Revista de Psicologia, Fortaleza, v.14, e023007 jan./dez. 2023
DOI: 10.36517/revpsiufc.14.2023.7
RECEBIDO EM: 03/08/2022
PRIMEIRA DECISÃO EDITORIAL: 07/12/2022
VERSÃO FINAL: 16/01/2023
APROVADO EM: 06/02/2023
EFEITOS DA PANDEMIA: PERCEPÇÃO DE ESTRESSE E APOIO EM FAMÍLIAS COM FILHOS COM DESENVOLVIMENTO ATÍPICO
PANDEMIC’ EFFECTS: PERCEPTION OF STRESS AND SUPPORT IN FAMILIES WITH CHILDREN WITH ATYPICAL DEVELOPMENT
Beatriz Soares de Oliveira Souza
Graduada em Psicologia pela Universidade Vale do Rio Doce. E-mail: beatrizsosouza@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5835-2274.
Bruna Rocha de Almeida
Doutora em Psicologia. Professora do curso de Psicologia da Universidade Vale do Rio Doce. Brasil.E-mail: bruna.almeida@univale.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9291-9046.
Karen Mendes Graner
Doutora em Psicologia. Professora do curso de Psicologia da Universidade Vale do Rio Doce. Brasil. E-mail: karen.graner@univale.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7176-5778.
A pandemia da COVID-19 exigiu medidas de proteção que repercutiram no modo de vida das famílias. Os impactos podem ter sido mais intensos em famílias com crianças com deficiência ou transtorno global do desenvolvimento (TGD) que necessitam de cuidados e estímulos específicos. O objetivo deste estudo foi analisar o impacto do isolamento social na percepção de estresse, estresse parental e apoio social percebido por mães e pais de crianças com deficiência/TGD. Trata-se de um estudo transversal com 37 participantes, em duas fases independentes de coleta de dados (F1; F2). Utilizou-se instrumentos autoaplicáveis disponibilizados em um Formulário Google: Questionário Sociodemográfico; Questionário sobre percepção da influência do isolamento social na dinâmica familiar; Escala de Estresse Percebido; Escala de Estresse Parental e Escala de Apoio Social. Observou-se que a percepção de estresse em F2 foi significativamente maior que em F1 e em famílias com mais de um filho (p<0,05). A maioria das participantes referiu ter apoio familiar, profissional e institucional. Conclui-se que a sobrecarga com os cuidados dos filhos em pandemia possa ter favorecido elevada percepção de estresse entre as mães ao longo do tempo. Porém, apesar das dificuldades, o apoio social positivo parece ter favorecido a adaptação das famílias.
Palavras-chave: COVID-19; Desenvolvimento atípico; Estresse parental.
Abstract
The COVID-19 pandemic required protect actions with quarantine and social distancing, which had an impact on families’ lifestyle. The impacts of the pandemic may have been even more intense in families of children with disabilities or pervasive developmental disorder (PDD) who need specific care. This study aims to analyze the impact of the social distancing situation on the perception of stress, parental stress and perceived social support by mothers and fathers of children with disabilities/PDD with 11 years old or more, and associations between these variables. This is a cross-sectional study with 37 participants in two independent phases. The following self-administered instruments were available in a Google Form: Sociodemographic Questionnaire; Questionnaire on the perception of the influence of social distancing resulting from the pandemic on family dynamics; Perceived Stress Scale; Parental Stress Scale and Social Support Scale. There was a significatively higher stress perception between mothers in Phase 2 (P2>P1) and higher stress among families with more than one child. Most mothers referred social support, an increase in the stress perception with children care and stress comparing the phases. This study demonstrated the importance of social support to parents’ adaptation in stress increasing related to pandemic situation.
Keywords: COVID-19; Atypical development; Parental stress; Social support.
