Revista de Psicologia, Fortaleza, v.15, e024020. jan./dez. 2024
DOI: 10.36517/revpsiufc.15.2024.e024020
RECEBIDO EM: 19/02/2024
PRIMEIRA DECISÃO EDITORIAL: 02/09/2024
VERSÃO FINAL: 11/09/2024
APROVADO EM: 30/09/2024
Explorando a relação entre sintomas, internação e déficits cognitivos em pacientes de Covid-19.
Exploring the relationship between symptoms, hospitalization, and cognitive deficits in Covid-19 patients.
Rubens Goulart
Doutor em Ciência da Saúde, Universidade Federal de São Paulo, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3890-9052. E-mail: rubensgou@gmail.com. Endereço: Secretaria Municipal de Saúde de Santos, Av. Amador Bueno, 333 - Centro, Brasil, Santos - SP, 11013-153. +55 13 98135-9074.
Cinthia Pessoa
Mestre em Ciência da Saúde, Universidade Federal de São Paulo, Brasil, ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9102-3889, E-mail: cinthiapessoa@gmail.com
Império Lombardi Junior
Doutor em Ciências, Universidade Federal de São Paulo, Brasil, ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8414-1358, E-mail: imperiolombardi@gmail.com
Resumo
Pesquisadores têm destacado a necessidade de entender melhor as implicações neurológicas da doença, dadas suas potencialidades de danos aos tecidos e conexões cerebrais. Na América Latina e no Brasil, há uma carência significativa de informações sobre os efeitos neuropsicológicos da covid-19. A síndrome pós-covid-19 crônica pode persistir até um ano após a infecção, com sintomas como fadiga, falta de ar, dor muscular, dor de cabeça, problemas de memória e concentração, e alterações de humor. Esta pesquisa observou a relação entre a quantidade de sintomas de covid-19, o tempo de internação, a passagem por UTI e déficits cognitivos, avaliados por testes padronizados para a população brasileira. Foram selecionados 108 pacientes diagnosticados com SARS-CoV-2 por testagem SWAB (RT-PCR), que buscaram reabilitação cardiopulmonar ou neurofuncional. Os sujeitos responderam a um questionário de anamnese e realizaram testes como Figura Complexa de Rey, RAVLT, subteste dígitos da Escala Wechsler e WASI. Observou-se que, no subgrupo que esteve em UTI, houve correlações moderadas indicando melhor desempenho de inteligência geral, medida pelo WASI, para quem recebeu mais tempo de intervenção em UTI. A gravidade da doença, medida pela quantidade de sintomas, teve impacto mínimo no desempenho cognitivo dos sujeitos.
Palavras-chave: síndrome pós-covid; testes neuropsicológicos, memória.
Abstract
Researchers have emphasized the need to better understand the neurological implications of COVID-19, given its potential to damage brain tissues and connections. In Latin America, and particularly in Brazil, there is a significant lack of information on the neuropsychological effects of the disease. Chronic post-COVID-19 syndrome can persist after infection, with symptoms such as fatigue, shortness of breath, muscle pain, headache, memory and concentration problems, and mood changes. This study examined the relationship between the number of COVID-19 symptoms, the duration of hospitalization, ICU admission, and cognitive deficits, assessed through standardized tests tailored for the Brazilian population. A total of 108 patients diagnosed with SARS-CoV-2 via SWAB (RT-PCR) testing, who sought cardiopulmonary or neurofunctional rehabilitation, were selected. The subjects completed an anamnesis questionnaire and underwent tests such as the Rey-Osterrieth Complex Figure Test, RAVLT, Weschler Digit Span subtest, and WASI. It was observed that, in the subgroup that had been in the ICU, there were moderate correlations indicating better general intelligence performance, as measured by the WASI, for those who received more time of ICU intervention. The severity of the disease, measured by the number of symptoms, appeared to have a minimal impact on the cognitive performance of the subjects.
Keywords: Covid-19; post-covid-19 syndrome; neuropsychological tests, memory.
No início de janeiro de 2020, o governo da China relatou a descoberta de um novo tipo do Coronavírus. Esse vírus era semelhante ao de uma epidemia que ocorreu naquele país em 2002. Essa nova cepa recebeu o nome de SARS-CoV-2 (Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2). O governo brasileiro decretou a Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN), causada pela pandemia da COVID-19 (Corona Virus Desease) em 3 de fevereiro de 2020, por meio da Portaria n. 188 (2020). Seguiu com alguns acertos e vários desacertos na condução da crise, até a suspensão da ESPIN em abril de 2022 (Portaria n. 913, 2022), sob protestos da comunidade científica e do Conselho Nacional de Saúde (Recomendação n. 8, 2022) que entendem que somente a Organização Mundial de Saúde pode determinar a chegada ao fim de uma pandemia. Em 2024 a contagem de mortos aproximou-se de 700 mil com mais de 35 milhões de infectados no país, segundo o “Painel do Coronavírus” do próprio Ministério da Saúde (Ministério da Saúde [MS], 2024).
