Revista de Ciências Sociais, v. 50, n. 2, 2019.

 

 

Colonialidades do crer, do saber e do sentir:
apontamentos para um debate epistemológico a partir do Sul e com o Sul

 

Anaxsuell Fernando da Silva
Universidade Federal da Integração Latino-Americana, Brasil
anaxsfernando@yahoo.com.br

Carlos Eduardo Pinto Procópio
Instituto Federal de Educação, Ciência
e Tecnologia de São Paulo, Brasil
procopiocso@yahoo.com.br

 

Uma epistemologia do Sul assenta em três orientações:
aprender que existe o Sul;
aprender a ir para o Sul;
aprender a partir do Sul e com o Sul
(Boaventura de Sousa Santos)

 

Repensar a modernidade em sua faceta colonial tem sido um esforço intelectual empreendido por vários pesquisadores e pesquisadoras – dedicados ou não à pesquisa das religiões – pertencentes às humanidades nas últimas décadas. Um marco importante deste pensamento crítico emancipador são os trabalhos do cientista social peruano Aníbal Quijano (1928-2018). Ele foi o responsável pela formulação de uma teoria fundacional (filosófica, epistemológica, ética e política) a respeito das particularidades do pensamento social latino-americano. A “colonialidade de poder”, expressão convertida a partir dos seus trabalhos em um conceito-chave, refere-se a uma estrutura de poder própria do domínio colonial na qual foram submetidos os povos originários a partir de 1492, e que ainda perdura, mesmo após as independências (cf. Quijano, 1992, p. 12). Em termos gerais, a colonialidade seria a outra face da modernidade, seu lado obscuro.

Para compreender melhor, voltemos à história. Mas façamos isto considerando que a modernidade não é um período histórico. A modernidade é uma história do imperialismo. No período conhecido como Renascimento, o centro político do mundo passava para Roma. Ali, sob o governo de Constantino (288-337 d.C.), o cristianismo seria incorporado ao Império Romano e se tornaria a religião oficial – acontecimento fundamental para compreender a expansão da fé cristã no “velho” e “novo”1 mundo. Esta época coincide com a expulsão dos judeus e dos mouros da região da Península Ibérica e, ao deslocar-se do Mediterrâneo em direção ao Atlântico teremos os primeiros relatos de conversão dos povos recém descobertos, nomeados bárbaros e infiéis. Este “autorrelato da modernidade” (Mignolo, 2013), enreda-se a partir das vantagens que a conversão ao cristianismo traria para o resto do mundo. Configura-se uma nobre justificação da expansão imperial dos Estados, monárquicos e seculares, europeus do Atlântico. Compreensão útil à missão civilizadora francesa e inglesa a partir do século XVII.

No final do século XIX, o neocolonialismo impulsionou a repartição do continente africano e asiático, e, ao fazê-lo, viabilizou o capitalismo industrial ao mesmo tempo que criava condições necessárias para sua manutenção. No continente americano, o processo se dava noutra direção, ali tínhamos a derrogação do colonialismo histórico-político e a conseguinte constituição de nações independentes. Encadeamento semelhante se daria, tardiamente, na África e Ásia. Nestes continentes, a descolonização só ganharia vigor em meados do século XX e, ainda assim, sem força suficiente para efetivar a completa emancipação político-econômica das nações periféricas. A este respeito, o antropólogo venezuelano Fernando Coronil (2000) argumenta que a acumulação colonial resultante destes processos históricos fora um elemento indispensável à dinâmica interna do desenvolvimento capitalismo da sociedade europeia, a qual posteriormente se expandiria para outras regiões. Posteriormente, a continuidade se expressaria por meio dos projetos nacionais de modernização e desenvolvimento que teriam lugar no pós-guerra. A comentar este cenário, outro cientista social venezuelano, o sociólogo Edgardo Lander, sublinha:

Ao fazer abstração da natureza dos recursos, espaço e territórios, o desenvolvimento histórico da sociedade moderna e do capitalismo aparece como um processo interno, autogerado, da sociedade europeia, que posteriormente se expande para as regiões atrasadas. Nessa construção eurocêntrica desaparece do campo de visão o colonialismo como dimensão constitutiva destas experiências históricas. (2006, p. 250)

Assim, com o advento do episódio chamado “descobrimento das américas” o cristianismo – já incorporado à cultura da civilização ocidental – reproduziu nos territórios colonizados a naturalização da noção de superioridade dos colonizadores. Este empreendimento filosófico-religioso foi central na consequente justificação da dominação política, social, econômica e epistêmica dos povos ditos civilizados sobre os bárbaros2. Mignolo (2005) argumenta que as concepções teológicas cristãs sustentaram um conhecimento universal eurocentrado que estende ao “novo mundo” uma taxionomia preexistente do espaço, da natureza e da humanidade.

As novas tentativas de reflexão crítica emancipadora – aqui evidenciadas nos estudos pós-coloniais, decoloniais, subalternos ou pós-ocidentais – engendrados sobretudo no sul global (África, Ásia e América Latina), não devem ser entendidas apenas como recomendável diversificação de referenciais teóricos, recomendação recorrente do multiculturalismo hegemônico. Mais que expressão geopolítica do conhecimento, trata-se de compreender que a reflexão filosófica pode exceder “em muito a racionalidade moderna, com as suas zonas de luz e sombra, as suas forças e fraquezas” (Meneses, 2008). Estas bases epistemológicas tonificam o pensamento e encadeiam uma mirada que põe em perspectiva a peculiaridade colonial da expansão ocidental: seu projeto cultural (Cf. Cajigas-Rotundo, 2007).

Não à toa, o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, em 1995, sugeriu o conceito de “epistemologia do Sul”. Mote a partir do qual se aglutinou este debate no campo das Ciências Sociais. A proposta é não apenas aprender que existe o Sul; afinal, ao contrário da modernidade, esta nova proposição epistemológica não é um destino ou finalidade. É preciso também aprender a partir do Sul e com o Sul. E, assim, efetivar um giro colonial (Ballestrin, 2013).

Este esforço se faz necessário porque persiste uma correspondência colonial da produção e circulação científica (não apenas nos estudos da religião). Os países do norte global reforçam sua hegemonia a partir da imposição de uma agenda epistêmica centralizadora de maneira a perpetuar temas práticas acadêmicas nas quais o conteúdo hierárquico das relações Norte-Sul reproduzam as relações coloniais. Nas palavras do filósofo porto-riquenho Maldonado-Torres, a colonialidade do saber-poder

se mantém viva em manuais de aprendizagem, nos critérios para o bom trabalho acadêmico, na cultura, no senso comum, na autoimagem dos povos, nas aspirações dos sujeitos e em muitos outros aspectos de nossa experiência moderna. Neste sentido, respiramos a colonialidade na modernidade cotidianamente. (2007, p. 131).

O ponto nodal da constituição da racionalidade moderna, ou da colonialidade do ser, do saber e do sentir, aqui para o nosso debate, é a reflexão acerca das implicações epistemológicas do projeto eurocêntrico hegemônico nos estudos da religião, de maneira especial numa perspectiva das Ciências Sociais. E, como a complexidade dos debates em torno dos estudos da religião fica aqui esboçada, como proposta de alargamento da reflexão em dois níveis: conceitual e fenomênico.

Neste sentido, é fundamental ressaltar o fato de que algumas expressões religiosas não-hegemônicas tem sido, ao longo da história, alvos preferenciais de mecanismos de invalidação, desqualificação e subalternização. Fatos que as colocam numa condição de desigualdade e não reconhecimento social. Num quadro geral de diversificação de crenças, saberes e formas de sentir, este mecanismo social de menosprezo e demérito destas práticas deriva em formas de violência e racismo religioso.