Em dezembro de 2019, a Organização Mundial de Saúde (OMS) foi comunicada sobre uma nova patologia de etiologia viral, causadora de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS-Cov), denominada COVID-19. Os primeiros casos da doença foram descobertos na China e o contágio se espalhou pelo mundo em pouco tempo. Devido ao forte potencial de transmissão do vírus, a OMS declarou estado de Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII) e categorizou a situação como se tratando de uma pandemia (Croda & Garcia, 2020).
De acordo com o Ministério da Saúde (2020a), no Brasil o primeiro caso de COVID-19 aconteceu na cidade de São Paulo, no início do mês de fevereiro do ano de 2020. Levando em consideração a gravidade e a complexidade da doença, foi decretada situação de emergência em Saúde Pública e foi constituído o Plano de Contingência Nacional para Infecção Humana pelo novo Coronavírus, baseado na Lei 13.979, de 6 de fevereiro de 2020. A partir deste documento para o enfrentamento da pandemia, foram decretadas medidas de proteção da coletividade através de quarentena e isolamento social.
Diante do impedimento de aglomerações e das medidas de isolamento decorrentes da pandemia da COVID-19, foi necessária a reorganização das atividades laborais de grande parte da população, tornando-se comum a substituição do trabalho presencial pelo home office (Losekann & Mourão, 2020). Nesse contexto, presenciou-se uma crise social e econômica com aumento do desemprego ou diminuição de carga horária de trabalho (IBGE, 2020), o que gerou preocupações financeiras e medo do futuro.
Outro impacto da medida de isolamento social tem sido observado em crianças, as quais foram impedidas de frequentar as escolas e ambientes sociais, tendo limitados aos contatos com os pares e o acesso a situações estimuladoras (Organização Mundial da Saúde, 2020; Sociedade Brasileira de Pediatria, 2020). Além disso, seus cuidadores precisaram conciliar o trabalho em home office com os cuidados domésticos, além de atender em tempo integral às demandas de cuidados com os filhos. Desta forma, a necessidade de ficar em casa devido à pandemia requereu reorganização familiar, impondo aos genitores e cuidadores de crianças a aquisição de novas responsabilidades, oferecendo maior suporte para os filhos nas tarefas escolares e nas atividades de vida diária (Lima, 2020).
Os impactos da pandemia parecem ter sido ainda mais intensos em pessoas com filhos entre zero e seis anos (Schonffedt & Bucker, 2022), com mais de dois filhos ou em famílias cujos pais eram profissionais da saúde (Carlos et al. 2020; Gonçalves, 2021), e naquelas cujo filho apresenta deficiência ou Transtorno Global do Desenvolvimento (TGD) (Sociedade Brasileira de Pediatria, 2020).
Cabe indicar que o nascimento de um filho com deficiência é uma experiência inesperada que requer adaptação e aceitação da família, favorecendo condições para o desenvolvimento da criança (Silva & Alves, 2021). É consenso na literatura que o nível de estresse parental nessas famílias tende a ser maior quando comparado a famílias com filhos com desenvolvimento típico (Cherubini, Bosa & Bandeira, 2008; Cunha, Santos & Carlos, 2016; Gonçalves, 2021; Shimidt & Bosa, 2007). Isso parece ocorrer, pois, após o nascimento de um filho com deficiência ou TGD, a família precisa se adaptar a diversas mudanças em seu estilo de vida que estão ligadas às rotinas de cuidados com a criança, às suas necessidades, às características da família e aos recursos disponíveis (Almeida, 2018; Londero, Souza, Rechia, van Hoogstraten & Franco, 2021).
A condição do filho, somada à demanda de cuidados, pode ser percebida como sobrecarga pelos genitores, com destaque às mães que geralmente são as cuidadoras primárias (Almeida, 2018; Braccialli, Bagagi, Sankako & Araújo, 2012; Ferreira, 2021; Rocha & Souza, 2018; Shimidt & Rosa, 2007). Diante da situação de vulnerabilidade e de dependência do filho com deficiência ou TGD, elas tendem a dedicar-se integralmente aos cuidados com o mesmo, além de assumir outras responsabilidades, acarretando percepção de sobrecarga emocional e física quando comparadas a mães com filhos com desenvolvimento típico (Almeida, 2018; Pereira-Silva, 2015; Zanatta, Menegazzo, Guimarães, Ferraz & da Motta, 2014). Assim, a intensidade do convívio diário e de cuidados contínuos prestados ao filho com deficiência ou TGD já eram indicadores de fator de risco para estresse entre os membros familiares (Cunha et al., 2016; Gomes & Bosa, 2004).
