Revista de Psicologia, Fortaleza, v.14, e023009 jan./dez. 2023

DOI: 10.36517/revpsiufc.14.2023.9

RECEBIDO EM: 23/09/2022

PRIMEIRA DECISÃO EDITORIAL: 23/01/2023

VERSÃO FINAL: 07/02/2023

APROVADO EM: 17/02/2023

Laudo e Diagnóstico como Dispositivos de (Ex)Inclusão Escolar: Uma Revisão Sistemática

Report and Diagnosis as Devices of School (Ex)inclusion: A Systematic Review

Luciana Queiroz Fontenele

Doutoranda em Psicologia na Universidade Federal do Ceará (UFC), Professora do curso de Psicologia na Universidade de Fortaleza (UNIFOR), Fortaleza – CE. Brasil. E-mail: lucianaqf@unifor.br ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0778-0121

Letícia Leite Bessa

Mestra em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Professora do curso de Psicologia na Universidade de Fortaleza (UNIFOR), Fortaleza – CE. Brasil. E-mail: leticiabessa@unifor.br ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0502-1965

Tadeu Lucas de Lavor Filho

Doutorando em Psicologia na Universidade Federal do Ceará (UFC), Fortaleza – CE. Brasil. Professor do curso de Psicologia do Centro Universitário Vale do Salgado (UNIVS). E-mail: tadeulucaslf@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2687-1894

José Alves de Souza Filho

Doutor em psicologia na Universidade Federal do Ceará (UFC), Fortaleza – CE. Professor da Universidade Federal do Pará (UFPA), Belém-PA, Brasil. E-mail: josefilhoss@gmail.com ORCID: http://orcid.org/0000-0001-8059-9196

Luciana Lobo Miranda

Doutora em Psicologia pela Pontifica Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Professora Titular do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Ceará (UFC), Fortaleza – CE. Brasil. E-mail: luciana.miranda@ufc.br ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7838-8098

Resumo

Este artigo de revisão sistemática analisou produções e pesquisas científicas a respeito de práticas escolares que fazem uso de laudos e diagnósticos no contexto da inclusão escolar no Brasil, no período de 2009 a 2019, objetivando acessar as contingências desse uso enquanto um dispositivo de (ex)inclusão. Para tanto, foi realizada busca no Portal Periódicos CAPES, utilizando os descritores "diagnóstico" and “educação especial”, “diagnóstico” and “inclusão escolar”, “laudo” and “educação especial” e “laudo” and “inclusão escolar”, o que resultou em 261 artigos submetidos à Revisão por Pares. Após aplicação de critérios de inclusão e exclusão, obteve-se a amostra final de 13 artigos, publicados em 8 periódicos, com predominância das regiões Sul e Centro-Oeste, e equilíbrio entre estudos teóricos e empíricos. De um modo geral, os estudos apresentam dois tipos de posicionamentos a respeito do uso de laudos e diagnósticos nas práticas de inclusão: reconhecem efeitos patologizantes e limitantes; mas também identificam situações em que laudos e diagnósticos se fazem necessários. As práticas tematizadas dão pistas de que a inclusão como educação para todos se impõe ainda como um desafio a educadores e pesquisadores da área.

Palavras-chave: Laudo; diagnóstico; inclusão escolar.

Abstract

This systematic review article analyzed scientific production and research on school practices that make use of reports and diagnoses in the context of school inclusion in Brazil, in the period from 2009 to 2019, aiming to access the contingencies of this use as a device of (ex)inclusion. To this end, a search was conducted in the CAPES Portal Periódicos, using the descriptors "diagnosis" and "special education", "diagnosis" and "school inclusion", "report" and "special education" and "report" and "school inclusion", which resulted in 261 articles submitted to Peer Review. After applying inclusion and exclusion criteria, a final sample of 13 articles was obtained, published in 8 journals, with predominance of the South and Midwest regions, and balance between theoretical and empirical studies. In general, the studies present two types of positions regarding the use of reports and diagnoses in inclusion practices: they recognize pathologizing and limiting effects; but they also identify situations in which reports and diagnoses are necessary. The practices discussed give clues that inclusion as education for all is still a challenge to educators and researchers in the field.

Keywords: Report; diagnosis; school inclusion.

A inclusão escolar é considerada atualmente uma pauta que atravessa várias discussões do âmbito educacional no Brasil e no mundo. Independentemente do segmento ou modalidade, da esfera pública ou privada, as escolas vêm se deparando com a necessidade de rever suas práticas em nome do desafio de trabalhar com todos os alunos. Para Carvalho (2019, p. 40), o conceito de escolas inclusivas “implica incondicionalmente a mudança de atitudes frente às diferenças individuais, desenvolvendo-se a consciência de que somos todos diferentes uns dos outros e de nós mesmos porque evoluímos e nos modificamos”. A autora problematiza a visão da inclusão como uma proposta restrita à passagem de estudantes com deficiência de escolas ou classes especiais para as escolas regulares, ampliando a compreensão do processo em si da inclusão, e do público ao qual a educação inclusiva se direciona. Destaca a necessidade de uma transformação nos sistemas educacionais e na escola que implica uma revisão de aspectos políticos, sociais e pedagógicos em prol de melhorias para todos, mas defende a permanência de serviços especializados (considerados serviços da Educação Especial), tais como profissionais de apoio e adaptações curriculares para todos os que precisarem.