Estes movimentos inscrevem-se naquilo que Sirin Adlbi Sibai (2016), politóloga e especialista em teoria democrática, define como a colonialidade da religião. Categoria analítica utilizada pela pensadora muçulmana decolonial para se referir às diferentes formas de violência epistemológica, espiritual e conceitual aplicada a grupos considerados marginais desde o conceito eclesiocêntrico de religião3. Aqui, cabe lembrar que este conceito tem sido pretensamente mobilizado pela literatura especializada das Ciências Sociais como sendo de valor heurístico universal. A qual, a partir de rasos procedimentos de análise comparativa, equipara experiências, saberes, cosmovisões e formas distintas de ser/estar no mundo produzindo invisibilizações, apagamentos ou inferiorizações do crer, saber e sentir. Em perspectiva religiosa, esta noção foi fundante das dicotomias entre religião e paganismo. Em termos conceituais, deveríamos considerar a inadequação desta categoria para se compreender práticas culturais ou grupos sociais que se configuraram segundo modelos e padrões estruturais distintos daqueles que forjaram este conceito.

Os estudos subalternos4 tiveram início em 1982 como uma série de debates acerca da necessidade de reescrever a história indiana moderna. Um dos expoentes deste coletivo, Ranajit Guha (2002), à época professor de história na Universidade de Sussex, em companhia de outros oito colegas, apontaram os problemas de considerar uma história pós-colonial na Índia sem evidenciar o conflito de interesses entre a elite nacionalista e seus partidários socialmente subordinados, ou seja, os grupos subalternos. Esta insatisfação manifestava-se epistemologicamente, uma vez que a produção acadêmica estava intricada aos antigos paradigmas positivistas oriundos da tradição historiográfica inglesa5. Isto nos permite pôr em contexto os chamados estudos subalternos os quais emergem como uma mudança paradigmática – uma nova maneira de pensar e escrever história.

Neste grupo de intelectuais está Dipesh Chakrabarty que argumentou em alguns dos seus trabalhos (1992; 2000; 2002) a respeito do extenso uso analítico dos conceitos de “história”, “religião” e “política”. Para ele, estas categorias, por mais genéricas que pareçam, têm especificamente a Europa como o sujeito absoluto. Impõe-se, pois, a necessidade de criticar o aspecto colonizador de seus usos. Seja por pensadores europeus interessados em descrever contextos subalternos; mas também por autores e autoras não-ocidentais que inadvertidamente incorporam estes conceitos para compreender as experiências de indivíduos cujo referente cultural é distinto – aplicando assim uma noção homogeneizadora para todos e quaisquer fenômenos vividos nas relações cotidianas, tecendo a história e/ou a religião que chamamos de “indiana”, “chinesa” e “latina”. O caminho alternativo nesta perspectiva epistemológica, descrito de maneira curta, seria refletir sobre a antinomia de personificar o europeu e tomar suas premissas teórico-metodológicas como universais. A proposta político-epistêmica de Chakrabarty (2009) é provincializar a Europa

significa que as ideias universalistas da modernidade vindas da Europa no período da ilustração, não eram mais que parcialmente universais; porque ao mesmo tempo, elas são também bastante provinciais. Essas ideias representavam, em consequência, certos recursos intelectuais que eram, simultaneamente, indispensáveis, mas também inadequados para captar os processos da modernidade e da modernização fora (e inclusive também, em certas ocasiões, dentro da própria Europa)

Como desdobramento dos trabalhos deste grupo está não apenas a crítica que antes fora realizada no nível da produção de uma outra historiografia, mas também uma crítica à dominação epistemológica, mas que põe em evidência a singularidade das experiências dos subalternos, para uma crítica da própria concepção de história, de religião e de política. A subordinação epistêmica, então, devia ser reposicionada na perspectiva da investigação das relações de poder.