A avaliação da percepção de estresse pelos indivíduos pode ser realizada pela Escala de Estresse Percebido, identificando o estresse sob três aspetos: presença de agentes específicos que causam estresse, sintomas físicos e psicológicos do estresse e percepção geral de estresse (Dias, Silva, Maroco & Campos, 2015). Trata-se da investigação do grau com que os indivíduos acreditam que sua vida ocorreu de forma imprevisível, incontrolável e sobrecarregada durante o mês anterior à avaliação (Cohen et al., 1983). Desta forma, em função das características da criança e demandas de cuidado em razão da deficiência ou TGD, as mudanças provocadas pelo isolamento social podem ter potencializado as dificuldades diárias vivenciadas por essas famílias, atuando como fatores estressores exponencialmente maiores do que para famílias de crianças com desenvolvimento típico (Brito et al., 2020; Silva & Alves, 2021).
Além disso, considerando-se o estreitamento na convivência familiar devido às medidas de proteção à pandemia, o estresse pode emergir especificamente no contexto da parentalidade. A avaliação do estresse parental, por sua vez, avalia o desequilíbrio desadaptativo que ocorre quando o pai/mãe percebe que os recursos que possui são insuficientes para lidar com as exigências e demandas de seu compromisso com o papel parental (Brito & Faro, 2016).
Por fim, diante das demandas impostas pela criação e educação dos filhos com deficiência ou TGD, a disponibilidade de apoio social pode atuar como um fator de proteção à saúde mental dos genitores/cuidadores (Gonçalves, 2021; Juliano & Yunes, 2014; Shimidt & Bosa, 2007). O efeito principal do suporte social é permitir ao indivíduo enfrentar as situações adversas de forma mais positiva, contribuindo assim para o aumento de bem-estar psicológico e redução de estresse (Campos, 2004). No entanto, em situação da pandemia o acesso à rede de apoio se tornou restrito e isso possivelmente influenciou a vida das pessoas individualmente e do grupo familiar. Diante disso, tem-se como objetivo analisar o impacto da situação de isolamento social na percepção de estresse, estresse parental e apoio social percebido por mães e pais de crianças com deficiência/TGD de até 11 anos de idade e as possíveis associações entre essas variáveis.
Método
Trata-se de uma pesquisa do tipo transversal e descritiva com mães e pais que tinham ao menos um filho com deficiência ou TGD, com idade entre 10 meses a 11 anos. As coletas dos dados ocorreram em julho de 2020 (Fase 1/F1) ou em julho de 2021 (Fase 2/F2). Participaram da pesquisa 18 mães e três pais em F1, e 16 mães e um pai em F2, totalizando uma amostra de 37 sujeitos.
Para a coleta de dados foram utilizados os seguintes instrumentos autoaplicáveis: 1) Questionário sociodemográfico; 2) Escala de Estresse Percebido; 3) Escala de Estresse Parental; 4) Escala de Apoio Social.
1) O Questionário Sociodemográfico investigou variáveis como sexo, idade e escolaridade do participante, ocupação, moradia, renda do participante, e tipo de deficiência/TGD do filho.
