Revista de Psicologia, Fortaleza, v.15, e024015. jan./dez. 2024
DOI: 10.36517/revpsiufc.15.2024.e024015
RECEBIDO EM: 02/02/2024
PRIMEIRA DECISÃO EDITORIAL: 03/07/2024
VERSÃO FINAL: 08/07/2024
APROVADO EM: 24/07/2024
“Mãe, Não Tem Problema Tu Chorar, Tá?”: Cuidados Paliativos Em Oncologia Pediátrica
“Mom, No Problem For You To Cry, Okay?”: Palliative Care In Pediatric Oncology
Daniele Da Silva Barbosa Agostta
Universidade Feevale – Brasil. Graduação em Psicologia. ORCID: https://orcid.org/0009-0005-7618-5122. E-mail: danyagostta@gmail.com
Carmen Esther Rieth
Universidade Feevale – Brasil. Mestre em Saúde Coletiva. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9865-1650- E-mail: carmener@feevale.br
O processo de morte e morrer é um tabu na sociedade contemporânea. Existe resistência em discorrer sobre essa temática, principalmente relacionada à infância e à adolescência, dificultando o cuidado de pacientes com doenças ameaçadoras da vida. Os cuidados paliativos em oncopediatria buscam auxiliar pacientes e familiares a terem maior conforto e qualidade de vida no processo de adoecer e morrer. O objetivo foi investigar como se dá o trabalho da equipe multiprofissional em cuidados paliativos pediátricos (CPP) e a percepção dos profissionais acerca do trabalho do psicólogo nesse contexto. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, descritiva e exploratória. Foram entrevistados onze profissionais (online e presencial), que atuam e/ou atuaram em CPP. O material foi analisado a partir dos pressupostos de Minayo (2010). Os resultados evidenciaram que a equipe de CPP pode proporcionar maior qualidade de vida e bem-estar a todos envolvidos. O psicólogo foi percebido pela equipe multiprofissional como parte fundamental, auxiliando na ressignificação do sofrimento, na elaboração do processo de finitude e na mediação da relação paciente, família e equipe. São escassas as pesquisas relacionadas à morte de criança/adolescente em oncologia pediátrica e poucos profissionais atuando nessa área. Sugerem-se pesquisas que escutem as necessidades das crianças e pais sob CPP.
Palavras-chave: Cuidado paliativo; Oncologia pediátrica; Equipe multiprofissional; Psicologia.
The process of death and dying is taboo in contemporary society. There is resistance to discussing this theme, mainly related to childhood and adolescence, making it difficult to care for patients with life-threatening illnesses. Palliative care in oncopediatrics seeks to help patients and their families to have greater comfort and quality of life in the process of becoming ill and dying. The objective was to investigate how the work of the multidisciplinary team in pediatric palliative care (PPC) works and the perception of professionals about the work of the psychologist in this context. This is a qualitative, descriptive and exploratory research. Eleven professionals were interviewed (online and presential), who work and/or worked in PPC. The material was analyzed from the assumptions of Minayo (2010). The results showed that the PPC team can provide better quality of life and well-being to all involved. The psychologist was perceived by the multidisciplinary team as a fundamental part, helping to reframe suffering, in the elaboration of the process of finitude and in the mediation of the patient, family and team relationship. There are few studies related to child/adolescent death in pediatric oncology and few professionals working in this area. Researches are suggested that listen to the needs of children and parents under PPC.
Keywords: Palliative care; Pediatric oncology; Multidisciplinary team; Psychology.
Atualmente, a morte é considerada um tema tabu pela sociedade. Há um encobrimento dessa temática e a não permissão das discussões cotidianas sobre ela, o que acaba por culminar no isolamento e na não vivência adequada dessa experiência (Kovács, 2003). Mas nem sempre foi assim, segundo Ariès (1977), em um estudo sobre a historicidade da morte, as transformações relacionadas com esse tema são decorrentes de um processo social e histórico que permearam a postura atual dos indivíduos diante das questões da morte e do morrer.
De acordo com esse autor, antigamente, a morte era compreendida como um processo natural e vivenciado de forma coletiva. A partir de diversas transformações sociais, culturais, tecnológicas e econômicas, a morte passou a ocupar um lugar diferente na vida das pessoas. Até o século XIX, o morrer era um processo relativamente simples, vivenciado coletivamente e planejado e esperado pelo doente e seus familiares. Com a expansão do capitalismo, a difusão dos serviços funerários e o avanço da tecnologia, a morte passou a ser entendida e vivenciada de forma diferente. Em contraponto à vivência coletiva, a morte tornou-se um momento a ser vivido com discrição e isolamento (Ariès, 1977; Kovács, 2003).