Na visão da educadora e pesquisadora Mantoan (2015, 2017, 2022), a inclusão implica uma mudança no paradigma educacional, uma transformação radical da escola, de modo que ela possa atender a todos os alunos “sem discriminar, sem trabalhar à parte com alguns deles, sem estabelecer regras específicas para planejar, ensinar e avaliar alguns por meio de currículos adaptados, atividades diferenciadas, avaliações simplificadas em seus objetivos” (Mantoan, 2015, p. 28). Nessa compreensão, a inclusão é incompatível com os serviços especializados da Educação Especial, pois são considerados segregadores.

Embora a inclusão seja pensada a partir de sentidos distintos, principalmente em seu aspecto mais pragmático, o ponto comum que é defendido por ambas as visões é o sentido da inclusão como educação para todos, em superação a concepções e práticas anteriores que tinham como objetivo o agrupamento de pessoas com necessidades educacionais especiais (NEE) em escolas ou classes especiais, ou mesmo a inserção dessas pessoas em escolas ou classes regulares a partir de programas específicos condicionados ao grau de sua deficiência, o que foi denominado como integração escolar (Mantoan, 2015). Na perspectiva da inclusão, a escola e o sistema educacional, como um todo, devem se adaptar às especificidades de todos os alunos, e não o contrário.

O movimento pela inclusão no Brasil, amparado legalmente por vários documentos, inclusive convenções internacionais das quais o país é signatário, tem como legislação mais recente o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei n. 13.146, 2015) ou Lei Brasileira de Inclusão (LBI). Esta lei, que ratifica acordos já firmados voltados à inclusão em seu sentido mais amplo, dedica um capítulo à educação, no qual pactua com a visão de que todas as pessoas devem estar na escola e que todas as escolas devem receber todo e qualquer aluno, independentemente das necessidades do discente e/ou das condições da escola.

Mesmo com um caminho já percorrido no que diz respeito aos aspectos legais, ainda há muito o que se construir no Brasil em direção a uma educação efetivamente para todos. Uma escola para todos, por exemplo, deve prescindir de recortes que especifiquem o público para o qual ela direciona intervenções flexibilizadas, uma vez que essa flexibilização deve ser pensada a partir das particularidades de todo e qualquer estudante. No entanto, quem atua em escola ou tem algum outro tipo de contato com o que hoje se nomeia educação inclusiva, certamente já teve acesso a situações em que este público precisou ser demarcado para a tomada de decisões em relação a ele: escolas que condicionam a entrada ou a permanência de estudantes com alguma NEE à presença de um laudo que ateste seu diagnóstico; a afirmação de que aluno com laudo não pode reprovar; a justificativa da não contabilização da nota de alunos com NEE mediante apresentação de um laudo na realização das avaliações diagnósticas de aprendizagem, tais como Prova Brasil, Provinha Brasil e Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB); por fim, a procura por laudos para justificar o ingresso de estudantes no serviço de Atendimento Educacional Especializado (AEE) das escolas regulares onde estudam.

Assim, seja para justificar a ausência, a presença, ou a permanência do aluno em algum serviço da escola, o laudo, um documento de caráter clínico que contém um parecer diagnóstico, vem ocupando espaço no discurso pedagógico no que diz respeito ao desenho do público e das práticas de inclusão, o que justifica a necessidade de uma investigação e uma análise sobre como a inserção de laudos e diagnósticos no discurso pedagógico, sobretudo relacionado à inclusão, está ocorrendo. Dentro de um processo que, teoricamente, caminha em direção a uma educação para todos, por que se faz necessário operar recortes a partir de diagnósticos documentados em laudos clínicos? Que práticas estão em jogo nas tomadas de decisões relativas ao uso desses laudos e dos pareceres diagnósticos que eles apresentam?

 O serviço de Atendimento Educacional Especializado (AEE), mencionado acima, foi instituído pela Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008) e é caracterizado como um conjunto de atividades e recursos de acessibilidade complementar ou suplementar à formação dos alunos no ensino regular, destinado aos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação matriculados na rede pública. Percebemos que esta Política opera um recorte sobre o público que deve ser atendido, referindo-se a quadros diagnósticos bem específicos. Esse recorte pode ter impulsionado a busca por laudos clínicos, uma vez que o laudo consiste em um instrumento que atesta um diagnóstico, sendo, portanto, a materialidade que garante que o aluno atende aos critérios do serviço. Em 2014, no entanto, o MEC lançou a Nota Técnica nº 04 (Ministério da Educação, 2014), com o assunto: Orientação quanto a documentos comprobatórios de alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação no Censo Escolar. Segundo essa orientação, a escola não pode condicionar o acesso do aluno à presença de um laudo, pois o AEE se caracteriza por atendimento pedagógico e não clínico.