2) A Escala de Estresse Percebido, elaborada por Cohen em 1983 e validada por Dias et al. (2015), avalia a percepção de estresse de adultos e tem sido amplamente utilizada em estudos brasileiros que já identificaram boa consistência interna, validade e confiabilidade (Faro, 2015; Luft, Sanches, Mazo & Andrade, 2007). A versão completa é composta por 14 itens estruturados em sentenças simples, tal como: “Você tem conseguido controlar as irritações em sua vida?” e “Você tem conseguido controlar a maneira como gasta seu tempo?”. Os itens são respondidos em uma escala de respostas do tipo Likert que varia de 0 (Nunca) a 4 (Sempre). O escore máximo possível é 56, sendo que quanto maior o escore do participante maior o indicativo de estresse percebido, subdividido em duas classificações: baixo nível, com a pontuação de 31 a 42, e alto nível, entre 43 a 56 pontos. Valores menores ou iguais a 30 representam ausência de sintomas de estresse e maiores que este valor há presença de sintomas de estresse (Cohen, 1988 conforme citado por Benassule, Cavalcante & Lamy-Filho, 2020).
3) A Escala de Estresse Parental, elaborada por Berry e Jones em 1995, traduzida e adaptada por Brito e Faro (2017), objetiva medir o nível de estresse vivenciado por mães e pais de filhos com idade menor que 18 anos em função das práticas parentais. Seus itens investigam duas facetas da parentalidade: prazer e tensão, pontuando de 0 (Discordo totalmente) a 4 (Concordo totalmente). São exemplos de itens: “Eu gosto de passar o tempo com o meu filho(a)” e “Ter filhos deixa pouco tempo e flexibilidade em minha vida”. O escore total é obtido a partir da somatória de todos os itens, podendo variar entre 0 e 64, indicando que quanto menor a pontuação do participante, menor o nível de estresse parental experienciado. O estudo psicométrico brasileiro realizado por Brito e Faro (2017) demonstrou que a escala apresenta consistência interna adequada e evidências de validade concorrente com o a Escala de Estresse Percebido.
4) A Escala de Apoio Familiar, elaborada Dunst e colaboradores em 1994 e traduzida por Nunes (2006), é composta por 18 itens, com medidas de autorrelato designadas a avaliar em que grau os recursos potenciais de apoio têm sido suportivos às famílias, em termos de cuidado e educação dos filhos. Tais recursos referem-se a indivíduos (marido/esposa, pais, amigos, profissionais) e grupos (igreja, escola). O participante é solicitado a responder a questão “Quão colaborador cada uma das pessoas ou grupos tem sido para você em termos de cuidados e educação de seu filho nos últimos dois meses?”. A classificação é indicada numa escala do tipo Likert variando de um a cinco pontos (nunca colabora, algumas vezes colabora, geralmente colabora, colabora muito, colabora extremamente). Se alguma das fontes de apoio indicadas não estiver disponível para a família durante o período referido, a resposta deve ser não disponível (ND). Embora não tenham sido realizados estudos psicométricos da Escala de Apoio Familiar, Nunes (2006) encontrou boa validade de conteúdo e de semântica do instrumento em seu estudo.
O projeto obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (parecer no.4.103.041). Os dados foram coletados de forma online por Formulário Google divulgado em redes sociais e grupos de mensagens em mídia digital. Ao acessar o aplicativo, os participantes tiveram acesso a uma breve explicação sobre a pesquisa. Àqueles que se interessaram em participar, foi-lhes apresentado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e, nas próximas seções do formulário, os respondentes tiveram acesso aos instrumentos da pesquisa. Ao finalizar o preenchimento, os participantes submetiam suas respostas que eram registradas em um banco de dados em planilha Excel. Destaca-se que, apesar de ter havido uma maior frequência de respondentes mulheres, não foi feita distinção entre gêneros durante a realização do recrutamento dos participantes.
Os dados foram analisados com o auxílio do software Stata 12. Primeiramente, realizou-se análise descritiva simples para conferência de possíveis inconsistências e obtenção de frequência absoluta e relativa, médias e respectivos desvio-padrão. Em seguida, o coeficiente de correlação paramétrico de Pearson foi utilizado para avaliar a existência de associações entre os indicadores de estresse percebido, estresse parental e apoio social, e 1) a fase da coleta de dados e 2) as características sociodemográficas dos participantes, a saber: ser mãe ou pai, idade, escolaridade, estado civil, quantidade de filhos, renda familiar, diminuição de renda familiar durante a pandemia, situação de emprego dos cônjuges. Consideraram-se como significativas associações cujo p-valor foi ou menor ou igual a 0,05.
