Revista de Ciências Sociais — Fortaleza, v. 52, n. 2, jul./out., 2021
DOI: 10.36517/rcs.2021.2.a05
ISSN: 2318-4620
Ligações entre trajetórias intelectuais e políticas:
o “caso Weffort”
Em meados de dezembro de 1994, o cientista político e um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores (PT), Francisco Weffort, foi anunciado por Fernando Henrique Cardoso (FHC), recém-eleito presidente da República pelo Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB), como futuro ministro da Cultura. O anúncio provocou controvérsias nos domínios político e cultural, sendo denominado, de forma irônica pela imprensa, como “caso Weffort” ou “virada de Weffort”.
Contudo, um leitor atento à movimentação de Weffort durante a campanha e no período imediatamente posterior à eleição não estranharia o fato, posto que os sinais que indicavam o convite e o aceite já estavam dados publicamente. As especulações em torno do recrutamento do cientista político, bem como de outros quadros de seu partido, para assumir um ministério no caso de vitória do PSDB, circulavam durante o primeiro turno. Por sua vez, em um momento de intensa disputa eleitoral e ideológica, com os petistas acusando os psdbistas de “neoliberais”, Weffort dava declarações à imprensa que procuravam amenizar os antagonismos entre as referidas agremiações partidárias, como, por exemplo, afirmando que FHC era um intelectual e um político de esquerda, fiel aos seus trabalhos e ao seu pensamento.2
Pouco mais de um mês após as eleições, Weffort participou do seminário “O Brasil e as Tendências Econômicas e Políticas Contemporâneas”, idealizado por FHC e realizado no Itamaraty, em Brasília.3 Em sua intervenção no evento, afirmou que a eleição do sociólogo marcava um novo ciclo para o país, de dimensão igual à Revolução de 1930, pois havia, naquele momento, “um enorme progresso no sistema de representação política” e “uma capacidade de atuação previsível que há alguns meses seria impossível imaginar”.4 Na realidade, o que fez foi retomar os argumentos que desenvolveu em artigo publicado em 04 de outubro, antes mesmo de sair o resultado oficial das eleições, no jornal Folha de São Paulo, intitulado “A segunda revolução democrática”.
Nesse artigo, depois de revelar que votou em Lula, Weffort afirma que FHC foi eleito por méritos políticos próprios. Na sua avaliação, o futuro presidente seria “um chefe de Estado empenhado na modernização e na democratização da sociedade brasileira”, de modo que “o país continue crescendo, mas que seja menos injusto”. Somava-se ao fato de a Presidência estar ocupada por um “grande líder intelectual”, o da oposição ser liderada por um “grande operário”. Com essa equação, o Brasil tem a sua “chance de mudar” ou “começar a mudar”, pois ambos [FHC e Lula] podem apontar a agenda “para o lado certo”, o da “modernidade”, que seria o “sentido da consolidação da democracia política e de uma sociedade menos desigual”, “de uma economia mais desenvolvida e de uma sociedade menos injusta”. Essa agenda transformará em históricas as eleições de 1994, delimitando, após 1930, “o início da nossa segunda revolução democrática” (WEFFORT, 1994a, s/p).5
Na semana seguinte após a publicação desse artigo, a imprensa começou a anunciar Weffort, qualificado como “amigo pessoal” do futuro presidente, como cotado para ser ministro da Cultura. A escolha pelo cientista político, além de sua relação pessoal com FHC e de sua notabilidade no campo intelectual, funcionaria como contrapeso progressista à imagem liberal e conservadora causada pela presença do Partido da Frente Liberal (PFL) no governo. Além de estar fora dos lobbies de artistas e intelectuais que pressionavam para indicar o ministro, era um nome de interseção com o campo educacional, ou pelo menos universitário, e, portanto, com o Ministério da Educação, o que respondia aos interesses de FHC para uma “nova fase” do MinC.6
O cientista político esteve novamente com o sociólogo em outro evento após as eleições no seminário “Cultura e Desenvolvimento”, organizado pela atriz Ruth Escobar, quando o segundo fez o discurso de abertura e o primeiro participou da mesa “Cultura e Educação”. Em sua palestra, Weffort demonstrou conhecer o programa para a cultura de FHC ao defender a criação de uma fundação de incentivo às artes com finalidade de gerir os recursos públicos no setor e atuar como intermediária em relação à iniciativa privada — proposta apresentada na campanha pelo candidato psdbista.7 Na ocasião, Escobar interveio no debate pedindo que o novo ministro da Cultura fosse alguém “politicamente forte”.8
Logo após esses eventos, com a oficialização de sua indicação, confirmou-se o “caso Weffort”. Na visão do jornalista Jânio de Freitas, o aceite do cientista político, um quadro histórico do PT, colocava a seguinte questão:
o que o diferencia [Weffort] daqueles a quem tanto acusou, ao longo da vida adulta, por deteriorarem a política e os governos com seu oportunismo, infidelidade partidária e inconsistência de princípios — em uma palavra, com seu fisiologismo? [...] Nisso, o futuro ministro da Cultura deu um triste exemplo da incultura política que faz do Brasil o que ele é (FREITAS, 1994, s/p).
O que se propõe neste artigo, primeira sistematização de uma pesquisa em andamento sobre a política cultural nos governos FHC, não é analisar esta política, o que será feito em trabalhos futuros, mas o referido “caso”, pressupondo que ele fornece elementos para se entender como se deram as relações entre Estado e cultura no Brasil no período de 1995 a 2002. Diferente da avaliação de cunho moralista e desqualificadora do campo político como a de Freitas ou daquela feita por Carlos Heitor Cony, para quem a opção de Weffort se explicaria pela lógica de que “o poder tudo santifica, tudo justifica, tudo embeleza”,9 levanta-se as hipóteses de que tal fato foi possibilitado antes pelos pontos de contato entre as trajetórias (1) de Weffort e de FHC e, secundariamente, (2) do PT e do PSDB — esta hipótese, inclusive, pode ser considerada como “nativa”, pois foi aventada pelo próprio Weffort, como se verá. Para responder a (1), recorre-se aos processos de granjeamento dos recursos intelectual e político dos agentes e de formação de seus espaços de sociabilidade, de modo a identificar momentos de interações entre ambos e de constituição de visões compartilhadas sobre o socius; e, para (2), se analisará o que estava previsto como política para cultura nos planos de governo das candidaturas petista e psdbista em 1994.