A relação de poder, material e histórica, expressa por meio de forças políticas e econômicas, é que explica o europeu falando pelo “não-europeu”, e jamais o contrário. Ao subalterno estaria destinado o silêncio. Há quem fale por ele, há quem o represente. (Cf. Spivak, 2010). Nesta direção, podemos localizar o dispositivo colonial na concretude do poder político e econômico, ou, dito de outro modo, na aceitação tácita do valor heurístico do referente de identidade universal europeu justificado pelo que Edward Said denomina de afirmação e reafirmação de uma suposta “superioridade sobre o atraso oriental” e acrescenta:

Sob o título geral de conhecimento do Oriente e no âmbito da hegemonia ocidental sobre o Oriente a partir do fim do século XVIII, surgiu um Oriente complexo, adequado para o estudo na academia, para a exibição no museu, para a reconstrução na repartição colonial, para a ilustração teórica em teses antropológicas, biológicas, linguísticas, raciais e históricas sobre a humanidade e o universo, para exemplo de teorias econômicas e sociológicas de desenvolvimento, revolução, personalidade cultural, caráter nacional ou religioso. (2013, p. 35, grifos dos autores desta apresentação)

A emergência da religião como categoria analítica e difusão do uso deste conceito, nesta versão da crítica pós-colonial, está relacionada com a modernidade enquanto projeto político e epistemológico forjado no contexto de exploração das colônias do sul pelas metrópoles do norte. Assim, explicitar essa relação de poder como parte da colonialidade do saber-poder que se prolonga na construção de categorias tais como religião contribui para problematizar e suplantar o pressuposto valor explicativo universal desse conceito.

Assumir esta postura de vigilância epistemológica implica trabalhar para deslegitimar as os mecanismos estratificação intelectual vigentes. Trata-se de desvelar os instrumentos de desvaloração pela perspectiva de raça, da classe e do gênero. Em termos das Ciências Sociais, implica pensar que muito do que conhecemos sob o guarda-chuva dos estudos da religião é a sociologia/antropologia euro-americana que fala pelos não-euro-americanos sobre as realidades não-euro-americanas, mas a partir de referências sociológicas e antropológicas euro-americanas.

Pensar, a partir destas outras epistemes, seja pelo esforço de redefinição do conceito de religião, seja na proposição de uma abordagem mais complexa dos fenômenos religiosos que se deseja apreender; passa pela tarefa de visibilizar novas formar de crer e sentir o sagrado – marginalizadas ou estigmatizadas pela ciência social contemporânea. Passa por pôr em xeque a estrutura disciplinar do conhecimento moderno, tanto nas formas de disciplinas acadêmicas, quanto nas estruturas institucionalizadas dos centros de produção intelectual que compartimentalizam os saberes em uma estrutura organizativa no intento de gerir os modos de conhecer ou saber. E, na medida que o faz, endossa e justifica desigualdades permitindo a emergência de outras formas de opressão, as quais reproduzem a divisão abissal da nossa realidade e legitimando mecanismos de exclusão sociais.

Em linhas gerais, segundo assinalam diversos autores e autoras já apresentados aqui, tais como: Mignolo (2005), Restrepo (2009), Sibai (2016), e Grosfoguel (2007), a religião cristã foi a primeira base ideológica para a subalternização de formas religiosas originárias ou não-ocidentais. Talal Asad (2003), para citar outro exemplo na mesma direção, demonstra, como advertência, que nominação a priori de certos fenômenos como religiosos termina apresentando o contexto descrito em nossas pesquisas a partir de matizes e categorias analíticas que é produto de jogos de forças ocultados em nossas investigações.

Como aponta Maria Paulo Meneses (2008), a entrada no século XXI, porém, exige uma postura mais complexa, que torne visíveis alternativas epistêmicas emergentes. Por isso, este número da Revista de Ciências Sociais da UFC ambiciona alargar a discussão sobre a diversidade epistemológica dos estudos da religião, apresentando algumas reflexões teóricas e ou exercícios analíticos empíricos que permitem avançar no desafio proposto.