Apesar dos avanços gerados por essa Nota Técnica, outros documentos que subsidiam a política do AEE, contraditoriamente, tratam a deficiência a partir de critérios clínicos e individuais, amparados em concepções médicas, com destaque para as limitações, doenças e/ou incapacidades do estudante (Kranz & Campos, 2020). Mesmo que o Brasil seja signatário de acordos internacionais que adotam concepções progressistas, que consideram as potencialidades individuais e os contextos sociais com um olhar mais amplo para a deficiência, as políticas de educação no Brasil, numa concepção tradicional, ainda são perpassadas por leituras medicalizantes da deficiência, reforçando práticas escolares relacionadas a laudos e diagnósticos.

Nessa direção, estudo de Fontoura e Sardagna (2021) junto a professores problematiza a solicitação do laudo como uma prática escolar frequente com a finalidade de identificar os estudantes que escapam às normas constituídas socialmente. Assim como Kranz e Campos (2020), as autoras mencionam a Nota Técnica nº 04/2014 como um documento que enfatiza o atendimento pedagógico do AEE e também apontam a presença de termos do campo biomédico no delineamento do público-alvo atendido no serviço. A partir da identificação acerca da expressiva importância que os educadores atribuem aos saberes da saúde no cotidiano escolar, o estudo apresenta as seguintes reflexões:

como poderia um laudo, contendo um código que se refere à taxonomia da suposta síndrome, transtorno ou deficiência, orientar a prática pedagógica? De que maneira o laudo médico de um profissional que não conhece o cotidiano educacional vai orientar a escolarização? (Fontoura & Sardagna, 2021, p. 22)

As práticas que privilegiam o clínico em detrimento do pedagógico potencializam uma compreensão medicalizante dos fenômenos escolares. Medicalização da vida é entendida como um processo segundo o qual as queixas relacionadas à aprendizagem ou ao comportamento dos alunos, independentemente de sua origem social, política ou escolar, são tratadas como problemas individuais e biológicos, o que endossa a busca por encaminhamentos para avaliações dos especialistas clínicos (Meira, 2012).

A discussão de como laudos e diagnósticos atravessam as práticas escolares convoca-nos a um olhar crítico para a inclusão, no sentido de problematizarmos as condições que circunscrevem a emergência dessas práticas (Veiga-Neto & Lopes, 2011). Dessa forma, por meio de uma revisão sistemática, que partiu da pergunta: ‘como são tematizadas as práticas que fazem uso de laudo e diagnósticos no contexto da inclusão escolar?’, objetivamos acessar as contingências do uso de laudos e diagnósticos no contexto da inclusão escolar no Brasil, no período de 2009 a 2019, enquanto um dispositivo de (ex)inclusão. Laudos e diagnósticos podem ser enunciados como dispositivos quando se parte da premissa de que algo é produzido a partir deles numa articulação entre saber e poder (Foucault, 2017).

Para concluir essa seção, apresentamos algumas ressalvas. Esclarecemos que faremos uso do termo Necessidades Educacionais Especiais (NEE) ao nos referirmos à situação de estudantes no contexto das práticas inclusivas por entendermos que é um termo mais amplo, que contempla, além das deficiências, outros quadros aos quais, em geral, dirigem-se as intervenções no âmbito da inclusão escolar. Também justificamos o uso da expressão (ex)inclusão nesse texto como adesão ao olhar crítico que, nesse caso, enxerga a inclusão não como o oposto da exclusão (Veiga-Neto & Lopes, 2011). Filiamo-nos à compreensão de que inclusão e exclusão são, muitas vezes, simultaneamente produzidas e se fundem no contexto das práticas escolares.

Método

Operacionalizamos uma revisão sistemática conforme pistas de orientação dos autores Sampaio e Mancini (2007), a saber: a) elaboração e definição de uma pergunta de partida factível e delimitada sobre a investigação; b) elaboração de estratégias de busca e coleta de artigos nos portais de busca; c) revisão e seleção dos estudos; d) análise das evidências e metodologias dos estudos incluídos, e por fim, e) escrita de redação e apresentação da síntese elaborada.

Por meio dessas orientações metodológicas, a revisão sistemática nos ajuda a fazer uma interpretação sintética e consolidada sobre um determinado tema, tendo em vista que a processualidade foi garantida a partir de uma condução rigorosa, factível, imparcial e abrangente da literatura (Donato & Donato, 2019). Diferenciando-se de uma revisão integrativa que busca de forma abrangente responder um escopo de conhecimento, a revisão sistemática a partir de seu rigor metodológico se debruça em responder enfaticamente uma pergunta específica em problema situado (Ercole, Melo & Alcoforado, 2014). A escrita textual seguiu as orientações do guia de redação do PRISMA - Principais Itens para Relatar Revisões sistemáticas e Meta-análise (Galvão, Pansani & Harrad, 2015).