Dessa forma, se espera dar um primeiro passo para entender se e como Weffort levou “para o novo posto as heranças de sua vida acadêmica e do passado petista”.10 Trata-se de uma questão que se impõe na medida em que a abordagem recorrente sobre esse momento da política cultural brasileira é a de que os princípios que a guiaram foram os do mercado com o reforço da lógica do incentivo fiscal (ARRUDA, 2003; BARBALHO; RUBIM, 2007; CALABRE, 2009; CASTELLO, 2002). No entanto, a pesquisa de Frederico Barbosa da Silva relativiza esse entendimento ao sugerir que, durante a gestão Weffort, a política cultural vivenciou “um significativo esforço de reorganização, adotando programas e mecanismos estáveis de fomento às atividades culturais, embasados em regras e procedimentos públicos e na presença do Estado” (SILVA, 2007, p. 17).
O primeiro esforço, portanto, é o de analisar os “laços de amizade”, segundo anunciava a imprensa, ou, em outras palavras, a rede de relações e coalizões estabelecida entre Weffort e FHC como resultado de trajetórias objetivas, individualidades socialmente constituídas, que se conectam em várias passagens. Nas palavras de Bourdieu, trata-se de analisar a “série de posições sucessivamente ocupadas por um mesmo agente (ou um mesmo grupo) num espaço que é ele próprio um devir, estando sujeito a incessantes transformações” (BOURDIEU, 1998, p. 189).
Nesse sentido, é preciso identificar os “princípios ativos” que unificam, em determinados momentos, as práticas e as representações mobilizadas por FHC e Weffort, a partir dos sucessivos ritos de instituição ou de nominação materializados em certificados de variadas espécies (títulos acadêmicos, cargos profissionais, autoria de obras, resultados eletivos etc) conquistados e comungados por ambos, com vistas a estabelecer o conjunto das relações objetivas que uniu estes agentes envolvidos nos mesmos campos (intelectual e político) e confrontados com o mesmo espaço dos possíveis.
Procura-se, com isso, captar os movimentos de idas e vindas entre posições intelectuais e posições políticas empreendidos pelos agentes analisados. Como ressaltam Igor Grill e Eliana Reis, ao estudarem as elites parlamentares brasileiras, “a produção mesma de bens culturais e o reconhecimento como ‘intelectual’ são dimensões significativas da própria atividade política e funcionam como trunfos de distinção contundentes” (GRILL; REIS, 2016, p. 9). Portanto, em suas relações com domínios distintos (intelectual e político), é preciso considerar, seguindo as indicações dos referidos autores, como FHC e Weffort se situam nos níveis das multinotabilidades, das multidimensionalidades e das multiposicionalidades.
No primeiro caso, como estes agentes reúnem e mobilizam “suportes de reputação pessoal em domínios e lógicas específicos ou múltiplos”. No segundo, trata-se das “lógicas” e das “práticas de ação” agilizadas a partir da “pluralidade de registros e de trânsitos possíveis aos agentes em um espaço social relativamente flexíveis”. E no terceiro, como se dá a “vinculação das posições sucessivas e simultaneamente ocupadas pelos agentes (no tempo e no espaço) com a superfície social de que eles dispõem” (GRILL; REIS, 2016, p. 24).
O que os autores propõem, ao recorrerem a esses níveis, é problematizar a aplicação sem mediações da caixa de ferramenta conceitual bourdieusiana à realidade brasileira. Ao contrário de sociedades como a francesa, onde pretensamente atuam mecanismos impessoais e meritocráticos de hierarquização; no Brasil, como em outras sociedades periféricas, tais mecanismos baseiam-se fortemente em relações pessoais e nos capitais sociais daí decorrentes. Em outras palavras, Grill e Reis (2018) chamam atenção para a baixa objetivação e a alta maleabilidade da estrutura social no país, a despeito da existência de algum grau de especialização e de parâmetros institucionalizados de hierarquização. Por decorrência deste contexto híbrido é que se faz necessário estar atento à diversidade de estratégias de reprodução mobilizadas pelos agentes, tanto para dar conta de domínios relativamente institucionalizados quanto daqueles que dependem de investimentos e trunfos pessoais.
Dessa forma, a partir da trajetória de FHC elaborada por Afrânio Garcia Júnior (2004), destaca-se a seguir os investimentos centrais que o sociólogo fez para sua carreira intelectual e que, posteriormente, legitimou sua inserção na política. Na sequência, será feito o mesmo em relação a Weffort.
FHC cursou a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL) da Universidade de São Paulo (USP), tendo como mentor intelectual Florestan Fernandes. Aos 21 anos, antes mesmo de concluir a graduação, tornou-se assistente da Faculdade de Economia da USP. Após a conclusão de seu curso, em 1953, tornou-se assistente de Roger Bastide. Quando este retornou a Paris, Florestan Fernandes assumiu seu cargo e FHC tornou-se primeiro assistente. Recém-efetivado, elegeu-se para o Conselho Universitário, espaço que, “ocupado em início de carreira, parece ser um bom índice do capital social que conseguia mobilizar” (GARCIA JÚNIOR, 2004, p. 291).