Por isso, neste dossiê apresentamos aos leitores sete artigos de diferentes pesquisadores e pesquisadoras. Iniciamos nossa edição especial com artigo de João Roberto Barros, o qual, apesar de não se debruçar especificamente sobre o fenômeno religioso, permite pensar críticas aos modelos pelos quais as ciências sociais na América Latina têm utilizado para pensar transformações naquilo que acostumamos chamar campo religioso. O autor se dedica a definir o conceito de colonialidade como um lastro do colonialismo, sustentando sua leitura em autores como Maldonado-Torres, Mignolo, Quijano, Dussel, Walsh, entre outros. O ponto central do artigo é a crítica ao projeto moderno que se viu obrigado a valorizar os conhecimentos europeus em detrimento dos conhecimentos encontrados na Latino-América. Essa sobreposição seria a condição de possibilidade para garantir a dominação dos primeiros sobre os segundos. Entretanto, é preciso considerar que colonialidade possui uma dupla valência. Se por um lado se configura como a dominação do diferente, por outro lado permite desvelar o reconhecimento da diferença. É nesse sentido que o texto de Barros auxilia aos debates sobre as colonialidades e descolonialidades do ser e do sentir. Os estudos que se debruçam sobre esta temática têm que levar em conta o fato de que muitas das bases epistemológicas que são utilizadas para dar conta do problema estão assentadas em dispositivos marcados pelos processos de colonialidade, como as definições de igreja, dogmas, crenças, etc., e que, ao serem deslocados, dão vida para arranjos cotidianos que teimam em funcionar em outras bases.

Em seguida, trazemos o trabalho de Diogo Rodrigues de Barros que articula um conjunto de reflexões sobre a recepção do curta-metragem dos cineastas Bárbara Wagner e Benjamin de Burca em parceria com a gravadora gospel Mata Sul: Terremoto Santo. A obra permite problematizar a relação entre evangélicos e esfera pública, já que, tal como assevera o autor, trata-se de “um filme sobre as possibilidades de representação do outro, uma reflexão crítica sobre o sistema de representação e as relações de poder que ele cria ou reforça”.

O artigo seguinte foi escrito por Jorge Botelho Moniz e se debruça sobre os limites do conceito de pluralismo para as abordagens do fenômeno religioso contemporâneo. Como sabemos, este conceito tem um corte marcadamente normativo, o que dificultaria o entendimento das recomposições religiosas nas sociedades marcadas pela experiência da modernidade. Para empreender sua análise, o autor percorre as teorias que relacionam o papel da modernização na consumação dos pluralismos.

Edivaldo José Bortoleto, por sua vez, coloca ênfase na tentativa de elaboração de um diálogo entre o filósofo brasileiro Raimundo Farias de Brito e o filósofo argentino Francisco Romero. A recepção que ambos autores fizeram das filosofias europeias teria permitido que, a partir dos seus contextos, realizassem formulações para os estudos sobre religião e educação.

O trabalho seguinte, resultado do esforço coletivo de Fábio Lanza, Ileizi Fiorelli Silva e Luis Gustavo Patrocino, elucida a necessidade de se pensar o fenômeno religioso a partir de clivagens que tencionam as interpretações mais gerais sobre religiões no Brasil, permitindo salientar sobreposições e novos apontamentos. Para tanto, se dedicam a analisar dados, produzidos entre 2010 e 2016, sobre adesão às religiões e seus valores no meio de grupos juvenis. Há algo na juventude que tem levado esses sujeitos a buscarem novas formas de pertencimento religioso, mas isso não se reflete, por outro lado, em uma mudança na prática religiosa cotidiana.