Realizamos nossa busca no Portal Periódicos CAPES em Maio de 2020. A escolha da plataforma deve-se à sua sincronia com diversas bases de dados de periódicos científicos indexados. O recorte temporal foi o período entre 2009 e 2019 por compreendermos que, como a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008) demarca quem é o público da educação especial (alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação), a partir dela poderia ter sido intensificada a busca por laudos e diagnósticos nesses 11 anos subsequentes à sua promulgação. Para o levantamento foram elencados os seguintes descritores: "diagnóstico" and “educação especial”, “diagnóstico” and “inclusão escolar”, “laudo” and “educação especial” e “laudo” and “inclusão escolar”, que resultou um somatório de 266 produtos, sendo 261 artigos caracterizados em seus periódicos por possuírem rigor de avaliação por Revisão por Pares. Ilustra-se a estratégia de busca no fluxograma da figura 1.

 

 

Iniciamos o primeiro processo de exclusão, tendo como base duplicidade, resenhas, textos editoriais ou não disponíveis virtualmente, ficando 196. Logo após, foi iniciada a avaliação de títulos, resumo, palavras-chave para analisar suas discussões sintonizadas com a proposta da presente revisão, tendo como resultado obtido o quantitativo de 13 artigos. Para esse processo, foi realizada a seleção pareável, isto é, dois juízes-autores com experiência de produção e publicação de revisões sistemáticas executaram separadamente a avaliação de inclusão dos estudos, tendo resolvido conjuntamente as eventuais discordâncias. A análise de síntese dos 13 artigos foi realizada por mais dois autores, com isso, quatro autores fizeram a extração das informações, as quais apresentamos nas seções seguintes.

Resultados

Os 13 artigos analisados foram publicados em 8 periódicos diferentes, sendo 4 estudos no periódico Acta Scientiarum Education; 2 no Psicologia: Teoria e Pesquisa; 1 no Periferia: Educação, Cultura & Comunicação; 1 no Athenea Digital: Revista de Pensamiento e Investigación Social; 1 no Educação & Realidade; 1 no Educación; 1 no Revista Quadrimestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional; 1 na Revista Educação e Emancipação e 1 no Sustinere - Revista de Saúde e Educação. Quanto ao escopo desses 8 periódicos, 4 são da Educação; 1 da Psicologia, 1 da Psicologia Escolar e Educacional, 1 da Educação, Ciências Humanas e Sociais e 1 da Saúde e Educação.

As produções são de autores com vinculação institucional brasileira e distribuídas entre as regiões do país da seguinte forma: 5 do Sul; 4 do Centro-Oeste; 2 do Sudeste; 1 do Norte e 1 do Nordeste. A respeito do período das produções, observamos que no intervalo de 2009 a 2019 foram publicados 1 a 2 artigos por ano, com exceção de 2013 quando não houve publicação: 1 em 2009; 1 em 2010; 1 em 2011; 2 em 2012; 1 em 2014; 2 em 2015; 1 em 2016; 2 em 2017; 1 em 2018 e 1 em 2019.

Quanto à modalidade de artigo, 7 são empíricos e 6 teóricos, fazendo uso das seguintes ferramentas metodológicas: entrevista (6); análise documental (4); observação participante (2); diário de campo (1) e revisão bibliográfica de literatura (4). Acerca das orientações teóricas e/ou epistemológicas, identificamos 2 estudos sob referencial da Teoria Histórico-Cultural; 1 apoiado na Análise do comportamento; 1 na Organização do Trabalho Didático; 1 referendado na Psicologia Social Crítica e 1 no Pós-estruturalismo. Chama atenção, contudo, que dos 13 artigos, 7 (Christmann & Pavão, 2018; Bridi & Meirelles, 2014; Tada, Lima, Melo & Correio, 2012; Silva et al., 2019; Luz, Gomes & Lira, 2017; Heredero, 2010; Leite & Silva, 2012) não explicitaram nenhuma moldura teórico-epistemológica.

A respeito dos termos laudo e diagnóstico, observamos que 8 dos 13 artigos referem-se a laudo e todos os 13 falam de diagnóstico. Sobre laudo: 2 artigos esclarecem a não obrigatoriedade deste documento para as práticas educacionais inclusivas (Christmann & Pavão, 2018; Bridi & Meireles, 2014); 2 artigos usam o termo laudo para se referir ao aluno em situação de inclusão (Franco & Neres, 2017; Scherer & Dal’igna, 2015); 2 artigos usam o termo laudo para falar do quadro diagnóstico dos estudantes que participaram das pesquisas (Silva et al., 2019; Luz et al., 2017); 1 artigo faz referência à situação em que o laudo aparece como condição para a matrícula escolar (Tada et al., 2012); e 1 artigo relata situação em que a criança do estudo de caso recebeu laudo psicológico lhe encaminhando para Programa de Apoio à Educação Especial.

No tocante ao termo diagnóstico, analisamos que 5 artigos discutem sobre os efeitos excludentes do diagnóstico clínico nas práticas escolares, é o caso de Christmann e Pavão (2018), Bridi e Meireles (2014); Franco e Neres (2017); Scherer e Dal’igna (2015); e Mori (2016). 7 artigos afirmam a importância do diagnóstico do aluno e do seu conhecimento por parte dos professores para o trabalho de inclusão, como é o caso de Christmann e Pavão (2018); Tada et al. (2012); Franca e Barbato (2009); Heredero (2010); Mori (2016); Luz et al. (2017) e Silva et al. (2019). Por fim, 3 artigos não defendem o uso do diagnóstico nas práticas escolares, mas também não apontam efeitos excludentes: Sanches e Oliveira (2011), Leite e Silva (2012) e Guerra et al. (2015).