Nesse sentido, Ariès (1977, p. 53) afirma que a morte é concebida como “um fenômeno absolutamente inaudito [...]. De tão presente no passado, de tão familiar, vai se apagar e desaparecer. Torna-se vergonhosa e objeto de interdição”. Já Souza, Moura e Pedroso (2010, p. 18) complementam, afirmando que a morte se torna “uma violação à vida cotidiana, uma ruptura, um interdito; a morte é a reafirmação de que a prosperidade do coletivo está ameaçada. Na impossibilidade de impedi-la, vamos silenciá-la”.
A morte reumanizada é pensada e abordada conforme os postulados de Kübler-Ross e Cicely Saunders, que dedicaram suas vidas e obras a cuidarem de pacientes e familiares que vivenciaram o processo de morte, contribuindo para o alívio da dor e sofrimento. Assim, de acordo com Kovács (2011), neste tipo de morte, o paciente volta a tornar-se protagonista no seu processo de morrer.
São essas as premissas que norteiam os cuidados paliativos, pois, conforme afirma Kübler-Ross (2008, p. 12): “Quando um paciente está gravemente enfermo, em geral é tratado como alguém sem direito a opinar. Quase sempre é outra pessoa quem decide sobre, quando e onde um paciente deverá ser hospitalizado. Custaria tão pouco, lembrar-se de que o doente também tem sentimentos, desejos, opiniões e acima de tudo, o direito de ser ouvido”.
Historicamente, os cuidados paliativos (CP) remontam ao século V, na Europa, onde alguns peregrinos recebiam certos cuidados e passavam a noite em abrigos denominados de hospices medievais. Muitos desses viajantes, apesar de receberem cuidados, acabavam adoecendo e morrendo nessas hospedarias. Relacionados a esses hospices, surgiram, no século XVII, também na Europa, instituições de caridade, nas quais foram construídos abrigos para doentes e moribundos. No século XIX, esses abrigos apresentavam características de hospitais, com alas destinadas aos cuidados de doentes com câncer e tuberculose. Os cuidados eram basicamente leigos e espiritualizados, buscando o alívio e o controle da dor, ao invés da busca exclusiva pela cura (Academia Nacional de Cuidados Paliativos [ANCP], 2022; Maciel, Rodrigues, Barbosa, Burlá & Melo, 2006; Pessini & Bertachini, 2005).
Em 1948, Cicely Saunders, uma enfermeira e assistente social inglesa, começou a trabalhar em uma hospedaria em Londres, chamada St. Luke´s Home. Inconformada diante do sofrimento humano, estudou medicina e concluiu o curso aos quarenta anos de idade. Desde então, dedicou-se ao estudo e ao alívio da dor de pacientes que apresentavam doenças sem terapêutica curativa. Cicely pesquisou e publicou inúmeros estudos, tendo fundado, em Londres, no ano de 1967, o St Christhofer’s Hospice, iniciando o que hoje é denominado de Movimento Hospice Moderno. Suas contribuições e devoção a esse trabalho foram fundamentais e determinaram os princípios da prática paliativa e do cuidado integral ao paciente (ANCP, 2022; Menezes, 2004).
No Brasil, a Política Nacional de Atenção Oncológica introduziu a assistência paliativa como um dos fatores ofertados nos cuidados ao paciente com câncer. A Portaria nº 2.439, de 8 de dezembro de 2005, que instituiu essa política, foi revogada pela Portaria nº 874, de 16 de maio de 2013, que estabelece a Política Nacional para a Prevenção e Controle do Câncer na Rede de Atenção à Saúde das Pessoas com Doenças Crônicas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), sinalizando o cuidado paliativo como parte fundamental da assistência integral ao paciente com câncer (Portaria nº 2.439, 2005; Portaria nº 874, 2013; Rabello & Rodrigues, 2015).
A Resolução nº 41, de 31 de outubro de 2018, “dispõe sobre as diretrizes para a organização dos cuidados paliativos, à luz dos cuidados continuados integrados, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS)”, implementando e organizando os CP na saúde pública (Resolução nº 41, 2018, p. 276). No estado do Rio Grande do Sul, a Lei nº 15.277, de 31 de janeiro de 2019, instituiu a Política Estadual de Cuidados Paliativos, com o objetivo de proporcionar atenção integral em saúde para pessoas portadoras de doenças que ameaçam a continuidade da vida.
De acordo com a Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP, 2022), paliar deriva do latim “pallium”, que significa proteger como forma de cuidado, tendo como objetivo amenizar a dor e o sofrimento biopsicossocial e espiritual. Criado em 2020, o Programa Nacional de Cuidados Paliativos do Ministério da Saúde acrescenta que os CP são cuidados prestados a doentes em situação de sofrimento gerado por doença progressiva e incurável (Barros, 2015).
Nos dias atuais, apesar dos intensos progressos tecnológicos relacionados ao processo terapêutico e ao diagnóstico em oncopediatria, a incurabilidade do câncer ainda é observada em muitos casos (Reis, Dias & Mazzaia, 2009). Fatores como prognósticos imprecisos, rejeição da proximidade da morte e do quadro clínico, fim das possibilidades de cura e a comunicação não adequada com a equipe, fazem com que a criança/adolescente necessite de um cuidado em saúde que vise dar mais qualidade ao processo de morte, propiciando bem-estar ao restante dos seus dias (Instituto Nacional do Câncer [INCA], 2022; World Health Organization [WHO], 2014).
