Revista de Psicologia, Fortaleza, v.15, e024016. jan./dez. 2024
DOI: 10.36517/revpsiufc.15.2024.e024016
“Avaliação acima de tudo”: Avaliações externas e o poder de agir de professores
"Assessment Over Everything Else": External Evaluations and Teachers' Power to Act
Resumo
A pressão por resultados em avaliações externas, provas realizadas por entidades exteriores às redes de ensino que visam medir a competência dos discentes em matérias como português e matemática, tem afetado o trabalho docente ao exigir que os alunos tenham desempenho satisfatório em testes padronizados. Objetivou-se investigar as repercussões das avaliações externas para a saúde de professores de Ciências Humanas (n = 4) das séries finais do Ensino Fundamental. O termo saúde foi definido como a ampliação do poder de agir. Foi utilizado o método Carta ao Remetente para construção dos dados. O método propõe elaborar uma carta que conte a história das atividades do trabalhador e o convida a refletir sobre os enunciados produzidos nesta carta. Os professores relataram que eram coagidos a trabalhar os conteúdos exigidos nas avaliações externas. Prescrições verticalizadas desprezavam o contexto das escolas. A política de bonificação gerava rivalidades no coletivo de trabalho. A individualização das responsabilidades ia de encontro à natureza do trabalho pedagógico, eminentemente colaborativo. Os professores com vínculos precários tinham menos possibilidades para enfrentar as amputações ao poder de agir. Estudos futuros podem analisar o papel dos diretores em relação à demanda por resultados e suas implicações disso para os docentes.
Palavras-chave: carta ao remetente, Clínica da Atividade, políticas educacionais, trabalho docente, precarização do trabalho.
Abstract
The pressure for results in external evaluations, defined as exams conducted by entities outside the school networks to measure students' competence in subjects such as Portuguese and mathematics, has impacted teachers' work by demanding satisfactory student performance on standardized tests. This study aimed to investigate the repercussions of external evaluations on the health of Humanities teachers (n = 4) in the final grades of Elementary School. Health was defined as the expansion of the power to act. The Letter to the Sender method was used for data construction. This method involves writing a letter that narrates the worker's activities and invites them to reflect on the statements made in the letter. The teachers reported being coerced into teaching the content required by external evaluations. Verticalized prescriptions disregarded the context of the schools. The bonus policy generated rivalries within the work collective. The individualization of responsibilities contradicted the inherently collaborative nature of pedagogical work. Teachers with precarious employment had fewer opportunities to counteract the reduced power to act. Future studies could examine the role of principals concerning the demand for results and its implications for teachers.
Keywords: letter to sender, Clinic of Activity, educational policies, teaching work, precarious work.
A pressão por resultados em avaliações externas, provas realizadas por entidades exteriores às redes de ensino que visam medir a competência dos discentes em matérias como português e matemática, tem afetado o trabalho docente no ensino fundamental. Exige-se dos professores que os alunos tenham desempenho satisfatório em testes padronizados em detrimento da aprendizagem global, ao mesmo tempo em que há uma burocratização da atividade desses profissionais. Há, assim, um enrijecimento das prescrições e um aumento do controle sobre os docentes, na medida em que todas as atividades realizadas em sala são meticulosamente programadas (Oliveira, Falcão, & Menezes, 2020).
A definição de normas para as propostas educacionais de países emergentes por parte de organismos multilaterais como a Unesco e o Banco Mundial, colocaram a “satisfação de necessidades básicas da aprendizagem” como uma finalidade educativa primordial, conforme aponta a Declaração Mundial sobre Educação para Todos, de Jomtien (1990). A partir disso, houve uma orientação para a definição de níveis desejáveis de conhecimentos e a implementação de sistemas de avaliação de desempenho. Nesse cenário, a escola paulatinamente transformou-se em um espaço para a execução de processos formativos com objetivos utilitários, como o desenvolvimento de habilidades para a inserção no mercado de trabalho (Libâneo & Freitas, 2018).
No Brasil, as políticas neoliberais começaram a adentrar a educação pública na década de 1990. Neste mesmo período, instituiu-se o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). O modelo econômico neoliberal, consolidado no governo Collor, moldou a reforma educacional, inaugurada com a elaboração e divulgação do Plano Decenal de Educação para Todos (1993-1994), que teve como substrato a declaração Mundial sobre Educação para Todos, já mencionada.
A concepção de qualidade da educação sob uma perspectiva economicista permaneceu em voga nos governos seguintes. Os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso e o governo Lula se mantiveram integrados à agenda neoliberal, apesar de abrirem espaço para o atendimento às demandas sociais das camadas empobrecidas (Libâneo, 2018).
O Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), redigido em 2007, foi o principal instrumento da política educacional durante os governos Lula e Dilma. Este documento, visando elevar a qualidade da educação, adotou como estratégia a implementação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), que passou a balizar as práticas e políticas das redes de ensino, além de promover uma lógica de responsabilização dos professores (Pereira, 2020). O Ideb é obtido por meio dos dados a respeito da aprovação escolar e das médias de desempenho no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). Este último é definido como um conjunto de avaliações externas realizadas em larga escala que possibilita a obtenção de um diagnóstico da educação brasileira e a identificação de aspectos que podem interferir no desempenho dos alunos (Inep, 2023).
As avaliações externas ocupam um lugar central no trabalho docente, ao passo que o solapa, tendo em vista a padronização do currículo, o monitoramento do ensino e o treinamento dos alunos para que alcancem o mínimo exigido nos testes (Nascimento & Silva, 2020). Os treinamentos promovidos para os alunos, por meio de provas simuladas que tentam replicar o formato e os conteúdos das avaliações externas, induzem o fenômeno do estreitamento curricular, visto que se voltam apenas para as disciplinas avaliadas, português e matemática. Tal prática reduz o campo de ação do professor, pois outras áreas de ensino e a formação integral do aluno são negligenciadas. Há um controle sobre o que deve ser ensinado e como isso deve ser feito (Rubio & Mendes, 2020).
O uso de materiais pedagógicos pré-definidos e a política de bonificação gerou um esvaziamento no sentido da profissão docente, notadamente no que diz respeito à dimensão política e social (Marcondes, Silva, & Freund, 2019). A imposição de metas e padrões a serem alcançados, proposta por atores externos às instituições de ensino, gerou tensões, que, entre outros aspectos, podem ser traduzidas pela competição entre escolas ou mesmo dentro de uma escola (Dutra, Ferenc, & Wassem, 2020).
Diante deste cenário, a pesquisa aqui apresentada objetivou investigar as repercussões das avaliações externas para a saúde de professores de Ciências Humanas lotados em séries finais do Ensino Fundamental. Neste estudo, o conceito de saúde foi tomado da Clínica da Atividade, que tem como mote as formulações de Canguilhem, e é entendido não como mera ausência de doenças, mas como a ampliação do poder de agir, para além da mera adaptação a normas pré-estabelecidas (Clot, 2010).
É preciso inventividade para superar as imposições da norma. Nesta perspectiva, entende-se que o adoecimento cerceia paulatinamente as possibilidades de ação do sujeito. É nesse contexto que o acesso ao real da atividade se apresenta como meio de produção de saúde. O irrealizado se faz presente como potência e nele jaz um arsenal de possibilidades a partir do qual o trabalhador pode reinventar sua experiência e desenvolver-se ao criar recursos para ultrapassar os impedimentos a ele impostos.
Desenvolvimento que não é realizado individualmente, mas no seio do coletivo de trabalho, do qual o profissional se vale para encontrar caminhos alternativos. Tal superação das normas permite a emergência do poder de agir do trabalhador (Clot, 2013). Coletivo de trabalho que vai além da mera soma de indivíduos. Trata-se, pois, de uma comunidade em desenvolvimento contínuo, onde a história compartilhada molda o funcionamento cognitivo do grupo. A organização do trabalho tenta impedir a formação de coletivos, a despeito de eles surgirem em resposta às demandas que não são respondidas pelas regras formais que orientam a atividade (Clot, Soares, Coutinho, Nardi, & Sato, 2006).
Nesse sentido, visa-se redescobrir, na atividade e nas discussões coletivas, formas de ampliar o espectro de ação dos trabalhadores. Ao dialogar sobre a atividade, esta é colocada em movimento e, com isso, rompem-se as barreiras do fazer cristalizado. Desta forma, a partir do acesso ao real da atividade é possível ampliar o poder de agir do trabalhador no seu coletivo laboral (Clot, 2010).
É necessário elucidar, ainda, o conceito de ofício, pois é em torno dele que ocorrem os diálogos, as disputas e as controvérsias profissionais, um recurso indispensável para a conservação da saúde dos trabalhadores (Clot, 2013). O ofício é definido como um processo resultante do conflito entre quatro dimensões, quais sejam: impessoal, transpessoal, pessoal e interpessoal. A dimensão impessoal compreende as normas e regras a que estão submetidos os trabalhadores. A transpessoal, ou gênero profissional, por sua vez, diz respeito à história e à memória coletiva que asseguram a ação no presente. Cada profissional, performa e imprime sua história na atividade que realiza, por isso o ofício é também pessoal, que pode ser denominado, ainda, de estilo profissional. Por fim, a ação dirigida ao outro ou realizada com ele, caracteriza o nível interpessoal (Clot, 2010).
A pesquisa foi realizada em um município de porte médio do interior do Estado do Ceará. Ao longo dos anos, a cidade obteve destaque nacional pelos resultados obtidos no Ideb, relativos aos anos iniciais e finais do ensino fundamental. Este índice é medido a partir da Prova Brasil, que avalia o desempenho dos alunos nos 2º, 5º e 9º anos, em provas de português e matemática (Inep, 2023).