Nos anos 1950, assumiu o cargo de editor da revista Problemas e tornou-se membro do conselho editorial da revista Fundamentos, fundada por Caio Prado Jr. e editada pela Brasiliense. Na primeira metade da década seguinte, FHC dirigiu o Centro de Sociologia Industrial e do Trabalho (Cesit), resultado da iniciativa de Alain Touraine quando professor convidado da USP. Com o golpe de 1964, exilou-se no Chile, onde ocupou a cátedra de Sociologia do Desenvolvimento no Instituto Latino-Americano de Planificação Econômica e Social (ILPES), centro de pesquisas criado pela ONU em Santiago. Nesse período, elaborou a “teoria da dependência”, em parceria com o sociólogo chileno Enzo Falleto, e com a qual alcançou notoriedade internacional.
Ao retornar ao Brasil, foi aposentado compulsoriamente da USP por conta do AI-5 em 1968. Como alternativa para permanecer no país, assumiu a direção do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), um centro de pesquisa recém-criado, cujo núcleo central de pesquisadores devia sua carreira profissional à USP, e que contava com financiamento da Fundação Ford. Com essa configuração, o Cebrap tornou-se um “polo dominante na condução dos debates científicos em escala nacional” (GARCIA JÚNIOR, 2004, p. 294). Ainda sobre o Cebrap, como revela Bernad Sorj, é indicativo da coesão e dos vínculos estabelecidos entre seus membros, mais do que a convergência teórica, a existência de “afinidades de natureza geracional e aos vínculos criados no contexto de uma tradição acadêmica específica” (SORJ, 2001, p. 35).
O Cebrap pode ser considerado também o momento crucial para a conversão de capital intelectual em político na trajetória de FHC. Foi ao Centro que os políticos de oposição reunidos no Movimento Democrático Brasileiro (MDB), então presidido por Ulysses Guimarães, amigo do pai de FHC, solicitaram um novo programa para o partido. Foi também à organização que dom Paulo Evaristo Arns encomendou a elaboração de um diagnóstico sobre as condições de vida dos moradores pobres de São Paulo. Além disso, seu engajamento em diversas associações científicas e profissionais transformou FHC em “um dos líderes de uma intelectualidade interessada em se desfazer da tutela militar” (GARCIA JÚNIOR, 2004, p. 295), acumulando prestígio e recursos advindos do “sociólogo inovador” e da “liderança política de oposição”.
A entrada no jogo da política partidária ocorreu com sua candidatura pelo MDB, em dobradinha com Franco Montoro, para o Senado em 1978. Quando este assumiu o Governo do Estado de São Paulo, em 1982, FHC herdou o seu posto de senador da República. Ainda que próximo aos “pretendentes à renovação em grande escala do espaço público”, a partir de 1979, distanciou-se dos grupos que iriam formar o PT11: os líderes sindicais e os intelectuais universitários que, diferente dele, “não dispunham de outro capital político que o obtido por meio da militância” (GARCIA JÚNIOR, 2004, p. 296). Sua opção foi compor com aqueles que constituíram seus capitais políticos antes de 1964 ou mesmo durante os governos militares, aproximando-se dos moderados e deslocando-se para o centro.
Francisco Weffort nasceu em Quatá, interior de São Paulo. Ao contrário de FHC, como se verá, sua família, formada por migrantes italianos e nordestinos, não possuía inserção nas elites locais e muito menos nacionais. Seu pai era um pequeno comerciante, dono de oficina mecânica, sem ligação com a política. Sem ter sido influenciado idelogicamente pelos pais, o foi pelo momento político que viveu como estudante secundarista na capital paulista, entre o suicídio de Getúlio e a eleição de Juscelino Kubitschek, período no qual se uniu à Juventude Comunista (KLÜGER, 2017; TAUIL, 2016).
Weffort formou-se em Sociologia pela USP e, apesar de ser apenas seis anos mais novo que FHC, chegou a ser seu aluno e foi seu assistente pessoal no Seminário de Marx, criado em 1957, reunindo professores e alunos em torno da obra do pensador alemão. Ingressou como professor, em 1961, na mesma instituição. Como se definiu certa vez, para situar, ao mesmo tempo, sua proximidade com FHC e a distância social com Lula: “eu sou um fulano da Rua Maria Antônia [onde ficava a sede da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras — FFCL] que, como vários, se aproximou da esquerda. É diferente de um cara que veio do sindicato de São Bernardo e entrou na Rua Maria Antônia, entendeu?” (WEFFORT, 2013, s/p).
Em fins de 1963, foi trabalhar na Comissão Econômica para América Latina e Caribe no Chile, por conta de um convite intermediado por FHC. Com o golpe em 1964, passaram a atuar junto no ILPES, o que possibilitou um convívio mais intenso entre os dois, como expressa o seu relato sobre a viagem que fizeram pelo Instituto ao altiplano do Peru com o objetivo de contatar as populações camponesas e observar atividades de cooperação popular:
Nossa curiosidade sociológica nos levou por estradas marginais a um mundo cada vez mais miserável, até que entramos em uma aldeia indígena que fazia uma festa de inauguração de seu sistema de esgotos, construído com apoio do governo e dos “peace corps”. Os dois chefes que vieram cambaleantes nos receber na entrada da aldeia estavam tão bêbados quanto os chefes têm o direito de estar em uma festa do gênero, onde a comida principal era um roedor (o “cui”), que mais parecia um ratão, e que vinha junto com farta distribuição de “chicha morada”, um fermentado de milho capaz de fazer desandar qualquer intestino ocidental e cristão. Embora comovido como eu, com a curiosa mistura humana dos índios e dos “peace corps”, Fernando não aguentava: “isso é demais para mim, Weffort, eu tive uma educação muito burguesa” (WEFFORT, 1994a, s/p).
Retornando ao país, doutorou-se pela USP, em 1968, com a tese Classes populares e política: contribuição ao estudo do populismo. Nesse período, participou de um projeto coordenado por Gabriel Cohn no Cesit, do qual resultou o livro Política e revolução social no Brasil (1965). Depois seguiu para a Inglaterra, onde atuou como professor visitante na Universidade de Essex, e, em 1974, para a Argentina, onde trabalhou na Universidade de La Plata e na Organização Internacional do Trabalho. Ainda nos 1970, engajou-se no Cebrap, onde desenvolveu pesquisas sobre classe operária, movimento sindical e populismo, temas que explora em sua tese de livre docência, em 1972, intitulada “Sindicatos e política”.