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), os cuidados paliativos pediátricos (CPP) possuem as seguintes características:
São cuidados ativos totais, para o corpo, mente e espírito da criança, e envolvem também o suporte à família; começam na altura do diagnóstico e continuam independentemente de a criança receber ou não tratamento dirigido à doença; os profissionais de saúde devem avaliar e aliviar o sofrimento físico, psicológico e social da criança; para serem eficazes, é necessária uma abordagem ampla interdisciplinar, que inclua a família e utilize os recursos disponíveis na comunidade; podem ser implementados mesmo quando os recursos são limitados; podem ser prestados em centros terciários, nos cuidados de saúde primários ou domicílio (WHO, 2014, p. 6).
A equipe que atua em cuidados paliativos pediátricos deve ser multiprofissional, procurando abranger todos os aspectos da vida do doente e de seus familiares. Considerando que a dor não é apenas física, mas sim total, são várias as profissões que fazem parte dessa equipe, como psicólogos, médicos, enfermeiros, assistentes sociais, nutricionistas, fisioterapeutas e orientadores espirituais, que têm por objetivo o cuidado integral do indivíduo (D’Alessandro, Pires & Forte, 2020).
De acordo com Iglesias, Zollner e Constantino (2016), os cuidados paliativos pediátricos apresentam algumas particularidades, em comparação ao CP ofertado ao adulto: durante o processo da doença, e na proximidade da morte, as crianças requerem maior atenção e cuidado, necessitando de prévias e numerosas intervenções; são mais resilientes e demonstram maior variação nas respostas ao tratamento; o processo de doença na criança que está em pleno desenvolvimento pode ser longo, mutável e imprevisível; quando uma criança morre, o luto da família e de todos à sua volta é mais sofrido e tem maior duração.
Dessa forma, compreender o trabalho da equipe de CP em oncologia pediátrica é o objetivo geral desse trabalho. Os objetivos específicos são: investigar a maneira que a equipe de CP cuida da criança/adolescente e sua família em situação de doença ameaçadora da vida; conhecer o papel da Psicologia no cuidado à criança/adolescente e à família com câncer fora de possibilidade de cura; compreender qual o papel da Psicologia junto à equipe de CP; entender como se dá a organização do trabalho da equipe de CP; e, saber como tem sido a preparação/capacitação dos profissionais que trabalham em CP.
Este trabalho se desenha a partir de uma perspectiva qualitativa, descritiva e exploratória. Participaram, deste estudo, onze profissionais, que integram ou integraram equipes de CP. Visando garantir o sigilo e o anonimato, utilizaram-se siglas relacionadas às suas profissões para representá-los: dois psicólogos (P1 e P2), dois médicos (M1 e M2), dois enfermeiros (E1 e E2), uma assistente social (AS1), uma nutricionista (N1), uma fisioterapeuta (F1) e dois orientadores espirituais (OE1 e OE2).
Foram incluídos profissionais que tinham tido experiência de, pelo menos, seis meses, independente de idade, sexo ou formação especializada em CP. Em relação à procedência, dez entrevistados eram do Rio Grande do Sul e um era do Rio de Janeiro. Em relação ao tipo de instituição, seis eram públicas, três eram organizações não governamentais (ONGs) e duas eram privadas. A média de idade variou de 25 a 43 anos, sendo sete participantes identificados com o sexo feminino e quatro do sexo masculino. Dos participantes, sete não realizaram especialização em CP e quatro realizaram. Já quanto ao tempo de profissão, variou de dois a vinte anos, enquanto o tempo de atuação em CPP variou entre dois e dezessete anos.
A coleta de dados foi realizada através de uma entrevista, com roteiro semiestruturado, tanto no formato presencial (um participante), como no online (dez participantes).
Este trabalho seguiu todos os preceitos previstos na Resolução nº 510/2016, do Conselho Nacional de Saúde (CNS), e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), da Universidade Feevale, sob CAAE nº 64592422.1.0000.5348. Utilizou-se de financiamento próprio para a realização da pesquisa.
No caso das entrevistas presenciais, a gravação foi realizada através de smartphone. Nas entrevistas da modalidade online, foi utilizada a ferramenta de conversação Google Meet, para gravar as entrevistas que, a posteriori, foram transcritas. O material coletado será armazenado por cinco anos e depois descartado. A análise de conteúdo foi realizada através dos pressupostos de Minayo (2010) que podem ser divididos didaticamente em três passos:
1º- Pré-Análise: refere-se a escolha do material a ser analisado, a retomada das hipóteses e objetivos iniciais. Ela pode se subdividir em três etapas: Leitura flutuante: consiste em entrar em contato de forma exaustiva com o material; Constituição do Corpus: refere-se a organização do material coletado; e Formulação de Hipóteses e Objetivos.