A política de alfabetização do município começou a ser implantada em 1997, por meio de ações sistêmicas que tinham como objetivo promover a alfabetização de alunos nas séries iniciais. As mudanças se concentraram inicialmente em dois eixos: o fortalecimento da gestão escolar e a reforma da prática pedagógica. Os docentes receberam orientações em torno das atividades que deveriam ser desenvolvidas na sala de aula, foram contemplados com um programa de formação continuada e aqueles que atingissem metas de alfabetização passariam a receber gratificações salariais. À medida que as metas iniciais foram alcançadas, as ações foram ampliadas para as demais séries e níveis de ensino.
Nesse contexto, professores da área de Ciências Humanas apresentaram queixas, que podem ser consequências desta política, tais como disputas profissionais causadas pelas gratificações por desempenho. Além disso, havia o descontentamento pelo fato de precisarem ministrar aulas de disciplinas para as quais não estavam capacitados, na medida em que eram demandados a ensinar português e matemática quando se aproximavam avaliações externas. O conhecimento de tais queixas vem da atuação da pesquisadora autora deste estudo, que exerceu o cargo de Psicóloga Escolar na rede pública do município entre os anos de 2019 e 2022.
A investigação contou com a participação voluntária de quatro professores, dois do sexo feminino e dois do sexo masculino. Para a apresentação dos resultados e a preservação do anonimato dos professores, serão adotados nomes fictícios, a saber: Ana, Beatriz, Carlos e Eduardo. Os dados a seguir foram coletados entre os meses de dezembro de 2022 e fevereiro de 2023.
Ana tinha 36 anos, professora temporária de história há oito anos na rede municipal, à época da pesquisa, estava lotada em turmas de 9° ano do Ensino Fundamental. Beatriz, solteira, com 37 anos, por sua vez, nunca havia trabalhado na docência até assumir a sala de aula há três anos, como professora efetiva de geografia titular em turmas de 6° e 7° anos. Ademais, era a única que havia realizado pós-graduação stricto sensu e possuía o título de mestra.
Carlos era casado, tinha 38 anos e trabalhava há doze como professor temporário de história. Eduardo estava lotado em turmas de 9° ano em uma escola de tempo integral. Graduado em geografia, vinculou-se à rede municipal como servidor efetivo havia três anos.
Neste ponto, é mister justificar a motivação no tocante à escolha de professores da área de Ciências Humanas. A Educação Básica compreende a educação infantil e o ensino fundamental. Este último divide-se tendo em vista duas categorias, quais sejam: anos iniciais e anos finais. O primeiro grupo engloba os alunos e professores do 1° ao 5° ano. Há nesse primeiro segmento, o que se denomina de polivalência docente, em que todas as disciplinas são lecionadas pelo mesmo profissional. Nos anos finais, que compreendem as turmas de 6° ao 9° ano, há, no geral, um professor para cada disciplina. Desta forma, a distinção entre as matérias que são visadas pelas avaliações externas e as demais se torna explícita.
Para a construção dos dados, foi utilizado o método Carta ao Remetente (Oliveira et al., 2022). Trata-se de um método em Clínica da Atividade que tem como objetivo elaborar, junto com o trabalhador, uma carta que conte a história de suas atividades ao longo de seu percurso profissional e, em seguida, convidar o participante a refletir sobre os enunciados produzidos.
A técnica acontece em três momentos: interlocução, elaboração e reelaboração. Na fase de interlocução, dialoga-se com o profissional sobre o conteúdo da carta. Neste diálogo inicial são dadas três orientações: (a) inicialmente, o trabalhador é convocado a contar sua história laboral tendo em vista as atividades realizadas durante todo o tempo de trabalho, e, a partir dela, (b) orienta-se que aconselhe o seu "eu do passado" em relação aos desafios e potencialidades da trajetória vivenciada; por fim, (c) o participante deve sinalizar como gostaria de finalizar a carta. Nesta etapa, se a técnica for aplicada em grupo, os demais trabalhadores também podem fazer questionamentos ao participante remetente.
Na fase de elaboração, o interventor redige um esboço da carta em que se deixa claro que a missiva é dirigida a uma terceira pessoa, o "eu do passado". O terceiro e último momento, a fase de reelaboração, consiste na apresentação e discussão da carta pelo coletivo de trabalho e, possivelmente, reformulações por parte do voluntário autor do escrito.
As etapas inicial e final (interlocução e reelaboração) não são meros momentos para obtenção de informações, em relação à primeira, e validação da história contada, no que tange à última. Quando se pede ao trabalhador que recupere o percurso de suas atividades profissionais, cria-se um primeiro mediador que o faz refletir sobre o realizado e retomar caminhos possíveis, mas não trilhados, de modo a acessar o real da atividade. No momento final, a carta escrita permite que o trabalhador encare suas atividades ao longo do tempo como um outro que si mesmo, o que a torna um mediador para reflexões e reposicionamentos.
