Revista de Psicologia, Fortaleza, v.15, e024003. jan./dez. 2024
DOI: 10.36517/revpsiufc.15.2024.e024003
RECEBIDO EM: 01/08/2023
PRIMEIRA DECISÃO EDITORIAL: 12/01/2024
VERSÃO FINAL: 24/01/2024
APROVADO EM: 07/02/2024
Psicologia social e pobreza: análise das disciplinas dos cursos de psicologia de IEES do Paraná
Social psychology and poverty: analysis of the disciplines of the Psychology courses in IESS of Paraná
Rafael Bianchi Silva
Pós-doutorado em Psicologia (UEM). Doutor em Educação pela Unesp/Marília, Docente dos Programas de Pós-Graduação em Psicologia na Universidade Estadual de Londrina (UEL) e na Universidade Estadual de Maringá (UEM). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1170-7920. Email: rafael.bianchi@uel.br.
Livia Salvioni Capalbo
Mestre em Psicologia pela Universidade Estadual de Londrina (UEL).Psicóloga da Secretaria de Assistência Social da Prefeitura Municipal de Londrina/PR. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5444-3956. Email: liviacapalbo@gmail.com
Resumo
O objetivo deste artigo é investigar a questão da pobreza no campo da Psicologia Social, a partir da análise de programas de disciplinas dos três cursos de Psicologia de Instituições Estaduais de Ensino Superior (IEES) do Paraná. A mudança do perfil da profissão, com o aumento do número de profissionais no campo crítico da Psicologia Social, acompanhou a inserção da Psicologia nos espaços de trabalho com as manifestações da “questão social”. Nesse sentido, a pobreza torna-se um tema relevante para a atuação profissional dos psicólogos(as), principalmente, no campo das políticas públicas. A análise demonstrou que a Psicologia Social que é apresentada aos alunos tem o foco na perspectiva crítica, resgatando suas bases teóricas. Por outro lado, não observamos elementos que garantem a aproximação de fato com a questão da pobreza, que aparece de forma transversal a partir de temas como desigualdade e exclusão social.Conclui-se que a questão da pobreza não está sendo tratada nas propostas curriculares com a mesma relevância que as discussões referentes aos espaços tradicionais de atuação.
Palavras-Chaves: Psicologia, pobreza, currículo, formação do psicólogo.
Abstract
The objective of this article is to investigate the issue of poverty in the field of Social Psychology, based on the analysis of subject programs of the three Psychology courses at State Institutions of Higher Education (IEES) in Paraná. The change in the profile of the profession, with the increase in the number of professionals in the critical field of Social Psychology, accompanied the insertion of Psychology in work spaces with the manifestations of the “social question”. In this sense, poverty becomes a relevant topic for the professional work of psychologists, mainly in the field of public policies. The analysis demonstrated that the Social Psychology that is presented to the students focuses on the critical perspective, rescuing its theoretical bases. On the other hand, we did not observe elements that guarantee a real approximation with the issue of poverty, which appears transversally based on themes such as inequality and social exclusion. It is concluded that the issue of poverty is not being treated in the curricular proposals with the same relevance as the discussions referring to the traditional spaces of action.
Keywords: Psychology, poverty,curriculum, psychologist formation.
O presente artigo teve como objetivo investigar de que modo a pobreza - compreendida enquanto manifestação da questão social – é discutida na formação em Psicologia. Para tanto, foi realizada uma análise de Projetos Pedagógicos de Curso (PPC) e programas de disciplinas de cursos de Psicologia relacionadas à área da Psicologia Social ofertados em instituições de ensino superior públicas do estado do Paraná.
Entendemos que tal investigação é importante visto que, ao pensamos na atuação em políticas públicas, as especificidades territoriais dos campos de formação e o compromisso ético-político que fundamenta o trabalho na Psicologia Social, ao nos aproximarmos dos modos como a formação é organizada é possível observar a presença do compromisso com os impactos da questão social, incluindo aqui o debate em torno da pobreza.
No Brasil, a partir das décadas de 1970 e 1980, período de redemocratização do país, o Estado é convocado a criar formas de intervenção no social, o que ocorre por meio das políticas públicas. A inserção da Psicologia nesse campo representa, de forma concreta, a aproximação destes profissionais na realidade social e, com ela, o contexto de pobreza e seus possíveis efeitos na produção de subjetividade (Ximenes, Paula & Barros, 2009).
Nesse contexto, Sanches, Martins e Silva (2020) apontam para ampliação expressiva da atuação dos psicólogos nas políticas públicas nas últimas duas décadas. Isso implica em uma mudança de perfil profissional, contexto de atuação e do público atendido pelos psicólogos que precisam, no cotidiano de suas práticas, ultrapassar as abordagens tradicionais predominantemente clínicas e individualizantes que hegemonicamente balizam a formação.
