Revista de Ciências Sociais — Fortaleza, v. 51, n. 3, nov. 2020/fev. 2021
DOI: 10.36517/rcs.2020.3.a02
Redes Transnacionais de Ativismo LGBTI:
World advocacies em busca dos direitos sexuais e de identidade
A população LGBTI (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e intersexuais)1 vem conseguindo espaço e protagonismo na agenda internacional nas últimas décadas. Para que este feito fosse possível, uma caminhada e uma atuação de organizações da sociedade civil tornou-se fundamental para o conhecimento do direito daqueles que outrora viam-se invisíveis frente às políticas domésticas e internacionais.
A partir do estabelecimento da ordem (neo)liberal multipolar, na qual regimes internacionais de direitos humanos tornam-se um elemento normativo das relações internacionais estruturadas em um sistema de relações tendo a Organização das Nações Unidas (ONU) como mediador, as redes transnacionais de advocacy (RTAs) ganharam força e protagonismo na esfera global em diversas áreas. As trocas e os fluxos de informação construíram redes de ativismo de pautas LGBTI que se articulam com o intuito de dar representatividade a estes sujeitos nas políticas domésticas de várias regiões do globo, especialmente no Oriente Médio e na África Subsaariana — regiões que historicamente criminalizaram a homossexualidade, a partir da criminalização da prática da sodomia, e que vêm sendo influenciadas nos últimos tempos por uma moral neopentecostal. A internet e ambientes virtuais tornaram-se espaços de discussão que atuam dentro do feixe de relações entre os atores internacionais da ordem global.
Conforme o sociólogo Anthony Giddens (1991), a modernidade — e sobretudo a globalização2 enquanto um fenômeno social — cria espaços virtuais de comunicação, através dos quais os indivíduos interagem a partir de interesses sejam eles privados ou coletivos. Um conflito é, portanto, colocado em questão a partir da premissa de que as articulações da sociedade civil frente à cultura — esta percebida enquanto um direito difuso — e a ordem liberal — aqui compreendida como ator dentro de uma estrutura na qual o indivíduo surge como agente perante a toda uma estrutura que outrora foi consolidada como anárquica – : como atuar a partir de princípios liberais e transnacionais cujos pilares estão baseados na democracia e no respeito aos direitos fundamentais versus práticas e valores culturais locais que compõem o multiculturalismo?
Neste diálogo, refletem-se uma oposição contemporânea debatida na esfera dos direitos humanos, o paradoxo entre universalismo e particularismo cultural. Surgem, para responder a estas inquietações, as teorias pós-positivistas e, sobretudo, o terceiro debate das Relações Internacionais, no qual o construtivismo e sua teoria quanto aos valores intersubjetivos da esfera internacional tomam o lugar das teorias realistas e liberais que colocavam primeiramente a apreciação à corrida absoluta por poder como objeto de análise e a oposição entre mercado e atores não-estatais. A soberania absoluta e bélica do Estado como um dado inerente à política internacional começa a ser questionada na base de seus valores epistêmicos (BATTISTELLA, 2014).
Além do mais, muito vem-se falando sobre o termo queer, pautado na obra de Judith Butler (2004) em diálogo com Michel Foucault (1982; 1988) e os debates pós-estruturalistas da filosofia contemporânea. Contudo, este debate ainda parece ser quase inexistente no âmbito das Relações Internacionais. As performances individuais dos sujeitos sofrendo uma normalização a partir das perspectivas internacionais causam uma invisibilidade à pauta. Segundo Cynthia Weber (2015), a disciplina da política internacional — em particular, os debates sobre Estado e poder — ainda estão centrados na figura do Estado e de organizações internacionais, auferindo um papel secundário aos indivíduos e sua capacidade de influência na política global.
A interdisciplinariedade inerente às Ciências Sociais e Políticas é comumente negada e restrita no cerne das questões de política internacional. Os estudos de gênero e sexualidade, por sua vez, necessitam deste diálogo entre as mais diversas formas de construção de análises sociais para a própria edificação de seu campo de estudo. Neste sentido, o surgimento das teorias pós-positivistas — ainda recentes quando comparados ao nascimento das Relações Internacionais enquanto ciência no pós-Primeira Guerra — propicia um maior protagonismo aos sujeitos no centro do debate das relações entre Estados e sociedade civil.3 Desta forma, os aportes teóricos de Alexander Wendt sobre a intersubjetividade cultural das relações no cenário global, o construtivismo histórico do comportamento dos Estados em uma estrutura “anárquica” é sine qua non para a análise sobre a qual este artigo está proposto.
No ano de 1969, estabeleceu-se o marco de resistência da comunidade LGBTI enquanto organização da sociedade civil. Foi o ano da rebelião de Stonewall. Na cidade de Nova York, homossexuais — que à época estavam subordinados a leis anti-homossexualidade vigentes nos Estados Unidos — começaram a se unir em um bar chamado Stonewall, em Manhattan, bairro de Greenwich Village. Abordagens policiais truculentas e hostilidade por parte dos agentes policiais eram ordinários à época. No entanto, um final de semana do mês de maio, deu-se o estopim para uma revolução que marca a história do considerado atualmente “movimento LGBTI”. Durante três dias, membros da comunidade LGBTI local enfrentaram a política nova iorquina, ocasionando diversas mortes (CARTER, 2004; OKITA, 2015). Desde então, o movimento começou a se organizar com o intuito de pressionar a atuação de governos na busca pela legitimação das relações entre pares homossexuais e o reconhecimento de outras formas de identidade de gênero que fogem aos padrões dicotômicos e êmicos ocidentais.
A partir dos anos 1970, novos atores surgem na esfera global e intensificam-se na década de 1990, em consequência à queda da ordem mundial bipolar e a vitória de uma estrutura liberal das relações entre os Estados, colocando o mercado enquanto um ator fundamental das transações diplomáticas. A considerada estrutura anárquica de Estados nacionais soberanos sofreu, desta forma, uma configuração para uma maior agência massiva do protagonismo de novos atores neste cenário. Como afirma Keohane e Nye (1977), uma relação de trocas comerciais que edificam um fenômeno intitulado de “interdependência complexa” emergiu no final do século XX como prática de uma governança global pós-hegemônica. Entre os atores que tomam lugar na corrida por representatividade, estão as organizações da sociedade civil, dentre estas RTAs e movimentos organizados de busca aos direitos sexuais e reprodutivos. Esta nova representação das relações a nível global coloca em xeque o modelo vestfaliano de manutenção do poder doméstico.