Discussão: Laudo e Diagnóstico como dispositivos de (Ex)Inclusão Escolar

Centralidade do laudo.

A partir da análise dos artigos, apresentamos os efeitos do laudo como dispositivo de (ex)inclusão nas práticas escolares. No que diz respeito à matrícula, Tada et al. (2012) expõem a situação vivida por uma mãe ao procurar uma escola para matricular seu filho com Síndrome de Down. Nesse caso, a direção da escola condicionou a matrícula à apresentação de três laudos: um médico, um neurológico e um psicológico. Este último “para verificar se o menino tinha condições emocionais para conviver com crianças sem deficiência" (p. 65).

Em pesquisa realizada por Franco e Neres (2017), um dos professores faz referência a estudantes em situação de inclusão como “alunos com laudo”, além de expressar insatisfação com a presença desses alunos justificando que alterariam uma suposta homogeneidade da turma: “Você faz um planejamento pensando [...] numa sala homogênea, [...] colocam dois, três alunos com laudo numa sala de trinta [...] três aulas [...] por semana. [...] Você mastiga o conteúdo [...] não está certo” (p. 70). O mesmo sentido aparece no artigo de Scherer e Dal'Igna (2015), em que uma professora relata sua preocupação em trabalhar no AEE, por sua formação não estar relacionada à Educação Especial. Ela se refere assim às suas experiências anteriores na sala regular: “Tinha tido alunos com alguma dificuldade de aprendizagem, com histórico de múltiplas repetências, mas todos os alunos, a maioria deles, sem um laudo” (p. 420). A ênfase dada pela professora à ausência do laudo no contexto da sala regular, mesmo estando diante de alunos com dificuldades de aprendizagem, denota o peso que atribui ao seu trabalho no AEE por estar lidando com alunos com laudo.

Em ambos os sentidos apresentados nos artigos, o laudo funciona como um elemento que identifica o aluno da educação especial e produz efeitos de inclusão e exclusão, ou, em outras palavras, uma inclusão que exclui. Tanto o aluno com Síndrome de Down que para ser matriculado precisaria de três laudos, como os demais já matriculados, constituem-se, a partir do dispositivo laudo, como disparadores dos seguintes discursos: não entra porque não tem laudo; não sei o que fazer com esse aluno com laudo. O laudo, que aqui opera como um dispositivo, tem como uma de suas produções o professor que não se vê preparado para trabalhar com estes alunos.

Laudo e diagnóstico no acesso ao AEE.

No que diz respeito ao AEE, analisamos neste tópico os artigos que tratam da relação entre laudo ou diagnóstico e o acesso ao serviço.

Em Christmann e Pavão (2018) sustenta-se que, no Brasil, nenhuma política de Educação Especial requer um diagnóstico clínico ou laudo médico. Para o acesso ao AEE, por exemplo, não há exigência do laudo, pois ele tem sido substituído pela avaliação pedagógica. O mesmo vale para o Censo Escolar, no qual os próprios responsáveis pelo preenchimento dos formulários registram a existência de deficiência.

Bridi e Meirelles (2014) também destacam não haver necessidade do laudo ou do diagnóstico clínico para o ingresso de estudantes no AEE, sendo responsabilidade do professor especializado que atua no serviço a decisão de ingresso e frequência do estudante, sem obrigatoriedade de laudo médico. Assim, enfatizam também que a avaliação é pedagógica. No entanto, alertam que: “na medida em que o aluno ingressa no referido serviço, é necessário que seja identificado no Censo Escolar e, dessa forma, os processos diagnósticos se produzem no contexto escolar” (p. 763). Ou seja, independentemente de quem nomeie e faça essas identificações no Censo, os diagnósticos podem passar a ser produzidos.

Sanches e Oliveira (2011) apresentam estudo de caso em que há menção descritiva à situação em que uma criança, na época da pré-escola, recebeu um laudo psicológico que a encaminhava para o Programa de Apoio à Educação Especial. O artigo não faz referência à obrigatoriedade do laudo para o ingresso ao serviço, apenas relata sobre o encaminhamento.

Em pesquisa feita por Guerra et al. (2015), foram analisados 92 encaminhamentos ao AEE de crianças da Educação Infantil. A grande maioria não tinha nenhuma deficiência, o que, na visão dos autores, entra em conflito com as diretrizes legais. Nesse artigo, a Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva (2008) é destacada como documento que estabelece os critérios para acesso ao AEE e os autores criticam o fato de que crianças apenas com dificuldades comportamentais sejam encaminhadas ao serviço. Por outro lado, ao mesmo tempo em que discutem a dificuldade dos professores e questionam esse tipo de encaminhamento (crianças com queixas comportamentais), o estudo problematiza outra situação, a de professores que encaminham todos os alunos com deficiência ao AEE, sem considerar as especificidades de cada um, sem analisar se, de fato, o atendimento é o indicado para aquela criança.