Sobre esse ponto, Reis e Zanella (2015) indicam que a relação entre Psicologia e políticas públicas tem sido objeto de estudos e debates. Especificamente no campo da Psicologia Social, propõem pensar o seu lugar nas políticas públicas, mostrando um caminho possível para a reinvenção de práticas psi.
Ferreira e Facci (2020), em uma análise da história da atuação da Psicologia em contextos de pobreza, apontam que, especialmente no Brasil, o trabalho com o tema se deu a partir do materialismo histórico-dialético, compreendendo a pobreza enquanto manifestação da “questão social”, resultado do desenvolvimento da sociedade capitalista. Netto (2001, p.42) aborda a “questão social” como expressão que surge para dar conta do fenômeno da pobreza “[...] que crescia na razão direta em que aumentava a capacidade social de produzir riquezas”. Considerando os diferentes enfoques e linhas teóricas para o estudo da pobreza, nesse estudo, a pobreza relacionada diretamente com a dinâmica e efeitos do capitalismo.
Em um estudo bibliográfico sobre como a temática da pobreza na atuação profissional da Psicologia, Mendes e Costa (2018) afirmam que, historicamente, a Psicologia se manteve neutra frente às questões sociais, sendo convocada a pensar sobre a questão em meados dos anos 1960, na vigência dos regimes ditatoriais. Porém, destacam que é impossível delimitar o início da abordagem da pobreza pela Psicologia visto que “... a pobreza é constitutiva de nossa sociabilidade, e o campo psi, sobretudo na América Latina, querendo ou não, é atravessado por ela” (Mendes & Costa, 2018, p.1121).
Quanto a realidade brasileira, Vilela (2012, p.34) afirma que a pobreza é o resultado de um processo de colonização e exploração visto que somos um “...país agrário, de matriz conservadora, escravagista, religioso, defensor da hierarquia entre os homens e superioridade da raça branca”. Goes, Ximenes e Moura Jr. (2015) apontam o colonialismo e a exploração - mantidos pelas estruturas políticas - são responsáveis pela dominação e opressão que marcam a América Latina. Em países como o nosso, a materialização da dialética dominação-opressão se dá através das relações entre as classes sociais na qual um grupo dominante explora e oprime outro, sendo que o enfrentamento de tal condição pressupõe a modificação da estrutura social vigente.
Compreendendo a importância de tratar sobre o tema da pobreza diante da inserção da Psicologia nesse contexto, se faz necessário pensar sobre como acontece a formação profissional. De modo geral, a tradicional formação em Psicologia pauta-se pelo foco na dimensão intrasubjetiva. Assim, mesmo diante de novos espaços de atuação e da necessidade de ofertar novas práticas, observa-se predominância da reiteração desse modelo instituído e consolidado o qual produz uma formação fechada em si mesma, realizada por e para camadas ricas da sociedade, o que dificulta a tomada de consciência social e a proposição de providências relacionadas aos fatos e dificuldades reais do nosso povo (Rudá, Coutinho & Almeida-Filho, 2015).
Para melhor compreendermos a inserção da Psicologia Social nesse debate, apresentamos um breve resgate sobre sua trajetória, de modo a fundamentar a articulação aqui estabelecida entre este campo e a questão da pobreza a partir da sua proposição crítica.
A Psicologia Social Crítica
A Psicologia Social surge em contraposição à matriz da Psicologia individual que criava uma dicotomia entre indivíduo e sociedade ao isolar o indivíduo na tentativa de explicar comportamentos por agentes ou determinantes internos (Lane, 1981). Com base na Psicologia norte-americana dominada pelo positivismo, alcança o seu lugar de disciplina a partir de uma metodologia de orientação experimental e descritiva que se apoiava na compreensão do indivíduo como agente do comportamento. Gonzalez Rey (2016) afirma que, nessa perspectiva, elimina-se o nível simbólico, mantendo o social reduzido ao estudo do comportamento nas relações.
Farr (1996) pontua que o período após Segunda Guerra Mundial impulsionou o desenvolvimento da Psicologia Social visto que houve a migração de psicólogos para o nosso continente. No Brasil, também ocorreu a importação acrítica do modelo estadunidense da Psicologia Social, representando um posicionamento colonialista. Diante de tal posicionamento, no final da década de 1960, surgem as primeiras críticas e questionamentos a Psicologia Social em sua matriz de individual, apontando a incoerência entre a produção de conhecimento e os problemas emergentes dos países latino-americanos (Bernardes, 2013).
Na segunda metade da década de 1970, em especial a partir do no Congresso de Psicologia Interamericana, foram produzidas novas propostas que visavam a redefinição da Psicologia Social (Lane, 1981). Um primeiro ponto remete a necessária negação do paradigma epistemológico vigente, pautado em uma premissa de neutralidade e objetividade dos enunciados científicos. A derrubada de tal paradigma indica a aproximação com uma perspectiva de multideterminação (Fonseca, 2013).