A síndrome pós-covid-19, também conhecida como covid longa, é uma condição que pode persistir por até um ano após a infecção pelo SARS-CoV-2. Os sintomas da síndrome são variados e podem afetar diferentes sistemas do corpo. Os mais comuns incluem fadiga, falta de ar, dor muscular, dor de cabeça, problemas de memória e concentração, e alterações de humor. A síndrome pós-covid-19 é uma condição complexa que ainda não é totalmente compreendida. Um estudo elaborado pela Fundação Oswaldo Cruz de Minas Gerais acompanhou, por 14 meses, 646 pacientes que tiveram a covid -19 e verificou que 50,2% da mostra teve sintomas pós-infecção, tais como fadiga, (35,6%), tosse persistente (34,0%), dificuldade para respirar (26,5%), perda do olfato ou paladar (20,1%), cefaleia (17,3%), insônia (8%), ansiedade (7,1%) e tontura (5,6%) (Miranda et al., 2022). Esse levantamento se soma a descrições que indicam que a covid-19 é uma doença que pode causar uma variedade de manifestações neurológicas, incluindo tonturas, dores de cabeça, dores musculares, perda de olfato e paladar, doenças cérebro vascular, polineuropatias, encefalites e encefalopatias, agitação, delírio e coma (Tsivgoulis et al., 2020).
Um estudo realizado no Reino Unido (Varatharaj et al., 2020), que contou com a participação de profissionais com treinamento em neuropsiquiatria, analisou 125 casos de complicações neurológicas em pacientes com covid-19. Os resultados mostraram que 77 casos (62%) eram eventos neurovasculares, como derrames e tromboses. Outros 23 casos (18%) eram alterações do funcionamento cognitivo, sendo 10 deles (8%) transtornos semelhantes às demências. Os resultados desse estudo reforçam a importância de monitorar os pacientes com covid para o desenvolvimento de complicações neurológicas.
Essas preocupações foram incluídas no Plano Nacional de Enfrentamento à Pandemia da covid -19 (MS, 2020), que trouxe à tona a necessidade de formação e capacitação de profissionais de saúde para o enfrentamento da crise da relacionada à covid, e que, para tanto, implicou na pesquisa sobre o funcionamento neuropsicológico das populações afetadas.
Os estudos recentes de Voruz et al. (2023) e outros pesquisadores, como Helms et al. (2020), corroboram a evidência de que a covid tem impacto significativo e duradouro na função cognitiva, com déficits neuropsicológicos observados mesmo após a fase aguda da infecção. Estes resultados destacam a importância da avaliação neuropsicológica, um campo que se dedica justamente a investigar e entender o perfil cognitivo individual em relação ao desempenho médio esperado para a população. Na prática neuropsicológica, profissionais especializados avaliam não apenas as funções receptivas e a atenção, mas também aspectos como a memória, raciocínio e a manipulação de informações, todos os quais podem ser afetados pela covid conforme demonstrado por Pinna et al. (2020). Tal avaliação é fundamental para identificar as nuances nas habilidades cognitivas de pacientes no período pós covid, comparando-as com padrões estabelecidos e auxiliando na compreensão das implicações clínicas e na intervenção necessária para a reabilitação cognitiva.
Na América Latina, conforme alertam Gallegos et al. (2022) e no Brasil, há uma notável carência de informações sobre os efeitos neuropsicológicos da covid-19. Isso dificulta o desenvolvimento de políticas públicas e a assistência adequada aos pacientes afetados. É urgente que sejam realizadas pesquisas científicas mais abrangentes sobre a síndrome pós-covid na região. Além disso, é preciso aprimorar a capacitação dos profissionais de saúde para o diagnóstico e o tratamento dessa condição.
Objetivo
O objetivo dessa pesquisa foi observar a relação entre a quantidade de sintomas de covid 19 apresentada pelos pacientes, o tempo de internação, o tempo de passagem por UTI (Unidade de Tratamento Intensivo) e possíveis déficits cognitivos, avaliados por testes padronizados para a população brasileira. Nesse sentido, buscou-se usar as ferramentas de avaliação neuropsicológica para captar diferenças no desempenho cognitivo nos afetados pela covid, em função dessas variáveis.