Nos dois casos, o facilitador da intervenção não tem um papel passivo de escuta. Ele dialoga intensamente com o trabalhador de modo a aprofundar o papel que a carta tem como mediador, seja para aquele que se voluntariou a contar sua história, seja para o coletivo de trabalho que também participa ativamente destes momentos da intervenção, quando é possível realizar esta proposta em grupo.
Coleta de Dados. Com cada participante foram realizadas duas entrevistas individuais que tiveram duração média de cinquenta minutos. Os encontros foram realizados através do Google Meet e registrados em vídeo.
Análise de Dados. As entrevistas foram transcritas com o auxílio da extensão do Google Chrome Meet Transcript e revisadas. Estas constituíram o corpus posteriormente submetido ao método de análise de conteúdo construtivo-interpretativa, em que se orienta o estudo da subjetividade a partir de uma abordagem histórico-cultural. Esse método de investigação exige do pesquisador um olhar sensível para realizar movimentos entre os fatos mais gerais e os detalhes, sem se cristalizar à descrição dos participantes, atentando-se aos sentidos subjetivos que configuram as vivências destes últimos (Rossato & Martínez, 2018).
Os sentidos subjetivos não são meras manifestações estáticas de comportamentos ou emoções, tratam-se, na verdade, de criações singulares influenciadas tanto pelo histórico como pelo momento atual do sujeito. Neste modelo, investigar não significa dar respostas, mas gerar novas zonas de sentido em torno de eventos que não mantêm significados entre si. No processo de construção de conhecimento, o papel do investigador é, a partir da interpretação de elementos significativos, definir indicadores que podem balizar a formulação de hipóteses ou a conformação de afirmações teóricas fundamentadas (Rossato & Martínez, 2018).
Isto posto, as entrevistas foram analisadas e os seguintes indicadores foram definidos: “a atividade em meio a imposição de atuar nas disciplinas de português e matemática”, “a relação com os colegas” e “o trabalho bem-feito em meio às imposições decorrentes das avaliações externas”. Os indicadores foram construídos tendo em vista os impedimentos ou ampliações do poder de agir (Clot, 2010) dos professores que estavam associados às repercussões das avaliações externas na prática pedagógica.
A pesquisa ora relatada foi apreciada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual Vale do Acaraú e autorizado sob o número CAAE 39276720.5.0000.5053, seguindo todas as diretrizes e normas regulamentadoras descritas nas resoluções do Conselho Nacional de Saúde 510/2016 e 466/12. Foi obtido o consentimento livre e esclarecido de todos os participantes do estudo.
A Atividade em Meio a Imposição de Atuar nas Disciplinas de Português e Matemática
No tocante à dimensão impessoal do ofício, os relatos dos professores apontaram a maneira como a atividade docente se relaciona com o modelo de gestão da escola. O professor Carlos afirmou que, ao longo dos anos, como consequência da busca por desempenhos satisfatórios nas avaliações externas, trabalhou em instituições em que precisou dar aulas de português e matemática integralmente por determinação expressa da direção. Não obstante, mesmo nos períodos em que foi mantido como professor de história, o desenvolvimento de suas atividades era direcionado pelos objetivos atrelados às avaliações externa. Ele relembrou como a sua prática começou a ser modificada:
Carlos: Só que ela [a diretora] pedia para a gente sempre colocar como atividade de sala ou de casa uma redação, dentro do assunto que a gente estava abordando de história. Então, por exemplo, se eu estava falando da Guerra Fria, pedia que os alunos fizessem uma redação sobre o que eles aprenderam sobre esse assunto, depois eu já corrigia de acordo com os critérios da prefeitura, da avaliação externa de redação.
A avaliação externa em larga escala, ao assumir o papel de ferramenta privilegiada para a aferição de uma suposta qualidade, impele os docentes à responsabilização pelo bom rendimento dos alunos. Nessa esteira, trabalhar com disciplinas e assuntos que eram objeto de avaliação consolidava-se como uma obrigatoriedade. Para além do risco de se gerar um estreitamento curricular, há, ainda, uma redução no papel desempenhado pelo professor no processo de ensino-aprendizagem, uma vez que todos os esforços se direcionam para os testes (Menegão, 2016). Tal restrição é exemplificada no excerto abaixo:
Carlos: Elas [coordenadoras] tiraram a gente da sala, para ficar até o Ideb [a avaliação externa], com português e matemática [nas aulas dessas disciplinas] e a gente ficava só auxiliando. A gente não dava aula de português e matemática e ficava auxiliando, chamando menino para prestar atenção.
Vê-se, no excerto, que o professor foi destituído de sua função docente e passou a exercer o papel de auxiliar de sala para colegas que ensinavam português e matemática, tendo como função apenas garantir a disciplina dos alunos. O rebaixamento de função, promovido pela retirada de tarefas ou pela atribuição de atividades sem sentido, é apontado como um dos indicadores de assédio moral (Einarsen, Hoel, Zapf, & Cooper, 2009).