Também a partir de esforço coletivo, Leonardo Gonçalves de Alvarenga, Naiana de Freitas Bertoli e Wania Amélia Belchior Mesquita buscam discutir as sociabilidades de jovens evangélicos no interior do Rio de Janeiro. O texto nos impõe a necessidade de superação de análises sobre o pertencimento religioso usualmente focadas na transmissão familiar e na tradição.

Por fim, o artigo de Mirian Santos Ribeiro de Oliveira encerra este dossiê e se debruça sobre o livro de viagem de Swarn Singh Kahlon, Sikhs in Latin America. O trabalho permite compreender não apenas a maneira como religiões de origem sul-asiática penetram nos países da América Latina, mantendo formas de pertencimento, mas também como essas religiões são capazes de ganhar plausibilidade junto as populações nativas, o que vai modificar a própria maneira como aquelas religiões passam a ser vividas e experienciadas.

Esperamos que o material disponibilizado neste dossiê permita novas reflexões aos seus leitores e leitoras. Sobretudo no que tange às transformações epistêmicas das Ciências Sociais e suas implicações nas formas de saber, poder e crer, uma vez que interferem nas percepções de instituições tradicionais como Família e Igreja. Acima de tudo, nossa expectativa é que o conteúdo aqui disponibilizado não apenas problematize a interpretação binária dominador/dominado, mas também considere os efeitos políticos e filosóficos deixados pelo colonialismo.

Desejamos uma ótima leitura.

Referências

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  1. As aspas utilizadas nestes termos são, antes de tudo, para apontar uma posição político-epistêmica. As expressões mencionadas nomeiam regiões do mundo e pessoas. Não se trata, portanto, de distinções ontológicas, como a historiografia hegemônica nos apresenta. São classificações epistêmicas, e quem classifica controla o conhecimento. Uma das marcas da diferença colonial é uma estratégia fundamental, nos mais diferentes períodos da história, para depreciar e subalternizar grupos populacionais.

  2. Bartolomeu de Las Casas classificava, em Apologética História Sumária, classifica como “bárbaros” todos aqueles que não possuem uma “religião verdadeira”, nem abraçam a fé cristã e por este motivo seriam infiéis e pagãos (Las Casas, 1552 apud Mignolo 2005).

  3. Ao propor uma genealogia do conceito de Religião, Talal Asad argumenta que sugere que a própria classificação de uma prática qualquer como sendo “religiosa” constitui-se como um ato inextricavelmente a serviço de configurações de poder preexistentes.

  4. Coletivo editorial Subaltern Studies foi o nome dado, inicialmente, a uma série de publicações que se dedicava a repensar a partir de outras bases a história indiana, atualmente consideramos tais produções como marco inaugural para o que chamamos estudos pós-coloniais.

  5. Esta abordagem historiográfica foi também questionada por outros grupos intelectuais que se tornaram mais conhecidos no mundo ocidental, tais como os historiadores ingleses: Rodney Hilton, Christopher Hill, George Rudé, Edward Palmer Thompson, Eric Hobsbawm. A esta tentativa nomearam como History from below (Cf. Bhattacharya, 1983). Ambas (tanto a inglesa, como a indiana) têm raízes marxistas e, de maneira particular, em Antonio Gamsci, uma vez que o conceito de “hegemonia” e a própria terminologia “subalterno” e remetem aos escritos do filósofo italiano (Gramsci, 2004). O propósito manifesto dos estudos subalternos seria produzir uma análise histórica na qual os grupos subalternos fossem considerados como os sujeitos de sua própria história.

Resumo:
Apresentação do dossiê Colonialidades do crer, do saber e do sentir: implicações epistemológicas nos estudos da religião.

Palavras-chave:
Religião; Epistemologias; Colonialidades.

 

Abstract:
Presentation of the dossier Colonialities of belief, knowledge and feel: epistemological implications in the studies of religion.

Keywords:
Religion; Epistemology; Colonialities.

 

Recebido para publicação em 24/06/2019
Aceito em 24/06/2019.