio da humanidade.
No caso da instituição destacada nesse artigo, a Biblioteca Antônio Torres em
Diamantina (MG), inclui-se também a questão do próprio edifício, entendido como parte
do acervo e objeto de práticas específicas de interpretação pelos usuários/visitantes. o
se trata apenas de estratégias da Biblioteca para criar visualidade, mas de uma
materialidade/lugar central na própria lógica da instituição que se apresenta neste caso
mais museológica que bibliográfica ou arquivística. Os conteúdos (acervos documentais,
bibliográficos e outras coleções) colocam-se dentro de um plano, se apresentam
simbolicamente e são aceitos socialmente como parte de uma cultura universal e voltados
a um público universal, uma vez que a própria cidade se define como patrimônio da
humanidade.
Considerando uma tentativa de sair do nível representacional para pensar os
atores sociais e suas práticas informacionais, os estudos de usuários se aproximam, em
um primeiro momento, da abordagem que tematiza uma biblioteca que ainda não atingiu
uma digitalização mínima de seus acervos e que é tratada de maneira quase
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individualizada no que se refere às necessidades de mediação profissional junto aos
usuários. Um ambiente informacional que, quanto ao uso e acesso, aprofunda uma
vertente patrimonial da Biblioteca e as consequências de uma tipologia nas suas
atividades cotidianas, implicando na percepção de como os seus atuais usuários podem
ampliar esse uso social e público da biblioteca.
A Biblioteca entendida como um lugar onde texto e leitor ainda se encontram:
pesquisadores, curiosos, silenciosos e falantes. Ela faz circular entre aqueles que
procuram seus espaços uma preocupação com uma dimensão pública da leitura e uma
tradição que abraça um projeto intelectual que considera a conservação do gesto da
leitura necessária frente a outros gestos de dispersão da experiência.
Ao reforçar o lugar de seus atuais usuários como consulentes a biblioteca invoca
sua função de preservação. O usuário possível nestes termos é um pesquisador
especializado com bastante tempo para se dedicar a consulta no local. Entretanto, como
procuramos mostrar a própria instituição entende e atende outros públicos.
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NOTAS
i
Outra perspectiva diferente da aqui adotada é apresentada por Schutz (1964, p. 93) que trabalha com o conceito de experiência prática
a partir de conhecimentos socialmente distribuídos por tipos ideias: “o homem da rua”; o “cidadão bem informado” e “o especialista”.
Citado por SAVOLAINEN e WILSON (2013, p.143)
ii
“A obra de Paulo Freire é referência em suas concepções antropológicas, epistemológicas, políticas e éticas, ofertando premissas
teóricas que oportunizam a reconstrução do conhecimento a partir da realidade concreta das classes populares”. Ver PEREIRA, 2017,
p. 112-125.
iii
A pesquisa documental não levou a muitos indícios para o período que vai da fundação da Biblioteca em 1954 até a década de 1990,
quando temos pastas com fichas de empréstimos de livros, Livros de Visitas e Termos de Empréstimo e Requerimentos de
Documentação que permitem levantamento de dados sobre os diferentes tipos de usuários.
iii
Entendemos que os servidores podem ser identificados como os principais usuários uma vez que eles são aqueles que promovem as
exposições durante as visitas, organizam documentos elaborando instrumentos de busca e auxiliam nas pesquisas na sala de consulta.
Três entrevistas foram realizadas na própria Biblioteca e outra no local de moradia do usuário.
iii
Ainda que a legislação de proteção esteja limitada ao prédio e não ao conjunto de suas coleções documentais.
iii
Este questionário foi utilizado em outros trabalhos e apresentações produzidos pelo grupo de estudos ligados ao PIBID-História da
UFVJM.
iii
Informações obtidas por meio entrevista com funcionário da Biblioteca Antônio Torres.
iv
A pesquisa documental não levou a muitos indícios para o período que vai da fundação da Biblioteca em 1954 até a década de 1990,
quando temos pastas com fichas de empréstimos de livros, Livros de Visitas e Termos de Empréstimo e Requerimentos de
Documentação que permitem levantamento de dados sobre os diferentes tipos de usuários.
v
Entendemos que os servidores podem ser identificados como os principais usuários uma vez que eles são aqueles que promovem as
exposições durante as visitas, organizam documentos elaborando instrumentos de busca e auxiliam nas pesquisas na sala de consulta.
Três entrevistas foram realizadas na própria Biblioteca e outra no local de moradia do usuário.
vi
Ainda que a legislação de proteção esteja limitada ao prédio e não ao conjunto de suas coleções documentais.
vii
Este questionário foi utilizado em outros trabalhos e apresentações produzidos pelo grupo de estudos ligados ao PIBID-História da
UFVJM.
viii
Informações obtidas por meio entrevista com funcionário da Biblioteca Antônio Torres.
DOS ESTUDOS DE USUÁRIOS DA INFORMAÇÃO AOS ESTUDOS EM PRÁTICAS
INFORMACIONAIS E CULTURA: uma trajetória de pesquisa
FROM INFORMATION USER STUDIES TO INFORMATION PRACTICES AND CULTURE
STUDIES: a research trajectory
Carlos Alberto Ávila Araújo¹
¹ Doutor em Ciência da Informação pela UFMG.
Professor da Escola de Ciência da Informação da
UFMG.
E-mail: carlosaraujoufmg@gmail.com
ACESSO ABERTO
Copyright: Esta obra está licenciada com uma
Licença Creative Commons Atribuição 4.0
Internacional.
Conflito de interesses: Não se aplica.
Financiamento: Não se aplica.
Declaração de Disponibilidade dos dados:
Todos os dados relevantes estão disponíveis
neste artigo.
Recebido em: 26/04/2019.
Revisado em: 02/05/2019.
Aceito em: 09/05/2019.
Como citar este artigo:
ARAÚJO, Carlos A. Á. Dos estudos de usuários da
informação aos estudos em práticas
informacionais e cultura: uma trajetória de
pesquisa. Informação em Pauta, Fortaleza, v. 4,
n. especial, p. 121-136, maio 2019. DOI:
https://doi.org/10.32810/2525-
3468.ip.v4iEspecial.2019.41209.121-135
RESUMO
O objetivo deste artigo é apresentar a trajetória
intelectual da professora Adriana Bogliolo Sirihal
Duarte, tendo como eixo sua atuação na área de
estudos de usuários da informação até a
consolidação do grupo de pesquisa EPIC, Estudos
em Práticas Informacionais e Cultura, do
Programa de Pós-Graduação em Ciência da
Informação da Universidade Federal de Minas
Gerais (PPGCI/UFMG). Essa trajetória é
apresentada em três momentos: a configuração
da disciplina usuários da informação na UFMG; a
ampliação das problemáticas e questões, entre os
anos de 2008 e 2014; e o trabalho junto ao grupo
de pesquisa EPIC. No artigo são ressaltadas as
parcerias e atuações conjuntas da professora,
bem como os avanços teóricos, metodológicos e
empíricos dos diferentes membros do EPIC.
Palavras-chave: Adriana Bogliolo Sirihal Duarte.
Estudos em Práticas Informacionais e Cultura.
Estudos de usuários da informação.
ABSTRACT
The objective of this article is to present the
intellectual trajectory of Adriana Bogliolo Sirihal
Duarte, having as its axis her work in the area of
information users studies until the consolidation
of the research group EPIC, Information Practices
and Culture Studies, linked to the Post-
Graduation Programm in Information Science of
the Federal University of Minas Gerais
(PPGCI/UFMG). This trajectory is presented in
three moments: the configuration of the
discipline information users in the UFMG; the
expansion of issues between 2008 and 2014; and
her work with the EPIC research group. In the
article the partnerships of Adriana Bogliolo are
highlighted, as well as the theoretical,
methodological and empirical advances of the
different researchers of the EPIC group.
Keywords: Adriana Bogliolo Sirihal Duarte.
Information practices and culture studies.
Information users studies.
Inf. Pauta
Fortaleza, CE
v. 4
n. especial
maio 2019
ISSN 2525-3468
DOI: https://doi.org/10.32810/2525-3468.ip.v4iEspecial.2019.41209.121-135
ARTIGO
122
Araújo | Estudos de usuários aos estudos em práticas informacionais
Inf. Pauta, Fortaleza, CE, v. 4, n. especial, maio 2019 | ISSN 2525-3468
1 INTRODUÇÃO
A história da ciência é fascinante. Ela representa o desejo humano de conhecer
coisas distintas (o mundo, a natureza, o universo, os animais, e também a nós mesmos),
de maneiras distintas (utilizando métodos de observação, dedução, indução,
experimentos) e, ainda, se relacionando com aspectos diversos como valores morais,
elementos culturais, forças políticas, tabus religiosos. Ao longo de muitos séculos, mas
sobretudo nos três últimos, o conhecimento humano cresceu imensamente em
quantidade e qualidade, alterando profundamente nossa condição no mundo.
Mas a história da ciência, uma história de teorias, modelos, instrumentos,
hipóteses, é sobretudo uma história de seres humanos. São pessoas que produziram e
fizeram avançar a ciência. Pessoas que viveram em determinadas épocas, sujeitas a
determinados modos de compreensão, categorias de pensamento, estruturas de
premiação, valorização e marginalização. Assim, por exemplo, Galileu Galilei foi acusado
e enfrentou um julgamento pela inquisição por suas teorias heliocêntricas. Charles
Darwin escondeu por anos a sua teoria da evolução por medo das possíveis punições
religiosas e sociais. Karl Marx chegou a ser expulso da França por conta de suas ideias.