2º- Exploração do Material: esta fase consiste em enumerar, dividir e agrupar, visando a compreensão dos conteúdos.
3º- Tratamento dos Resultados Obtidos e Interpretação: este terceiro momento, refere-se à categorização dos conteúdos e é caracterizado pela interpretação do material coletado relacionando-o com a literatura correspondente.
A partir da análise dos dados, foi possível classificar a fala dos participantes em duas grandes categorias e suas subsequentes subcategorias: “Equipe multiprofissional e cuidados paliativos”, e suas subcategorias, e “Papel da Psicologia na equipe multiprofissional de CP”, e suas subcategorias. Os títulos das subcategorias apresentam-se em negrito dentro do próprio parágrafo.
Equipe Multiprofissional e Cuidados Paliativos
“A morte pertence à vida, como pertence o nascimento.
O caminhar tanto está em levantar o pé, como em pousá-lo no chão”.
(Pássaros Errantes, CCXVII, Tagore)
De acordo com o material coletado, foi possível analisar a percepção da morte pela equipe multiprofissional. Assim, profissionais como os entrevistados E2, OE2, F1 e M1, relatam que, ainda nos dias atuais, a morte é considerada um tabu para a sociedade. Dessa forma, discorrer sobre, ou deparar-se com ela na prática diária do trabalho, torna-se um fenômeno causador de angústia, despertando a sensação de fracasso na equipe que assiste o paciente.
Nesse sentido, M2 relata que a morte é “um tabu imenso [...] na pediatria, ela é sempre uma imensa guerra, é uma vilã que precisa ser combatida a todo e qualquer custo [...] ela não é aceita, ela não é vista, não é considerada, é como se ela não fosse possível”.
No atual contexto, onde a medicalização e a busca pela cura são a forma predominante de tratar as doenças, a morte é considerada um fracasso. Dessa forma, é claramente percebida a diminuição do espaço dos processos de perdas e do luto no contexto da saúde, limitando as possibilidades de análise e discussão sobre esse assunto (Machado, Pessini & Hossne, 2007).
O tabu em relação à morte acaba se refletindo no campo da saúde e, de uma certa forma, marginalizando os cuidados paliativos. Para a equipe que assiste a criança/adolescente em CP, o processo de morte ou a compreensão de que não há mais terapêutica curativa causa sofrimento e adoecimento psíquico. Segundo os entrevistados E2 e P1, os profissionais da área da saúde, desde a formação, foram treinados para a cura, para o tratamento, e jamais para assistir a morte do paciente ou para a perda do mesmo.
Referente ao entendimento da criança/adolescente sobre seu processo de finitude, todos os participantes referem que a morte é percebida pelas mesmas. A criança, mesmo muito pequena, percebe o que acontece à sua volta e, de forma adequada para a idade, trabalhar com ela nessa perspectiva torna-se deveras relevante. Segundo E1 e P2, o processo de autonomia e participação ativa da criança/adolescente no seu tratamento é considerado como fundamental, pois acarreta diversos benefícios para o paciente, contribuindo para o desenvolvimento do vínculo com a equipe e fortalecendo a relação de confiança com os familiares.
Segundo esse entendimento, os cuidados paliativos em oncologia pediátrica devem incluir o fator emocional, a comunicação adequada, o diálogo franco, a presença autêntica, o aspecto cognitivo da percepção e o desenvolvimento da autonomia do paciente no seu processo de adoecimento (França, Costa, Nóbrega, Lopes & França, 2013).
Através das falas dos entrevistados, foi possível perceber uma grande resistência por parte da família, referente à comunicação com as crianças/adolescentes em CP. Fica evidente, conforme E2, M2 e N1, que os familiares possuem dificuldades para lidar com seu sofrimento e, por conta disso, não conseguem acolher o sofrimento da criança/adolescente. Acreditam que a estão protegendo, quando, na verdade, estão abandonando-a com seus sentimentos. Nesse sentido, conforme refere M2: “A gente tem muito, na UTI, de as crianças dizerem ‘eu sei que eu estou morrendo, mas eu não posso dizer para minha mãe, ela não está pronta’".
Corroborando com essa percepção, a entrevistada P1 refere:
[...] dependendo da idade, a criança participa sim desse processo. Porque ela vai se dar conta e a gente, enquanto psicólogo, vai ao encontro dessa necessidade da criança, quando ela transparece que quer saber, que quer entender, de alguma forma, o que está acontecendo [...] (P1).
A divulgação do final da terapêutica curativa, e a inserção nos cuidados paliativos exclusivos, cumpre papel ético, e bioético, de direito à informação e respeito à autonomia. Influencia na adesão ao tratamento pela criança/adolescente e contribui para o fortalecimento emocional e o desenvolvimento da resiliência, o que se relaciona estritamente com os princípios dos CP (Saltz & Juver, 2014).