Cordeiro e Spink (2018) pontuam que esse movimento criou um contexto de emergência para uma crise de referência, produzindo a necessidade de problematizar o papel da Psicologia “[...] em um contexto marcado pela violência de Estado, pela miséria e pela desigualdade social. Quem somos? O que buscamos? Qual nossa contribuição social? [...] A quem estamos servindo? – era a pergunta chave” (Cordeiro & Spink, 2018, p.1071)
A partir disso, propõe-se a construção de uma nova Psicologia Social que, segundo Strey et al (2013), possui duas características centrais. Primeiro, alinha-se com “[...] uma concepção de ser humano como produto histórico-social e, ao mesmo tempo, como construtor da sociedade e capaz de transformar essa sociedade por ele construída” (p.14) e segundo, aponta para “a preocupação com aspectos de relevância e aplicabilidade ao contexto brasileiro e que possam responder às questões sociais específicas de sua população” (p.15).
Sobre a inserção da Psicologia Social nas matrizes curriculares dos cursos de Psicologia, se faz importante resgatar também esse processo histórico. Acompanhando as iniciativas de reforma curricular dos cursos de Psicologia que surgiram na década 1980, o debate sobre o compromisso social da Psicologia ganha força. Nesse período, aparecem as primeiras experiências que possibilitaram uma abertura para além dos modelos tradicionais formação que possuíam na clínica individual sua sustentação.
Nesse mesmo período, diante de um processo de pauperização da sociedade, profissionais da Psicologia começaram a atuar em setores considerados desprivilegiados, se distanciando das áreas e práticas tradicionais. Conforme pontua Freitas (2016, p.59), observa-se uma defesa da “[...] deselitização da Psicologia como também um claro envolvimento e participação políticos, junto aos movimentos populares, como faziam também os profissionais das outras ciências sociais”.
Desse modo, o profissional da Psicologia passa a participar de debates que aconteciam no período de redemocratização do país como a Reforma Sanitária e a Reforma Psiquiátrica (Pereira & Neto, 2003). O aumento do número de profissionais atuando em diferentes instituições sociais, acompanhou a inserção da Psicologia no debate em torno da “questão social”. Desse modo, tem-se que o trabalho com junto às massas populares em condição de pobreza acabou por fortalecer o compromisso social do psicólogo (Lacerda Junior, 2013).
A partir de então, como pontua Ferreira (2010), observa-se uma pluralização da Psicologia Social em uma multiplicidade de abordagens teóricas e focos de trabalho, compondo o universo do que chamamos de Psicologia Social Crítica. Segundo o autor, tais perspectivas possuem em comum um olhar crítico em relação às instituições, organizações e das práticas sociais, posicionando-se contra a opressão e a exploração e demarcando como um dos seus principais objetivos a mudança social como garantia do bem-estar do ser humano.
Compreendendo que tal pluralidade também incide sobre a formação profissional do psicólogo, buscamos analisar a Psicologia Social que é apresentada nas propostas formativas, pois esta é a área que tem demonstrado uma preocupação em voltar-se para as questões sociais e suas manifestações, como a pobreza.
Metodologia
Para a presente investigação, foi realizada uma pesquisa documental em PPCs e programas de disciplinas de cursos de Psicologia nas três Universidades Estaduais do Paraná que ofertam o curso de Psicologia, identificados como C1, C2 e C3. A opção por investigar os cursos de universidades públicas considerou tanto a questão do compromisso social dessas instituições quanto aos processos formativos. Além do recorte relativo ao caráter público, também consideramos a regionalidade ao selecionar apenas universidades do Estado do Paraná, destacando o importante papel das IEES no desenvolvimento regional e preocupação em atender as demandas locais.
Enquanto fonte de dados para a pesquisa, optamos pelo Programa de Disciplina, (também chamado de Plano de Ensino), documento sob responsabilidade docente que visa o direcionamento das atividades que serão desenvolvidas com os alunos ao longo do período letivo. O plano de ensino é um instrumento de trabalho que disciplina os esforços de professores e alunos, no sentido de racionalizar as atividades de ensino e aprendizagem. Todo planejamento de ensino, como processo de tomada de decisões, se caracteriza num plano definido de ação que constitui um roteiro que tem como objetivo conduzir progressivamente os alunos aos resultados desejados (Sant’anna, Enricone, André & Tyrra, 1996, p.47).
Sobre as formas de acesso aos documentos, por se tratarem de documentos de domínio público, encontram-se em, na sua maioria, disponíveis online na página oficial dos cursos ou das instituições que os ofertam. A coleta foi realizada no mês de dezembro de 2021 tendo por referência os documentos de curso que estavam em vigência naquele ano.
Sobre a metodologia adotada para trabalhar com os dados, optamos pela análise de conteúdo, desenvolvida por desenvolvida por Laurence Bardin. Por trata-se tratar de uma abordagem metodológica que busca extrair significados e padrões de dados textuais ou materiais, baseada na dedução e na inferência, forma um conjunto de instrumentos metodológicos que se aplicam a conteúdos diversos (Bardin, 2016).