Sigmund Freud foi profundamente hostilizado pelos seus contemporâneos. Poderíamos
prosseguir indefinidamente com essa lista. Tão fascinante quanto a história da ciência é a
história dos seus protagonistas, dos cientistas - dos desafios que enfrentaram, das forças
contra as quais tiveram que lutar, dos seus questionamentos e autocríticas que resultaram
em mudanças em suas próprias teorias. Compreender a ciência é compreender não
apenas seus produtos (o conhecimento científico propriamente dito) como, também, seus
produtores (a vida dos pesquisadores).
Essa pequena introdução tem por objetivo demarcar o sentido deste texto. Este
artigo foi produzido imediatamente após o falecimento da professora Adriana Bogliolo
Sirihal Duarte, da Escola de Ciência da Informação da Universidade Federal de Minas
Gerais (ECI/UFMG), ocorrido no dia 03 de dezembro de 2018. A intenção é apresentar
alguns aspectos de sua vida intelectual, de seu percurso como pesquisadora. Ao mesmo
tempo, este artigo se insere no âmbito da II Jornada em Práticas Informacionais, um
evento do grupo de pesquisa EPIC, Estudos em Práticas Informacionais e Cultura,
registrado no CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e
ligado ao Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal
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de Minas Gerais (PPGCI/UFMG), do qual a professora Adriana era líder, junto comigo. A
existência desse grupo e a consolidação de sua temática de pesquisa - práticas
informacionais - representam de maneira muito significativa a trajetória de pesquisa dela
ao longo de 13 anos. Não foi o único campo de pesquisa ao qual ela se dedicou, mas foi,
com certeza, o principal. Por esse motivo houve a opção de, neste artigo, apresentar a
trajetória da professora Adriana a partir da evolução das preocupações com o estudo das
práticas informacionais.
Neste sentido, cabe aqui uma pequena observação. Considerando que o
desenvolvimento da disciplina Usuários da Informação, na ECI/UFMG, e do grupo EPIC,
no âmbito do PPGCI/UFMG, foi um trabalho conjunto entre Adriana e eu, será
absolutamente impossível tratar, neste texto, apenas dela. Nossas carreiras e trajetórias
se entrelaçaram em vários momentos. Fomos verdadeiramente parceiros de ensino e
pesquisa, além de amigos. Por esse motivo, este artigo também terá um certo tom pessoal,
subjetivo. Tudo isso faz parte do processo da produção científica, inclusive as questões
pessoais e sentimentais o que torna ainda mais fascinante a descrição e o estudo da
atividade científica. É a partir deste enquadramento que se propõe, a seguir, um mergulho
em como se desenvolveu, na ECI e no PPGCI/UFMG, o pensamento que levou dos estudos
de usuários da informação à perspectiva das práticas informacionais e suas interrelações
com a cultura.
2 O COMEÇO DE TUDO: ESTUDOS DE USUÁRIOS DA INFORMAÇÃO
É sempre difícil demarcar quando é o “início” de uma história. Trata-se de uma
decisão arbitrária, uma escolha. Em nosso caso, contudo, um marco que claramente
pode significar um ponto de partida. Em 2005, a ECI/UFMG abriu um concurso para uma
vaga de professor adjunto da área de Usuários da Informação. Havia vários candidatos,
entre eles, Adriana e eu. Após a realização das provas, fomos ambos aprovados. A
ECI/UFMG ganhou mais uma vaga e foi decidido que seríamos os dois contratados. Em
2006, éramos, nós dois, professores desta área na escola, para ministrar a disciplina junto
ao curso de biblioteconomia (para as turmas do matutino, do vespertino e do noturno) e
o recém-criado sistemas de informação no Instituto de Ciências Exatas.
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O primeiro desafio que se colocava então era o de decidir como deveria ser o
programa dessa disciplina quais conteúdos, quais textos, quais unidades programáticas,
quais atividades e métodos didáticos. o nos conhecíamos até acontecer o concurso mas,
uma vez contratados como professores, imediatamente começamos uma relação amistosa
e decidimos que iríamos ministrar a mesma disciplina, isto é, que iríamos montar um
programa comum a ser usado por ambos.
Consultamos os programas da disciplina que haviam sido ministrados até então,
na escola, e também programas ministrados em outras universidades. Numa avaliação
geral, nos pareceu que a disciplina tinha um perfil bastante instrumental, como uma
espécie de apoio para a gestão de bibliotecas e unidades/sistemas de informação. A maior
parte dos conteúdos de praticamente todos os programas era relacionado a métodos
quantitativos de coleta e tratamento de dados sobre perfil de usuários e
diagnóstico/avaliação de bibliotecas e sistemas de informação, mapeando usos,
frequências, indicadores de satisfação, itens de necessidade. Nossa primeira avaliação era
de que a área tinha potencial para ser muito mais do que isso, sem prejuízo destes
conteúdos. Percebemos a ausência de uma fundamentação teórica e conceitual para esses
estudos. De uma forma geral, havia apenas uma definição instrumental de conceitos como
requisito, demanda, necessidade e uso; uma apresentação também instrumental de
métodos de coleta de dados e algumas noções de estatística para o tratamento descritivo
dos dados; e a articulação com algumas noções de planejamento de bibliotecas, para o
aproveitamento dos dados levantados.
Colocamo-nos o desafio de construir um outro tipo de programa para a disciplina.
Para tanto, iniciamos uma busca na literatura da área. De maneira imediata, o que mais
chamou nossa atenção foi a existência de uma relevante e extensa produção científica
naquilo que era chamado “abordagem cognitiva” ou “abordagem alternativa” de estudos
de usuários, principalmente os trabalhos em teoria sense-making de Brenda Dervin, o
modelo information seeking process de Carol Kuhlthau, os modelos de comportamento
informacional de Tom Wilson e o modelo integrativo de Chun Wei Choo. conhecíamos
algumas dessas teorias e autores, mas nos espantou o fato de que suas contribuições até
então estávamos em 2006 eram pouco ou nada incorporadas nos programas de
disciplinas de Usuários da Informação no Brasil. A primeira decisão que tomamos foi a de
incorporar essa abordagem com praticamente o mesmo grau de importância da
abordagem quantitativa instrumental até então em vigor. A disciplina teria, então, dois
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momentos distintos: introdução, apresentação e exemplificação da primeira abordagem,
a “tradicional”; e o mesmo conteúdo para a abordagem “alternativa”.
Ainda nos parecia pouco. Sentíamos falta de uma fundamentação conceitual para
cada uma das abordagens, que demonstrasse de onde vinham os conceitos, os métodos de
estudo, os objetivos de cada uma. Foi a partir dessa preocupação que nos dedicamos a um
questionamento e um aprofundamento teórico em cada uma das abordagens. No caso da
abordagem dita tradicional, o movimento foi o de buscar compreender o positivismo e o
funcionalismo, as duas matrizes teóricas dessa abordagem. Mergulhamos nos
fundamentos das ciências humanas e sociais para apontar os elementos centrais dessas
matrizes, bem como as suas apropriações por parte dos estudos de usuários da
informação. O positivismo, como se sabe, representa a transposição, para as ciências
humanas e sociais, do mesmo modo de raciocínio das ciências naturais (exatas e
biológicas). Isso significa a concepção de que a realidade possui um fundamento nela
mesma, isto é, que pode ser objetivamente compreendida pelo método científico; a
pressuposição de que a realidade é composta por regularidades, que podem ser expressas
em leis; e que os aspectos da realidade relevantes são aqueles que podem ser observados
e quantificados. Já o funcionalismo, que é uma vertente ou aplicação dos princípios
positivistas, baseia-se numa concepção organísmica da realidade humana, isto é,
compreendo as ações, instituições e atores humanos como parte de uma estrutura maior
exercendo determinadas funções ou tarefas para a manutenção do equilíbrio dessa
estrutura (ou, eventualmente, desempenhando determinadas disfunções).
No caso da abordagem dita alternativa, buscamos nos trabalhos dos autores mais
destacados os seus fundamentos, e encontramos elementos relacionados ao
construtivismo, ao interacionismo simbólico, à fenomenologia e à etnometodologia. São
todas abordagens das ciências humanas e sociais que se construíram em oposição ao
positivismo, calcadas nas ideias de que a causalidade dos fenômenos humanos e sociais é
distinta dos fenômenos naturais (o ser humano é um sujeito consciente das suas ações,
possui intencionalidade, atribui significado ao que faz) e que o caráter situacional e
contextual dos fenômenos é decisivo (os fenômenos são profundamente imbricados nas
realidades econômicas, culturais, politicas nos quais se inserem). Decidimos, portanto,
que a disciplina deveria incluir e contemplar aspectos relacionados tanto ao positivismo
e ao funcionalismo quanto às perspectivas compreensivas e fenomenológicas, buscando
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ver as contribuições delas para o desenho do campo de estudos de usuários da
informação.