Por consequência, apesar de o modelo do Estado-nação não ter se tornado obsoleto, a atuação da sociedade civil global a um nível transfronteiriço influencia cada vez mais os comportamentos entre Estados, instituições regionais e internacionais (sejam elas governamentais ou não), na busca de uma perspectiva normativa dos acordos entre Estados e sociedade civil (COSTA, 2003; KECK; SIKKINK, 1998). Surge, então, uma perspectiva normativa das condutas dos Estados frente ao mercado e a um sistema no qual mediadores não-estatais tomam a voz da cooperação e da mediação entre as práticas domésticas. Deste fato, a temática da imposição da democracia liberal — sobremaneira no que diz respeito à eficácia das garantias individuais e das pautas ambientais —, da autonomia das culturas e dos direitos humanos surgem como temáticas específicas de diversas organizações da sociedade civil global, como também de órgãos vinculados às Nações Unidas e a outras instituições regionais, tais como a Organização dos Estados Americanos e a Organização da Unidade Africana.
Partindo da hipótese de que as organizações da sociedade civil são atores de agência e eficácia no cenário global, questiona-se quanto à criação e atuação de redes transnacionais de advocacy voltadas à temática dos direitos de identidade e sexuais. Para tanto, serão aqui utilizados preceitos teóricos quanto à legitimidade e transformação da esfera global e de sua estrutura a partir de uma perspectiva pós-positivista das Relações Internacionais, oriunda do debate consolidado por Alexander Wendt (1992, 1999) entre a épistème dos discursos científicos e políticos em relação à prática empírica da coleta e análise de dados. Sendo assim, procurar-se-á construir um debate teórico acerca das redes transnacionais de ativismo e a sociedade civil enquanto um conceito levado ao cenário global na busca de dialogar com a construção de uma análise que valorize a maleabilidade dos processos internacionais e a intersubjetividade dos atores. Em seguida, explorar-se-á um breve histórico de três organizações da sociedade civil que atuam a nível transnacional e que lutam pelos direitos da comunidade LGBTI: International Lesbian, Gay, Bisexual, Trans and Intersex Association (ILGA), OutRight International e Arc International. Por fim, buscar-se-á mapear a atuação destas organizações e a repercussão de suas ações em âmbito doméstico e internacional com vistas a demonstrar sua eficácia quanto à construção de resoluções internacionais mediadas por organizações internacionais e recepção destes preceitos a nível doméstico. O principal objetivo destaca-se, em suma, o de construir um mapeamento destes organismos além de trazer uma breve discussão teórica quanto aos conceitos utilizados para interpretação dos dados empíricos extraídos de plataformas virtuais oficiais destas instituições.
A concepção de sociedade civil nasce paralelamente à constituição da ideia de Estado-nação. A partir do século XVII e o fim da Guerra dos Trinta Anos, a ordem global começa a ser projetada pelo princípio da soberania. Ou seja, os países detêm o poder da ordem e da construção normativa de discursos reguladores de seu aparato estatal dentro de um determinado território, correspondente a um determinado povo. Constituída a partir de uma concepção referente às ideias dos filósofos contratualistas, o povo então firma um acordo com o seu poder regulador, o Estado. Contudo, ao passo que há uma emergência dos meios de comunicação, de uma ordem considerada “globalizada”, novos atores surgem no cenário global e a teoria liberal, pautada nas trocas comerciais, nos fluxos de interesse e da economia de mercado dão voz a novos atores no sistema. É a partir de então que os indivíduos tomam lugar em um jogo que até então tinha como protagonistas os Estados e algumas organizações internacionais (KALDOR, 2003; COHEN, 2003; LAGE, 2012).
A sociedade civil é vista, portanto, como o poder de agência dos indivíduos a partir da articulação de seus interesses. Originariamente, a atuação das organizações da sociedade civil via-se restrita à esfera doméstica (COHEN, 2003). No entanto, com a nova ordem mundial pós queda do muro de Berlim, uma nova estrutura configurou-se na esfera global. Os regimes internacionais começaram a regular o funcionamento político das principais organizações internacionais. Novos movimentos de secessão começaram a ser articulados a partir da agência de líderes e pautas identitárias na Europa Ocidental. Além disso, a ideia de uma governança global4 aparece como objeto de debate das Relações Internacionais (ARMSTRONG; LLOYD; REDMOND, 2004). As fronteiras entre os Estados — sobretudo entre o poder estatal doméstico e a interferência de valores externos nas políticas nacionais —, entre Estados e atores não-estatais no cenário global começaram a se diluir. É a partir de então que a absoluta soberania do Estado é colocada em xeque (COHEN, 2003; LAGE, 2012).
As interações sociais sendo fatos inerentes à prática política começam a ser analisadas em um nível macro, no qual a relação entre os diversos atores do cenário global edifica padrões de comportamento dos Estados e práticas de negociação e legitimação de direitos (WENDT, 1999). Os indivíduos enquanto sujeitos de direitos abarcados pela nacionalidade e plena cidadania de um Estado organizam-se de sorte a construírem uma agenda de interesses e utilizam-se de seu poder enquanto agentes da sociedade para criar uma interação entre indivíduos e Estado. A atuação da sociedade civil é, portanto, caracterizada por três aspectos em essencial: pluralidade, publicidade e privacidade (COHEN, 2003). É plural na medida em que sua atuação é pautada na articulação de interesses comuns, tendo muitas vezes veículos de comunicação como ferramenta de manutenção dos discursos. É privada, pois tem no cerne de sua existência a autonomia e a agência dos sujeitos como ferramenta de institucionalização e de reivindicação do poder. Por último, a sociedade é plural uma vez que é destinada a ser exercida em ambientes nos quais uma ampla legitimidade seja auferida ao povo na busca da valorização de uma ordem democrática. É do povo que nasce a interlocução entre Estado e organizações da sociedade civil, sendo em razão deste último ator que os conflitos de interesses são estabelecidos (COHEN, 2003).