De acordo com a percepção de E1 e N1, a criança/adolescente entende tudo o que acontece ao seu redor, mesmo que não seja comunicado para ela. De maneira adequada, e utilizando-se de termos próprios para a idade, comunicar a criança sobre sua condição clínica é fundamental, visto que elas têm o direito de saber.
O entendimento sobre o processo de adoecimento é percebido pelas crianças dependendo da faixa etária e do grau de maturidade apresentado por elas. Isso fica claro na percepção de E2, quando narra a fala de um paciente: “[...] Até que um dia, ele, com seus 7/8 anos, disse: ‘mãe, eu sei que eu não tenho bichinho no sangue. Eu sei que eu tenho câncer, mas se pra senhora eu ter um bichinho no sangue é algo melhor, então eu tenho um bichinho no sangue’”.
Da mesma forma, a compreensão da finitude pelos pacientes infantis fica evidente na fala de N1, quando narra o diálogo de uma criança de apenas cinco anos com sua mãe: “[...] mãe, não tem problema tu chorar, tá? Eu vou ficar bem, tu vai ficar bem também. Eu vou descansar e vai ficar tudo certo!”.
No entendimento de E1, é mais difícil abordar o tema da morte com os adolescentes, visto que, aparentemente, eles apresentam maior resistência para falar dessas questões e, por vezes, se fecham, se isolam e não compartilham suas angústias.
De acordo com essa percepção, ser portador de más notícias implica compreender os próprios sentimentos, buscando o entendimento das emoções que podem ser provocadas por aquilo que é transmitido. É necessária empatia com aquele que está sofrendo, mostrando-se disponível para escutar, analisando até que ponto o paciente e seus familiares são capazes de suportar tal entendimento (INCA, 2010).
Em relação à percepção sobre a organização do trabalho em cuidados paliativos, os participantes E2, M2, OE1 e OE2 referem que a participação nos rounds é fundamental, pois é o momento que a equipe se reúne para discutir e alinhar as condutas terapêuticas com o paciente. Salientam a importância, também, da participação da família nos rounds, pois podem acompanhar o processo da doença e do tratamento. Dessa forma, segundo a percepção de E1:
[...] a gente tem round dos paliativos, vai toda a equipe multidisciplinar do serviço [...], a gente tem aulas semanais de alguns temas importantes [...] a gente usa o símbolo da borboleta pra representar que o paciente está em finitude [...] pra deixar a família o mais confortável possível [...] (E1).
Nesse sentido, P1 relata que, durante a internação do paciente, todos os profissionais atuam junto, buscando complementar suas práticas. A comunicação entre equipe, paciente e familiares é fator determinante em CPP, sendo necessário que seja realizada de modo claro, verdadeiro e empático, promovendo acolhimento e tranquilidade.
Diante desse contexto, Misko (2012) ressalta que a comunicação entre o paciente, os cuidadores e a equipe, a respeito da progressão da doença e a inserção nos cuidados paliativos, se não for realizada de forma adequada, pode contribuir para desestabilizar a saúde emocional de todos os envolvidos, dificultando o alívio do sofrimento. A omissão, a ausência e as divergências de informações podem dificultar a aceitação da família ante a assistência paliativa.
De acordo com os entrevistados E2 e N1, é o médico que vai definir a linha terapêutica, pois existe uma hierarquia dentro do ambiente hospitalar, que, por vezes, dificulta os cuidados e o processo terapêutico paliativo. O que se configura como uma disparidade, já que um dos fundamentos dos cuidados paliativos é a forma de trabalhar horizontalizada, e não verticalizada, como é percebido na sua maioria, através das narrativas. Em contraponto, para o participante M1, durante a internação, é a equipe que assiste a criança na oncologia que decide o momento de acionar os CP. De acordo com esse participante, muitas vezes, a equipe de CPP é chamada tardiamente e o cuidado, que deveria iniciar precocemente, fica prejudicado.
Diante desse fato, Iglesias, Zollner e Constantino (2016) salientam que, quando há elevado estresse, sofrimento e desconforto para a criança/adolescente, frente a uma intervenção que apresenta mínimo benefício, é necessário prezar pelo seu bem-estar. Sendo assim, deslocar o foco do tratamento, que está voltado para o prolongamento da vida, para o alívio da dor e dos sintomas que geram sofrimento, irá proporcionar maior qualidade de vida.
Quando se trata do adoecimento de crianças e adolescentes, está se falando de pessoas que estão em pleno desenvolvimento físico, emocional e psicossocial. Sendo assim, a possibilidade de cuidado à criança/adolescente em CP e sua família deve ser multidisciplinar, visando sempre preservar o conforto, o alívio da dor e validar aquilo que é importante para o paciente e sua família.
Nesse sentido, a entrevistada AS1 relata que “[...] o cuidado é multidisciplinar [...] A gente olha não para a doença e sim para o sujeito que enfrenta a doença”.