Método
Sujeitos
Foi selecionada uma amostra de 108 pacientes com diagnóstico positivo de SARS-CoV-2 por testagem com SWAB (RT-PCR), e que buscaram reabilitação cardiopulmonar ou neurofuncional nas unidades de Saúde da Secretaria Municipal de Saúde de Santos, sendo todos os pacientes maiores de dezoito anos de idade, no período entre fevereiro e dezembro de 2020.
Todos os sujeitos foram esclarecidos sobre os objetivos e métodos, e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE, Anexo A) conforme resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde. O protocolo de pesquisa foi aprovado pelo do sistema CEP/CONEP com o Certificado de Apresentação de Apreciação Ética número 37982320.0.0000.5505.
Não foram inclusos na pesquisa sujeitos com doenças psiquiátricas ou neurológicas, com fibromialgia, com atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, ou com condições incapacitantes ou limitantes das atividades cotidianas detectadas antes de novembro de 2019. Essas condições influenciam no padrão de funcionamento cognitivo e os testes podem não ser sensíveis o suficiente para separar condições pré-mórbidas.
Procedimento de avaliação
Previamente à aplicação da bateria neuropsicológica, os sujeitos foram submetidos a rastreamento cognitivo com o Mini Exame do Estado Mental – MEEM (Teldeschi, Perez, Sanchez & Lourenço, 2018), visando atestar as condições cognitivas mínimas para a aplicação dos testes mais complexos. A nota de corte, na versão Brasileira, definida pela escolaridade (Bertolucci, Brucki, Campacci & Juliano, 1994) e posteriormente reajustada para idade em relação à idade e escolaridade (Castro-Costa, Fuzikawa, Uchoa, Firmo & Lima-Costa, 2008), foi utilizada como critério de inclusão na pesquisa. Segundo a recomendação dos autores, as notas de corte utilizadas foram aquelas inferiores ao quinto percentil, variando entre 11 e 25 para a menor e maior escolaridades, respectivamente. Cinco sujeitos que tiveram desempenho abaixo da nota de corte não foram inclusos na pesquisa.
Inicialmente, todos os sujeitos foram submetidos a um questionário de anamnese que visava coletar dados sociodemográficos e informações sobre a gravidade dos sintomas da covid que tiveram. Por se tratar de uma investigação sensível às condições do funcionamento cerebral, foi dado destaque aos eventuais sintomas neurológicos no questionário, tais como cefaleias, alterações perceptuais, de humor, etc.
Instrumentos utilizados para avaliação
A escolha dos instrumentos de avaliação neuropsicológica se baseou na necessidade de trabalhar com materiais de avaliação que já são consagrados na população brasileira, para tentar diminuir todos os vieses relacionados ao caráter de “novidade” da covid e a respectiva falta de estudos desse tipo na literatura. Portanto, os teste foram aqueles regulamentados pelo Conselho Federal de Psicologia pelo Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos (Reppold e Noronha, 2018; Resolução n. 31, 2022) e baseados em uma revisão recente para o tema (Martins, Caldas, Cabral, Lins & Coriolano, 2019), que buscou em cerca de sete mil artigos científicos os testes mais utilizados nacionalmente. Assim, após responderem a um questionário de anamnese, realizou-se a avaliação da memória não verbal com a aplicação da Figura Complexa de Rey (Oliveira & Rigoni, 2014), seguida pelo subteste de dígitos da Escala Wechsler de Inteligência para Adultos (Figueiredo e Nascimento, 2007; Wechsler, 2008), Teste de Aprendizagem Auditivo Verbal de Rey (RAVLT) (Foss et al., 2019; Loch, 2018; Nespollo, Marcon, Lima, Dias & Espinosa, 2019) e, por fim, pela Escala de Inteligência Wechsler Abreviada (WASI) (Yates, Trentini, Tosi, Corrêa, Poggere & Valli, 2006).
Foi realizada a transformação dos valores singulares de cada um dos subtestes do WASI (vocabulário, semelhanças, cubos e raciocínio matricial) em sua soma bruta (WASI-T). O manual do teste (Yates et al., 2006), orienta que quando essa soma ocorre após a transformação dos valores em notas ponderadas (T score), se obtém o Quociente de Inteligência, o que não é caso aqui, uma vez que buscou-se apenas comparar os grupos entre si, e não localizar seu desempenho na população geral. Todavia, a soma dos subitens do WASI continuam sendo uma medida segura de comparação entre a inteligência geral de ambos os grupos.