A sociedade civil coloca-se, deste modo — a partir da década de 1970 e de seu ressurgimento frente às políticas domésticas —, enquanto um ator no cenário global como uma consequência da construção de uma nova ordem pautada nas instituições globais e na atuação não somente do mercado, mas também de organizações não-governamentais. Lage (2012, p. 155) define que a sociedade civil global pode ser entendida como um espaço de interação entre agente e estrutura, entre indivíduos e agentes tradicionalmente considerados como legítimos de práticas e poder na esfera internacional, Estados e posteriormente organizações internacionais. Pensar a sociedade civil, sobremaneira na esfera além dos Estados, é pensar em uma sociedade genuinamente política, pensada a partir das negociações entre grupos de interesses, valores e práticas moralmente aceitas; é uma construção em busca da legitimação de demandas, seja na esfera doméstica ou global.
Kaldor (2003) reitera que o fim da Guerra Fria e o triunfo do capitalismo foram cruciais para o questionamento da interconexão entre “Ocidente” e “Oriente”, entre democracia e teocracia, entre Estado soberano e demais autoridades civis. Em 1980, o caráter de resistência começa a ser pensado para estabelecer um diálogo entre sociedade civil e instituições globais. A derrocada dos regimes ditatoriais na América Latina é um exemplo de fatos contra os quais a sociedade civil levou suas demandas e sua luta à esfera global, de modo a modular a queda do poder militar nos países sul-americanos a partir de pressões externas incorporadas e articuladas entre movimentos sociais nacionais e valores democráticos internacionais. É a partir de então que a sociedade civil começa a atuar na esfera global.
Quando se leva ao debate a concepção de sociedade civil global, é imprescindível que se perceba a estrutura do sistema internacional como uma construção dialética da ação social de diferentes atores. Para que seja possível compreender a agência das redes transnacionais de ativismo — uma das faces mais conhecidas de organizações da sociedade civil em um nível além das fronteiras entre um único Estado e uma única identidade nacional — é necessário pensar as relações internacionais a partir de uma abordagem construtivista.
Para a teoria construtivista, a ação social é o processo por meio do qual os atores da cena internacional constroem relações que servem de base para futuras trocas e diálogos entre si. Segundo Adler (1999, p. 205), "o construtivismo é a perspectiva segundo a qual o modo pelo qual o mundo material toma forma, e é formado pela ação e interação humana, depende de interpretações normativas e epistêmicas dinâmicas do mundo material (grifo no original). O sistema internacional é, para tanto, tomado a partir do pressuposto de que ele mesmo é fruto de uma construção social. A anarquia, logo, não é uma realidade dada como para os pensadores realistas como Mongenthau e Mearshmeier; ela é, em verdade, uma construção normativa dos Estados (WENDT, 1992). Segundo REUS-SMIT (2009, p. 235):
O surgimento do construtivismo anunciou o retorno a uma mais prática, sociológica, história e orientada forma de pensamento das Relações Internacionais. Enquanto racionalistas haviam reduzido a interação social para a estratégia, negando a historicidade e desincentivando formas universais da racionalidade, reduzindo a arte prática da política à utilidade e maximizando o cálculo, construtivistas reimaginaram o social como um domínio constitutivo, reintroduzindo a história como esfera de investigação empírica e enfatizaram a variabilidade da prática política (Tradução livre).
Com efeito, a teoria construtivista nasce como um projeto de reflexão acerca dos processos de construção das teorias de política internacional, colocando em relação ontologia e epistemologia. Enquanto para as teorias positivistas a ordem anárquica, a luta incessante pela conquista de poder e manutenção do mercado são atores constituídos e dados frente à realidade empírica do contexto, para o projeto construtivista todos estes atores constituem um feixe de relações baseados em valores intersubjetivos criados pelos Estados e pelos indivíduos no intuito de regularem suas relações. Neste sentido, não somente os Estados e o mercado atuam como protagonistas do jogo global, mas sobretudo o sujeito de direitos e a agência individual da articulação subjetiva dos cidadãos — incluindo aqui seus corpos e desejos. A cultura, portanto, é um fato social concebido pelos construtivistas como a chave para a análise de dados empíricos do cenário global. São os processos dialéticos edificados pela história na elaboração de valores e de práticas que regem a ordem global (LYNCH, 2008). As relações políticas entre agentes e estrutura são os pilares para a construção do sistema internacional anárquico (WENDT, 1992).
O poder, pois, não é dado; porém, conquistado a partir de uma interação entre todos os atores do sistema. Desta forma, é a partir da ação dos agentes que se constitui o que é chamado por Foucault (1982) de poder, um exercício institucional de autoridade que não deve ser restrito ao Estado, mas a outros atores como a própria sexualidade e os usos do corpo. O poder, no entanto, é passível de enfrentamentos que buscam modificar as normas impostas por ele sobre seus agentes e as vontades destes últimos. Os movimentos sociais são um exemplo desta resistência que busca a manipulação da biopolítica, sobretudo os movimentos de luta por direitos sexuais e reprodutivos, colocando frente a frente poder e liberdade dos corpos. A fricção entre desejo e corpo versus poder institucional e político regido por um aparelho sistemático de trocas que coloca frente a frente a agência dos indivíduos através do uso de seus corpos como resistência a um biopoder hegemônico, ao mesmo tempo que desafia as posições discursivas dos atores que participam do jogo internacional. Deste fato, teoria construtivista é essencial para pensarmos as redes de ativismo LGBTI, uma vez que estes organismos são frentes de resistência a governos, à parte de inserirem-se no cenário global a partir de uma ação da articulação intersubjetiva entre cultura, poder, norma e Estado.