Outra questão que nos parecia fundamental é que a disciplina não deveria ser
apenas teórica, mas envolver também um trabalho de efetiva pesquisa por parte dos
alunos. Nos programas que havíamos analisado, havia sempre a previsão de um trabalho
de campo a ser realizado pelos alunos. Como nosso programa estava dividido em duas
partes, concluímos que deveria haver dois trabalhos de campo, ou um trabalho de campo
em dois momentos: um com uma pesquisa seguindo os moldes da abordagem tradicional,
outro a partir dos parâmetros da abordagem cognitiva. Isso implicava a compreensão de
duas maneiras de aproximação da realidade: uma basicamente quantitativa, buscando
dados sociodemográficos dos usuários, indicadores de uso, de frequência, de satisfação; e
outro buscando significados, interpretações, impressões, por parte dos sujeitos.
Uma vez concluída essa primeira tarefa, resolvemos ministrar em conjunto a
disciplina no segundo semestre de 2006: ela assistindo às minhas aulas, eu assistindo às
aulas delas. Fazíamos a seguir uma sessão de críticas e comentários, íamos incorporando
um do outro sugestões, exemplos, todos, e fomos com isso consolidando a maneira
como a disciplina seria ministrada daí em diante e também sua importância dentro dos
cursos de biblioteconomia e sistemas de informação, e dentro da área de ciência da
informação. Nos preocupamos também em mostrar para a comunidade científica o nosso
trabalho. Resolvemos apresentar um pouco de nossas inquietações com a área em
congressos científicos (ARAÚJO, 2007; ARAÚJO, 2008; ARAÚJO; JILOCHKIN; SIRIHAL
DUARTE, 2008; SIRIHAL DUARTE, 2011) e, depois, resolvemos apresentar a maneira
como se deu esse processo de construção da disciplina (ARAÚJO, 2009; ARAÚJO, 2010b;
SIRIHAL DUARTE, 2012; ARAÚJO; SIRIHAL DUARTE, 2014; ARAÚJO, 2014b).
3 A AMPLIAÇÃO DAS QUESTÕES: DE 2008 A 2014
Nos anos seguintes, novos desafios foram se apresentando. As primeiras
apresentações em congressos e publicações em periódicos provocaram interlocuções
interessantes com outros pesquisadores brasileiros. Percebemos que havia uma grande
produção científica relevante sobre o assunto, embora não sob a designação de “usuários
da informação” estudos em mediação da informação, competência informacional,
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informação e cultura, informação e sociedade, entre outros. Particularmente no âmbito
do grupo de trabalho 3 (GT 3 Mediação, circulação e apropriação da informação) da
ANCIB, a Associação Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação, pesquisadores
vinham apresentando resultados de pesquisas com temas e contribuições fundamentais
para se entender os usuários da informação, ainda que não usassem essa expressão. Era
preciso conhecer essa produção, estabelecer diálogos com ela e incorporar suas
contribuições, como foi feito, por exemplo, em SIRIHAL DUARTE (2009) e ARAÚJO (2012).
Um outro desafio se deu quando a ECI/UFMG criou, em 2008, o curso de graduação
em arquivologia e, em 2009, o curso de graduação em museologia. Usuários da informação
era uma disciplina presente nos dois cursos, e era preciso adaptar o programa da
disciplina para incorporar questões, aspectos e demandas destas áreas de conhecimento.
Começamos, então, a ler, discutir e estudar questões relativas a estudos de usuários de
arquivos e estudos de público de museus, de forma a ampliar o escopo conceitual e teórico
da disciplina de Usuários da Informação (ARAÚJO, 2013; 2014a)
Além disso, começamos algumas interlocuções internacionais, o que nos conduziu
a uma série de questionamentos e descobrimentos. A primeira dessas interlocuções se
deu com Martha Sabelli, pesquisadora da Universidad de la Republica, Uruguai. Mas foi
2014 o ano decisivo. Neste ano, resolvemos enviar um trabalho para o ISIC: The
information behaviour conference, o evento mais importante do mundo na área de
usuários da informação, que iria acontecer em Leeds, Inglaterra. Escrevemos junto o
artigo e o enviamos. O trabalho foi aprovado (ARAÚJO; SIRIHAL DUARTE, 2014) e
viajamos para a Inglaterra para participar do evento. Foi uma experiência decisiva.
Conhecemos pesquisadores da Europa, da América, da Ásia e da África. Assistimos a
apresentações muito distintas, com referenciais teóricos e objetos empíricos muito
diferentes. Nos identificamos com alguns, claramente não nos agradaram outros. Mas a
experiência foi importante para nos situarmos em relação à produção científica mundial.
Naturalmente, conhecíamos muito dessa produção pelas leituras, mas estar em
interação face a face com os pesquisadores, e acompanhar tanto as apresentações quanto
os debates, foi fundamental. Na volta da Inglaterra, ainda passamos pela Espanha, para
alguns dias de reunião com Aurora González Teruel, pesquisadora da área vinculada à
Universitat de Valencia. Assim como o contato com Martha Sabelli, este outro momento
de diálogo foi decisivo para pensarmos sobre nossa proposta própria para a área, sua
inserção no campo como um todo e sua especificidade.
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Por fim, cabe destacar a ampliação do quadro conceitual que experimentamos ao
longo destes anos, com a incorporação de uma terceira maneira de se estudar os usuários,
situada num quadro teórico distinto das abordagens “tradicional” e “alternativa”. O
modelo cognitivo, com sua lógica mecânica baseada na ideia de estímulo/resposta, sua
apreensão dos sujeitos unicamente a partir de suas cognições e isolados de sua vivência
social, não pareciam responder adequadamente às demandas de nossas pesquisas, nem
mesmo combinar com nossos referenciais calcados no construcionismo e na
fenomenologia.
Essa ampliação se deu com o tensionamento da categoria “usuário da informação”
por meio de duas categorias, sujeito” e informação”. Na perspectiva dos sujeitos,
aprofundamos as leituras e estudos nas ciências sociais e humanas em torno do
entendimento das três grandes correntes de estudo que as compõem: a
positivista/funcionalista, a crítica/marxista e a compreensiva/fenomenológica. Do ponto
de vista da informação, avançamos nos fundamentos da ciência da informação, a partir do
estudo das três grandes perspectivas de estudo que compõem a área: a fisicista, a
cognitivista e a pragmaticista ou sociocultural. Esse foi, aliás, o trabalho que apresentamos
em Leeds e sobre o qual buscamos o escrutínio da comunidade internacional. Tratava-se
de perceber que o estudo do sujeito informacional perpassava dois quadros de referência
distintos (três modelos de estudo dos sujeitos; três modelos de estudo da informação)
resultando num quadro complexo de possibilidades de estudo e pesquisa.
Durante esse processo, foi ficando portanto cada vez mais clara nossa insatisfação
com o modelo cognitivo ou “alternativo” de estudos de usuários, em termos de seu poder
explicativo. nhamos, intuitivamente, apontando alguns caminhos alternativos de
estudo, que fomos desenvolvendo ao longo dos anos uma perspectiva fenomenológica
(GANDRA; SIRIHAL DUARTE, 2012), interacionista (ARAÚJO, 2010a), vinculada ao
paradigma social da ciência da informação (ARAÚJO, 2010b; ROCHA; SIRIHAL DUARTE,
2013; MOREIRA; SIRIHAL DUARTE, 2016), ao pensamento crítico (PINTO; ARAÚJO,
2012), à cognição distribuída (ROCHA; PAULA; SIRIHAL DUARTE, 2016) e à abordagem
clínica da informação (ANTUNES; PAULA; SIRIHAL DUARTE, 2016).
E foi nesse momento, nos debates internacionais, nas leituras sobre o assunto, nos
congressos, nas pesquisas, que descobrimos a abordagem das “práticas informacionais”.
Conhecemos alguns autores, alguns textos, e percebemos que estava aí a possibilidade de
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avançarmos em nossas preocupações e fazer confluir nossas possibilidades de
constituição de um campo de pesquisa que atendia nossos interesses.
4 A CONSOLIDAÇÃO DE UMA PROPOSTA: A CRIAÇÃO DO EPIC
Como resultado de todos esses processos, resolvemos, Adriana e eu, criar um
grupo de pesquisa no final de 2014. Na verdade, desde 2007 já tínhamos grupos de
estudos com nossos orientandos de mestrado e doutorado do PPGCI/UFMG. Esses grupos
funcionavam de maneira informal, às vezes com uma agenda de encontros mais intensa,
algumas vezes menos, dependendo da quantidade de mestrandos ou doutorandos
envolvidos com a temática. Nesse período, orientamos dissertações e teses com
realidades empíricas muito variadas, tais como profissionais do sexo (SILVA, 2008),
ouvintes assíduos de dio (PESSOA, 2010), professores da rede municipal (PINTO, 2012),
bibliotecários no trabalho de indexação (ALONSO, 2012), bibliotecários realizando
estudos de usuários (SEPÚLVEDA, 2012), pessoas da terceira idade (GANDRA, 2012),
deficientes visuais (ROCHA, J., 2013), bibliotecários na atividade de indexação (ARAÚJO,
E., 2013), diferentes profissionais da informação (ROCHA, E., 2013) e usuários de um
sistema de informação de extensão universitária (TERTO, 2013). Tais pesquisas
buscavam avançar numa perspectiva além das abordagens tradicional e cognitiva, mas
não havia ainda uma proposta única, um referencial comum, senão fragmentos de
aproximações.