Em relação ao desenvolvimento infantil, Fonseca, Panciera e Zihlmann (2021) referem que a criança e adolescente com câncer deixam, momentaneamente, de fazer suas atividades cotidianas, como ir à escola, brincar e conviver com os amigos e familiares, passando a conviver com a limitação da rotina hospitalar e ambulatorial. Tais fatores acabam por influenciar, de forma significativa, o seu desenvolvimento físico, cognitivo e social.
Sobre os cuidados com a família no trabalho de CPP:
[...] vai muito conforme os pais também vão dar uma abertura para a equipe e para o psicólogo [...] já teve famílias onde a mãe consegue, o pai não consegue, ou o contrário [...] tem famílias que o pai começa a não vir mais pro hospital, nesse final, porque ele realmente não consegue. Outras famílias que a gente chama e esse pai vem, fica junto, como nunca ficou [...] (P1).
Sobre os momentos finais da vida dos pacientes, é necessário agir em conformidade com aquilo que é significativo para a criança/adolescente e sua família, buscando proporcionar bem-estar e qualidade de vida para esse momento. Tal fato fica evidenciado na fala de M2, quando refere que pegar no colo, tirar uma mechinha do cabelo, fazer uma impressão da mãozinha, bater fotos, colocar música, chamar uma pessoa religiosa, que é importante para a família, são fatores que dimensionam e dão sentido àquele momento vivenciado.
Em conformidade com as falas de E1 e OE1, a comunicação neste momento da doença precisa ser assertiva entre a família, a equipe assistencial e a equipe paliativista, pois todos precisam entrar em acordo e alinhar as condutas terapêuticas. Dessa forma, a decisão de quando o tratamento curativo termina e o paliativo se inicia torna-se um momento de grande sofrimento e de decisões cruciais para os pais. A expectativa de cura, a negação da situação terminal do filho e os conflitos familiares dificultam a inserção da criança/adolescente nos cuidados paliativos (Misko, 2012).
A equipe multiprofissional também precisa manter um olhar atento para os irmãos saudáveis, que, por vezes, acabam sendo negligenciados, devido ao excesso de preocupação e cuidados com o paciente por parte dos pais ou cuidadores. Este cuidado fica explícito na fala de F1, P1 e P2, quando relatam que o trabalho também é focado nos irmãos, visando prevenir que a criança saudável comece a ter problemas escolares, emocionais e sociais.
Nesse sentido, conforme Oliveira, Maranhão e Barroso (2017), a assistência paliativa também necessita dar um suporte para os irmãos das crianças/adolescentes que se encontram enfermos. Eles podem se sentir responsáveis pela doença do irmão, apresentarem sentimento de culpa e sofrerem com a falta de atenção dos pais, que está focada na criança doente.
No que tange a importância da visita dos irmãos ao hospital, do ponto de vista emocional, e pensando na proteção do luto, o viés da Psicologia será sempre trabalhar com a família para que consiga trazê-los. Nesse sentido, a fala de P1 corrobora com essa afirmação quando diz que, “[...] por mais que o paciente esteja sedado, não respondendo mais em algumas situações, de coração para coração, ainda tem vida. E se ele quiser vir falar coisas, o outro irmão vai sentir [...]”.
Na tentativa de proteger os irmãos saudáveis, na maioria das vezes, eles são mantidos afastados do processo de adoecimento de um membro familiar. Os pais omitem informações ou os afastam do cuidado e do apoio à criança doente. No entanto, esse comportamento vai na contramão de preservar a saúde emocional desses irmãos, não impedindo que sejam influenciados por tudo o que acontece ao seu redor (Olivier-D’Avignon, Dumont, Valois & Cohen, 2017).
Considerando o processo de morte e morrer da criança/adolescente em CP, é fundamental que as instituições possuam um cuidado especial com a família enlutada. Visto que o câncer é uma doença que se prolonga por muito tempo, o contato e a relação da família com a equipe assistencial podem perdurar por anos e o fim desse processo pode trazer dificuldades de enfrentamento para a família.
Referente ao acompanhamento no pós-morte da criança/adolescente, todos os entrevistados referem que não há, atualmente, na instituição que atuam, um serviço para o acompanhamento às famílias em seu processo de luto. Essa dificuldade fica evidenciada na fala dos entrevistados N1 e E2, quando narram sobre a importância de um laboratório para enlutados e a necessidade de haver esse tipo de serviço disponível para a família.
A morte na infância exige um ajuste integral no âmbito familiar, para a superação do momento difícil que inicia. O suporte psicológico revela-se como fundamental para auxiliar a família, proporcionando a elaboração do sofrimento e a ressignificação do processo de luto (Franco, 2008).
Em relação à preparação dos profissionais para atuarem em CP, nenhum participante teve contato com cuidados paliativos durante a sua formação acadêmica, o que dificultou a sua prática e fez com que tivessem que buscar conhecimento especializado para atender a essas demandas, conforme afirma M1:
[...] nós não tínhamos absolutamente nada de cuidado paliativo na graduação [...] os médicos se formam e a grande maioria acha que vai tratar os pacientes e que eles vão melhorar e, quando eles morrem, há inclusive uma sensação de fracasso, de não ter feito o que deveria ou que poderia [...] (M1).