Análise dos dados
Na análise descritiva realizada, as variáveis numéricas foram representadas por meio de médias, desvios-padrão, medianas e intervalos interquartis. As variáveis categóricas, por sua vez, foram descritas utilizando frequências absolutas e percentuais. Para investigar as relações entre as variáveis Tempo de internação e Dias na UTI com os resultados de OD, OI, REY Cópia, REY Memória Tardia, RAVLT Total e WASI, optou-se pelo emprego do coeficiente de correlação de Spearman. Esta escolha foi motivada pela não conformidade das variáveis Tempo de internação e Dias na UTI com os pressupostos de normalidade, confirmada pelo teste de Shapiro-Wilk e pela visualização gráfica por meio do QQ-plot. O limiar de significância estatística adotado foi de 5%. A execução de todas as análises estatísticas descritas foi efetuada com o auxílio do software R (R Core Team, 2023).
Resultados
O perfil do grupo, conforme demonstra a tabela 1 indica que a população testada não apresentou idade muito elevada (o sujeito mais idoso contava com 72 anos), o que diminuiu a chance de interferência de condições pré-demenciais na amostragem. O perfil de renda indica que os sujeitos estavam em uma faixa de renda abaixo da média per capta para o ano conforme a “PNAD Contínua” de 2021 que foi de R$ 1.353,00. Tal condição é compatível com o que se espera no manejo de usuários do SUS, entretanto deixa interrogação sobre quais locais as populações de maior renda buscaram atendimento durante a pandemia. Pode-se observar também, que o primeiro atendimento da maioria dos indivíduos foi dado pelas unidades da Atenção Primária do SUS, nas Unidades Básicas de Saúde (25,9%) e Unidades de Saúde da Família (26,9%) que somadas representam mais da metade da mostra. Mais de 80% dos atendimentos foi iniciado no SUS. A maior parte dos pacientes (53%) apresentava ao menos uma comorbidade na ocasião do diagnóstico e, dentre as comorbidades mais comuns relatadas, estavam a hipertensão arterial sistêmica e diabetes. Estas são doenças de tratamento comum nas unidades da atenção básica, o que pode ajudar a explicar em parte o porquê desses pacientes terem sido atendidos no sistema básico conforme falamos anteriormente. A maior parte dos pacientes (75%) buscou o atendimento por estar com apenas um sintoma de síndrome respiratória na fase aguda, e mais da metade (60,20%) apresentou sintomas neurológicos como dor de cabeça e alteração sensorial ao buscar atendimento de saúde. A Tabela 1 indica ainda que a totalidade dos sujeitos permaneceu com ao menos um sintoma no período posterior a infecção, sendo que a maioria absoluta manteve um dos sintomas da doença por ocasião da testagem. Os sintomas mais comumente relatados foram disosmia ou cansaço, e quase metade da amostra também relatou ter permanecido com sintomas como dores de cabeça ou mialgias.
Entre os 108 sujeitos avaliados, 25 foram internados por, pelo menos, um dia em Unidade de Terapia Intensiva (UTI). O tempo médio total de internação foi de 15,65 dias, com uma média de 4,27 dias na UTI para aqueles que passaram por essa unidade. A Tabela 2 apresenta os valores médios das variáveis entre os grupos com e sem passagem por UTI.
Observando as tabelas 3 e 4, podemos identificar que os dados apresentam uma correlação negativa significativa entre o tempo de internação e o desempenho nos testes de Rey Recordação e RAVLT Total. Isso indica que quanto maior o tempo de internação, menor tende a ser o desempenho dos pacientes nesses testes de memória. Em contraste, notamos uma fraca correlação positiva entre o tempo de internação e os resultados no WASI, bem como entre os dias em que os pacientes permaneceram na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e os escores no WASI e no OD. Estas últimas relações sugerem que um período mais longo tanto de internação pode estar associado a um melhor desempenho cognitivo nas áreas avaliadas por esses testes específicos.
Para uma análise mais detalhada, os grupos foram divididos entre os que foram tratados apenas em enfermarias regulares e aqueles que necessitaram de cuidados intensivos indicando tal comparação na tabela 5. Após essa segmentação, evidenciou-se uma correlação moderada positiva entre o tempo de internação total e os resultados no WASI, notadamente para os pacientes que precisaram de internação em UTI. Além disso, uma correlação moderada positiva também foi observada entre o número de dias na UTI e os escores no WASI, reforçando a hipótese de que a gravidade da condição, indicada pela necessidade de cuidados intensivos, está relacionada ao desempenho cognitivo geral mensurado pelo WASI.