Enquanto Christmann e Pavão (2018), Bridi e Meirelles (2014) informam que a avaliação pedagógica vem substituindo o diagnóstico clínico na decisão do encaminhamento dos alunos ao AEE, estudo de Guerra et al. (2015) apresenta situações em que o professor realiza encaminhamentos, a partir de suas observações, de forma equivocada. Percebemos, assim, nesses manuscritos, um tensionamento entre os campos clínico e pedagógico a respeito da avaliação de alunos no contexto da Educação Especial. Lembrando o que fora deflagrado em estudos mais atuais mencionados na introdução deste manuscrito (Kranz e Campos, 2020; Fontoura e Sardagna, 2021), mesmo que documentos mais recentes, como a Nota Técnica nº 04 (Ministério da Educação, 2014), afirmem a não obrigatoriedade do laudo, muitos outros documentos oficiais, inclusive relativos ao AEE, apresentam conotações patologizantes e medicalizantes ao se referirem aos estudantes considerados público da Educação Especial. Nas palavras de Kraz e Campos (2020, p. 4):

Assim, embora o laudo não seja obrigatório, a indicação dos alunos para o AEE e as práticas pedagógicas nele desenvolvidas tendem a reproduzir as concepções que articulam deficiência, incapacidade e doença, do que se conclui que a concepção médica em relação à deficiência ainda é dominante na cultura escolar.

Posicionamentos sobre laudo e diagnóstico nas práticas de inclusão.

A análise dos artigos resultou em dois posicionamentos de acordo com os efeitos dos laudos e diagnósticos nas práticas escolares.

Posicionamento 1: Laudo e diagnóstico como produtores de práticas excludentes na escola.

Christmann e Pavão (2018) têm um posicionamento crítico a respeito do uso do diagnóstico clínico na escola, afirmando que há muitos questionamentos entre profissionais da área se o diagnóstico pode ser gerador de inclusão ou exclusão na perspectiva da educação inclusiva. As autoras diferenciam diagnóstico (clínico) de avaliação (pedagógica), mas anunciam que ambos compõem um discurso que “têm a mesma finalidade para a atuação do professor da educação especial (EE): a identificação da anormalidade, a normalização e o controle do estudante" (p. 2).

Acerca da relação entre diagnóstico e escolarização, Bridi e Meirelles (2014) analisam que o diagnóstico tem definido, organizado, delimitado e posto limites às práticas pedagógicas. Segundo as autoras, “o diagnóstico tem definido tanto a intervenção pedagógica como a escolha dos espaços escolares que esses alunos devem frequentar” (p. 762).

A partir de estudo realizado com professores, Franco e Neres (2017) discutem o quanto o diagnóstico tem como enfoque a limitação dos sujeitos, impossibilitando avanços acadêmicos, além de responsabilizá-los pelo seu próprio fracasso.

Analisando discursos de professoras do AEE, Scherer e Dal'Igna (2015, p. 424) observam que estas educadoras, por sua formação acadêmica e uma certa expertise no que diz respeito à inclusão, fazem leituras diagnósticas dos estudantes, “transformando as subjetividades desses indivíduos em algo que pode ser conhecido, calculado, avaliado, gerenciado”. Destacando a conotação psicológica presente nesses discursos, as autoras problematizam como isso corrobora a produção da infância (a)normal.

Mori (2016) faz algumas reflexões sobre os efeitos medicalizantes do diagnóstico, discutindo a prevalência de critérios estatísticos e descritivos na forma como esses diagnósticos são elaborados e alegando que eles desconsideram outros aspectos da vida da criança, como a vivência escolar. Nessa linha, a autora apresenta outros desdobramentos associados a essa prática médica e que atravessam a escola, como: escola e família passam a ter um nome para o problema que se apresenta, ao mesmo tempo em que médicos recorrem à saída medicamentosa, que é reforçada pela indústria farmacêutica.

Posicionamento 2: A importância de laudos e diagnósticos para as práticas de inclusão.

A importância do diagnóstico clínico como direcionamento das práticas para efetuar a inclusão no caso de deficiência intelectual grave, autismo e altas habilidades/superdotação é discutida em Christmann e Pavão (2018). As autoras acreditam que as informações relacionadas ao diagnóstico clínico podem fornecer subsídios para as práticas pedagógicas na escola. Mesmo reconhecendo a relevância do diagnóstico, defendem que os educadores conheçam melhor a condição de saúde e aprendizagem de seus alunos a partir desse diagnóstico, sem, no entanto, estabelecer normas limitantes.

Tada et al. (2012) problematizam possíveis consequências da ausência do diagnóstico, como por exemplo a escola atuar partindo da observação leiga e do senso comum, bem como desenvolver práticas pedagógicas inadequadas. Ao refletirem sobre isso, fazem referência à pesquisa desenvolvida por uma das autoras do artigo em escola particular cuja gestora se referiu a uma criança com microcefalia matriculada na escola como “aquele da cabeça pequena” (p. 65). Seguem pontuando: “A falta do conhecimento sobre o diagnóstico da deficiência do aluno pode contribuir para um processo de inclusão questionável, por não ser possível planejar antecipadamente estratégias de intervenção adequadas para as necessidades dos alunos" (p. 67).