A ideia de trabalhar com práticas informacionais nos situava no âmbito de um
movimento internacional que se construiu no campo de estudos de usuários da
informação - representado por, entre outros, pesquisadores da Finlândia como Reijo
Savolainen, Sanna Talja e Kimmo Tuominem; da Suécia, como Annemarie Lloyd; e do
Canadá, como Pam McKenzie). Ao mesmo tempo, nossas pesquisas empíricas e reflexões
epistemológicas nos apontavam para uma certa originalidade no campo, mobilizando
determinadas categorias e formas de compreensão específicas que nos aproximavam,
principalmente, do conceito de cultura e de uma abordagem mais antropológica. Em
função disso, e como forma de amarrar todas essas questões (nossos diálogos no GT 3 da
Ancib, com os parceiros internacionais, com nossas próprias percepções conceituais e as
pesquisas que orientávamos) surgiu a ideia de criar o grupo, associando as duas ideias,
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práticas informacionais e cultura. Logo no início, juntou-se ao grupo o professor Cláudio
Paixão Anastácio de Paula, que já vinha realizando diversas parcerias conosco, e a
professora Eliane Cristina de Freitas Rocha, recém-empossada como professora na ECI e
que havia feito o doutorado sob orientação da Adriana. A ideia de “grupo” nos animava
imensamente: a possibilidade de trabalhar em conjunto, compartilhar ideias e leituras,
construir conjuntamente nossa perspectiva, aproveitando as singularidades e
competências de cada um. Também nesse momento foi definida a marca do grupo,
apresentada abaixo:
Figura 1 Logomarca do EPIC.
A partir de 2015 o grupo passou efetivamente a existir, e nos unimos em torno da
consolidação e clarificação de uma perspectiva que deveria ser nossa, original, e que
poderia ser uma referência para as novas pesquisas a serem realizadas dali em diante.
Isso de fato aconteceu, e desde então um conjunto de novas pesquisas foi realizado,
também com realidades empíricas muito diversas tais como nativos digitais (ANTUNES,
2015), docentes e discentes em relação de orientação (SÁ, 2015), formação dos
arquivistas (VAZ, 2015), mães de crianças alérgicas (BARROS, 2016), clientes de serviços
de estética (VASCONCELOS, 2016), visitantes de museu (GANDRA, 2017), detentas
grávidas (BARBOSA, 2017), usuários de redes sociais interagindo a partir de
acontecimentos políticos (BERTI, 2018), nativos digitais na biblioteca escolar (PAIVA,
2018), pesquisadores de um instituto de pesquisa (ROCHA, 2018), blogueiros literários
(SÁ, 2018) e bibliotecários de serviços de referência (LIMA, 2018).
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A existência do grupo de pesquisa também foi importante no sentido da nossa
internacionalização. Passaram a fazer parte formalmente do grupo as professoras Martha
Sabelli (Uruguai) e Aurora González Teruel (Espanha), e um primeiro trabalho em
conjunto foi apresentado no XI Encontro de Diretores e X Encontro de Docentes de Escolas
de Biblioteconomia e Ciência da Informação do Mercosul (SIRIHAL DUARTE; SABELLI;
GONZÁLEZ TERUEL; ROCHA; ARAÚJO, 2016). Pouco depois ingressaram no grupo Silvia
Albornoz, da Universidad Nacional de La Plata, Argentina, e Edilma Naranjo, da
Universidad de Antioquia, Colômbia.
Enquanto grupo, e engajados num processo efetivo de colaboração e construção
coletiva, sintonizamos nossa proposta de pesquisa com as perspectivas contemporâneas
da ciência da informação e com as discussões teóricas em práticas informacionais, a partir
do conceito de intersubjetividade, buscando um equilíbrio entre as dimensões coletivas e
individuais dos fenômenos informacionais, contemplando também as questões
emocionais e afetivas envolvidas nos processos, as dinâmicas de significação e produção
de sentidos, a importância do enraizamento das práticas nos contextos nos quais tomam
existência e o caráter ativo dos sujeitos. Nos apropriamos de diferentes conceitos, como
conhecimento, imaginação, sociabilidade, identidade e práxis, e as reconstruímos como
rede conceitual em torno das ideias de práticas informacionais e cultura.
O EPIC atingiu seu ponto mais alto de consolidação em 2018, quando realizou em
março a I Jornada em Práticas Informacionais. Foram convidados palestrantes de distintas
áreas para tratar de temas como praxiologia, construcionismo social, interacionismo
simbólico, representações sociais e etnografia. Também foram ministradas palestras das
pesquisadoras estrangeiras do grupo sobre seus temas de pesquisa. Os debates foram
ricos e sinalizaram a maturidade das nossas questões. Em 2018 também o grupo acolheu
dois pesquisadores em realização de estágio de pós-doutorado.
Nos últimos anos, algumas publicações de membros do grupo demonstraram essa
maturidade da nossa proposta de pesquisa (ARAÚJO, 2016; ROCHA; GANDRA; ROCHA,
2017; ARAÚJO, 2017; BERTI; ARAÚJO, 2017; SIRIHAL DUARTE; ARAÚJO; PAULA, 2017;
ROCHA, SIRIHAL DUARTE; PAULA, 2017; ROCHA; GANDRA, 2018; ARAÚJO; SIRIHAL
DUARTE; DUMONT, 2019). Hoje, o EPIC é um grupo consolidado, com a participação de
dez pesquisadores doutores, membros de outros quatro países, parcerias com
professores de várias universidades brasileiras, e ao qual se vinculam diversos alunos de
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iniciação científica, mestrado e doutorado, além de profissionais bibliotecários,
arquivistas e museólogos atuantes em diferentes instituições.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A proposta deste artigo foi discutir o percurso intelectual e profissional de Adriana
Bogliolo, a partir de sua atuação no campo dos estudos de usuários da informação, até a
chegada à perspectiva das práticas informacionais. Contudo, a vida de um pesquisador
nunca é centrada em apenas uma temática, um aspecto. Adriana, ao longo de sua carreira,
ministrou aulas, pesquisou e publicou sobre diversos outros temas, nos quais tem
contribuições significativas: inclusão digital, leitura e formação do leitor, biblioteca
escolar, livro eletrônico, extensão universitária. Cada um deles renderia um outro artigo.
Não caberia desenvolver nada sobre tais tópicos, nos limites deste texto.
Ao mesmo tempo, ao falar da trajetória dela rumo às práticas informacionais, é
impossível falar apenas dela. É preciso mencionar seus parceiros, seus orientandos, seus
alunos, seus interlocutores. Ninguém faz ciência só, assim como não vivemos sós. Vivemos
imersos em redes de relações, de influências, de aprendizados, de parcerias. E, na verdade,
essa é talvez a principal contribuição da professora Adriana. Para além de toda a sua
produção com textos, apresentações, aulas e debates, Adriana foi uma amiga e
companheira, parceira, atenciosa, generosa e muito comprometida. E é com essa imagem,
parte significativa do que ela foi, que gostaria de terminar esse texto.
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BIBLIOTECA ESCOLAR EM ADRIANA BOGLIOLO SIRIHAL DUARTE: Práticas e
possibilidades
SCHOOL LIBRARY IN ADRIANA BOGLIOLO SIRIHAL DUARTE: Practices and
possibilities
Maria L. Amorim Antunes ¹
¹ Doutoranda em Ciência da Informação pela
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
E-mail: mariaamorimm@gmail.com
ACESSO ABERTO
Copyright: Esta obra está licenciada com uma
Licença Creative Commons Atribuição 4.0
Internacional.
Conflito de interesses: A autora declara que
não há conflito de interesses.
Financiamento: Não há.
Declaração de Disponibilidade dos dados:
Todos os dados relevantes estão disponíveis
neste artigo.
Recebido em: 22/04/2019.
Revisado em: 02/05/2019.
Aceito em: 09/05/2019.
Como citar este artigo:
ANTUNES, Maria L. Amorim. Biblioteca escolar
em Adriana Bogliolo Sirihal Duarte: Práticas e
possibilidades. Informação em Pauta,
Fortaleza, v. 4, n. especial, p. X-XX, maio 2019.
DOI:
https://doi.org/10.32810/2525-
3468.ip.v4iEspecial.2019.41085.136-155
RESUMO
O ensaio que se apresenta atende ao objetivo de
ressaltar algumas das contribuições da docente
Adriana Bogliolo Sirihal Duarte para a área da
biblioteca escolar. Para tanto se destacam dois
quesitos: a produção bibliográfica e o grupo de
estudos liderado por ela: Estudos em Práticas
Informacionais e Cultura (EPIC). Sendo assim,
traçou-se um pequeno panorama sobre a
biblioteca escolar Foram revisitados os estudos
considerados de maior interesse e as temáticas
apreendidas foram sintetizadas e dialogadas
com as temáticas trabalhadas pelo EPIC. A
“metodologia” empregada foi consulta ao
currículo da mesma na base Lattes e em seu site
pessoal, nos quais foram feitas duas triagens. Na
primeira foram elencadas as categorias de
publicação e comunicação consideradas para
análise, com os respectivos materiais. Em uma
segunda triagem, foi feita uma seleção do
material atendendo a critérios como: última
realização, os estudos considerados essenciais e
um que compreende um estudo de
comportamento informacional, anterior ao EPIC.
Conclui-se que a grande versatilidade da
profissional expressa no vasto legado deixado,
evidencia o interesse em conceber um padrão de
estudos bastante diversificado para uma
biblioteca escolar cada vez mais efetiva.
Palavras-chave: Biblioteca escolar.