As redes transnacionais de advocacy modificam a sólida conceituação de soberania oriunda das conferências da Paz de Vestfália (século XVII), fazendo com que a sua atuação tenha consequência nas políticas internacionais e nas políticas domésticas dos Estados. Esta forma de atuação é intitulada por Keck e Skkink (1998; 1999) como boomerang pattern, mecanismo político de atuação por meio do qual os organismos da sociedade civil — inseridos em um contexto doméstico de insatisfação política — buscam suporte na esfera internacional para que o sistema se utilize de seu caráter anárquico para atuar enquanto um elemento de pressão política à esfera doméstica de um determinado Estado. A iniciativa surge de atores nacionais e internacionais que se mobilizam no intuito de pressionarem os Estados a tomarem medidas em âmbito doméstico que respeitem os padrões globais de direitos humanos. Para as autoras, estas organizações da sociedade civil buscam modificar o comportamento dos Estados frente à tomada de decisões e a governança do sistema internacional. Deste modo, uma forma de atuação pautada pela construção de estratégicas que atraiam a atenção de meios de comunicação e da população dos mais diversos Estados encoraja a ação destes organismos, tendo reflexos em outros organismos da sociedade civil — tais como partidos políticos a nível doméstico, movimentos sociais regionais e grupos acadêmicos.
Para a Keck e Skkink (1999), a pauta dos direitos humanos é um ponto chave na atuação da sociedade civil a nível global. O objetivo destas organizações, logo, é não somente influenciar políticas públicas, mas modificar a natureza do debate. Ou seja, trazer o discurso de atores não-estatais e por vezes individuais para que tenham agência sobre a estrutura internacional tradicional na qual Estados e anarquia são os fatores principais de análise. Sendo assim, as RTAs contribuem para uma reconstrução da percepção da relação entre atores estatais e sociedade civil, influenciando na tomada de decisões dos Estados quanto às políticas domésticas, regionais e em nível global. Os princípios que regem estas organizações são voluntariedade, reciprocidade e horizontalidade. A defesa das causas têm caráter individual, porém suas consequências esbarram em direitos difusos — sociais e políticos — que estabelecem, entre outros valores, a consolidação dos direitos políticos e sociais já estabelecidos pela ONU em documentos como o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (1966) e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966).
A atuação destes organismos é feita em escalas de influência (KECK; SKKINK, 1999). Primeiramente, há a criação de uma agenda a ser defendida para que, a posteriori, a influência frente às tomadas de decisões seja dada no nível discursivo. Seguindo, a atuação em uma terceira etapa ocorre no que diz respeito aos procedimentos institucionais que agenciam a relação entre regimes globais de direitos humanos e sua influência nas políticas domésticas. Por fim, o comportamento dos Estados e seu comprometimento frente ao cenário global é efetivado a partir da ratificação de convenções internacionais e códigos de conduta. As políticas de advocacy, deste modo, são divididas em 04 classificações: políticas de informação (elaboração de informações não disponíveis, comumente através de testemunhos e de uma política de sensibilização); políticas simbólicas (ações persuasivas quanto à interpretação da eficácia e representatividade dos atores no cenário global); política de alavancamento (pressão exercidas por grupos com maior poder sobre outros que se submetem a sua influência); e políticas de accountability (mecanismos discursivos de reivindicação do comprometimento de um Estado frente a uma determinada causa).
Em suma, as redes transnacionais de ativismo atuam como comunidades políticas cuja luta é embasada em uma pauta comum. Sua atuação, portanto, é feita através de um agrupamento de agência doméstica e internacional frente a certas resistências por parte de determinados Estado em auferir a legitimidade, a validade e a eficácia dos direitos concernentes à população LGBTI. As RTAs são, sobretudo, fóruns discursivos através dos quais a construção de uma subjetividade comum é exteriorizada a partir do indivíduo em direção às políticas públicas de nível global.
Na Grécia Antiga, a homossexualidade masculina era comum entre as altas classes. Era uma maneira de afirmar a hierarquia intelectual e a transmissão de conhecimento e cultura entre catedráticos e seus pupilos (FRY; MACRAE, 1991). Contudo, não é necessário ficar presos a um passado distante para que seja possível aproximar-se de sociedades que veem outras formas de liberdade sexual como práticas legítimas. Em alguns grupos indígenas amazônicos, apesar de deterem os papeis do masculino e do feminino bem distintos e categorizados, a relação entre dois homens jovens pode ser vista como símbolo de aliança (LÉVI-STRAUSS, 1955). Em certos casos, esta própria dinâmica que aos padrões ocidentais é considerada como um desvio, é símbolo de ritos de passagem.5
No Brasil, o movimento LGBTI começa a sua trajetória na década de 1970. No ano de 1978, um jornal de temática gay, “O Lampião” — aproveitando-se do início da reabertura política brasileira — inaugura a primeira onda deste movimento no país (FRY; MACRAE, 1991; TREVISAN, 2018; SIMÕES; FACCHINI, 2009). No entanto, movimentos de resistência já vinham sendo construídos a partir da independência do país, visto que até o ano de 1830, a homossexualidade era vista como delito. O movimento LGBTI brasileiro, por sua vez, nasce a partir de uma união com diversos outros movimentos organizados, tais como o de mulheres e o movimento negro. O primeiro grupo militante LGBTI brasileiro formou-se no ano de 1979 na cidade de São Paulo dentro da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo, o Grupo Somos. Apresentando uma estratégia de inserção da temática LGBTI nas diversas esferas da sociedade, o Grupo Somos buscava uma reconfiguração cultural dos padrões afetivos brasileiros, lutando pelo exercício da plena liberdade dos direitos sexuais e de identidade (CARNFIELD, 2015). Em 1980, surge um dos mais atuantes expoentes do movimento no Brasil, o Grupo Gay da Bahia, considerado como a organização da sociedade civil de temática LGBTI mais antiga existente até os dias de hoje. Registrado em 1983, foi declarado como órgão de utilidade pública quatro anos mais tarde (GRUPO GAY DA BAHIA, 2019; TREVISAN, 2018).