Em outro momento, Carlos demonstrou que aceitava essa imposição e justificou essa postura por não ser um professor efetivo, de modo que não poderia questioná-la. Qualquer oposição a estas ordens implicaria em punições. Isto exemplifica uma das repercussões da lógica capitalista nas relações de trabalho, notadamente a precarização (Aquino, 2020). As condições de trabalho oferecidas aos docentes passam a ser constituídas por vínculos precários e instáveis, baixa remuneração, exigência de produtividade elevada, além da constante ameaça de supressão de direitos (Facci & Urt, 2017). Essa configuração acirra a alienação e diminui as possibilidades de enfrentamento por parte dos trabalhadores (Souza, 2017).
Neste estudo, percebeu-se que os profissionais com vínculos precários, apesar de sofrerem maiores impedimentos à atividade, precisavam demonstrar resignação para manter o emprego. Os professores efetivos, por sua vez, dispunham de maior liberdade para organizar a rotina da sala de aula. Beatriz assinalou que nos três anos em que atuou como professora efetiva não teve sua disciplina prejudicada:
Beatriz: Nunca deixei de dar aula de geografia, inclusive termino o conteúdo como um todo, até porque ela [disciplina de geografia] será mais importante. Então, o que eu acabo fazendo é ajudando em outras disciplinas, por exemplo, com o português, mas a partir da geografia [...] eu pude dar minhas aulas normalmente e fico só com as contribuições mesmo com o português que é onde eu tenho mais afinidade, através de leitura, principalmente.
Observa-se, além do rebaixamento da atividade pedagógica, um movimento de cerceamento no que diz respeito ao protagonismo do professor e à formação ampliada do aluno, que privilegia apenas aspectos quantificáveis (Rubio & Mendes, 2020). Ademais, a influência das avaliações externas limita os conhecimentos que devem ser desenvolvidos na escola (Santos, Vilalva, & Ferreira, 2018).
Nos planos de aula dos professores das disciplinas não-avaliadas, há uma crescente incorporação das habilidades indicadas em matrizes de referência das avaliações externas. A interdisciplinaridade, colocada nestes termos, embora seja entendida por alguns profissionais como uma possibilidade de desenvolver práticas colaborativas, contribui para o esvaziamento da profissão (Ferrarotto, 2022). O professor Eduardo explicou que as competências supramencionadas eram denominadas descritores e assinalou que:
Eduardo: são 21 habilidades que o menino tem que ter quando ele chega no nono ano. É um absurdo [...]. E aí os alunos passam o ano todinho decorando como resolver essas 21 habilidades. E lá na prova vão ter 26 questões e alguns descritores vão se repetir. Ninguém sabe como é que vai cair. [...] Por exemplo, eu fui para o reforço mesmo do português, no nono ano, então, eu pegava temáticas das minhas aulas que estavam acontecendo e trabalhava lá, como se fossem os descritores de português.
Reforça-se que a configuração das instituições de ensino tem seu substrato em concepções mecanicistas, traduzidas na prática pela presença de exercícios de memorização e repetição. As situações de aprendizagem são balizadas de modo artificial e por pressupostos exteriores à realidade escolar, que desconsideram aspectos políticos, sociais e culturais (Silva, 2018). Desse modo, constrói-se um cenário em que se privilegiam resultados ao invés de processos (Pessoni & Libâneo, 2018).
As relações entre professores, portanto a dimensão interpessoal do ofício, também foram impactadas pela introdução das avaliações em larga escala na educação. Tais processos lançam no interior das escolas uma contradição, posto que, ao invés de um trabalho colaborativo, os docentes passam a exercer suas atividades individualmente e são colocados em relações de competição com os pares (Silva, 2018).
A política de bonificação implementada pelo município foi indicada pelos entrevistados como um artifício que acentuava a rivalidade entre os professores. Carlos explicou que os docentes titulares de português e de matemática afirmavam ser injusto que os colegas que ministravam as disciplinas não avaliadas recebessem gratificações.
Carlos: Tem professor que diz: “ah, as outras áreas, nem trabalham como a gente e tem o direito [à gratificação].”. Já ouvi de forma direta e indireta. Às vezes a gente só escuta burburinho: “ah, professor, tal professora falou isso”, mas aí não é culpa nossa. As avaliações nacionais são português e matemática, mas se tivesse das ciências humanas, a gente ia estar sofrendo do mesmo jeito.
Embora houvesse impactos expressivos no trabalho de todo o grupo de professores, o relato supramencionado mostra que o modelo de retribuição por desempenho promove individualismo e competição entre colegas de trabalho. Nesta lógica meritocrática de valorização profissional por bonificações, o trabalho coletivo é enfraquecido e individualizam-se as responsabilidades pelos resultados: são premiados aqueles que “se esforçam mais”. Tal prática esconde fragilidades e dissimula a precariedade do trabalho. Assim, negam-se, entre outros aspectos, infraestruturas adequadas e salários dignos (Libâneo, 2018).