Comportamento informacional. Práticas
informacionais.
ABSTRACT
The present essay highlights some of the
contributions of the teacher Adriana Bogliolo
Sirihal Duarte to the school library field. Thus,
two topics are detached: the bibliographic
production and the group of studies led by her:
Studies in Informational Practices and Culture
Inf. Pauta Fortaleza, CE v. 4 n. especial maio 2019 ISSN 2525-3468
DOI: https://doi.org/10.32810/2525-3468.ip.v4iEspecial.2019.41085.136-155
ENSAIO
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(EPIC). So, a small panorama was drawn on the
school library. The studies considered of greater
interest were reviewed and the themes
apprehended were synthesized and dialogued
with the themes worked out by the EPIC. The
"methodology" used was consult on the
teacher’s curriculum in Lattes database and her
personal website. In a first selection of Lattes,
were listed the categories of publication and
communication considered for analysis, along
with the respective materials. In a second
screening, the studies considered of greater
interest got synthesized and confronted with the
theme worked by EPIC. It is concluded that the
great versatility of the professional expressed in
the vast legacy left, evidences the interest in
conceiving a very diversified study pattern for
an increasingly effective school library.
Keywords:
School library. Information behavior.
Informational practices.
1 INTRODUÇÃO
Adriana Bogliolo Sirihal Duarte (1970-2018) fica na memória de seus pares e
discentes como uma profissional formidável em suas atividades na Escola de Ciência da
Informação (ECI), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); tanto na docência,
como na pesquisa e na extensão. Quem pôde desfrutar de seu convívio é capaz de atestar
que a docente se declarava bibliotecária; não de formação, mas “de coração”. Procedente
da área da Ciência da Computação, na qual cursou a graduação e mestrado, a professora
chega à ECI em meados de 2000, ocasião em que cursa o doutorado com a temática
informação, comunicação e sociabilidade na Internet. De 2006 a 2018, Sirihal Duarte
integra o quadro de professores associados da Escola, passando a assumir
primeiramente a disciplina usuários da informação.
A carreira foi exemplar. Como sintetizam Nunes, Carvalho e Lima (2018):
professora, pesquisadora, vice-diretora, coordenadora do Programa de Extensão Carro-
Biblioteca, membro de corpo editorial, líder de grupo de estudos. Na docência, foi
diversas vezes homenageada por seus alunos. Na extensão, sob a coordenação dela, o
Carro-Biblioteca recebeu menção honrosa do Prêmio Vivaleitura do Museu da Língua
Portuguesa, em São Paulo, em 2009. Disputadíssima, orientou monografias, dissertações,
teses e projetos de iniciação científica. Marcou presença em variadas bancas de diversos
graus acadêmicos. Deixou, portanto, afetos e inspirações naqueles com quem conviveu,
nos âmbitos pessoal, acadêmico e profissional.
No concernente ao perfil desta profissional destaca-se, primeiramente, a
proximidade que mantinha com seus alunos. Sempre apta a ouvi-los em suas questões,
Sirihal Duarte demonstrou brilhantismo ao concatenar a natureza destes contatos com
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os ditames do fazer científico. Assim nasceram disciplinas (como a Livro Eletrônico) e
projetos de iniciação científica que resultaram em oportunidades para inúmeros alunos
estreitarem seus laços com a pesquisa e com o curso. Os discentes se sentiam, portanto,
contemplados e estimulados em seus interesses de estudo. A didática é outro ponto que
merece ser enfatizado. Sirihal Duarte mantinha um website (figura 01) que configurava
como um repositório (com materiais, ementas e cronograma de aulas) com fins de
facilitar o ensino e a representação de sua trajetória.
Figura 1 - Aba Ensino >> Livro Eletrônico
Fonte: PrintScreen do site (Abril, 2019).
Além disto, demonstrava uma verdadeira potência ao elaborar o
desenvolvimento das disciplinas e as formas avaliativas, bem como extrema criatividade
ao compor demais atividades que estimulassem o aprendizado, como o evento semestral
Ciclo de Estudos de Usuários da Informação e Práticas Informacionais (figura 02). Este
evento reunia uma comissão julgadora que avaliava os trabalhos finais produzidos pelos
discentes das disciplinas Usuários da Informação na graduação dos cursos de
Arquivologia, Biblioteconomia, Museologia e Sistemas da Informação. Os alunos
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delimitavam um tema de interesse e realizavam um pequeno estudo de usuários em
campo, dentro do recorte escolhido por eles.
Figura 2 - Divulgação do Evento
Fonte: Blog CRB6 (Abril, 2019).
E tal como a profissional versátil e exemplar que era, Sirihal Duarte trabalhou, ao
longo de sua carreira, temáticas muito variadas. A análise de seu currículo Lattes
(consultado em abril de 2019) e de seu site pessoal (mencionado acima e referenciado
ao fim) demonstram realizações nos seguintes campos: comportamento informacional;
usuários da informação; cultura e informação; aspectos sociais da informação; processo
de comunicação e fluxo de informação; inclusão digital; práticas informacionais.
Também é possível notar o grande interesse dispensado por ela aos temas ligados à
biblioteca escolar BE (biblioteca escolar, competência informacional; leitura e
formação do leitor), expresso em grande parcela de sua produção acadêmica.
Seu empreendimento mais recente, inclusive, compreendeu um pós-doutorado
na Florida State University (2016-2017), com o projeto de pesquisa Possibilidades
curriculares para a Biblioteconomia Escolar. Originado da preocupação da mesma com a
insuficiência da carga teórica e de conteúdos específicos orientados para a biblioteca
escolar previstos no currículo formal, a pesquisa propôs uma análise curricular para a
biblioteconomia escolar, tendo em vista a formação generalista oferecida atualmente
pelo curso de biblioteconomia da UFMG.
Deste modo, este texto que se apresenta elege como objetivo traçar um pequeno
panorama sobre a biblioteca escolar nas contribuições da docente ABSD, mostrando que
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alguns destes estudos traçam um diálogo estreito com a temática trabalhada pelo grupo
de estudos encabeçado por ela Estudos em Práticas Informacionais e Cultura (EPIC),
ainda que não tenham sido concebidos dentro da perspectiva. Uma vez que as restrições
impostas pelo tempo e espaço inviabilizaram um estudo abrangente, é importante
ressaltar que este trabalho não representa um estudo bibliométrico, uma análise de
discurso ou de conteúdo e tampouco uma revisão de literatura
1
. Assim sendo, o que se
oferece é um ensaio, no qual se revisitam alguns trabalhos e se faz uma interpretação
(pela autora deste ensaio) de como a biblioteca escolar pode ser vista e trabalhada nas
práticas informacionais, na perspectiva do EPIC.
2 UM POUCO DE BIBLIOTECA ESCOLAR EM ADRIANA BOGLIOLO SIRIHAL DUARTE
Neste contexto, a ‘metodologia’ empregada foi a consulta do currículo da mesma
na base Lattes e no site pessoal que ela mantinha. Em uma primeira triagem do Lattes
foram elencados para análise
2
os projetos de pesquisa, projetos de extensão, artigos
completos publicados em periódicos, livros publicados, organizados ou edições;
capítulos de livros publicados; trabalhos completos publicados em anais de congressos;
outras produções bibliográficas, orientações e supervisões concluídas (dissertações e
teses derivadas). Destes, foram selecionados os itens nos quais constava biblioteca
escolar no título, na descrição (quando pertinente, como nos projetos de pesquisa) ou
como tema principal.
Um gráfico comparativo (figura 3) demonstrou que nas categorias analisadas a
biblioteca escolar aparece de forma bem presente na produção de Sirihal Duarte: cinco
projetos de pesquisa em onze, três projetos de extensão em sete, doze artigos completos
em trinta e seis, dez trabalhos completos publicados em Anais de um total de trinta e
sete, cinco dissertações em quinze e três teses em quatro.
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Figura 3 - Produção em BE
Fonte: Lattes (abril, 2019), elaboração própria.
Realizando uma segunda triagem detalham-se a seguir os estudos de maior
interesse (Quadro 01). Os critérios utilizados foram subjetivos, ponderados da seguinte
forma: o pós-doutorado; três considerados essenciais (por configurar fonte de
informação, por conceituar a biblioteca com clareza de definição e fundamentos e por
incorporar elementos próprios da perspectiva pedagógica) e um que utiliza um modelo
tradicional de comportamento informacional.
Quadro 1 - Quadro
Fonte: Elaboração própria.
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Com o objetivo de refletir a formação do bibliotecário brasileiro Sirihal Duarte
analisa o bibliotecário escolar do estado da Flórida, nos Estados Unidos. O
questionamento levantado é o seguinte: qual a vantagem que o bibliotecário escolar
tenha também uma formação de educador? Dois métodos de coleta foram conjugados: a
observação simples de uma conferência anual da Associação de Bibliotecários do Estado
da Flórida (Florida Association of Media in Education FAME) e, em uma segunda parte,
a análise de documental (de guias que norteiam os bibliotecários)
3
. Este confronto
culminou em um estudo muito detalhado no qual muitas observações são interessantes
de ressaltar: a). As bibliotecas americanas escolares passaram da denominação de
biblioteca escolar para Centro de Convergência de Mídias, pois incorporaram outros
meios de informação e inseriram as tecnologias de informação no ambiente. b). Os
bibliotecários o primeiramente professores com licenciatura em nível de graduação e
biblioteconomia na pós-graduação. Para ser bibliotecário na Flórida é exigido
experiência no ensino; em sala de aula. c). A biblioteca escolar está altamente vinculada
com a garantia do ensino, com ações e diretrizes sendo partes constituintes do processo
de aprendizagem. d). Os bibliotecários escolares são efetivamente leitores e estimulam
encontros com autores para formar também outros leitores. O artigo oferece ainda,
exemplos pontuais de como se a logística das bibliotecas escolares no contexto da
Flórida. Ao final ela se pergunta (p. 20): “Na Flórida, o profissional é primeiro educador
para depois se tornar um bibliotecário. Será este o melhor caminho”? A conclusão final é
que, de fato, ainda um longo caminho até que o bibliotecário escolar alcance a
formação adequada. Contudo, um longo, mas belo caminho (SIRIHAL DUARTE, 2017).