Mesmo não tendo sido parte do grupo permanente de pesquisadores do Cebrap, sua presença e sua contribuição ao longo dos anos que ali atuou, entre 1969 e 1976, são relevantes, tendo sido o espaço institucional de parte considerável dos estudos e pesquisas que realizou, além de outras ações, como a participação na elaboração do novo programa do MDB, referido anteriormente. FHC rememora que foi em companhia de Weffort que se reuniram, na casa do então senador mdbista Amaral Peixoto, com alguns políticos do partido e apresentaram o projeto cuja plataforma tinha propostas próximas, na sua avaliação, do que hoje se chamaria de socialdemocrata. Por sua vez, foi Weffort, junto com José Álvaro Moisés, que, em uma pesquisa sobre liderança sindical, levou Lula para dar um depoimento no Cebrap, propiciando, pela primeira vez, o encontro deste com FHC.12
Em 1976, Weffort foi um dos fundadores e o primeiro presidente do Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (Cedec), que guarda semelhança, em sua constituição, com o Cebrap, tanto que contou com apoio de FHC, que participou do Conselho Consultivo, e financiamento da Fundação Ford. Como situa Sorj (2001), parte significativa de seus membros era oriunda do grupo de estudos sobre classe operária do Cebrap. No entanto, uma das preocupações do Cedec, o que lhe diferencia do Cebrap, era o engajamento nos temas político-sociais (LAHUERTA, 2001). Para Marlon Ferreira, havia uma “tentativa de fortalecer o movimento da sociedade civil”, o que resultou na “busca de formulações mais centradas no fortalecimento dos movimentos sociais e na construção de uma legítima identidade dos trabalhadores” (FERREIRA, 2020, p. 67). Existia também uma atenção aos estudos sobre democracia diante dos primeiros sinais do fim do regime militar. Segundo Rafael Marchesan Tauil (2018), os pesquisadores do Cedec foram os primeiros a identificar a relevância da classe operária naquela conjuntura do país, cujas lideranças contribuiriam para a formação do PT alguns anos depois.
Em 1978, Weffort participou da campanha de FHC para o Senado, cujo “cacife político” era, na sua avaliação, “o do intelectual que se fizera líder de intelectuais nas lutas de resistência” e que “só tinha a seu favor os seus escritos e a sua reputação” (WEFFORT, 1994a, s/p).
Fazendo parte da fundação do PT em 1980, Weffort rapidamente galgou espaços na estrutura partidária: eleito suplente da comissão diretora nacional provisória (1980); segundo-secretário nacional durante o I Encontro Nacional e coordenador da Comissão de Relações Internacionais (1981); vice-presidente (1982) e secretário-geral nacional (1983).13 Em 1981, intelectuais e dirigentes partidários se reuniram em São Paulo para tratar dos problemas políticos e traçar uma possível estratégia comum para as eleições estaduais no ano seguinte. Desse encontro, participaram Roberto Gusmão, do PP, Fernando Henrique Cardoso, pelo PMDB, e Francisco Weffort, pelo PT, contudo, a intenção de fusão das esquerdas foi descartada por Lula.
Em 1986, Weffort lançou-se candidato à Assembleia Nacional Constituinte e, apesar de não ter sido eleito, recebeu votação expressiva. Afastado do cargo de secretário-geral nacional do PT em 1987, voltou à direção partidária como primeiro-vice-presidente em 1988, onde permaneceu até 1990 e coordenou a campanha de Lula em 1989. Nas eleições de 1994, não compunha a direção do partido, mas integrou o comando nacional da campanha. Ainda assim, segundo o verbete do Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro do CPDOC/FGV,14 manifestou “discordâncias com relação a alguns aspectos da orientação política petista” e apontou a existência de semelhanças entre os programas de governo das candidaturas petista e psdbista.
A atuação política em partidos distintos não impediu Weffort de, em 1984, convidar FHC, na época senador e presidente da seção paulista do PMDB, para compor a banca examinadora de seu concurso para professor titular do Departamento de Ciência Política da USP. Alguns anos depois, em 1992, o convidado foi Weffort, dessa vez para fazer o discurso de saudação a FHC por conta da outorga do título de Professor Emérito da mesma universidade. Em sua fala, destaca que FHC “sempre foi e se tornou cada vez mais, um sociólogo político, depois um cientista político e, finalmente, um político, sem que em cada novo passo tivesse que apagar o anterior” (WEFFORT, 1995, p. 10).
Percebe-se, portanto, nas trajetórias de FHC e Weffort, vários momentos de encontros e espaços de construção de sociabilidades comuns: inicialmente como professor e aluno e, posteriormente, como colegas na USP; como pesquisadores exilados no ILPES e, em seguida, no Cebrap; na campanha de FHC ao Senado e em outros momentos da política partidária; e nos rituais de passagem da academia.15
Contudo, se propõe aqui um outro princípio ativo, estruturante para o entendimento acerca das posições comungadas pelos dois agentes, que é o fato de terem compartilhado, quando jovens, a mesma cultura política, a do “nacional-popular”. Como situa Daniel Pécaut (1990), no período da Terceira República, em especial de 1955 a 1964, o “nacional-popular” regia o domínio intelectual, se expressava em práticas políticas diversas e incorporava os estudantes ao movimento dos pensadores já consagrados.16
Embora inseridos na cultura intelectual paulista que, diversamente da carioca, engajada no Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) e nas decisões políticas nacionais, se fechava dentro dos muros da FFCL e evitava a vida pública, FHC e Weffort não deixaram de ser afetados pelo debate do desenvolvimentismo em sua chave nacionalista. Sobretudo após a atuação de Florestan Fernandes, que, como visto, foi professor e tutor de FHC. De acordo com Anna Paula Moreira de Araújo, como titular da Cadeira de Sociologia I, Fernandes, no final da década de 1950, colocaria em novos termos a relação da USP, ou pelo menos de seu curso de Sociologia, com os problemas sociais brasileiros. Em parceria com seus principais assistentes, entre os quais FHC, posicionou-se contrário ao “conhecimento livresco” e buscou valorizar “a pesquisa empírica enquanto recurso para afirmar a sociologia como ciência, o que faria a conexão da sociologia com o progresso e o aperfeiçoamento da sociedade brasileira” (ARAÚJO, 2012, p. 31).