A análise de conteúdo segue um processo sistemático de codificação e categorização dos dados para revelar temas, tendências e relações dentro do conteúdo estudado, que se aplica ao estudo realizado e aqui apresentado, pois buscamos justamente identificar as temáticas propostas nos programas de disciplina, com o foco específico em elementos que indicam uma possível relação com a questão da pobreza. Percorremos as etapas: 1. Organização da análise (que compreende o processo de pré-análise e exploração do material); 2. Codificação e categorização (que podem ocorrer de forma concomitante); 3. Inferência (que corresponde a análise e interpretação do conteúdo).
A exploração do material aconteceu a partir da leitura flutuante dos documentos, como um primeiro contato com os conteúdos. Foi possível identificar a regularidade na apresentação dos itens que compõem os programas de disciplinas e pensar nas possíveis categorias para organização da análise. Na escolha das categorias, parte desta etapa, as classes são compostas por um grupo de elementos caracterizadas pelas suas características comuns. A categorização tem por objetivo fornecer uma representação simplificada dos dados brutos – passagem dos dados brutos para dados organizados. (Bardin, 2016). Foram estabelecidas a partir dos itens que obrigatoriamente compõem os programas, as categorias “Ementa e Objetivos”, “Conteúdo Programático” e “Bibliografia Básica”.
Inicialmente, a partir da leitura dos PPCs e matriz curricular e descrição de ementas, foram selecionadas oito disciplinas identificadas com o campo da Psicologia Social para a análise dos respectivos programas: “Psicologia social”, “Pesquisa em Psicologia Social” e “Psicologia Comunitária” (C1); “Psicologia Social” e “Psicologia Social Comunitária” (C2); “Psicologia Social”, “Psicologia Social, Grupos e Instituições” e “Práticas Emergentes do Psicólogo Social” (C3). Na sequência, apresentaremos a análise (etapa 3), aqui desenvolvida a partir dos programas de disciplinas.
Descrição e Análise dos Dados
Quanto a caracterização regional dos cursos, C1 pertence a uma IEES situada na região sudeste do estado do Paraná. C2 e C3 estão localizados no norte do estado. São regiões com características diferentes, o que pode ser percebido ao analisarmos os números do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). A região norte foi colonizada e desenvolvida por intermédio da cafeicultura e já foi uma das áreas mais prósperas do estado. Nela, estão localizadas as duas maiores universidades estaduais do Paraná, as quais tem forte ligação com a região e contribuem com o seu desenvolvimento por meio da participação ativa nas questões regionais (Rolim & Serra, 2007). Em contrapartida, a região sudeste é considerada uma das mais pobres do estado, com indicadores socioeconômicos abaixo da média estadual (IBGE, 2010).
Quanto às disciplinas, partimos daquelas intituladas “Psicologia Social”, considerada geral à formação inicial em Psicologia. Observou-se que são ofertadas entre o primeiro e segundo ano das formações enquanto disciplinas obrigatórias, com relação à carga horária, que variam de 136 horas (C1 e C2) e 72 horas (C3). Nos três casos, trata-se da carga horária máxima possível para disciplinas teóricas ofertadas pelos cursos conforme indicado no PPC. Apesar de ter uma oferta com carga horária inferior aos outros dois cursos, C3 possui na matriz curricular outras disciplinas relacionadas à área da Psicologia Social.
As demais disciplinas relacionadas ao campo da Psicologia Social são ofertadas nos últimos anos dos cursos anos. São elas: “Pesquisa em Psicologia Social” e “Psicologia Comunitária” (C1); e “Psicologia Social Comunitária” (C2); “Psicologia Social, Grupos e Instituições” e “Práticas Emergentes do Psicólogo Social” (C3).
Seguiremos com a análise dos dados conforme as categorias indicadas anteriormente. Nessa etapa, analisamos de forma geral o conteúdo dos documentos buscando identificar aquilo que se relaciona de alguma forma com o tema da pobreza.
Ementa e Objetivos
Enquanto definição, a ementa da disciplina deve indicar de forma resumida o conteúdo obrigatório a ser trabalhado pela disciplina. Por sua vez, os objetivos definem o que se espera dos estudantes e constituem o elemento central dos programas e indicam a função da disciplina no âmbito do curso (Gil, 2020). Considerando a relação entre os dois itens, seus conteúdos foram agrupados em uma mesma categoria de análise.
A disciplina “Psicologia Social” (C1) tem na ementa a previsão a temática “planejamento e intervenção nas questões sociais”. Considerando que o debate em torno da pobreza precisa estar articulado com a noção de “questão social” (Yamamoto & Oliveira, 2010), há uma grande possibilidade de contato com o tema a partir desse conceito. Apresenta enquanto objetivos pontos como “conhecer as principais concepções teóricas da Psicologia Social na América Latina e no Brasil” e “aproximar os acadêmicos das diferentes possibilidades de inserção do psicólogo social, percorrendo as políticas públicas e contextos atuais”, o que nos permite inferir que a disciplina contextualiza a Psicologia Social em uma realidade local.