Na esfera global, o movimento LGBTI começou estar presente em fóruns e espaços de tomada de decisão desde o fim da década de 1970. Em 1978, foi criada a International Lesbian, Gay, Bisexual, Trans and Intersex Association (ILGA). Buscando a igualdade de direitos e garantias para a comunidade LGBTI em nível global, esta organização se divide em regiões: Pan Africa Ilga, Ilga Asia, Ilga Europe, Ilga Latin America and the Caribbean, Ilga North America e Ilga Oceania. Outra organização da sociedade civil que surge logo em seguida é a OutRight International, associação fundada há mais de 25 anos cujo caráter consultivo no Comitê Econômico e Social das Nações Unidas torna-se ponto chave para uma inserção nas agendas da ONU. Com o objetivo de formar lideranças que possam promover mudanças domésticas em seus Estados, a atuação da OutRight busca a revogação de leis que criminalizam a prática homossexual em diversos países, como, por exemplo, Uganda. Outro nome que busca um espaço de atuação a nível global é a Arc International, uma associação de advogados e advogadas militantes, todos oriundas à comunidade LGBTI, que se reúnem periodicamente em conferências mundiais pela luta pelos direitos do grupo, além de atuarem em fóruns internacionais promovidos pela ONU em seus diversos comitês, como o Conselho de Direitos Humanos e o Conselho Econômico e Social das Nações Unidas.
É sobre estas três organizações da sociedade civil global que se busca centrar o debate nesta seção, com o objetivo de descrever seu percurso e sua organização interna.
Uma das principais organizações da sociedade civil em nível global cuja pauta versa sobre os direitos competentes à população é a International Lesbian, Gay, Bisexual, Trans and Intersex Association (ILGA), fundada em 1978 na cidade de Coverty, no Reino Unido durante a Campaign for Homosexual Equality.6 É uma associação que reúne mais de 750 grupos da sociedade civil, presente em mais de 158 países, tendo sua sede atual em Genebra, na Suíça.
Em 1978, a ILGA adquire o status de órgão consultivo no Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, um dos principais órgãos da ONU, responsável por fomentar debates que tencionem as políticas sociais e econômicas e sua articulação na esfera doméstica dos Estados-membros da organização. No entanto, em 2006, o status de órgão consultivo junto ao ECOSOC foi retirado da associação com a justificativa de a ILGA ser um órgão de “apoio à pedofilia”.7 Somente no ano de 2011, a ILGA conseguirá ter sua candidatura aceita para fazer parte do leque de organizações da sociedade civil dentro da Organização das Nações Unidas (ILGA, 2019).8
Segundo sua constituição, sendo sua última versão modificada durante a conferência de 2019 em Wellington, na Nova Zelândia, a ILGA é uma organização cujo registro legal é feito em Genebra, podendo ser modificado em caso de deliberação por maioria do corpo executivo da organização. Suas línguas oficiais são o inglês e o espanhol. Seu principal objetivo é a promoção da equidade e direitos entre homossexuais, lésbicas, bissexuais, transexuais e intersexuais, além da erradicação de todas as formas de discriminação e violência. Sua atuação dá-se, pois, por meio da condução de pesquisas empíricas quanto à realidade vivida pela comunidade LGBTI nos mais diversos Estados além da organização de seminários internacionais e conferências, devendo seu material ter uma publicação periódica. Anualmente, portanto, uma conferência internacional reúne todos os membros associados e efetivos.9
Os membros efetivos podem ser quaisquer organizações não-governamentais, além de entidades políticas, tais como partidos. Os membros associados, por sua vez, podem ser tanto organizações de direito público (cidades e partidos políticos), como também organizações do setor privado, tais como empresas e fundações. A admissão de cada um, deste modo, é feita através de candidaturas endereçadas ao comitê executivo da associação.10 Uma vez aceito por este comitê, a candidatura deve ser remetida, em seguida, aos escritórios regionais da ILGA nos diferentes continentes para, exercendo também sua competência, decidam sobre a adesão ou não de determinado organismo.11 Poderá haver, contudo, expulsão de membros.12
O financiamento da ILGA é feito por meio do pagamento de taxas pelos membros, além de doações de entidades público e privadas que serão regidas pela lei suíça. No entanto, caso um dos membros não esteja em dia com suas taxas, ele poderá ser suspenso da associação caso não efetue o pagamento dentro dos 3 meses seguintes à notificação.
Com efeito, a ILGA é hoje em dia a associação de maior importância a nível global, tendo sua representatividade expressa através de escritórios nos cinco continentes do mundo. Sua atuação dá-se em conjunto com as duas outras associações que serão expostas abaixo. É a partir da integração entre estas diversas organizações que a atuação frente às políticas domésticas de violência contra a população LGBTIs são combatidas.
Fundada em 1990 na cidade de Nova York, a OutRight International é uma organização não-governamental sem fins lucrativos que busca o reconhecimento dos direitos humanos, notavelmente os direitos da comunidade LGBTI. Seus principais eixos de atuação dão-se a partir da elaboração de pesquisas survey realizadas por seus membros. Sua principal estratégia é a publicização de violações de direitos humanos cometidas por Estados. Neste sentido, é por meio de ações midiáticas — tais como a publicação periódica de pesquisas e relatórios — que a organização busca alcançar seus objetivos, em especial, no seio da ONU (OUTRIGHT, 2019a).
Desde 2010, a OutRight possui o status, assim como a ILGA, de caráter consultivo no Comitê Econômico e Social da ONU. Além disso, esta associação faz-se presente, como órgão consultivo, nas reuniões da assembleia geral das próprias nações unidas, ademais de uma participação em um dos Conselhos mais atuantes da organização, o Conselho de Direitos Humanos, além da Comissão de Direitos das Mulheres e também no Fórum sobre Desenvolvimento Sustentável.
Uma presença importante da OutRight International foi vista durante os debates para a construção dos Princípios de Yogyakarta — documento elaborado pelas Nações Unidas princípios contendo princípios e diretrizes para aplicabilidade dos direitos humanos e a implementação de políticas públicas que versem sobre sexualidade e gênero nos países membros da organização —, fruto dos debates de uma conferência realizada no ano de 2006 na Indonésia. Estes princípios, dentre os quais estão o direito à igualdade e à não-discriminação e o direito à seguridade social e medidas protetivas, é o texto mais avançado no cenário global acerca da temática, sendo o documento principal para o pleito de reconhecimento de violações de direitos e ineficácia de direitos fundamentais e constitucionais.