É certo que ambos foram marcados de forma diferente por essa cultura política, até por conta das diferenças de idade e de trajetória familiar. Garcia Júnior revela que FHC, ao lado de seu pai, então deputado federal eleito por meio da aliança entre trabalhistas e comunistas, foi ativista das causas do período, como as do monopólio estatal do petróleo e da criação da Petrobrás. Dessa forma, ambos estavam presentes nas “mobilizações e campanhas nacionalistas” em um “momento marcado por intensos debates sobre as modalidades de construção política, econômica e cultural da nação e sobre os meios de enfrentar os males do ‘subdesenvolvimento’” (GARCIA JÚNIOR, 2004, p. 291). Em seu depoimento sobre a FFCL, FHC (CARDOSO, 1988) qualifica seu pai como um “líder nacionalista” e que sua família, cheia de militares e políticos, era, na maioria, “getulista”.
Weffort não contou com esse background familiar, mas se inseriu no debate político por conta de sua vivência como estudante secundarista e de sociologia. Maria Hermínia Tavares de Almeida, na sua saudação a Weffort, qualificado por ela como um “intelectual público”, no momento em que este se torna professor emérito da USP, faz referência à importância do convívio geracional, da “experiência compartilhada”, para a trajetória do cientista político. É bem verdade que o marco significativo que ela ressalta é o do golpe militar, quando, para os que viveram a época, “era muito difícil isolar a vida acadêmica da atividade política de oposição ao regime autoritário”, de modo que “a vida intelectual e a vida política se comunicavam por muitos corredores, percorridos cotidianamente de um lado para o outro”.17
A importância do engajamento político para a formação intelectual de ambos se expressa também na saudação de Weffort a FHC referida anteriormente, quando afirma a relação do segundo com a política, não pelo fato dele ser senador ou dirigente partidário, e sim devido às circunstâncias vivenciadas por todos de sua geração (WEFFORT, 1995).
Portanto, é plausível afirmar, referenciando-se em Bourdieu (1992), que a cultura política do “nacional-popular”, impondo-se como uma espécie de “habitus socialmente constituído”, foi estruturante para que FHC e Weffort se decidissem por posições comuns diante das possibilidades ofertadas, ao longo de suas trajetórias, tanto pelo domínio intelectual, quanto pelo político. Nesse sentido, é sintomático que Weffort, quando convidado para ser ministro da Cultura, tenha optado pelo cargo em detrimento de uma temporada acadêmica na Universidade de Stanford.
Esta afirmação não implica uma adesão na produção acadêmica de ambos às teses nacional-desenvolvimentistas. FHC foi bastante crítico aos usos da noção de “burguesia nacional” e Weffort é um dos mais referenciados estudiosos do “populismo” e de seus limites estruturais, tendo escrito seus primeiros artigos sobre os impasses da política nacionalista na primeira metade dos anos 1960. O que se procura destacar é que os temas do nacional, do popular e do desenvolvimentismo foram centrais nas análises que empreenderam, pelo menos nos momentos iniciais de suas carreiras. Referindo-se ao ambiente de efervescência política e de cultura universitária de viés cientificista onde se deu a formação intelectual de Weffort, e também a de FHC, Daniela Mussi e André Kaysel Velasco e Cruz (2020) ressaltam uma agenda de pesquisa na qual o nacionalismo era objeto privilegiado de análise e entendido como base das mudanças com as quais o Brasil sairia do subdesenvolvimento.
Se as trajetórias e a cultura política compartilhadas aproximam FHC e Weffort, resta saber se o mesmo ocorre com os partidos de ambos, ou seja, se PT e PSDB tinham, em seus programas de governo na campanha presidencial de 1994, pontos em comum que respaldassem a escolha de um petista para o Ministério da Cultura e o seu aceite ao convite. É o que será analisado na próxima seção.
Weffort foi um dos signatários, ao lado de Paulo Freire, Francisco de Oliveira, Paul Singer, entre outros, do manifesto “PT Amplo Urgente — Lula Presidente”, lançado em São Paulo, em 5 de março de 1994. O documento se posicionava contrário à “radicalização à esquerda” pela qual estaria passando o Partido e defendia uma política de alianças que tirasse do isolamento a futura candidatura de Lula à Presidência.18 Na sequência do debate provocado pelo manifesto, em entrevista concedida à Folha de São Paulo, Weffort defendeu o plano econômico de FHC, cujas possíveis ressalvas seriam secundárias. Por sua vez, segundo o cientista político, o programa de governo de Lula não era socialista, mas objetivava “democratizar e modernizar o capitalismo”, por meio da redistribuição de renda e da reforma agrária, corrigindo os desequilíbrios regionais, e realizar reformas econômicas e do Estado, de modo a permitir a retomada do crescimento.19
Em artigo publicado na imprensa no mesmo mês, Weffort voltou a aproximar Lula e FHC, o PT e o PSDB, posicionando-os no espectro da esquerda partidária e engajados no esforço de modernização e democratização do capitalismo brasileiro. Na sua avaliação, era curioso que os favoritos na eleição fossem Lula, “de um partido formado por socialistas”, e FHC, “de um partido que se pretende social-democrata” (WEFFORT, 1994b). Em palestra dada em junho, no Conselho Superior de Orientação Política da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Weffort mais uma vez deixou clara a aproximação do PT com as bandeiras do PSDB, convocando o segundo para participar em um eventual governo Lula.