Em uma proposição diferente, a disciplina de mesmo nome proposta por C2 indica na ementa que as teorias da Psicologia Social serão abordadas na perspectiva dos direitos humanos, com o objetivo de “propiciar ao aluno a compreensão crítica das práticas sociais e dos processos de subjetivação na perspectiva fundamental dos Direitos Humanos no desenvolvimento histórico das questões socioeconômicas, étnico-raciais e de gênero”.
Por sua vez, a disciplina “Psicologia Social” (C3) propõe como um dos objetivos “aprofundar as reflexões sobre os fundamentos teóricos, conceituais e epistemológicos da Psicologia Social crítica na América Latina”, o que aponta para o alinhamento com o pensamento crítico acerca das questões contemporâneas relacionadas ao campo da Psicologia Social.
A partir do compromisso político da Psicologia Social, era esperado que tais disciplinas assumissem uma postura crítica da Psicologia frente às questões sociais. Em C1 e C3, as disciplinas trazem o contexto latino-americano e suas contradições históricas o que inclui temas como opressão e exclusão social (Veras, 2014). Diferentemente disso, C2 focaliza em temas específicos a partir de um eixo articulador para o debate (no caso, a questão dos direitos humanos) aproximando da difusão de atravessamentos presentes no campo da Psicologia Social de nosso século. Observa-se que nas três disciplinas, ainda que seja indicada referência com uma perspectiva histórica, social e crítica, não é feita alusão direta a questão social ou a pobreza.
Sobre as demais disciplinas selecionadas, a ementa de “Pesquisa em Psicologia Social” (C1) descreve: “Estudo das condições concretas (sócio, político e históricas) e dialoga com a psicanálise para a compreensão do particular integrado repressivamente à totalidade social”. Tal aproximação com a Psicanálise, ainda que vinculada a um debate em torno de realidade concreta, nos remete para o que escreve Romagnoli (2007) sobre a predominância, mesmo diante dos novos espaços de atuação, de um modelo de formação instituído. Assim, diferentemente da produção de novos referenciais que emergem da complexidade do social, busca-se uma espécie de segurança nos modelos tradicionais ainda que sob a justificativa de produção dialógica entre abordagens teóricas da Psicologia.
Apenas C3 apresenta uma preocupação em discutir a Psicologia Social em sua prática. O programa da disciplina “Práticas emergentes do psicólogo social”, ofertada no último ano do curso, apresenta no texto da ementa “Investigação das práticas emergentes em Psicologia Social na interface com outros campos do conhecimento: arte, economia, ecologia, geografia e mídia” Como um dos objetivos, propõe “Conhecer diferentes práticas emergentes em Psicologia Social, suas conexões teóricas e possibilidades de ação em diferentes contextos”. Desta forma, a disciplina também demonstra a possibilidade de contato dos alunos com a ampliação do campo de atuação do psicólogo a partir de uma experiência plural, em articulação com outras áreas do conhecimento.
Dois cursos preveem na formação a interface com a dimensão comunitária. Em C1, a disciplina “Psicologia Comunitária”, traz como conteúdo da disciplina indicado na ementa “A Psicologia e as práticas comunitárias”. Um dos objetivos é “aprender a identificar e priorizar problemas de uma dada comunidade assim como compor um quadro explicativo, articulado e contextualizado conforme a realidade histórica, cultural, social, política e econômica em questão”. Tal objetivo demonstra uma preocupação com uma atuação profissional contextualizada e situada territorialmente.
Em C2, a disciplina “Psicologia Social Comunitária” apresenta no texto da ementa “perspectivas de aplicação clássicas e atuais da Psicologia Social”. Enquanto objetivo, indica sua preocupação em “propiciar ao aluno a compreensão do desenvolvimento histórico da Psicologia Social, seus pressupostos teóricos, metodológicos, de modo a possibilitar perspectivas de atuação, a partir dos mesmos, frente a realidade”. Trata-se de um programa que apresenta as informações de forma generalista, não sendo possível inferir a perspectiva teórica adotada e se há espaço para as temáticas relacionadas à questão social.
Outras duas disciplinas de C3 fazem correlação a Psicologia Social de modo mais específico. A ementa de “Clínica do Social: Políticas de subjetivação” indica como conteúdo obrigatório da disciplina “Construção social da clínica no cotidiano” e “intervenções do psicólogo no campo socioclínico: macro e micropolítica no cotidiano”. Como objetivo, o programa indica “apresentar teórica e metodologicamente os estudos mais recentes da Psicologia Social”. No entanto, o foco da disciplina não é abordar essa área da Psicologia, como poderemos ver na análise do seu conteúdo programático discutido na sequência.