Além do artigo derivado do pós-doutorado de Sirihal Duarte, outro grande
projeto que ela esteve envolvida compreendeu um grande estudo sobre a BE; o estudo
que retratou o estado da arte da pesquisa em biblioteca escolar no Brasil. Eleito por ser
considerado uma boa fonte de informação sobre a área, neste foi realizada uma análise
documental de setenta relatos de pesquisa sobre o tema, compreendendo 37 anos (entre
1975 e 2011). Buscou-se identificar: os assuntos pesquisados; o embasamento teórico-
conceitual utilizado; as metodologias e técnicas utilizadas e os resultados e conclusões
dos estudos. O material foi separado em seis categorias: biblioteca escolar como espaço
de aprendizagem, interação bibliotecário/professor, estudos de usos e usuários, coleção,
leitura e pesquisa escolar. Os resultados demostraram preocupação em garantir a
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existência da biblioteca na escola, pois esta pode contribuir para a aprendizagem. Outros
achados evidenciaram: a necessidade de colaboração professor/bibliotecário; a
predominância de estudos na categoria leitura; a tendência no aumento da categoria
pesquisa escolar; metodologias predominantemente qualitativas nos estudos analisados
e fragilidade no referencial teórico resultando em “pouca clareza de seu uso”. No que
tange aos estudos de uso e usuários, matéria de maior destaque neste ensaio, o estudo
constatou que “ainda estão presos à abordagem tradicional, não conseguindo realizar
um diálogo efetivo com a questão pedagógica” (p. 146). Embora o estudo desta categoria
tenha sido composto por trabalhos apresentados em eventos, artigos de periódicos e
dissertações de mestrado; cobrindo realidades empíricas de diferentes tipos de
bibliotecas escolares e de públicos, ainda assim considerou-se que pouco se avançou,
no campo dos estudos de usos e usuários de biblioteca escolar, no entendimento do
significado da biblioteca escolar e das práticas informacionais dos alunos relacionadas
com as atividades pedagógicas(p. 135). A análise considerou ainda que “tais estudos são,
em sua maioria, ancorados na chamada abordagem tradicional de estudos de usuários”
(p. 133) (CAMPELLO, et al, 2013). Esta conclusão evidenciada na seção estudo de
usuários é depois retomada em uma discussão de práticas.
A fragilidade no referencial teórico sobre a BE, resultando em pouca clareza de
seu uso”, evidenciada no estudo anterior, dialoga com a produção de Paiva (2016),
realizada com a orientação de Sirihal Duarte. Preocupadas com a falta de definição
encontrada no estudo da área, Paiva e Sirihal Duarte entendem que conceituar e
caracterizar o que é de fato uma biblioteca escolar é um princípio que não deve ser
ignorado; passando-se diretamente à “descrição das coisas tal como são”. Sendo assim o
esforço empreendido busca construir e consolidar a definição de biblioteca escolar. A
primeira questão colocada é: o que é (ou deveria ser) exatamente uma biblioteca escolar.
Respostas são procuradas em documentos basilares de organizações internacionais. Em
uma análise documental, três referências foram considerados indispensáveis ao amplo
entendimento de biblioteca: o Manifesto da IFLA/UNESCO de 1999, as Diretrizes da
IFLA/UNESCO de 2002 e a segunda edição dessas Diretrizes, lançada em 2015. O artigo
analisa estes documentos e traz propostas sobre os requisitos de uma biblioteca, a
missão da mesma, os objetivos, as funcionalidades, a estrutura e propõe ainda
parâmetros, recomendações, categorias base para sua análise e estabelecimento; bem
como maneiras desta contribuir com a aprendizagem dos alunos. A conclusão indica que
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a definição dos fundamentos basilares das bibliotecas escolares é imprescindível para a
pesquisa na área (PAIVA, SIRIHAL DUARTE, 2016).
O notório baixo entendimento da biblioteca escolar ante as atividades
pedagógicas (que motivou o pós-doutorado de Sirihal Duarte e também foi elencado no
referido estudo de Campello et al que Sirihal Duarte participou) foi um fator decisivo
para incorporar o material seguinte. Buscando um diálogo efetivo com a questão
pedagógica o estudo de Felix e Sirihal Duarte (2015) tratam as práticas educativas
desenvolvidas em três bibliotecas escolares da Rede Municipal de Educação de Belo
Horizonte. Participando diretores, bibliotecários e dois professores em cada instituição,
o objetivo foi verificar qual a natureza da cultura escolar que favorece bibliotecas
efetivas. A análise realizada a partir de pesquisa empírica, conduzida em 2014, revelou a
interconexão de vários elementos. O mais importante segundo as autoras, ao pensar a
biblioteca através da cultura escolar, é refletir a lógica de crenças e atitudes que os
sujeitos da comunidade reproduzem no cotidiano e que balizam o modo com a escola
organiza seu projeto educativo. As autoras neste sentido observam “como alguns
elementos do cotidiano, dos modos de fazer de seus valores, e ações mobilizados pelos
produtores dos processos educativos podem impactar positivamente para o
estabelecimento de uma biblioteca eficaz” (p. 4). Assim concluem que a cultura escolar,
entendida como as práticas do cotidiano entre os sujeitos na escola, tem muitos
elementos a contribuir no debate sobre o papel educativo da biblioteca.
Por fim, para começar a adentrar a temática de estudos do EPIC, práticas
informacionais, destaca-se outra criação produzida sob a orientação de Sirihal Duarte. O
artigo Guided inquiry..., parte do modelo de comportamento informacional de Kuhlthau.
A proposta é discorrer sobre novos parâmetros de educação, ensino e pesquisa em um
contexto educativo pautado pela Internet, analisando-os dentro da lógica construtivista.
Para tanto, através de observação o participante e entrevistas (com alunos,
professores e supervisor) as peculiaridades de uma instituição privada de ensino de
Belo Horizonte (MG) foram analisadas. Nesta escola a pesquisa é parte do dia a dia das
aulas e é constituinte do método de ensino. Não existem salas de aula, nem
apresentações expositivas usuais por parte dos docentes. Os alunos recebem roteiros de
estudo com a descrição pormenorizada dos conteúdos e competências a serem
desenvolvidas e com total autonomia, devem buscar seus métodos para cumprir o
objetivo. Diante disso, o comportamento informacional dos alunos é confrontado com as
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contribuições de Carol Kuhlthau. Como resultado (através dos procederes dos alunos)
descobriu-se as características de um bibliotecário ideal para a instituição com aquele
perfil (ANTUNES, SIRIHAL DUARTE, 2016).
3 O GRUPO DE PESQUISAS EPIC E A NOÇÃO DE PRÁTICAS INFORMACIONAIS
O grupo de pesquisa EPIC pertence ao Programa de Pós-Graduação em Ciência da
Informação da UFMG. Foi criado em 2013, formalizando uma série de encontros e
reuniões periódicas de professores e orientandos; interessados em construir e
consolidar uma perspectiva original no estudo do sujeito ante os desdobramentos
plurais que traz o conceito de informação. Desde 2014 o grupo integra o Diretório de
Grupos de Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico -
CNPq. Participam do grupo os professores líderes, os coordenadores do grupo e
pesquisadores orientados por eles (EPIC, online).
A proposta do EPIC se encontra em um campo já tradicionalmente colonizado por
correntes teóricas bastante nítidas: estudos de usuários e comportamento informacional.
Contudo, o enfoque conferido pelo grupo pode ser considerado distinto, uma vez que
assenta seus elementos estruturantes nos vínculos dialéticos continuamente
estabelecidos entre o sujeito e o real; nas noções de introjeção e apropriação marcadas
pela expressividade da cultura (EPIC, online).
Entende-se que os estudos de usuários acompanham diretamente os caminhos da
ciência da informação. Rocha, Sirihal Duarte e Paula (2016, p. 40, grifo do autor)
declaram que o termo práticas informacionais tem sido mencionado como um
contraponto ao conceito de comportamento informacional, em uma interpretação de
que esse tece diálogos mais profundos com o paradigma cognitivo, enquanto as práticas
se estreitam com o paradigma social, dentro da proposta de Capurro (2003):
Desse modo, entende-se que o principal ponto de distinção entre
comportamento informacional e práticas informacionais é que essas
compõem “[...] uma linha de investigação mais orientada
sociologicamente e contextualmente [...]” (TALJA, 2005, p. 123,
tradução nossa), enquanto aquele entende que as interações entre
sujeitos e informação são desencadeadas por motivos e
necessidades, muitas vezes individuais (SAVOLAINEN, 2007).