Em 2015, a associação conseguiu levar ao Conselho de Segurança da ONU, órgão incumbido da proteção da paz e da manutenção da ordem global, um primeiro relatório contendo as violações de direitos da população LGBTI e os respectivos autores destes crimes. Neste ano, a OutRight foi atuante, juntamente com outros organismos da sociedade civil em uma pauta sobre os tratamentos de conversão da homossexualidade. Em sua página oficial, somente durante o ano de 2019, sete relatórios foram publicados em formato de pesquisas qualitativas e quantitativas cujos temas dizem respeito sobre violência escolas contra LGBTIs, a realidade da hostilidade russa frente à temática, violência e discriminação no Iraque e processos de modificação do código penal de Botswana.
Assim como a ILGA, esta associação — apesar de ter sua sede em Nova York — subdivide-se em escritórios regionais na Ásia, no Oriente Médio, América Latina e Caribe, Norte da África e África Subsaariana. No entanto, programas transversais são colocados em prática, em especial, a partir das participações nos debates referentes às Nações Unidas. Logo, apesar de suas ações principais serem realizadas nos Estados Unidos, a atuação é implicitamente dirigida ao Sul global, especialmente em países da África e da região do Oriente Médio.
Criada em 2003 com o intuito de identificar as lacunas frente aos conflitos da população LGBTI a nível global, a Arc International institucionalizou-se no Canadá. Uma de suas primeiras iniciativas foi uma consulta estratégica realizada em 2004 na cidade do Rio de Janeiro cujo objetivo foi a elaboração de uma resolução sobre gênero e sexualidade que seria futuramente apresentada às Nações Unidas pelo Brasil. Logo em seguida, outra consulta foi realizada em Genebra, onde, no ano de 2005, um dos diretores da associação teve seu posto estabelecido no intuito de estar presente nos debates para a construção de um novo Conselho de Direitos Humanos dentro da Organização das Nações Unidas (ARC INTERNATIONAL, 2019).
O principal objetivo desta associação é criar espaços de interlocução entre as mais diversas ONGs LGBTIs internacionais afim de construir um alinhamento de suas pautas além de um espaço de diálogo entre sociedade civil e a ONU. Neste sentido, um dos fóruns propiciados pela Arc International intitula-se “diálogos internacionais”, no qual um plano estratégico é estabelecido para que certas medidas sejam preconizadas. O primeiro evento ocorreu em 2005 na Coreia do Sul; seguindo por outras edições, em 2010, na Argentina; em 2012, em Santa Lúcia; e em 2016, em Istambul, na Turquia. Uma das formas de atuação da organização, portanto, é a publicidade de seus debates. Em sua página oficial, encontram-se arquivos com os relatórios de cada um destes eventos, além de artigos publicados por membros da associação como forma de interpretação dos últimos debates das Nações Unidas sobre a problemática e seu impacto direto na conquista por direitos. No entanto, a página ainda carece de maiores informações vis-à-vis das páginas da ILGA e da OutRight.13
Composta basicamente por advogados ativistas das causas LGBTIs, três grandes nomes fazem parte do corpo principal da Arc International. Um destes nomes é de Arvind Narrain, fundador do Alternative Law Forum, um coletivo de advogados independentes — em Bangalore, na Índia — que trabalham voluntariamente para causas LGBTIs. Seu nome é visto como um dos defensores da descriminalização da Section 377 do Código Penal Indiano, segundo a qual a homossexualidade era um crime, sendo a sodomia a prática expressa no dispositivo legal (ARC INTERNATIONAL, 2019).
Outro nome é o de Kim Vance-Mubanga, advogada canadense e principal fundadora da associação. Anteriormente à fundação da Arc International, trabalhou como presidente da principal organização LGBTI do Canadá. Nome conhecido do ativismo canadense, foi a primeira advogada a litigar uma causa pelo casamento igualitário no país além do reconhecimento da união estável por pares homoafetivos. É editora de diversos jornais e revistas independentes de coletivos LGBTI.
Mariana Winocur é o terceiro nome que compõe o quadro diretivo da associação. Jornalista argentina encarregada da área de comunicação (enquanto Arvind Narrain é o responsável pelas áreas de pesquisa e prática e Kim Vance-Muanga é a diretora executiva da associação), seu percurso começa com a luta por direitos sexuais e reprodutivos das mulheres.
Em síntese, a Arc International é uma associação sem fins lucrativos de advogados ativistas, oriundos dos mais diversos países, que lutam em nível doméstico e também na esfera global — sobretudo frente aos comitês especializados em direitos humanos da Organização das Nações Unidas — pela conquista de direitos sexuais e de identidade da comunidade LGBTI. É importante também ressaltar que a Arc Interational é um organismo com estreita ligação com a ILGA, estamos ambos os organismos presentes em diversos dos relatórios disponibilizados. Para que possamos situar a atuação e as consequência que são os frutos dos trabalhos destas três organizações da sociedade civil, tentar-se-á mapear a atuação destas associações frente à ONU e a tribunais locais de alguns países.
Segundo Keckk e Sikkink (1998, 1999), um dos principais papeis das redes transnacionais de advocacy é a construção de espaços abertos ao debate e ao acesso à informação. Para que as RTAs possam atingir seus objetivos, as práticas discursivas fomentam o comprometimento de Estados frente aos direitos da população LGBTI, entre outras minorias. Neste sentido, pesquisas periódicas e realização de workshops atuam como as principais formas de diálogo entre sociedade civil em âmbito nacional e global. De acordo com um relatório publicado em setembro de 2014 pela Arc International — em celebração aos 10 anos da associação — a maioria dos 29 ativistas entrevistados afirmam que o principal papel da organização durante sua primeira década de existência foi a publicação de informações e a consequente atuação dentro dos órgãos da ONU (ITABORAHY, 2014). Sua atuação, deste modo, é pautada na articulação de forças discursivas de informação e mobilização civil em nível doméstico e no seio das instituições internacionais.