Diante dos empresários paulistas, afirmou que a história de seu partido tem sido a da “diluição dos radicais”, pois “na medida em que um líder político cresce numa democracia, ele se compromete com os temas do outro lado”. Weffort destacou que o objetivo econômico mais geral do programa do PT era o “desenvolvimento de um mercado de massas no Brasil” e que já não havia uma “concepção estatista de fundo ideológico”, de modo que o Estado deveria atuar “supletivamente em relação às forças do mercado”.20
Se a avaliação de Weffort revela um movimento programático do PT rumo àquele defendido pelo PSDB, por outro lado, estaria ocorrendo, por parte de setores da imprensa, um processo de “esquerdização” de FHC, “uma glorificação ‘ex post’ do esquerdismo fernandohenriquista”, segundo avalia Marcelo Coelho. O articulista da Folha de São Paulo cita o título de artigo da revista Veja, “A Maria Antônia no poder”, publicado na primeira quinzena de outubro, para em seguida revelar o seu significado:
Isto é, o grande foco de contestação intelectual e universitária de São Paulo, o ímpeto marxista, o brilho parisiense, a sombra tutelar de Florestan Fernandes, os seminários de leitura de “O Capital”, os conchavos com Lula em 78, os exílios, as resistências, as derrotas, oh, tudo isso foi vingado, e aqui estamos nós, os sofisticados, os esquerdistas, os “mariantonietos”, no poder (COELHO, 1994, s/p).
Se a tese da “esquerdização” ganhava espaço no campo midiático, ela também surgiu na campanha quando, segundo Weffort (1994a), Lula teria acusado FHC de plagiar o programa do PT, sinalizando que a candidatura do PSDB estaria se aproximando das ideias defendidas pela petista.
Passadas as eleições, e respondendo à crítica do jornalista Jânio de Freitas sobre sua adesão a FHC, Weffort voltou a afirmar que, na sua avaliação, exposta em vários artigos antes do resultado eleitoral, “as diferenças entre as propostas de Lula e Fernando Henrique no andamento da campanha diminuíam a olhos vistos”.21
Faz-se necessário então verificar a justificativa desta tomada de posição do cientista político confrontando-a com os documentos. Não se trata nem de avaliar se houve de fato uma “esquerdização” de FHC, nem se seu programa “plagiou” o do PT, pois isto exigiria a análise comparada de ambos os programas em sua totalidade. Para fins deste artigo, interessa apenas perceber se havia ou não convergências no que se refere às propostas para o campo da cultura. Passa-se, então, à análise da seção destinada ao setor nos programas dos candidatos Lula, “Uma revolução democrática no Brasil. Bases do programa de governo do Partidos dos Trabalhadores”, e Fernando Henrique Cardoso, “Mãos à obra, Brasil. Proposta de governo”.
Em ambos, a cultura não se encontra entre as preocupações centrais ou estratégicas do possível governo, recebendo poucas páginas de atenção. No entanto, os dois candidatos defendem o papel do Estado na promoção da cultura. Para FHC, se o “Estado não pode nem deve se transformar no grande produtor cultural do país […] Cabe-lhe, contudo, estabelecer um programa de metas que dê coerência à sua ação e sinalize para a sociedade o sentido de sua política cultural” (CARDOSO, 2008, p. 92). Para o PT, deve-se “assumir o papel do Estado na cultura sem admitir distorções. Dar espaço e caminho à produção cultural do cidadão em todas as suas formas, belas artes ou não, em todo o país, sem confundi-lo com práticas cooperativistas” (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1994, p. 80).
Os dois programas entendem a política cultural de forma intersetorial (interagindo principalmente com as políticas de comunicação, de educação e de ciência) e democrática, com participação dos entes federados, da sociedade e do mercado. A diferença vai ser mais de tom ou de grau da presença desses agentes (Estado, mercado, sociedade) e na mobilização dos valores envolvidos (democracia, participação, federalismo, patrimônio, desenvolvimento, diversidade, mercado).
No programa de FHC, onde o tema da cultura aparece no Capítulo V, intitulado sugestivamente de “A parceria Estado-Sociedade”, há maior ênfase no papel do setor privado, tanto destacando a economia da cultura, quanto demandando o apoio dos setores econômicos para o financiamento da política cultural. No primeiro parágrafo da seção “Cultura”, afirma-se, de imediato, que a “atividade cultural gera riqueza e emprego”. Portanto, investir no setor significa, entre outras coisas, “estender as perspectivas da política cultural” ao campo das atividades econômicas (CARDOSO, 2008, p. 92).
Outro ponto que se destaca é a aposta no processo de desburocratização das agências governamentais na área diante da necessidade de o Estado atuar de forma mais adequada e flexível, evitando estruturas pesadas e atento à transparência dos critérios e decisões. Uma das metas do programa, portanto, é “Agilizar e desburocratizar os órgãos e entidades encarregados do fomento cultural” (CARDOSO, 2008, p. 94).
No programa de Lula, se reforça a participação na elaboração da política cultural e sua feição democrática e cidadã. Assim, a seção “Cultura como invenção do futuro”, parte do Capítulo IV, “Mudar a vida”, se inicia defendendo que “a gestão democrática da cultura é o processo pelo qual propomos a transformação da sociedade autoritária em sociedade solidária, humana” e que a política cultural do “Governo Democrático e Popular tem como princípio fundamental assumir o cidadão como prioridade” (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1994, p. 80). Para tanto, uma das estratégias é democratizar e fortalecer o Conselho Nacional de Cultura e o Conselho de Comunicação Social de modo a torná-los instrumentos de participação e de representação social.