Isto posto, resta às relações socioprofissionais a subordinação às ferramentas de controle e pressão e o enfraquecimento do professor, em detrimento da complexidade inerente à docência (Silva & Zanatta, 2018). O excerto abaixo assinala como, na prática, os incentivos salariais servem para promover uma conformação dos docentes diante do imperativo de se alcançar as metas propostas pelo município:
Ana: Já vi uma coordenadora, ela não está mais na escola, ela ia falar com a gente, ela falava abertamente assim, sem ética mesmo, falava: “Bora gente! Vamos ajudar, vamos ajudar, é dinheiro que vem aí para a gente.” [...] Muita gente faz mesmo pela gratificação e a gratificação existe para isso, para incentivar os professores a fazer mesmo e o resultado será atingido, porque mais uma vez o objetivo principal é esse.
Este direcionamento da prática pedagógica gera também uma hierarquização entre profissionais. Beatriz explicou que, em decorrência da maior estima conferida aos professores de português e matemática, existiam tensões que comprometiam as relações na escola:
Beatriz: [...] alguns professores se envaidecem bastante e acham que são mais profissionais ou que estão mais sobrecarregados do que os outros, por causa dessa importância dada a determinadas disciplinas. Muitas vezes, [isto] causa atrito com o grupo que [os professores de português e matemática] não acham que está tão sobrecarregado ou então, porque acham essas disciplinas [português e matemática] mais importantes realmente do que as outras, já que são elas que vão dar resultados [...] E aí acaba se criando um ambiente [de] muita fofoca, que acaba atrapalhando o andamento das relações pessoais.
A lógica de gestão empresarial que invade as escolas compreende que a competição aumenta o esforço para a obtenção de resultados favoráveis e, portanto, os serviços prestados teriam mais qualidade. Nesse sentido, o controle da atividade e o estímulo à disputa incentivariam a renovação e a saída dos profissionais de uma suposta zona de conforto (Libâneo, 2018).
Desta forma, as avaliações externas fomentam uma cadeia de subordinação do trabalho docente e da prática pedagógica (Neves, 2017) a partir das prescrições advindas dos gestores, e, como se verá adiante, levada a cabo pelos próprios colegas de trabalho. Ana, em determinado momento, declarou que apenas os professores de português e matemática participavam de alguns processos decisórios da escola. Como resultado disso, essa docente assinalou que já teve suas aulas substituídas por atividades de outros professores sem que fosse previamente comunicada:
Ana: especificamente professor de português e matemática resolve tudo o que vai acontecer no nono ano e os demais professores das outras áreas vão saber depois que já está decidido. Então, assim, eu acho que aí acaba que ocorre desvalorização dos próprios colegas de trabalho aos outros colegas de trabalho. O que custa avisar ou então perguntar aos professores das outras áreas se concordam ou não com o que eles vão decidir para o nono ano?
A participação diferenciada apontada por Ana acaba por promover uma cisão entre os professores: de um lado, os docentes que “decidem", e, de outro, aqueles que “não decidem”, separados pela necessidade de atingir as metas das avaliações externas. Neste modelo de gestão, o docente perde o poder de escolha sobre conteúdo que deve ser ministrado, e sobre a dinâmica da sua atividade como um todo. O professor, precisa, portanto, estar preparado para atender às deliberações que podem ser impostas a qualquer momento (Freitas, Libâneo, & Silva, 2018; Silva & Zanatta, 2018).
O coletivo de trabalho é, portanto, enfraquecido, o que reduz a vitalidade do gênero profissional. Este último pode ser definido como regras formuladas pelo coletivo de trabalho que balizam a ação do trabalhador e o impede de sucumbir às surpresas do real quando a prescrição oficial falha. Constituído por prescrições e meios de agir, este intermediário social garante a sua manutenção a partir de acordos compartilhados pelo coletivo, movimento necessário para que os sujeitos trabalhem com menos desgaste. Diante de um grupo cindido, é possível, pois, que a função psicológica do trabalho seja reduzida (Clot, 2010).
O Trabalho Bem-feito em Meio às Imposições Decorrentes das Avaliações Externas
A atividade do trabalhador, seja prática ou psíquica, deve viabilizar a transformação do contexto e não uma subordinação às condições externas. Nesse caso, a organização oficial do trabalho, a dimensão impessoal do ofício, estará a serviço da eficácia e da saúde. Viver no trabalho equivale à possibilidade de o trabalhador, por sua iniciativa, desenvolver suas metas e motivações, de modo que o poder de agir seja ampliado. A impossibilidade de o sujeito de colocar algo de si na atividade em que ele realiza, pode fazer com que esta última seja desvencilhada de sentido (Clot, 2010).