Em razão do número reduzido de pais participantes desta pesquisa, a análise de comparação entre as duas fases da coleta de dados foi realizada apenas com as respostas das mães. Importa destacar que a divulgação da pesquisa ocorreu tanto para o público masculino, quanto para o feminino, não sendo intencional a baixa adesão de pais participantes.
Resultados
O presente estudo gerou resultados sobre estresse, estresse parental e apoio social de famílias com filhos com deficiência ou TGD. A seguir, serão apresentados os resultados obtidos pela análise dos dados referentes à Escala de Estresse Percebido, seguido pela Escala de Estresse Parental e Escala de Apoio Familiar, bem como as associações entre as variáveis.
Conforme apresentado na Tabela 1, a maior parte dos participantes tinha entre 31 e 45 anos, elevada escolaridade (pós-graduação - 49,64%), um ou dois filhos (89,2%), e recebiam entre um e dois salários mínimos (43,24%). Destaca-se que 32,5% referiram receber acima de seis salários mínimos e 51,2% perceberam redução da renda após o início da pandemia.
A Tabela 2 apresenta a distribuição dos participantes de acordo com o tipo de deficiência ou TGD do filho.
Genitores/cuidadores de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) foram os participantes mais frequentes (n=19).
Na Tabela 3 constam apenas as variáveis cujas associações apresentaram diferença significativa (p≤0,05).
Ao comparar as respostas das mães nas duas fases da coleta de dados, observa-se que as médias de estresse percebido (F1=18,0; F2=31,8) e estresse parental (F1=15,0; F2=18,7) apresentaram um discreto aumento, sendo mais evidente na primeira variável (estresse percebido).
Quando comparado o nível de estresse percebido e o estresse parental em mães de acordo com a quantidade de filhos, observou-se que as primíparas apresentam menores médias como pode ser visualizado na Tabela 3.
Ressalta-se que nenhum participante apresentou pontuação acima de trinta na Escala de Estresse Percebido em F1, o que representa ausência de sintomas de estresse. Já em F2, oito mães e um pai apresentaram pontuação acima do ponto de corte apontando presença de sintomas de estresse. Observou-se associação estatisticamente significativa entre estresse percebido e quantidade de filhos (p=0,01) e estresse percebido e a fase de coleta de dados (p=0,0). Não houve associação significativa entre estresse parental e as variáveis sociodemográficas e apoio familiar. Também não foi encontrada diferenças significativas entre as respostas de mães e pais.
Alguns itens da Escala de Estresse Parental apresentaram maior pontuação tanto por mães quanto por pais, em uma escala de 0 a 4. São eles: “Tempo e energia gastos nos cuidados com o filho” (mães: x= 2,60; pais: x= 2,75); “Sentir sobrecarregada pela responsabilidade de ser mãe/pai” (mães: x= 2,09; pais: x= 1,25); e “Possuir pouco tempo e flexibilidade na vida” (mães: x= 1,93; pais: x= 2). Conforme se observa, tempo e energia gastos nos cuidados com o filho é o fator mais estressor dentre os elencados pelo instrumento.
Itens positivos como “Eu acho meu filho agradável” (mães: x=0,19; pais: x=0), “Meu filho é uma importante fonte de carinho para mim” (mães: x=0,19; pais: x=0), “Ter filho me dá uma visão mais otimista para o futuro” (mães: x=0,56; pais: x=1) e “Estou satisfeito como pai/mãe” (mães: x=0,62; pais: x=2) foram marcados com frequência e, ao serem convertidos conforme a orientação dos autores do instrumento, tiveram baixa pontuação, o que indica um fator protetivo já que quanto mais próximo de zero, maior a força dos itens positivos. Assim, é possível perceber que os fatores positivos relacionados à parentalidade podem estar favorecendo a ausência ou diminuição do nível de estresse parental.