Contudo, ao compararmos os grupos de pacientes com e sem passagem pela UTI, assim como aqueles com e sem sintomas neurológicos na fase aguda da doença, não foram identificadas diferenças significativas nas características neuropsicológicas analisadas. Este achado sugere que, apesar do impacto da gravidade da doença sobre alguns aspectos cognitivos, outros fatores podem não ter uma correlação tão clara com o perfil neuropsicológico dos pacientes.
Discussão
O perfil desta amostra oferece indicações sobre o impacto socioeconômico e de saúde na população estudada, para além das questões cognitivas. O nível de renda abaixo da média per capita nacional de 2021 indica que o grupo pertencia a uma camada socioeconômica que depende significativamente do SUS, o que levanta questionamentos sobre as opções de atendimento para aqueles com rendimentos mais elevados durante a pandemia. Os dados mostram que a Atenção Primária do SUS, foi a porta de entrada para mais da metade dos pacientes estudados, o que evidencia a importância desses serviços na rede de saúde pública. A presença de comorbidades como hipertensão arterial sistêmica e diabetes entre mais da metade dos pacientes é um indicador preocupante, pois essas condições são fatores de risco para a gravidade da covid e podem complicar o manejo da doença.
Além disso, a persistência de sintomas neurológicos e respiratórios após a fase aguda da infecção destaca a natureza prolongada dos efeitos da COVID-19. A totalidade dos sujeitos apresentando sintomas residuais após a infecção, corrobora os achados da Fundação Oswaldo Cruz (Miranda et al., 2022), e reafirma a importância de um acompanhamento contínuo e de serviços de reabilitação para esses pacientes.
Os resultados indicaram que quanto mais tempo as pessoas dessa amostra ficaram internadas, pior tendeu a ser o seu resultado em testes que avaliaram a memória. Isso mostra que há uma relação inversa entre o tempo de internação e o desempenho nesses testes, o que vai ao encontro dos achados como o de Varatharaj (et al, 2020), que havia apontado a semelhança entre as sequelas da covid e as demências. Porém, com excessão da memória, quando observadas especificamente as comparações entre o tempo de internação e as medidas WASI e OD, ocorre que a gravidade das alterações cognitivas posteriores da doença apareceu relacionada a melhores condições de saúde geral dos pacientes, os que precisaram de menores tempos de cuidado, estavam piores cognitivamente durante a testagem.
Para tentar aprofundar a compreensão dessa aparente contradição, foram isolados os sujeitos do subgrupo que esteve em UTI, surgindo então correlações moderadas, que indicam que o desempenho da inteligência geral, medida pelo WASI, foi melhor para quem teve mais tempo de intervenção no ambiente da UTI. Podemos supor que o ambiente controlado de uma UTI, com monitoramento multiparamétrico contínuo, além dos recursos como ventilador pulmonar e atenção multiprofissional, pode ter sido benéfico para a recuperação ou para evitar o agravamento dos sintomas cognitivos que poderiam ter ocorrido com a alta antecipada dos serviços hospitalares. Assim, pode-se conjecturar que tais correlações precisariam de um segmento investigativo em estudos futuros.
Considerações Finais
Este estudo pretendeu estabelecer se pacientes que tiveram versões mais agravadas da doença, determinada pela quantidade de sintomas e necessidade de tempo de cuidados em saúde, foram mais ou menos afetados em seu desempenho cognitivo no pós-covid.
Em síntese, os resultados mostram uma relação inversa entre o tempo de internação e o desempenho em testes de memória, sugerindo que pacientes com períodos mais longos de hospitalização tendem a ter piores resultados cognitivos. No entanto, há uma incerteza nos dados quando se observa que pacientes com mais tempo de intervenção em UTI apresentaram melhor desempenho em testes de inteligência geral, o que pode ser atribuído ao tratamento intensivo e monitoramento recebidos.
Contribui para a permanência dessa ambiguidade o fato de este estudo não ter controlado o uso de medicação, por exemplo: se os pacientes internados em enfermaria regular receberam corticoide e anticoagulante profilático, poderia se supor que o monitoramento e a consequente manutenção da saturação foram fatores protetivos, a ponto até de superar os malefícios da sedação em UTI.
Em conclusão, os resultados apontam para a complexidade dos efeitos da covid na saúde dos pacientes, destacando a importância de acompanhamento contínuo, serviços de reabilitação e a necessidade de mais pesquisas para entender completamente as implicações da doença na cognição e no bem-estar geral dos pacientes.
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