Há também a defesa de uma presença mais ativa do Estado, inclusive na produção cultural. Assim, propõe-se “criar ou reformular órgãos e instituições de caráter público capazes de operar na dinâmica da atividade cultural, tendo em vista a produção e a circulação de bens culturais” e “disseminar por todo o país a criação de Centros de Arte e Cultura que facilitem o acesso e a participação no processo cultural” (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1994, p. 81).
Como se observa, não há discrepâncias profundas entre as duas formulações de política cultural que apontem para clivagens do tipo direita versus esquerda ou liberal versus socialista, que mobilizaram a campanha eleitoral de 1994, pelo menos não no setor da cultura. Pelo contrário, há um núcleo comum de valores contemplados e o reconhecimento do papel a ser desempenhado tanto pelo Estado quanto pela sociedade civil e pelo mercado. O que referenda a análise de Weffort quanto à convergência programática entre o PT e o PSDB.
Como foi possível observar a partir da discussão feita nas seções anteriores, as hipóteses levantadas na introdução se justificam, posto que foram evidenciadas, no que diz respeito à primeira hipótese, as redes de relações entre as trajetórias de Weffort e de FHC, possibilitadas pelos espaços de sociabilidade comuns e apostas semelhantes na formação e carreira profissionais, tendo como importante elemento estruturador de tais tomadas de posição o compartilhamento de uma mesma cultura política, a do nacional popular.
A esse respeito, mostraram-se válidas as considerações de Grill e Reis (2016; 2018) sobre a produção intelectual como recurso valorizado no campo político como demonstrou o ingresso de FHC e Weffort no sistema partidário. Guardadas as especificidades e os resultados alcançados por cada um, ambos se notabilizaram no campo acadêmico e, a partir dessa reputação, galgaram espaços de destaque na política por meio de cargos eletivos e/ou na hierarquia partidária. Essa multinotabilidade, por sua vez, só foi possível por conta das intensas zonas de contato estabelecidas entre esses domínios e das tomadas de posições de FHC e Weffort ao longo de suas trajetórias e da rede de relações que estabeleceram por meio de estratégias diversas, expediente este próprio a uma sociedade com baixa objetivação e a alta maleabilidade de sua estrutura.
Em relação à segunda hipótese, constatou-se, por meio da comparação entre as propostas para a cultura defendidas nos dois programas de governo, a aproximação programática entre o PT, que se deslocou mais para o centro do espectro ideológico, e o PSDB. Em ambos, a política cultural não ocupa um lugar estratégico, mas está prevista a atuação do Estado em consórcio tanto com a sociedade civil quanto com o mercado.
As conclusões a que se chegou nessa primeira abordagem do objeto levantam questões instigantes para o andamento da pesquisa. Em relação aos desdobramentos da hipótese 1, pergunta-se: uma vez no Ministério, como Weffort procedeu para recrutar a nova elite político-cultural do país? Baseou-se em sua rede de relações pessoais e profissionais e/ou político-partidárias? Submeteu-se aos interesses políticos da coalização à frente do governo capitaneada pelo PSDB e PFL? Ou ainda, optou por escolhas técnicas, impessoais, a partir da seleção de perfis adequados aos cargos e às tarefas? Certamente, estas possibilidades de recrutamento não são excludentes entre si, mas importa perceber quais as lógicas que direcionaram o processo de formação do quadro de gestores do MinC ao longo dos oito anos da gestão Weffort.
Um segundo conjunto de questões relaciona-se com a hipótese 2: quais foram as políticas culturais elaboradas ao longo desse período? Mantiveram-se alinhadas a um papel ativo do Estado? Ou cederam à pressão do mercado, assumindo um formato mais liberal, dando razão, inclusive, a um conjunto de análises sobre aquele momento, como, por exemplo, a que foi feita no primeiro balanço da “Era FHC” ainda nos seus estertores (CASTELLO, 2002)?
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WEFFORT diz a Lula que quer ser ministro de FHC. Folha de São Paulo on line, São Paulo, 09 dez. 1994. Disponível em: www1.folha.uol.com.br. Acesso em: 17 mar. 2019.
WEFFORT é cotado para Cultura. Folha de São Paulo on line, São Paulo, 07 dez. 1994. Disponível em: www1.folha.uol.com.br. Acesso em: 17 mar. 2019.