No que se refere ao apoio social recebido pelos participantes, a maioria afirmou dispor de apoio profissional, institucional e familiar, conforme pode ser visualizado na Tabela 4.
Sobre a qualidade do apoio social recebido, os participantes perceberam maior colaboração dos cônjuges, seguida da colaboração de familiares e profissionais, conforme pode ser visualizado na Figura 1.
Não foi encontrada associação estatisticamente significativa entre o apoio social percebido e as variáveis sociodemográficas da família, bem como os índices de estresse e estresse parental dos genitores.
Discussão
Com a pandemia da COVID-19, grande parte dos brasileiros precisaram ficar em casa cumprindo as normas de isolamento social, o que gerou uma sobrecarga nos genitores/cuidadores de crianças, já que estes foram submetidos a uma maior demanda de cuidados com os filhos. Além disso, muitos precisaram conciliar o trabalho em home office e as atividades domésticas, o que pode ter impactado diretamente na organização familiar e na percepção de estresse e cansaço dos cuidadores.
O presente estudo identificou aumento da média de estresse percebido por mães na segunda fase da coleta de dados (Julho de 2021), quando comparado à primeira (Julho de 2020). Além disso, na primeira, nenhum genitor apresentou sintomas significativos de estresse. Já na segunda fase, nove participantes apresentaram sintomas. É possível supor que o tempo decorrido da pandemia esteja associado ao desgaste emocional dos genitores em relação às demandas do dia a dia, em especial com seus filhos com deficiência/TGD, o que aumentaria o nível de estresse percebido. Embora não tenha sido encontrado estudos que associassem a percepção de estresse de genitores com as repercussões da pandemia da COVID-19, o Ministério da Saúde (2020b) alertou sobre a possibilidade de aumento de sintomas psíquicos, em especial o estresse, durante este período, indicando, inclusive que o convívio prolongado dentro da residência atuaria como fator de risco para o desajuste familiar.
Ressalta-se que a literatura sustenta que mães de crianças com deficiência/TGD apresentam maiores níveis de estresse quando comparadas a mães com filhos com desenvolvimento típico (Estanieski & Guarany, 2015). Apesar de no presente estudo a maior parte dos participantes não ter apresentado sintomas significativos, Schmidt e Bosa (2007) identificaram que 70% das mães investigadas apresentaram indicadores de estresse. Sintomas desta condição em genitores de crianças com deficiência/TGD têm sido relatados frequentemente pela literatura que relaciona o estresse à alta carga de demanda de cuidados com o filho, acarretando em percepção de sobrecarga emocional, física e financeira dos cuidadores, especialmente mães que atuam como cuidadoras primárias (Favero & Santos, 2005; Londero et al., 2021). Além disso, a presença de uma criança com deficiência na família pode implicar em restrição social dos genitores, instabilidade financeira devido às despesas com o tratamento, desgastes das relações familiares, mudança na dinâmica familiar e exaustão física e mental causada pelas atividades de cuidado com o filho (Dantas, Neves, Ribeiro, Brito & Batista, 2019; Oliveira & Poletto, 2015).
Cuidar de um filho com deficiência/TGD, durante a pandemia da COVID-19, pode ter sido um grande desafio para os genitores, em especial para as mães, uma vez que o esgotamento emocional e físico próprio da maternidade, somado às dificuldades e demandas de cuidados de um filho com desenvolvimento atípico durante o isolamento social pode ter tornado a rotina de cuidados ainda mais desafiadora e exaustiva. Brito et al. (2020), ao pesquisar famílias de crianças com autismo, ressaltaram que as mudanças provocadas pelo isolamento social podem ter funcionado como fatores estressores exponencialmente maiores para famílias de crianças com deficiência/TGD do que para famílias de crianças com desenvolvimento típico, já que para além dos cuidados demandados por uma criança, o filho com deficiência/TGD exige cuidados e estimulação específicos.