Por fim, “Psicologia social, grupos e instituições” descreve que buscará “refletir sobre os pressupostos teórico-metodológicos e as implicações para atuação socioclínica dos/as psicólogo/as em instituições e comunidades”. Ainda que exista a indicação da atuação em comunidades não é possível inferir sob quais aspectos ou direção de trabalho, o que impossibilita demarcar a presença ou não do debate em torno da pobreza.
Conteúdo Programático
O conteúdo programático constitui mais uma categoria na organização dos dados. Geralmente apresentados em unidades de ensino, “o conteúdo corresponde aos temas e aos assuntos que serão estudados na disciplina com vista ao alcance dos objetivos pretendidos” (Gil, 2020, p.28).
Quanto às disciplinas que discutem fundamentos da Psicologia, o programa da disciplina “Psicologia social” em C1 prevê a temática da “desigualdade e exclusão social” e a interface da Psicologia Social com o campo das políticas públicas. Mais uma vez, a exclusão social aparece, trazendo implicitamente a reflexão sobre o desenvolvimento do capitalismo que, na intencionalidade de produzir riqueza, deixa como marca a miséria e a exclusão, sendo a pobreza o resultado desse processo histórico de organização da sociedade (Ferreira & Facci, 2020). Confirma-se, assim, a expectativa gerada na análise inicial da disciplina.
A disciplina “Psicologia Social” presente em C2 também apresenta a proposta de conteúdo programático coerente com a ementa e objetivos. Indica conteúdos como “relações de poder e resistência na contemporaneidade”, “políticas públicas” e “movimentos sociais”. Considerando que inserção dos psicólogos nas políticas públicas representa de forma concreta a aproximação com contextos de pobreza (Ximenes, Paula & Barros, 2009), pode-se pressupor algum tipo de discussão sobre o tema junto aos alunos.
No caso da disciplina “Psicologia Social” (C3), o conteúdo programático tem o foco bastante específico na Psicologia Social Crítica. Compreendendo que esta vertente tem sua raiz epistemológica demarcada na questão da desigualdade e luta de classes, é possível supor que a questão da pobreza esteja implícita no debate da disciplina.
O programa de “Pesquisa em Psicologia Social” (C1) apresenta como conteúdo programático “Leitura e análise de pesquisas produzidas no campo da psicologia social” e “Contribuições das pesquisas para a intervenção em psicologia em diferentes campos de atuação”, o que demonstra ser uma disciplina que se propõe a conhecer as possibilidades de intervenção da Psicologia em diferentes contextos.
Sobre a disciplina “Praticas emergentes do psicólogo social” em C3, chamou a atenção a presença do tema “Psicologia Social e Geografia: o trabalho no território”. A noção de “território” é presente em diferentes políticas públicas (como saúde e assistência social) e indica uma preocupação com os diferentes espaços de atuação. Além disso, a presença de outra área do conhecimento (Geografia), demonstra uma valorização do trabalho interdisciplinar. Ainda assim, ao não deixar claro quais atravessamentos serão considerados para a análise não é possível inferir a presença da questão da pobreza.
Quanto às disciplinas relativas ao campo comunitário, “Psicologia Comunitária” em C1 indica alguns conteúdos importantes que podem ser relacionados com a temática da pobreza: “Formas de intervenção do/a psicólogo/a no trabalho comunitário”; “Psicologia e intervenções nas áreas rural e periférica” (áreas que são marcadas pela questão da pobreza); “Psicologia social comunitária e movimentos sociais”. No entanto, trata-se de uma disciplina ofertada como optativa, ou seja, não é garantido o acesso a todos os estudantes do curso. Assim, mesmo presente no PPC, sua presença acaba por demarcar o papel secundário da área temática dentro da proposta de formação.
O conteúdo programático da disciplina “Psicologia social comunitária” em C2, é apresentado sucintamente, indicando termos genéticos como “temas fundamentais” e “práticas da Psicologia em comunidades”, de forma que não fica clara a direção a ser dada pela disciplina.
No caso de “Clinica do social: políticas de subjetivação” em C3, a proposta de disciplina indica a discussão sobre a clínica para além dos moldes tradicionais, voltada para intervenções para além da dimensão individual. Ainda que se vise atuar a partir de uma perspectiva ampliada, não é indicada análise ou especificação das populações ou contextos de análise e intervenção. Do mesmo modo, a pobreza – que é um dos principais atravessamentos que incidem sobre o que é chamado de social -, permanece fora do escopo da clínica proposta, seja enquanto produtor de subjetividade ou como objeto de análise no que diz respeito a seus efeitos. A partir da afirmação de que a condição de pobreza tem implicações no psiquismo dos indivíduos e entendendo que o fator econômico e a configuração social influenciam na forma como as pessoas se relacionam (Moura, Ximenes & Sarriera, 2014), analisamos que tal disciplina poderia ser o espaço para o tema, o que não parece se materializar.