Além da falta de preparo nas universidades sobre CP, também a compreensão pessoal do profissional sobre o processo de morte e morrer influencia, sobremaneira, como este profissional vai lidar com esse fenômeno durante a sua prática. Conforme fica evidenciado nas falas dos participantes E1, F1, P1 e OE2, são profissionais da área da saúde que estão se formando sem saberem o que são cuidados paliativos e o modo adequado de cuidarem do paciente em final de vida.
Nesse sentido, para que haja assertividade e relevância na atuação da equipe multiprofissional de saúde, é necessário que o processo de morte seja compreendido como algo natural, buscando desenvolver um cuidado integral e alternativas humanizadas e adequadas no cuidado ao doente (Hermes & Lamarca, 2013).
Em relação ao curso de especialização em CP, apenas cinco participantes disseram ter realizado, mas todos referem possuir o desejo de buscar aperfeiçoamento. De acordo com essa percepção dos participantes, o cuidado qualificado no processo de finitude só é viável com uma equipe capacitada e confiante. Dessa forma, segundo Ribeiro, Santos, Cardoso, Ferreira e Gil (2021), a educação continuada é uma relevante estratégia para amenizar as limitações na formação.
Papel da Psicologia na Equipe Multiprofissional de CP
“Não podemos acrescentar dias a nossa vida,
mas podemos acrescentar vida aos nossos dias” (Cora Coralina).
O trabalho do psicólogo com o paciente tem o objetivo primordial de facilitar a comunicação, permitindo que o paciente expresse suas emoções, fale de seus medos e angústias e que possa se colocar como sujeito ativo e participante no seu processo de adoecimento (Nascimento & Leão-Machado, 2017).
Conforme a percepção dos profissionais sobre o papel dos psicólogos na assistência à criança/adolescente em CP, todos os entrevistados veem como positiva a participação do profissional psicólogo atuando na equipe. Conforme E1 e M2, os psicólogos fazem um trabalho de excelência, centrado na necessidade da criança e da sua família. Assim, a prática desse profissional faz muita diferença no processo de tratamento, visto que auxilia desde o diagnóstico, até os momentos finais de vida dos pacientes.
Corroborando com essa percepção, as entrevistadas AS1 e N1 referem:
[...] eu acho fundamental, no sentido de ser um espaço seguro para essa criança ou familiar, apresentar sua vulnerabilidade, sua fragilidade, sem julgamento [...] (AS1).
[...] eu acho que é fundamental [...] muito pro familiar e pra criança também, eu observo que a psicologia é muito importante [...] o adolescente, principalmente, tem que ser muito trabalhado, eu vejo que é muito difícil (N1).
O apoio psicológico é fundamental nesse momento, pois visa promover uma comunicação adequada e a aceitação do processo de morte, proporcionando qualidade de vida, apoio e conforto para o paciente e todos os envolvidos nesse processo. Dessa forma, segundo OE1:
Eu não consigo nem imaginar ou falar de cuidados paliativos sem a perspectiva da psicologia [...] fazem um trabalho tão precioso de acolhimento da família, tão humano, tão bonito, e conseguem sintonizar a família, compreender a família [...] (OE1).
Nesse sentido, E2 refere que é perceptível que, depois que os pacientes iniciam o acompanhamento com a psicologia, melhoram o entendimento e processam melhor as informações, como também, acontece uma melhora na relação do paciente com os demais membros da equipe.
No que tange a relevância da Psicologia na equipe de CPP, todos os entrevistados referem que o profissional psicólogo é essencial na composição da equipe, auxiliando nas demandas e na compreensão das questões emocionais atreladas ao adoecimento e aos sentimentos de angústia derivados do processo de finitude.
Dessa maneira, M2 relata que “[...] os psicólogos nos trazem muitas coisas importantes, que a gente não consegue acessar, nos dão muitas dicas de como abordar aquela família, o que a gente pode mudar [...]”.
Os entrevistados F1, M1 e OE2 concordam com essa percepção, quando referem que, dependendo das demandas que o paciente apresenta, a Psicologia vai ser mais importante do que a dimensão orgânica, salientando, ainda, que a Psicologia é essencial para o paciente, a família e a equipe.
Corroborando com essa ideia, E1 relata: “[...] E a psicóloga explicou de uma forma fantástica que ele entendeu. E aí mudou a chavezinha [...] O paciente mudou totalmente o comportamento dele, antes era tudo mais difícil da gente fazer [...]”.
O psicólogo pode atuar em diversos momentos dos cuidados paliativos, como na decisão dos pais de iniciar a assistência paliativa exclusiva, na tomada de decisão e nas dificuldades da equipe, no diálogo com a criança sobre a morte, no apoio e acolhimento à família, quando a morte se aproxima, e, também, quando a criança morre, no apoio aos enlutados (Gurgel & Lage, 2013).