A pauta dos direitos sexuais e reprodutivos, no entanto, é relativamente nova dentro da Organização das Nações Unidas. Em especial, estes debates concernem os direitos das mulheres desde os anos 1970. Em 1979, a ONU lança a primeira conferência sobre a temática, a Conferência sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher. É a partir da inserção de pautas que fugiam às tradicionais questões étnicas, de autodenominação dos povos e de práticas coloniais que surgem objetos de análise que dizem respeito à individualidade dos sujeitos enquanto atores singulares e sujeitos plenos de seus direitos individuais. É visível que articulação da sociedade civil nos mais diferentes âmbitos foi crescendo com a constituição da ordem multipolar e a constituição de regimes morais e jurídicos que embasam o comportamento dos Estados quanto a seus nacionais e frente ao sistema global.14
Até o início dos anos 2000, as manifestações da ONU quanto à pauta LGBTI eram quase inexistentes. As demandas dentro do Conselho de Direitos Humanos eram pontuais a determinados casos em específico. Contudo, a temática LGBTI começou a ser debatida em âmbito doméstico. Diversos países começaram os processos de descriminalização da homossexualidade e de reconhecimento de direitos civis. Em 1999, a França admite a configuração de união estável por parte de companheiros homoafetivos; em 2001, a Holanda reconhece o casamento entre pessoas do mesmo sexo; mais tarde, em 2003, os Estados Unidos finalmente instauram um processo de descriminalização da homossexualidade. Contudo, as redes transnacionais de ativismo atuaram por meio de suas medidas de articulação discursiva global e doméstica para que as Nações Unidas tomassem medidas mais rígidas quanto à legitimidade das demandas das pessoas LGBTI a nível internacional. Ainda que não exista nenhum documento de caráter vinculante no que diga respeito à criminalização referente à gênero ou orientação sexual, os discursos jurídicos estabelecidos dentro das instituições internacionais auferem validade à causa, que no decorrer no início dos anos 2000 começa a adquirir representatividade no seu interior do caráter consultivo de diversas associações na ONU, particularmente no Conselho de Direitos Humanos.
No ano de 2007, a sociedade civil organiza-se e é a partir de suas mobilizações que é publicado o documento de maior prestígio da temática de gênero e orientação sexual, os Princípios de Yogyakarta. Estes princípios nascem como resposta a uma demanda da sociedade civil a nível global — reconhecido devidamente pela ONU e pelo Conselho de Direitos Humanos —, representada por intelectuais e especialistas da temática sobre um resguardo das garantias individuais da população LGBTI, especialmente em regiões de conflito entre moral religiosa e efetividade dos direitos humanos. Estes princípios são utilizados atualmente como o documento primordial de manutenção dos direitos da população LGBTI nas mais diversas esferas. Segundo este documento, todos os indivíduos são detentores de direitos desde o seu nascimento. A dignidade e a liberdade são inerentes a todos os cidadãos do mundo, devendo todos os direitos humanos previamente estabelecidos pelas Nações Unidas em seus pactos de 1966 e a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948).
Desta forma, orientação sexual e identidade de gênero são categorias entendidas como extensivas às liberdades individuais dos sujeitos. Conforme o documento, orientação sexual refere-se à capacidade de cada um de sentir-se atraído emocional e afetivamente por um outro sujeito cuja identidade de gênero é a mesma deste primeiro. Por sua vez, identidade de gênero é percebida como o sentimento interno e profundo da experiência de gênero de cada indivíduos. Neste sentido, a identidade de um indivíduo não necessariamente corresponde ao sexo designado no momento do nascimento. Corpo e identidade tornam-se categorias complementares, mas não essencialistas (BUTLER, 2004). O documento é dividido em trinta princípios que versam sobre as seguintes pontos: direito ao pleno gozo dos direitos humanos já estabelecidos, não-discriminação, reconhecimento perante a lei, direito à vida e à segurança, direito à privacidade, direito contra prisão arbitrária, direito de um julgamento justo, direito a um tratamento humano durante penas privativas de liberdade, vedação à tortura e tratamentos degradantes, direito ao trabalho à seguridade social, direito à moradia, ao digno padrão de vida, à educação, à saúde, proteção contra abusos médicos, direito à liberdade de expressão, ao associativismo, à liberdade de crença e religiosa, direito à liberdade de migrar dentro das fronteiras de seu próprio Estado, à família, a demandar asilo político, além do direito à participação na vida pública, participação na vida cultural, à promoção dos direitos humanos e à não impunidade de crimes cometidos contra estes sujeitos.
Um ano depois, em 2008, França e Holanda propõem à Assembleia Geral da ONU uma Declaração pela Descriminalização da Atividade LGBT. Assinada por 68 Estados, este documento acabou não sendo aprovado, todavia, movimentou ainda mais os debates acerca de orientação sexual e identidade de gênero. Neste mesmo ano, Argentina, Brasil, Croácia, França Gabão, Japão, Holanda e Noruega protocolam uma carta, endereçada ao presidente da Assembleia Geral, manifestando preocupação sobre as violações de direitos humanos decorrentes de orientação sexual e identidade de gênero em diversos países, buscando reiterar que qualquer forma de discriminação é uma infração à Declaração dos Direitos Humanos (1948) (NAGAMINE, 2018).
Os debates acerca da temática LGBTI enfrentam, todavia, um empecilho frente à atuação de movimentos religiosos dentro das instituições internacionais, assim como nos parlamentos domésticos de diversos países. Especialmente nas regiões do Oriente Médio e da África Subsaariana, espaços nos quais o Islã entrelaça-se com a política e a atuação de movimentos sociais é podada pela autoridade moral e religiosa do Estado, as RTAs vem se fazendo presente nos últimos anos. A partir do conflito entre regimes democráticos de direitos humanos versus multiculturalismo, diversos Estados utilizam-se da justificativa de que determinada categoria não é compreendida enquanto aceitável em razão da liberdade religiosa e da autonomia cultural de seu povo.
Em 2014, Argentina, Brasil. Chile, Colômbia, Equador e Uruguai propuseram uma resolução no âmbito do Conselho de Direitos Humanos, cujo objetivo era condenação dos atos de violência motivadas por discriminação de orientação sexual e identidade de gênero. Mesmo tendo sido aprovada, o Egito se manifestou como representante dos países da Conferência Islâmica reivindicando que certas categorias não foram aprovadas amplamente por todos os Estados e que haveria uma violação à liberdade religiosa e a imposição de uma moral ocidental. Na sequência, a Arábia Saudita manifestou-se contra a resolução, definindo a imposição de conceitos contrários à moral religiosa de alguns países como uma outra violação de direitos humanos (NAGAMINE, 2018).