Nesta pesquisa, a redução das possibilidades de ação foi identificada diante do arranjo colocado em prática por algumas instituições de ensino, em que os docentes tiveram suas disciplinas retiradas dos cronogramas curriculares. Em determinado momento da entrevista, a professora Ana demonstrou insatisfação ao relatar que, embora a Lei de Diretrizes e Bases da Educação estabeleça a obrigatoriedade no currículo de temas como o conhecimento da realidade social e política, essa orientação não tem sido concretizada:
Ana: No início, isso [o fato de ter que parar de dar aulas de história] me angustiava bastante por vários motivos. Por acreditar na importância da disciplina, na consciência histórica que os meninos têm, para mim, é o que ainda me move como educadora. Acreditar que uma aula de história pode tornar um aluno mais consciente do mundo ao redor dele [...] eu acredito que ajuda, então é algo que ainda me move bastante [...] A LDB garante que os alunos tenham todas as disciplinas, que sejam cumpridas todas as disciplinas até o fim do ano.
O sentido da atividade do sujeito pode se perder quando, no trabalho individual ou coletivo, há um desencontro entre os objetivos que são impostos, os resultados almejados e o que é realmente importante para cada trabalhador (Clot, 2010). No excerto supramencionado, o relato da docente indica que há uma dissonância entre o que é exigido e aquilo que ela valora como significativo, no caso, ampliar a capacidade de crítica dos alunos.
Na pesquisa ora apresentada, os achados denotaram que a atividade docente era delineada de modo mecânico pelas prescrições, sem que fossem dadas chances aos trabalhadores de modificar as condições externas para agir e, por conseguinte, afetar a organização. Nas instituições de ensino, os professores, destituídos do poder de deliberar sobre aspectos importantes do processo de ensino-aprendizagem, somente colocavam em prática orientações alheias. Desta maneira, as relações entre objetos ou com os outros tomavam forma sem a intervenção do trabalhador, e este último agia, porém, sem se sentir ativo (Clot, 2010). A próxima fala exemplifica como Ana se sentia diante de possíveis mudanças na sua prática pedagógica empreendidas por imposições da coordenação:
Ana: Eu fico bem revoltada toda vez que o coordenador vem para falar ou que as nossas aulas vão ser retiradas ou para pedir ajuda no sentido de a gente começar a dar aula de português. É sempre muito estressante para mim porque, se eu der não, fica muito na situação de que o professor não está ajudando e, se não atingir a meta, vão dizer que a culpa foi do professor. Se eu dou sim, estou indo contra os meus ideais, digamos assim. Então, para mim é sempre muito frustrante.
O “trabalho bem-feito" diz respeito à possibilidade de o trabalhador se reconhecer, individual e coletivamente, em uma história profissional, e sentir-se responsável por ela (Clot, 2010; Silva, Deusdedit-Júnior, & Batista, 2015). A noção de trabalho bem-feito é perpassada pelo conceito de poder de agir, que não é estático e se amplifica ou atrofia a partir da eficácia da atividade, que alterna entre sentido e eficiência.
A atrofia do poder de agir pode ser vista no último fragmento quando Ana declara que há um conflito entre o que é vital para ela [sentido] e o fim que deve ser alcançado na realização da atividade [eficiência]. Essa contraposição no objeto de trabalho fica ainda mais patente quando a docente relata que acatar a determinação da gestão para alcançar as metas significa ir contra os seus ideais. Nesses termos, a solicitação da organização pode se tornar artificial para a docente e, portanto, esvaziada de sentido. A impotência que acompanha essa amputação do raio de ação foi indicada pela professora Ana, que conferiu ao coletivo à potência necessária para mudar as condições adversas às quais o grupo de professores estava submetido:
Ana: O fato de ficar pensando um pouco na estrutura de ensino [...] A estrutura educacional todinha, imaginar que eu tenho um tamanho e a estrutura é muito grande, ela é muito grande e é também muito sólida, assim, sólida não no sentido bom, mas sólido no sentido de não ter como mudar essas coisas que não querem que mudem, porque tem ali um objetivo real e claro. Por isso que até às vezes eu falo com os meus colegas assim: “Meu irmão, o sistema de educação se a gente parasse para analisar é quase um fascismo, porque é a avaliação acima de tudo e de todos.” [...] Talvez daria para mudar se fosse uma coisa coletiva, porque eu sozinha não tenho como, teria que ser uma coisa coletiva e uma coisa de anos, em que todos os professores colocassem o pé na parede e dissessem: “Nós não vamos fazer isso que vocês estão pedindo.”, e aí poderia ser que com o tempo, com essa resistência, as coisas fossem mudando.
Diferente de Ana, Eduardo explicou que, mesmo diante de muitas restrições, descobriu um novo objetivo possível. Isto aponta para o desenvolvimento do poder de agir:
Eduardo: A gestão propõe que a gente foque no reforço, mas eu fazia o contrário. Eu focava na minha [aula] e, aqui e acolá, entrava com a interdisciplinaridade do português. Eu não estava dando português para depois encaixar em algum texto, alguma coisa de geografia. Eu focava na geografia e, a partir dali, eu botava português, então, essa foi a minha saída [...] eu tive alguns meios, assim, algumas formas de também existir dentro desse sistema, porque quando você deixa de fazer o que você é, deixa de ser você ali para ser uma outra coisa, você deixa de existir. Eu aprendi a não deixar de ser professor de geografia, mas eu já fui 100% professor de português.