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Isso, contudo, está longe de se sedimentar. Uma revisão do livro de Savolainen
(2008a) feita por Tom Wilson (2008) inicia um diálogo entusiástico entre estes autores
clássicos da subárea estudos de usuários. Nesta revisão, Wilson (2008, n.p)
4
detalha o
desconforto que tem com a perspectiva de práticas, uma vez que considera a teoria das
práticas sociais uma grande “falácia do espantalho
”5
, desde suas origens com Anthony
Giddens (1938-) e Pierre Bourdieu (1930-2002).
Isto pois, segundo Wilson (2008), Giddens e Bourdieu argumentam que para
conceituar 'prática' é preciso considerar o mundo dentro do qual o comportamento
humano é "praticado", ou seja, superar a dicotomia entre sujeito e objeto. Wilson (2008)
considera ser esta uma noção do século 19; totalmente insustentável no século 21.
Um segundo ponto descrito por Wilson (2008) refere-se à alegação da associação
direta entre comportamento e a corrente da psicologia behaviorismo; o que poderia
levar a uma redução do entendimento do comportamento a estímulo/resposta. Outro
aspecto dito sobre a prática informacional, que incomoda Wilson (2008) refere-se à
argumentação de que as práticas incorporam mais a dimensão social enquanto o
comportamento está mais restrito ao cognitivo. Quanto a isso Wilson (2008, n.p)
acredita que: “a noção de que qualquer um hoje confundiria 'comportamento' e'
behaviorismo' é bastante difícil de acreditar”. Considera inda irônico por um dos mais
ferrenhos críticos do behaviorismo Alfred Schutz (1899 - 1959) em quem Savolainen
baseia boa parte de sua metodologia se mostrar perfeitamente feliz em usar o termo
comportamento. Sua definição de comportamento englobava tanto o cognitivo quanto o
social”.
Wilson (2008) visualiza ainda um problema de definição. Para ele prática é um
comportamento habituado e, portanto, não é algo distinto nem desvinculado do
comportamento, mas uma faceta deste; algo da existência do sujeito que se torna "típico".
Ele conclui assim, que ao falar de prática, Savolainen fala de comportamento habituado e
se distancia das discussões sobre comportamento informacional. Wilson (2008) julga
que Savolainen não resolve o caráter habitual da prática de modo a lançar luz sobre
como e por que os modos de comportamento informacional tornam-se habituais.
Savolainen (2008a) por sua vez responde aos comentários feitos na revisão de
Wilson (2008). Ele considera faltar uma discussão detalhada sobre como definir
especificamente o comportamento no contexto da busca, recuperação, uso,
compartilhamento, organização e gestão informações. Pontua que seu principal
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interesse está na caracterização de práticas de informação compostas por ações de
informação específicas. A informação essência de suas noções críticas é a referente ao
dia a dia, não necessariamente derivada da percepção de uma lacuna ou necessidade. Ele
diz ainda que não enxerga diferença expressiva no “empírico mundo da vida cotidiana”
com relação aos termos "comportamento humano" e "prática de informação", na qual a
substituição de um termo por outro implica em um mesmo resultado final.
Um bom exemplo de práticas informacionais habituais é considerado por
Savolainen (2008a, n.p) em uma fala de Wilson: “Tom ilumina a natureza do
comportamento habituado, tomando o exemplo de uma pessoa indo à banca de jornal
para adquirir sua cópia do The Times”. E ilustra a diferença de olhares; na perspectiva de
práticas, o hábito profundamente arraigado de ler o jornal da manhã considerado ao
tomar o café da manhã (SAVOLAINEN, 2008b, p. 102).
Deste modo, Savolainen (2008a) conclui que o comportamento informacional e a
prática informacional estão intimamente relacionados; são complementares embora
diferentes. Ambos os conceitos incorporam elementos comuns como "ação", mas não se
reduzem entre si. Ele considera que comportamento remete às tradições da psicologia e
as conceituações de prática à sociologia (com Bourdieu e Giddens) e filosofia social (com
Schutz, Schatzki e Wittgenstein).
A discussão entre Wilson e Savolainen mostra-se longe de encontrar definições
estáticas, consensos e pontos finais. O ponto de convergência entre eles é que o trabalho
de ambos gera frutos com os quais podem tecer reflexões, portanto, servem ao propósito
argumentativo estes dois autores muito bem. Ainda que não concordem com as
correspondentes posições teóricas, Wilson e Savolainen recomendam a leitura mútua
para quem é da área (de comportamento de informação e de práticas informacionais).
Na visão do EPIC, a ão do sujeito ante a informação é considerada então no
confronto da perspectiva do sujeito (o indivíduo, sua vontade e suas escolhas) com a
perspectiva objetivista (que independe das consciências individuais). Explica-se: a
relação do sujeito com o mundo, com o real, é mediada por referenciais construídos
coletivamente. Contudo alguns processos característicos que balizam a existência
humana no mundo (tais como interpretação, assimilação, introjeção, sociação)
redefinem estes referenciais de acordo com a subjetividade de cada individuo.
Estes referidos processos característicos da existência humana no mundo são
descritos por diversas correntes de pensamento; são vistos nas bases psicanalíticas, na
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epistemologia genética de Piaget (1896-1980) no interacionismo simbólico de Mead
(1863-1931), na cognição situada, que tem como expoentes Harold Garfinkel (1917-
2011), e Lucy Suchman [19--?] e muitas outras. Araújo (2017) didaticamente oferece o
cenário intelectual das ciências humanas e sociais, com suas escolas e tradições de
pesquisa mais significativas para o entendimento de práticas:
Quadro 2 - Quadro intelectual das ciências humanas e sociais (Lallement, 2004)
Fonte: Araújo, 2017, p. 219. Elaboração própria.
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Quadro 3 - Quadro intelectual das ciências humanas e sociais (Corcuff, 2001)
Fonte: Araújo, 2017, p. 219. Elaboração própria.
Quadro 4 - Quadro intelectual das ciências humanas e sociais (Bourdieu)
Fonte: Araújo, 2017, p. 219. Elaboração própria.
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Araújo cita ainda diversas outras propostas intelectuais de autores devotados ao
entendimento da realidade humana e social. Contudo, a mais adequada para Araújo
(2017) é a abordagem praxiológica, proposta por Bourdieu (1996), de onde vem a ideia
de práxis, ou seja:
o movimento por meio do qual os sujeitos agem no mundo e, como
causa e também consequência dessa ação, constroem esse mesmo
mundo. Essa é a ideia básica que fundamenta o conceito de “práticas”
presente na expressão práticas informacionais (ARAÚJO, 2017, p. 220).
Importa igualmente para o entendimento de práticas o conceito de habitus,
desenvolvido por Bourdieu como forma de superar as limitações de ambas as tendências:
a referida dicotomia subjetivismo/objetivismo. Isto pois, no entendimento de Bourdieu
(1996), endossado por Araújo (2017) a noção de habitus incorpora simultaneamente os
princípios de sociação e de individuação. Sociação por que a ação de um sujeito no
mundo vem permeada de juízos de valor vindos da sociedade; o apreendidos e
partilhados por um grupo submetido a um determinado condicionamento social. E a
individuação se marca, pois cada sujeito tem suas idiossincrasias próprias,
internalizando estes juízos em uma combinação incomparável de esquemas”
(WACQUANT, 2017, p. 215 apud ARAÙJO, 2017, p. 202.).
Sendo assim, este autor sintetiza que:
Estudar as práticas informacionais constitui-se num movimento
constante de capturar as disposições sociais, coletivas (os
significados socialmente partilhados do que é informação, do que é
sentir necessidade de informação, de quais são as fontes ou recursos
adequados) e também as elaborações e perspectivas individuais de
como se relacionar com a informação (a aceitação ou não das regras
sociais, a negociação das necessidades de informação, o reconhecimento
de uma ou outra fonte de informação como legítima, correta, atual), num
permanente tensionamento entre as duas dimensões, percebendo como
uma constitui a outra e vice-versa (ARAÚJO, 2017, p. 221, grifo do autor).
A partir da linguagem normas, regras, valores, conhecimento e cultura são
interpretados assimilados incorporados, transmitidos e compartilhados. Portanto, a
noção de interação, enquanto ação recíproca é um ponto chave para a concepção de
práticas informacionais. Há, então, uma negociação de significados e de discursos o
tempo todo. Rocha e Gandra (2018, p. 570) explicam que: a “dualidade entre as
dimensões individual e coletiva é um dos traços constituintes das práticas
informacionais”. A isto se soma o segundo ponto chave; a referida ideia de “práxis” que
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fundamenta a proposta do grupo e o terceiro: a contextualização do contexto (com a
licença do trocadilho).
Rocha e Gandra (2018, p. 574) declaram que:
A falta de consenso quanto ao conceito de contexto na área de estudo de
usuários levou Dervin (1997, p. 14) a afirmar que “[...] não um termo
mais usado, menos definido e, quando definido, o é de formas tão
diversas como contexto.
Estas autoras dizem ainda que após ampla revisão de literatura, Courtright (2007)
identifica cinco diferentes abordagens: contexto como invólucro; contexto como
significado construído; contexto como socialmente construído; contexto relacional e
contexto dinâmico. Diante da impossibilidade de detalhar a diferença essencial de cada
um, recomenda-se a leitura elucidando que a forma mais condizente com as práticas,
considera que em um determinado contexto podem surgir vários tipos de situação;
parte das atividades rotineiras. O contexto incorpora, portanto, a práxis e a dualidade
individual/coletiva, considerando-se estes três elementos a tríade para iniciar o
entendimento de práticas.