A discussão de Tada et al. (2012) ajuda a construir a visão de que as intervenções só podem ser feitas com o aluno no âmbito pedagógico se o professor souber antecipadamente qual o seu diagnóstico. Essa visão é ilustrada no artigo com o relato do caso de uma jovem com síndrome de Down. De acordo com as autoras,

Os professores não tiveram informações sobre o diagnóstico da aluna e nem tempo para planejarem ações pedagógicas, sendo informados pela diretora que no dia seguinte receberiam uma “deficiente” e que deveriam agir com naturalidade. A maioria dos professores informou que devido ao “problema” da aluna não cobravam desta a realização das atividades como cobravam dos demais alunos, deixando inclusive que saísse da sala de aula quando desejasse (Tada et al., 2012, p. 67).

A partir desse relato, observamos que conhecer o diagnóstico não é determinante para a inclusão se concretizar, pois, na ocasião da chegada da aluna, foi possível para a escola identificar que se tratava do diagnóstico de Síndrome de Down, e, mesmo assim, o relato sugere que os professores continuaram sem saber o que fazer. Outros desdobramentos podem ser pensados a partir disso. Em referência, por exemplo, à crítica feita pelas autoras à gestora que tratou a criança com microcefalia como “aquele da cabeça pequena”, podemos indagar se é uma competência necessária ao educador saber a nomenclatura de todos os diagnósticos que chegam à escola e se isso seria suficiente para a escola conhecer efetivamente os alunos e saber trabalhar com eles, o que também nos leva a questionar como se constituiu a ideia de que a escola só pode/deve/consegue intervir com alunos com alguma necessidade educacional especial quando ela sabe o que eles têm.

Heredero (2010) faz uma análise das situações em que a escola deve requerer o diagnóstico clínico dos alunos com necessidades educacionais especiais, deixando claro que, em um primeiro momento, essa avaliação deve ser feita pelos educadores da escola. O autor defende a inclusão na prática por meio de adaptações curriculares não significativas (de pequeno porte) ou adaptações curriculares significativas (de grande porte). As adaptações significativas justificariam a necessidade de uma avaliação médica, segundo o autor. Assim, defende o diagnóstico como elemento importante no processo de adaptação curricular, ao mesmo tempo em que aponta outros elementos que devem compor essa avaliação, tais como “dados pessoais, história médica e acadêmica, e o referente ao seu nível de competência e estilo de aprendizagem" (Heredero, 2010, p. 205). Apresenta, então, uma visão mais complexa do processo avaliativo e em estreita relação com as práticas pedagógicas de adaptações curriculares.

Franca e Barbato (2009, p. 25) realizam pesquisa com objetivo de “analisar os significados construídos por professores sobre a inclusão de alunos com distúrbio [sic] neuromotores e outras necessidades especiais". A pesquisa identifica que os professores não têm conhecimento sobre os diagnósticos, e, assim, se relacionam com as crianças a partir das suas observações, estas que, na visão dos autores, estão associadas a rótulos, preconceitos e estereótipos. Nesse sentido, defendem que os educadores tenham acesso aos diagnósticos e possam se apropriar destes de forma correta. Por outro lado, apresentam o exemplo de uma criança com dificuldades motoras que foi reprovada mesmo depois de ser alfabetizada, e um certo conflito que foi gerado para a professora entre o que ela sabia sobre o diagnóstico da criança (uma lesão que havia gerado as dificuldades motoras) e o que ela observava (a criança efetivamente acompanhando a turma), como se a professora tivesse optado pela reprovação partindo mais do diagnóstico do que do próprio desempenho apresentado pela criança. A partir desse exemplo, os autores destacam a importância de os professores integrarem o conhecimento do diagnóstico às suas observações.

Silva et al. (2019) discutem sobre o diagnóstico precoce em casos de Transtorno do Espectro Autista (TEA) como elemento necessário para a inclusão desse público na escola. Problematizam principalmente o fato de os sintomas de TEA poderem ser confundidos com outros tipos de comprometimento e afirmam que em diversas situações “a criança com TEA fica muito tempo sem o diagnóstico correto e tem o seu processo de ensino e aprendizagem prejudicados, porém com um diagnóstico precoce e recebendo os recursos adequados, sua escolarização é possível” (p. 75). Apesar de trazerem à tona uma discussão importante, principalmente por causa dos prejuízos causados às crianças com TEA, como destacado no artigo, chama atenção o fato de a inclusão de alunos no espectro ser condicionada a esse diagnóstico, como declarado no trecho: “Após o diagnóstico, inicia-se o desafio da inclusão escolar do aluno com TEA” (p.75).

Luz et al. (2017) apresentam estudo de caso de uma criança autista no qual defendem a necessidade do diagnóstico para que a inclusão aconteça, o que passa, anteriormente, segundo os autores, também por um processo de aceitação do diagnóstico por parte dos pais da criança. A esse respeito, dizem:

Outro aspecto preocupante se trata da falta de um diagnóstico, como no caso do Júnior, que dificulta o processo de inclusão que se espera da escola. O Júnior precisa de um diagnóstico que, inclusive, servirá como um ponto de partida para se trabalhar com os pais da criança no sentido não só de aceitá-lo, mas preparar-se para melhor subsidiá-lo (p. 138).