Por fim, as temáticas “a constituição do sujeito”, “grupos, instituições e sociedade” e “implicações para a atuação socioclínica do psicólogo nas instituições e comunidades” compõem o conteúdo programático da disciplina “Psicologia social, grupos e instituições” de C3. Apesar dos conteúdos serem relevantes, trata-se de uma disciplina com carga horária de apenas 30 horas, pouco tempo diante da complexidade da temática. Isso pode nos dar diferentes indicações. Além superficialidade no tratamento dos temas devido a pequena carga horária, uma preocupação secundária do curso quanto às questões propostas pela disciplina.
Bibliografia Básica
Para compor os dados desta categoria, foram observadas as referências indicadas na bibliografia básica que demonstrariam potencialmente a preocupação com o tema em discussão nesta pesquisa. Começamos, novamente, pelas disciplinas específicas da Psicologia Social.
A disciplina “Psicologia social” de C1 traz como uma das referências indicadas na bibliografia básica o texto “A Psicologia Social contemporânea: principais tendências e perspectivas nacionais e internacionais” (Ferreira, 2010). O artigo faz um resgate sobre a evolução teórica da Psicologia Social na América Latina demonstrando a possibilidade da Psicologia Social, na sua vertente crítica, intervir nas questões sociais. A autora indica que os psicólogos brasileiros, a partir da década de 1970, acompanharam as tendências da Psicologia Social Crítica, demarcando que tal perspectiva tem procurado “... abordar, sobretudo, alguns dos problemas sociais enfrentados pelo país, como, por exemplo, a violência doméstica, as crianças de rua, a pobreza, a desigualdade social e a exclusão educacional.” (p.59).
Curiosamente, as disciplinas “Psicologia Social” e “Psicologia Social Comunitária” em C2 indicam na bibliografia básica o livro “As artimanhas da exclusão: análise psicossocial e ética da desigualdade social” (Sawaia, 2014) que tem, como tema central, a noção de exclusão social relacionando diretamente com a questão da pobreza e sua compreensão para além da insuficiência de renda.
No caso da disciplina “Psicologia social” de C3, destaca-se a indicação da obra “Crítica e Libertação na Psicologia: estudos psicossociais” (2017) que reúne textos de Martin-Baró (1987). Representando a linha da Psicologia Social Crítica, o autor analisa criticamente que a Psicologia não tem sido capaz de pensar os problemas existentes para a maioria das populações, afastando-se da realidade opressora e realizando análises de problemas sociais relevantes a partir da perspectiva e dos interesses das minorias dominantes.
Algumas referências indicadas na bibliografia da disciplina “Pesquisa em Psicologia Social” em C1 também demonstram ter relação direta com a questão da pobreza. Uma delas é o livro “A Psicologia Social e os atuais desafios ético-políticos no Brasil” de Lima, Antunes e Calegare (2015) que aborda os espaços conquistados pela Psicologia na sociedade brasileira, com destaque para a Psicologia Social. Por sua vez, outra referência citada - o texto “Pesquisadores sociais: efeitos de nomeação” de Broide e Broide (2012) – traz em si um caráter ambivalente. Se por um lado, apresenta um tema atual e relevante à Psicologia Social, por outro descreve uma intervenção partir de uma abordagem marcada pela crítica de ser ahistórica (Psicanálise), denunciando a ausência de reconhecimento da existência de pesquisas e debates no campo específico da Psicologia Social.
Além das referências citadas, a disciplina também propõe como bibliografia a coleção “Práticas Sociais, Políticas Públicas e Direitos Humanos” que possui um volume intitulado “Distintas Faces da questão social: desafios para a Psicologia”. Destacam-se dois capítulos que tem relação com o tema da pobreza e a atuação no campo das políticas públicas. Em “Pobreza e suas implicações psicossociais”, Ximenes et al. (2015) apresentam uma compreensão crítica quanto às implicações da pobreza no desenvolvimento psíquico ao considerá-la enquanto fenômeno que congrega elementos políticos, simbólicos e ideológicos. Por sua vez, em “A Psicologia no campo da assistência social: concepções de pobreza dos psicólogos atuantes no CRAS”, Dantas e Oliveira (2015) afirmam que “...as ações empreendidas no campo da assistência social destacam-se como uma das principais estratégias de enfrentamento à pobreza e miséria na atualidade” (p.178). A indicação de tais bibliografias permite afirmar que a disciplina “Pesquisa em Psicologia Social” (C1) se compromete em abordar temas que se relacionam com a “questão social” e reconhece o papel da Psicologia no trabalho com a população em situação de desigualdade e exclusão social.
Em “Praticas emergentes do psicólogo social” presente em C3 encontramos a indicação do artigo “Pesquisar o/no cotidiano na pesquisa social: reflexões sobre a noção de lugar, território e redes de associação” (Spink & Spink, 2017) que trata da inserção e relação com as comunidades no contexto da pesquisa social. Considerando que a atuação em políticas públicas pressupõe esse trabalho em territórios onde a pobreza é uma das características principais, o debate do tema indicado pelo artigo pode apontar que a questão possui certa relevância para o estudante em formação. Ainda assim, é importante ressaltar que se trata de um tratamento indicado do tema não sendo realizado de forma específica.