Neste fragmento, vê-se que a dinâmica empreendida para o alcance de resultados enfraqueceu a função psicológica exercida pela atividade [quando você deixa de fazer o que você é, deixa de ser você ali para ser uma outra coisa, você deixa de existir]. Apesar disso, Eduardo afirma que conseguiu encontrar recursos para minimizar os conflitos vivenciados por ele no contexto de trabalho. Foi a recuperação da autonomia, de um profissionalismo deliberado, que permitiram que este profissional transformasse o contexto em que estava inserido e renovasse o sentido da sua atividade, a partir de novas possibilidades [eu tive alguns meios, assim, algumas formas de também existir dentro desse sistema] (Clot, 2010, 2017).
A professora Ana, por sua vez, não conseguiu encontrar caminhos favoráveis para superar as imposições que impediam o desenvolvimento do seu raio de ação. Esta diferença sinalizada por docentes inseridos na mesma rede de ensino pode ser explicada em função dos vínculos empregatícios destes profissionais. Eduardo, efetivo na rede, assinalou que conseguiu se opor às determinações da gestão escolar. Ana, por sua vez, professora contratada, tinha menores possibilidades de autodeterminar a sua prática.
Vê-se, mais uma vez, que a precarização do trabalho, notadamente os vínculos temporários aos quais os docentes são submetidos, constitui-se como uma ferramenta que enfraquece as formas de organização e os espaços para promover o enfrentamento às restrições impostas pelas avaliações externas (Pessoni & Libâneo, 2018). A alienação gerada pelas condições precárias de trabalho, retira dos sujeitos a possibilidade de se reconhecerem como autoprodutores da sua atividade. O produto gerado ou serviço prestado, portanto, tornam-se opressivos e estranhos (Souza, 2017).
Neste estudo, buscou-se investigar as repercussões das avaliações externas para a saúde de professores de Ciências Humanas lotados em séries finais do Ensino Fundamental, em especial, suas implicações para o poder de agir. As análises permitiram concluir que as avaliações externas geram novas conformações que perpassam todas as dimensões do ofício.
Dentre os achados, pode-se mencionar que, no tocante à dimensão impessoal, os professores eram coagidos a trabalhar os conteúdos exigidos nas avaliações externas. Havia, portanto, uma simplificação da finalidade educativa e o imperativo de prescrições verticalizadas que desprezavam o contexto das instituições de ensino e amputavam o poder de agir dos professores.
Ademais, a política de bonificação gerava rivalidades no coletivo de trabalho. O estímulo à competição promovia o enfraquecimento da dimensão interpessoal e, por conseguinte, do gênero profissional. A individualização das responsabilidades, em uma lógica empresarial de gestão, ia de encontro à natureza do trabalho pedagógico, eminentemente colaborativo. Observou-se, também, que os professores com vínculos precários tinham menos possibilidades para enfrentar as amputações ao poder de agir que os gestores impunham ao tomar as avaliações externas como horizonte de resultado educacional que balizava todas as práticas.
Dentre as limitações da investigação, está o fato de não ter sido possível realizar uma intervenção em que encontros com o coletivo de trabalhadores fossem possíveis, de modo que os docentes pudessem participar em conjunto de todas as etapas da carta ao remetente. Os diálogos e controvérsias que surgem em tais momentos são essenciais para a reflexão e para o reposicionamento em relação à atividade. Isto poderia revelar elementos do gênero profissional relevantes para compreender o modo como os professores lidavam com as transformações do ofício e da atividade advindas das avaliações externas, o que seria relevante para o objetivo de pesquisa traçado, além de promover seu fortalecimento, o que teria repercussões importantes para a saúde dos trabalhadores.
Os resultados desta pesquisa podem orientar a realização de novas investigações. Entre elas, pode ser assinalada a importância de se compreender qual o papel dos diretores em uma organização do trabalho que é pressionada pela demanda por resultados e as implicações disso para os docentes, inclusive no que diz respeito à repercussão para a ocorrência de assédio moral no trabalho. No que diz respeito as implicações práticas, sugere-se que as políticas educacionais reconsiderem o uso de bonificações e incentivos baseados desempenho e promovam uma melhoria estrutural das condições de trabalho, bem como passem a buscar formas de organização do trabalho que valorizem a cooperação e o trabalho coletivo, essenciais para um ensino de qualidade e para o bem-estar dos educadores. Ademais, deve-se priorizar a autonomia dos docentes e a contextualização do currículo escolar, garantindo que o ensino vá além da mera preparação para testes e promova o desenvolvimento integral dos alunos, respeitando as especificidades de cada comunidade escolar.
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