O autor agradece pelas contribuições dos avaliadores anônimos.↩︎
A esse respeito, ver PARA amigos, FHC ainda é de esquerda. Folha de São Paulo on line, São Paulo, 02 out. 1994. Disponível em: www1.folha.uol.com.br. Acesso em: 11 abr. 2019.↩︎
Participaram do evento, coordenado pelo sociólogo Luciano Martins e patrocinado pela Fundação Alexandre de Gusmão, com apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, dezenas de intelectuais do Brasil e do exterior, todos amigos de FHC e com os quais compartilhava ideias políticas e econômicas. Desse grupo, alguns se tornaram ministros durante seus governos, além de Weffort: José Serra, Paulo Renato de Souza, Pedro Malan, entre outros.↩︎
A esse respeito, ver VELHO e Novo Mundo se contrapõem. Folha de São Paulo on line, São Paulo, 05 dez. 1994. Disponível em: www1.folha.uol.com.br. Acesso em: 17 mar. 2019.↩︎
Em sua fala de encerramento do seminário no Itamaraty, FHC, que, na avaliação do jornalista Fernando de Barros e Silva, da Folha de São Paulo, atuou “o tempo todo como dublê perfeito de intelectual e político”, propôs o “Acordo de Brasília”, um governo baseado no consenso, posto que todos estariam “apontando na mesma direção”. A esse respeito, ver FERNANDO Henrique lança ‘acordo de Brasília’. Folha de São Paulo on line, São Paulo, 05 dez. 1994. Disponível em: www1.folha.uol.com.br. Acesso em: 17 mar. 2019. A íntegra da fala de FHC está disponível em www1.folha.uol.com.br. Acesso: em 17 mar. 2019↩︎
A esse respeito, ver WEFFORT diz a Lula que quer ser ministro de FHC. Folha de São Paulo on line, São Paulo, 09 dez. 1994. Disponível em: www1.folha.uol.com.br. Acesso em: 17 mar. 2019.↩︎
A esse respeito, ver ÁREA cultural resiste a planos de FHC. Folha de São Paulo on line, São Paulo, 08 dez. 1994. Disponível em: www1.folha.uol.com.br. Acesso em: 23 abr. 2019.↩︎
A esse respeito, ver WEFFORT é cotado para Cultura. Folha de São Paulo on line, São Paulo, 07 dez. 1994. Disponível em: www1.folha.uol.com.br. Acesso em: 17 mar. 2019; e LULA não vai se opor à adesão. Folha de São Paulo on line, São Paulo, 08 dez. 1994. Disponível em: www1.folha.uol.com.br. Acesso em: 17 mar. 2019.↩︎
A esse respeito, ver SÍNDROME de Romário. Folha de São Paulo on line, São Paulo, 09 dez. 1994. Disponível em: www1.folha.uol.com.br. Acesso em: 17 mar. 2019.↩︎
A esse respeito, ver WEFFORT assume Cultura sem projeto claro. Folha de São Paulo on line, São Paulo, 21 dez. 1994. Disponível em: www1.folha.uol.com.br. Acesso em: 17 mar. 2019.↩︎
Lula apoiou a candidatura de FHC ao Senado, qualificando-o de “reserva moral” da sociedade brasileira. Para uma análise da aproximação e do distanciamento de FHC dos futuros criadores do PT, ver KECK (2010).↩︎
A esse respeito, ver FHC conta como Cebrap o aproximou de Ulysses e Lula na ditadura. Folha de São Paulo on line, São Paulo, 12 maio 2019. Disponível em: www1.folha.uol.com.br. Acesso em: 14 maio 2019.↩︎
Para uma análise da participação de Weffort na criação do PT, ver Ferreira (2020) e Keck (2010).↩︎
Disponível em: www.fgv.br. Acesso em: 11 abr. 2019.↩︎
Identificar os espaços de comunhão entre FHC e Weffort não implica desconhecer os momentos de confronto intelectual entre ambos, como, por exemplo, o embate travado a respeito da “teoria da dependência” em 1970, no Chile, durante o 2º Seminário Latinoamericano para el Desarrollo, promovido pela Facultad Latinoamericana de Ciências Sociales (Flacso). A esse respeito, ver Rodrigues (2009). Sobre as diferenças teórico-políticas posteriores, em especial na disputa PT versus PSDB, ver Dulci (2010).↩︎
Posição que, de resto, não era exclusiva dos intelectuais brasileiros, mas compartilhada com os colegas do restante da América Latina. A esse respeito, ver, entre outros, Soares (1985) e Canclini (1983).↩︎
Disponível em: qualidadedademocracia.com.br. Acesso em: 16 abr. 2019.↩︎
A íntegra do documento encontra-se em www1.folha.uol.com.br.↩︎
A esse respeito, ver PROGRAMA de Lula não é socialista, diz Weffort. Folha de São Paulo on line, São Paulo, 05 mar. 1994. Disponível em: www1.folha.uol.com.br. Acesso em: 11 abril 2019. Posição compartilhada por Francisco de Oliveira, na época presidindo o Cebrap. A esse respeito, ver EX-RADICAL ataca “jurássicos” do partido. Folha de São Paulo on line, São Paulo, 06 mar. 1994. Disponível em:: www1.folha.uol.com.br. Acesso em 11 abril 2019. Ambos, além de outros intelectuais do ou ligados ao PT, estavam presentes na fala de FHC em maio daquele ano em comemoração aos 25 anos do Cebrap.↩︎
A esse respeito, ver PSDB participará de governo Lula, diz sociólogo. Folha de São Paulo on line, São Paulo, 12 set. 1994. Disponível em: www1.folha.uol.com.br. Acesso em: 11 abril 2019.↩︎
A esse respeito, ver WEFFORT ataca Jânio de Freitas. Folha de São Paulo on line, São Paulo, 21 dez. 1994. Disponível em: www1.folha.uol.com.br. Acesso em: 17 mar. 2019.↩︎
Resumo:
Este artigo analisa o processo de escolha de Francisco Weffort, então filiado ao PT, como ministro da Cultura no governo de Fernando Henrique Cardoso do PSDB criando uma controvérsia nos campos políticos e culturais. Levanta-se as hipóteses de que tal fato foi possibilitado pelos pontos de contato entre as trajetórias (1) de Weffort e de FHC e, secundariamente, (2) do PT e do PSDB. Para responder a (1), recorreu-se aos processos de conformação dos recursos intelectual e político dos agentes e de seus espaços de sociabilidades de modo a identificar momentos de interações e de constituição de visões compartilhadas sobre o socius; e para (2) se analisou o que estava previsto para a cultura nos planos de governo das candidaturas petista e psdbista em 1994.
Palavras-chave:
Francisco Weffort; Fernando Henrique Cardoso; campo intelectual; trajetória; cultura política.
Abstract:
This article analyzes the process of choosing the Francisco Weffort (PT) as minister of culture under the Fernando Henrique Cardoso government (PSDB), which became a controversy in the political and cultural domains. The hypothesis arises that this fact was made possible by the points of contact between Weffort’s and FHC’s trajectories and, secondarily, PT and the PSDB. In order to answer (1), we used the processes of conformation of the intellectual and political resources of the agents and their spaces of sociabilities in order to identify moments of interactions between both and the constitution of shared visions on the socius; and for (2) it was analyzed what was foreseen as politics for the culture in the plans of government of the petista and psdbista candidacies in 1994.
Keywords:
Francisco Weffort; Fernando Henrique Cardoso; intellectual champ; trajectory; political culture.
Recebido para publicação em 22/07/2019
Aceito em 04/02/2021