É interessante notar que os participantes com dois filhos ou mais apresentaram média de estresse significativamente maior quando comparados aos participantes com um só filho. Possivelmente isso se deve à demanda de cuidados parentais e atividades domésticas que são ampliadas com a presença de mais de um filho na família, especialmente quando uma criança tem deficiência/TGD.
Quanto ao estresse parental, os resultados desta pesquisa indicam que, apesar de não haver significância estatística, na segunda fase da coleta de dados houve um aumento da média desta variável, o que pode indicar que a situação da pandemia tenha afetado negativamente a relação parental. Cabe dizer que o contexto gerado pela pandemia da COVID-19 naturalmente ocasiona aflição e angústia nas pessoas. Estas emoções podem ser maximizadas quando somadas às outras preocupações geradas pela situação de isolamento social e a todas consequentes mudanças na organização familiar, incluindo a rotina de cuidados com o filho com deficiência/TGD, o que pode potencializar os sentimentos de estresse relativos às demandas da parentalidade.
Um fator de proteção importante às famílias de crianças com deficiência/TGD é o apoio social recebido. Observa-se, nas famílias pesquisadas, satisfatória rede de apoio, composta familiares, amigos/colegas, instituições e profissionais. Destaca-se que, consoante com o estudo de Dessen e Braz (2000), nesta pesquisa o agente que mais apoiou os participantes no que concerne aos cuidados com seus filhos foi o conjuge. Bradford (1997, conforme citado por Shimitid & Bosa, 2007) ressaltou que o suporte conjugal e social exerce uma função importante na adaptação das famílias que possuem um membro com alguma deficiência. Já no que se refere à rede de apoio familiar, observou-se maior participação dos avós como agente de apoio, conforme indica a literatura (Almeida, 2014; Dessen & Braz, 2000).
Ademais, profissionais e instituições apareceram com frequência como importantes componentes da rede de apoio às famílias de crianças com deficiência/TGD. Vale destacar a relevância do apoio intitucional e profissional ao oferecer informações, orientações, acolhimento e atendimento profissional (Schimidt & Bosa, 2007), imprescindíveis ao desenvolvimento saudável da criança com deficiência/TGD e da sua família, especialmente em tempos de pandemia.
Considerações Finais
Devido à pandemia da COVID-19, algumas medidas de proteção da coletividade foram necessárias influenciando a vida das pessoas e a dinâmica familiar. Considerando as famílias com filhos com deficiência/TGD, os impactos do isolamento da pandemia podem ter sido ainda maiores, uma vez que crianças com deficiência/TGD demandam cuidados especificos, podendo levar os genitores a uma maior sobrecarga, aumentando o seu nível de estresse. Sendo assim, o presente trabalho identificou que o desgaste emocional dos genitores em relação às demandas do dia a dia pode estar associado ao tempo decorrido da pandemia, o que influenciou na percepção de estresse. Além disso, a quantidade de filhos também se mostrou um fator de risco ao estresse percebido e isso pode ser explicado pelo aumento das demandas parentais em famílias com dois filhos ou mais. Destaca-se que não foram encontrados índices preocupantes referente ao estresse parental.
O apoio social é um forte fator de proteção às famílias e neste estudo nota-se que os cônjuges, avós, profissionais e instituições aparecem, com maior frequência, como fonte de apoio importante para as famílias de crianças com deficiência/TGD, o que pode ter atuado como proteção à dinâmica familiar, apesar de não terem sido encontradas associações significativas entre apoio familiar e as outras variáveis investigadas. São necessários novos estudos com amostras maiores e mais diversificadas, incluindo a maior presença de pais e outros familiares como irmãos e avós, visando a melhor compreensão dos efeitos da pandemia na dinâmica de famílias com filhos com deficiência/TGD.
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