Através desta perspectiva, pensar a assistência psicológica aos profissionais que atuam em CPP é de sobremaneira relevante, visto que são esses profissionais que lidam diariamente com o paciente e que acompanham de perto seu sofrimento e suas angústias. Dessa forma, sentem com muita intensidade a morte de crianças e adolescentes, possuindo dificuldades de lidar com a dor e de elaborar o luto.
Nesse sentido, F1 refere: “[...] Acho que deveria ter um psico só pra equipe, pra poder escutar a equipe [...] eu acho uma coisa essencial a gente ter um espaço pra gente se olhar enquanto profissional [...]”.
Assim, de acordo com P1 e P2, é papel da Psicologia também esse olhar para a equipe que atua em CP. No que tange os CPP, apesar dos cuidados serem voltados principalmente para o paciente e os familiares, o psicólogo pode ofertar apoio e cuidado também para os profissionais, dando suporte quando necessário.
É importante salientar, entretanto, que toda a equipe de CPP necessita de uma assistência psicológica, incluindo o profissional da Psicologia. Por isso, a atuação de um profissional psicólogo junto à equipe, que não esteja inserido na mesma, é fundamental para acolher e prestar assistência aos envolvidos, evitando o adoecimento psíquico.
Relacionado a este entendimento D’Alessandro, Pires e Forte (2020) trazem que frente à proximidade da finitude, o paciente e os familiares tendem a ficar mais inseguros e demandar ainda mais do profissional, o que causa a estes uma grande sobrecarga física e emocional.
Os entrevistados E1 e M2 concordam com essa perspectiva, quando citam:
[...] isso é uma queixa de todos os setores, não tem nenhum serviço de psico pros profissionais, queriam colocar, mas tudo envolve dinheiro [...] (E1).
[...] nós, os mais rotineiros, fazemos terapia [...] Cada um paga o seu, uma coisa bem de privilégio [...] as técnicas mereciam muito fazer terapia [...] elas sofrem muito com a morte dos pacientes [...] elas não são acolhidas [...] (M2).
Referente a essa percepção, o sofrimento e o processo de luto vivenciado pelos integrantes da equipe multiprofissional são, muitas vezes, silenciados, não encontrando espaço de acolhimento e escuta e não sendo compartilhado. E, quanto maior for o vínculo entre o profissional e o paciente, mais difícil se torna a elaboração dessa perda (Kovács, 2010; Oliveira, Maranhão & Barroso, 2017).
Socialmente, a morte é considerada um tabu e torna-se difícil discorrer sobre esse assunto. Quando a morte, a doença e o sofrimento estão relacionados ao universo infantil, que remete a projetos futuros, alegria, diversão e esperança, a capacidade de entendimento e aceitação é ainda mais reduzida. Como considerar sua morte traz muita ansiedade e tristeza para todos, essa situação pode levar as famílias ao sofrimento e ao adoecimento psíquico.
Nesse contexto, ficou explícito que a equipe de cuidados paliativos pediátricos pode contribuir sobremaneira, proporcionando maior conforto, qualidade de vida e bem-estar a todos os envolvidos. O psicólogo foi percebido pela equipe multiprofissional como parte fundamental, atuando nesse tipo de cuidado, constituindo-se como o profissional que pode auxiliar na ressignificação do sofrimento, ajudando paciente e familiares a passarem pelo processo de finitude. Contribuindo, também, como facilitador da compreensão do adoecimento, no processamento das informações e auxiliando na relação do paciente e dos familiares com os demais membros da equipe.
Da mesma forma, ficou evidente na pesquisa, que a organização dos trabalhos em CPP se dá, principalmente, através da inter-relação dos profissionais da assistência paliativa, mas, também, na comunicação adequada e assertiva entre paciente, família e equipe e nas estratégias de trocas e alinhamento das condutas, como os rounds, as reuniões e as discussões sobre os casos.
Quanto à preparação e à capacitação dos profissionais para atuarem em CP, fica claro, na análise do material coletado, que não houve contato com essa temática durante as suas formações acadêmicas. Muitos dos entrevistados foram apropriar-se desse conteúdo na realização de cursos e especializações, ao longo da sua trajetória profissional, o que se configura como um fator preocupante, visto que, quando não há um entendimento adequado sobre o processo de morte e morrer, e essa percepção pessoal do profissional atravessa sua prática, quem se prejudica é o paciente, que sofre com medidas descabíveis, que, ao invés de aliviarem, prolongam seu sofrimento.
É notadamente escasso o número de pesquisas e estudos relacionados à morte e ao processo de finitude, principalmente no que tange o universo da criança/adolescente em oncopediatria. Por ser um tema de difícil discussão, são poucos os profissionais que pesquisam sobre essa temática, dificultando o acesso e a compreensão mais adequada sobre esse fenômeno natural e que faz parte da vida.
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