Afinal, práticas ou comportamento? As práticas são uma categoria do
comportamento (habitual) ou o comportamento é a incidência das práticas? Não há
veredito. Usualmente um novo paradigma ou uma nova abordagem de estudos surge de
desconfortos e de questões não resolvidas com o modelo anterior. A diferença de
abordagem com a qual o EPIC pretende estudar o sujeito fomenta um debate riquíssimo
tanto sobre a nova perspectiva, quanto sobre os limites e possibilidades de leitura da
perspectiva consolidada. O surgimento de outros olhares praticamente impele o
pesquisador a avaliar sua produção à luz da novidade. Assim cresce a ciência. Contudo,
naturalmente, são discussões que não se encerram. A melhor contribuição fica não no
consenso em si, mas nos diálogos que inspiram os pesquisadores.
4 A BE À LUZ DO CONCEITO DE PRÁTICAS
A linha de raciocínio que orienta esta produção não concebe o comportamento
informacional desvinculado do social e tampouco da forma (considerada limitada)
visualizada por Savolainen (2008) descrita na citação mencionada acima (ROCHA,
SIRIHAL DUARTE, PAULA, 2016, p. 40) e nesta que se segue:
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Conforme o entendimento de Coimbra (2008), as pesquisas sobre
comportamento informacional resultam, quase sempre, em modelos que,
apesar de relevantes, não são capazes de abarcar a totalidade dos
fenômenos possíveis na interação entre sujeitos e informação (ROCHA,
SIRIHAL DUARTE, PAULA, 2016, p. 37).
De fato, os modelos de comportamento informacional consagrados na literatura,
quando considerados em um viés essencialmente purista e dentro do paradigma
cognitivo (focando quase que exclusivamente nos processos particulares e individuais),
por si sós não respondem à completude do real. Contudo, originalmente estes não são
concebidos a parte dos referenciais que abrangem o estudo das práticas.
Diante desta perspectiva, traduz-se a preocupação de Sirihal Duarte e de todos os
bibliotecários escolares: como fazer com que a biblioteca escolar conquiste seu espaço,
colabore com o ensino e tenha sua efetividade? Chaves de resposta já eram consideradas
nas perspectivas de comportamento, que, contudo conclamam o conceito de práticas.
Excetos retirados do material analisado na breve revisão de literatura comprovam o
anseio de um novo olhar e a possibilidade de conjugar modelos clássicos do
comportamento com as práticas informacionais.
O primeiro que retratou o estado da arte das pesquisas em BE conclui que no
tocante aos estudos de usuários uma lacuna que dificulta o estabelecimento de
categorias de trabalho que conduzam a descobertas mais efetivas:
No que diz respeito à metodologia o uso de abordagens qualitativas em
grande parte dos estudos pode representar um esforço dos
autores/pesquisadores em se aprofundar “no mundo dos significados”,
ou seja, melhor entender os motivos, as aspirações, os valores, as
atitudes que envolvem o universo da biblioteca escolar. Pois, segundo
Minayo (2006), “esse tipo de método [...] além de permitir desvelar
processos sociais ainda pouco conhecidos referentes a grupos
particulares, propicia a construção de novas abordagens, revisão e
criação de novos conceitos e categorias [...]” (MINAYO, 2006, p. 57 apud
CAMPELLO et al, 2013 p. 146, grifo do autor).
Da mesma forma Felix e Sirihal Duarte (2015) ao pensar a biblioteca sob as lentes
da cultura escolar referem-se (p. 3), sobretudo à: “lógica de crenças e atitudes que
alguns dos sujeitos desta cultura professores, diretores e bibliotecários reproduzem
no cotidiano que determinam o modo com a escola organiza seu projeto educativo” (tipo
de informação essência das noções críticas de Savolainen; referentes ao dia a dia e não
necessariamente derivada da percepção de uma lacuna ou necessidade). As autoras
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pontuam ainda que as atitudes dos sujeitos (que em essência representariam o
comportamento e a práxis) articuladas com o contexto escolar em que cada biblioteca
está inserida (notando-se aqui o contexto das práticas) é uma abordagem pouco
explorada em pesquisas do campo (p. 2). A cultura escolar tratada nas práticas dos
sujeitos e como através delas, o cotidiano se constrói e se reconstrói (p. 4) representa
aqui a dualidade das práticas.
O modelo de comportamento informacional reproduzido no artigo Guided inquiry
(ANTUNES, SIRIHAL DUARTE, 2016) trabalha proposta da investigação guiada, de
Kuhlthau. Considera-se que esta tradicionalíssima vertente de comportamento
informacional e paradigma cognitivo conjuga as ideias de comportamento e práticas.
Isto pois, é pensada a partir da ideia inicial da busca dirigida preparar o aluno para o
aprendizado no decorrer da vida (competência informacional) ao invés de focar em uma
tarefa específica (enxerga-se aqui Savolainen, tanto no caráter da informação trabalhada
por ele, quanto na crítica feita de que o comportamento refere-se à lacunas pontuais e
mecânicas de informação). Trata-se de um processo constituído de duas partes: do
modelo de Kuhlthau do processo de busca de informações (modelo tradicional de
comportamento) e do estudo de um "terceiro espaço" ou “terceira dimensão”, teoria da
informação de Maniotes, que idealiza uma interseção dinâmica entre os conteúdos do
currículo escolar e dos conhecimentos do aluno, criando espaços de aprendizagem que
envolvem o educando fora de sala de aula (diálogo com práticas, na dualidade
subjetivo/objetivo, na noção de contexto e na orientação do social). É um modelo que
por conceber o aprender a aprender, permite inclusive trabalhar um conceito caro à
abordagem de práticas: o de serendidpidade (fazer descobertas inesperadas, cujos
resultados não se está procurando; devido à capacidade de observação e sagacidade).
De fato, pensar a escola da sociedade da informação é um desafio consciente de
que existe uma estreita vinculação da biblioteca à instituição em que está inserida. Neste
ponto de vista, ressalta-se outra fala de Wilson (2008) ao refletir as práticas:
No meu entendimento, o fenômeno comum é o comportamento humano,
que é composto de ações cognitivas, físicas e sociais, que constituem
atividades. Por exemplo, "pesquisa de informações" é uma atividade que
inclui várias ações para realizar a tarefa ou operação - ações como
efetuar logon em um computador, iniciar um navegador da Web, digitar
um termo de pesquisa e assim por diante. Antes da introdução da Web,
as ações teriam sido diferentes: visitar a biblioteca, localizar um diário
de resumos, pesquisar o índice de assunto, anotar números de item no
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papel, pesquisar esses números de itens, registrar itens potencialmente
relevantes e assim por diante. Bourdieu as coisas de maneira
semelhante quando fala das "unidades elementares de comportamento ...
na unidade de uma atividade organizada". De fato, examinando algumas
representações da teoria da prática, uma semelhança muito próxima
à teoria da atividade.
Resguardado o direito de amadurecer o pensamento, o entendimento que se
apresenta aqui é que o estudo de práticas evidencia aspectos silenciados nos estudos de
comportamento pelo olhar tradicional. Não se crê que os modelos de comportamento ou
a abrangência de seus significados sejam restritos e insuficientes para estudos
avançados, tal como mostra o artigo Guided inquiry. As práticas, contudo, estão
insinuando um caminho mais nítido: pensar nas ações informacionais adotadas pelos
indivíduos contextualizando-as com os significados socialmente partilhados, no caso os
significados de biblioteca.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A trajetória acadêmica de Sirihal Duarte, instituída em suas temáticas
pesquisadas, no seu perfil como docente, na sua produção registrada e no grupo de
estudos que liderou comprova a enorme contribuição deixada para a Biblioteconomia e
Ciência da Informação.
A breve síntese da revisão de literatura enfatizou como era grande o interesse, o
carinho e a preocupação de Sirihal Duarte com os rumos da biblioteca escolar. Deixou
também inspirações a serem seguidas e desenvolvidas. O mesmo ao que concerne o
grupo de estudos; considera-se que a grande relevância do EPIC não está na solução da
questão comportamento ou práticas, mas no esforço intelectual produzido na chegada
de uma nova proposta. Participar do EPIC e compartilhar dos conhecimentos de práticas
não implica necessariamente em denegar o comportamento. A capacidade de tomar um
determinado aspecto a ser trabalhado e decidir estudá-lo à luz do comportamento ou
práticas depende de cada pesquisador.
Diante de tudo que representou a convivência com Sirihal Duarte e do admirável
legado deixado por ela, torna-se difícil refrear a sensação de que ‘algo está muito errado’.
Sua partida prematura criou um vácuo que não será preenchido. E ao mesmo tempo, um
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pouco dela continua em cada um daqueles que ela marcou, com a sua competência,
afetividade, criatividade e cumplicidade. Rubem Alves (1994) é quem explica:
Ensinar é um exercício de imortalidade. De alguma forma continuamos a
viver naqueles cujos olhos aprenderam a ver o mundo pela magia da
nossa palavra. O professor não morrerá jamais.
As saudades serão sempre enormes; mas Adriana vive!
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