Além das bibliografias aqui apresentadas, que se destacaram pelas possíveis relações com a pobreza e por representarem temas atuais, também identificamos referências tradicionais e que seguem a linha da Psicologia Social Crítica. Entre as referências, são indicadas as obras de Silvia Lane - como “O que é psicologia Social?” (1986); “Psicologia Social: o homem em movimento” (1984); “Psicologia Social Comunitária: da solidariedade à autonomia” (1996) -que demonstram a existência de um referencial importante e histórico que fornece sustentação para a formação no campo da Psicologia Social.
Porém, é possível perceber uma mudança de perspectiva quando analisamos as demais disciplinas do campo da Psicologia Social. Estas trazem novas matrizes epistemológicas, com referências mais contemporâneas que ampliam as temáticas de interesse, debatendo temas como a questão da violência, movimentos sociais, ecologia e questão de gênero, etc. Assim, observa-se um movimento que vem ocorrendo na Psicologia Social que traz a desigualdade e exclusão social não mais como analisador principal nas pesquisas realizadas no campo.
A análise dos programas das disciplinas permitiu identificar que é principalmente a partir da bibliografia básica que algumas disciplinas se comprometem com a temática. Faz-se importante considerar que a elaboração dos programas é de responsabilidade dos professores, assim como a indicação da bibliografia e que não representam necessariamente a diretriz institucional. Ou seja, o recorte e direção dada aos temas elencados na ementa podem variar de acordo com interesses, temas ou histórico de pesquisa docente.
De forma sintética, podemos afirmar que o tema da pobreza aparece apenas de forma transversal, a partir de conteúdos que exploram a desigualdade e exclusão social e a atuação profissional em diferentes contextos, elementos que tem espaço de debates nas disciplinas no campo da Psicologia Social. Ainda que incipiente e apesar de não representar uma postura institucional que garanta uma mudança no processo formativo, tais conteúdos podem indicar um movimento de resistência frente aos discursos e práticas discriminatórias que estão enraizados no sistema social vigente.
Ainda que o termo em si não apareça em nenhum dos documentos investigados, foi possível observar que a proposta de Psicologia Social apresentada aos alunos indica uma possibilidade de aproximação o tema da pobreza. Porém, entendemos que ao considerar o alinhamento com uma visão ético-política na qual o sujeito encontra-se cravado na dimensão sócio-histórica e que a pobreza é uma produção social e política, as disciplinas da área de Psicologia Social deveriam levar necessariamente a problematização do projeto de dominação e exclusão vinculado ao sistema social vigente.
A análise dos documentos, porém, não deixa isso claro. Mesmo tendo a oferta de disciplinas relativas à Psicologia Social identificadas com uma perspectiva crítica, observa-se uma pluralidade temática que descentraliza o debate em torno da questão social e seu papel na produção subjetiva. A partir disso, podemos realizar a seguinte reflexão: haveria lugar nos currículos para a temática da pobreza?
Segundo Santomé (2013) é necessário produzirmos justiça curricular enquanto pressuposto para a produção de uma educação reflexiva que permita tratar sobre diferentes culturas. A partir de uma perspectiva crítica acerca do currículo, afirma que “educar para o ensino obriga a recordação das lutas sociais por meio das quais se enfrentam situações de exclusão e dominação” (p.228).
Assim, compreendemos a inclusão nas propostas curriculares de um debate mais especifico sobre a pobreza poderia contribuir para o enfrentamento das desigualdades. Esse processo exige um comprometimento com os grupos socialmente, culturalmente e economicamente desfavorecidos. A análise dos projetos de curso de Psicologia mostra que, ainda que existam indicativos de movimento nessa direção, ainda que é pequena a incidência desse debate o que mostra que ainda nos encontramos a margem de uma implicação quanto a questão.
Considerações Finais
Ainda que a partir de um microcosmos - programas de disciplinas de cursos de Psicologia das IEES do estado do Paraná -, procuramos apresentar de que forma a Psicologia, por meio do campo da Psicologia Social, tem tratado sobre a pobreza –importante manifestação da questão social – na formação inicial em Psicologia.
Está posto que a Psicologia ampliou possibilidades de atuação profissional para além daquilo que comumente é apresentado na formação inicial. Isso nos leva a refletir sobre a forma como estes novos campos aparecem nas propostas curriculares, pois não parecem estarem sendo tratados com a mesma importância que os espaços tradicionais de atuação.
Esta pesquisa limitou-se a análise das disciplinas do campo da Psicologia Social, mas reconhecemos que o tema em discussão – a pobreza – pode estar presente em outras disciplinas observadas na matriz curricular dos PPCs, como por exemplo aquelas que se relacionam com as políticas públicas. Ampliar o universo dos dados poderá complementar a análise aqui apresentada ou até mesmo indicar outras percepções quanto as propostas curriculares para a formação em Psicologia.
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