Luz et al. (2017) evidenciam a centralidade do diagnóstico em três situações: como elemento determinante para a inclusão acontecer; como facilitador do trabalho da escola com a família a partir de uma maior aceitação desta em relação ao diagnóstico; e como demarcador das diferenças na escola. Esta última situação é ilustrada com o trecho: “Além disso, não basta reconhecer que os alunos são «diferentes», mas apontar com segurança a natureza dessas diferenças” (p. 138).

Corroborando a importância do diagnóstico também em relação ao TEA, Mori (2016) assevera que o diagnóstico precoce, dentre outras ações e serviços, é uma conquista da Lei nº 12.764, que visa à atenção integral das necessidades de saúde e escolarização da criança autista. A autora não se refere ao diagnóstico como necessário para que a escola efetive práticas inclusivas, mas destaca que, historicamente, foi uma das conquistas que facilitou o acesso de crianças com autismo e psicose à escola, uma vez que algum tempo atrás apenas lhes eram destinados atendimentos em espaços segregados.

Ao fim dessa seção, pontuamos um aspecto que nos chamou atenção. Concepções aparentemente opostas sobre como operam laudos e diagnósticos nas práticas escolares aparecem em alguns artigos de forma simultânea. Assim, há manuscritos que destacam situações em que laudos e diagnósticos se fazem necessários, outros que reconhecem seus efeitos patologizantes e limitantes, e aqueles em que as duas posições são defendidas.

Considerações Finais

Neste artigo, buscamos tematizar as práticas que fazem uso de laudos e diagnósticos no contexto da inclusão escolar. Encontramos discussões a respeito do AEE, de outras práticas pedagógicas, e um artigo que trata sobre a matrícula. Não foram localizados, no entanto, manuscritos abordando como laudos e diagnósticos operam nas decisões relativas à reprovação ou à participação de estudantes com alguma NEE nas avaliações diagnósticas de aprendizagem realizadas pelo Ministério da Educação pelas quais as escolas passam periodicamente.

No que diz respeito ao AEE, destacamos a presença da avaliação pedagógica em substituição ao diagnóstico clínico, enunciando o que denominamos como tensionamento entre os campos clínico e pedagógico, embora, como problematizado nos artigos, o efeito no tocante aos processos de normatização sejam os mesmos. Também nos chamou atenção a falta de clareza com relação à caracterização do público que deve ser atendido no serviço, se o recorte sugerido na Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva (2008) é suficiente ou se há necessidade de uma análise mais aprofundada do professor.

A análise do professor é tematizada também nas discussões que defendem laudos e diagnósticos para a efetivação da inclusão. A visão de que se o professor não tiver acesso ao diagnóstico do aluno, sua prática será baseada apenas na sua observação, desqualifica o próprio papel da observação enquanto método de trabalho pedagógico. Além disso, entre os artigos que defendem o uso de laudos e/ou diagnósticos nas práticas de inclusão, poucos definem o que é feito a partir desse uso. Dentre os que definem, temos os que discutem como laudos e diagnósticos podem oferecer subsídios ao professor nos casos de deficiência intelectual grave, autismo e altas habilidades/superdotação, bem como podem auxiliá-lo na elaboração de adaptações curriculares de grande porte.

Acerca dos efeitos de laudos e diagnósticos como dispositivos, deparamo-nos com situações dissonantes. Ao mesmo tempo em que se produz o discurso de que a inclusão só pode acontecer a partir dos diagnósticos, produz-se também o discurso de que não se sabe o que fazer com os alunos com laudo. Nesse sentido, o laudo produz efeitos tanto nos alunos, que passam a se constituir como o público da Educação Especial, assim como nos educadores e nas escolas, que, ora se tornam dependentes da presença de laudos e diagnósticos, ora justificam que não sabem o que fazer com o aluno que tem laudo/diagnóstico.

Os manuscritos que problematizam laudos e diagnósticos como agentes de estigmatização e medicalização das práticas pedagógicas apresentam os efeitos limitantes de tais dispositivos e nos conduzem, finalmente, de volta a um dos questionamentos do início deste artigo: qual o sentido de operar recortes relacionados a diagnósticos já que a inclusão caminha em direção a uma educação para todos? Percebemos, no entanto, que esse ainda é um projeto em construção. Todas as práticas tematizadas aqui nos dão pistas de que a inclusão plena, sem marcadores e restrições, ainda não é uma realidade e impõe-se como um desafio a educadores e pesquisadores no campo da educação. Nesse sentido, vislumbramos a realização de novos estudos que possam problematizar os atravessamentos ainda presentes no contexto das práticas inclusivas, especificamente aqueles que produzem efeitos de patologização e medicalização, como se a inclusão fosse uma concessão, ou algo sempre dependente de determinadas condições. É preciso que novos conhecimentos e novas práticas possam afirmar a educação como educação para todos.

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