Neste sentido, a busca por uma justificativa jurídica quanto à discriminação e violência contra LGBTIs em países africanos é recorrente. Desta forma, a atuação das redes de advocacy vem sendo preferencialmente voltada a países do Sul global, especialmente localizados à leste do globo. Um dos casos mais marcantes ocorreu em 2009 em Uganda. Uma proposta de lei foi apresentada pelo parlamentar D. Bahati com o objetivo de condenar a qualquer prática sexual entre pessoas consideradas pelo Estado ugandês como do mesmo sexo, sob a justificativa da preservação da família e dos valores africanos.15 A repercussão internacional quanto a esta proposta foi articulada em particular pela OutRight Association em parceria com movimentos sociais locais. Estas organizações conseguiram estabelecer um mapeamento do comportamento do Estado ugandês quanto à uma política que atinge seu ápice com esta proposta de criminalização. No ano de 2005, o ativista Victor Mukasa teve sua residência invadida pela polícia ugandesa sem haver nenhum mandato; em consequência, este episódio foi levado à Alta Corte de Uganda, tendo um julgamento condenatório no ano de 2008. Como resposta, articulações entre parlamentares conservadores acabaram redigindo The Anti Homosexuality Bill, protocolada em 25 de setembro de 2009. A mídia internacional e as RTAs de pauta LGBT — neste caso, o protagonismo da OutRight e da ILGA foram essenciais — trouxeram a comunidade internacional para um debate que parecia ser por ora doméstico (NAGAMINE, 2014).
De acordo com esta proposta de lei, a homossexualidade seria punida com prisão perpétua, tendo sua modalidade agravada a pena de morte. Sucessivos debates midiáticos se sucederam após a propositura deste projeto de lei. Diversas autoridades neopentecostais domiciliadas em Uganda se manifestaram a respeito, dando apoio à proposta de D. Bahati. Assim como as de ativismo internacional, as entidades religiosas também atuam a partir de uma agência em diversos níveis. Em consequência, autoridades religiosas do mundo todo — em partilhar, da Igreja Anglicana — moveram suas forças políticas em prol da criminalização da homossexualidade no país. Scott Lively, advogado e figura política do estado de Massachussetts nos Estados Unidos é um dos indivíduos que proferiu discursos de apoio às comunidades conservadoras locais, definindo que a homossexualidade não configura um direito humano, sendo sobretudo um produto Ocidental condenável por Deus. Diversos ativistas ugandeses que estavam asilados nos Estados Unidos articularam-se, a partir do contato estabelecimento por meio de advocacies, com movimentos sociais americanos e acionaram a Corte de Massachussetts contra Scott Lively, utilizando-se do documento legal intitulado Alien Tort Act, segundo o qual a jurisdição local de um estado é competente para interferir em casos de violação a direitos humanos já estabelecidos pelas nações e pelos Estados Unidos. Sendo assim, em 14 de agosto de 2013, a corte aceita os pedidos da sociedade civil, definindo que o ato praticado pelo americano se enquadra em perseguição contra a humanidade; portanto, passível de ser analisado pelo Tribunal Penal Internacional. Não obstante a todos os esforços em nível transnacional, o projeto de lei foi aprovado em dezembro e 2013, sancionado pelo presidente do país, sendo aplicável a partir do início do ano de 2014 (NAGAMINE, 2014).
Neste sentido, pode-se observar que a atuação das RTAs em matéria de direitos LGBTIs vem sendo direcionada especialmente a países do Sul global que utilizam discursos religioso como pretexto à criminalização e não validade dos direitos desta população que já estão estabelecidos em países do Norte, sobretudo nos Estados da União Europeia. De acordo com Ayoub e Patternote (2016), nos primeiros anos de constituição da ILGA — a primeira associação internacional de matéria LGBTI — a atuação da organização estava voltadas particularmente a países da Europa, na tentativa de construção de uma moral comum que era construída pelo projeto de integração regional da região. A partir da queda do muro de Berlim e do estabelecimento de uma ordem (neo)liberal, a atuação volta-se a países do Oriente. Busca-se a partir de então levar os valores racionais liberais e de direitos humanos aos países da Europa Oriental. Desta forma, a relação de autoridade entre Norte e Sul é visível nesta corrida por direitos humanos de comunidades consideradas como “minorias” ou “vulnerável”. É assim que se estabelece a relação conflituosa entre multiculturalismo e direitos humanos presente nos debates acerca das redes transnacionais de ativismo.
Segundo a página oficial da OutRight, a atuação da associação deu-se em países africanos. Em relatórios publicados no ano de 2016, Filipinas, Costa Rica, Chile, Colômbia enquadravam-se como zonas de atuação. Os relatórios relativos aos anos de 2017 versam sobre países do Oriente Média, notadamente Irã. Em 2018, foram publicados relatórios relativos a violações de direitos no Sri Lanka, nas Filipinas, além de texto quanto ao progresso da atuação doméstica dos países do Oriente Médio e do norte da África. Em 2019, a Europa surge novamente como objeto de debate, com o caso da Rússia, além da revogação da Section 164(A) do Código Penal de Botswana e de um relatório sobre discriminação em razão de orientação sexual e identidade de gênero no Iraque (OUTRIGHT ASSOCIATION, 2019b).
Conforme foi explicado nas seções anteriores, uma das práticas destas organizações, além da publicação de relatórios e denúncias de violações, é a articulação com atores da sociedade civil em diversos nível. A ILGA publica em 2019 um plano estratégico de ação referente ao quadriênio 2019-2023. Neste documento, reitera-se o compromisso com cinco valores basilares da organização: colaboração, diversidade, integridade, justiça social e ativismo. Os principais objetivos das ações para este recorte temporal são colocados como a construção de uma efetiva capacidade de mudanças sociais referentes à justiça social dos direitos concernentes à orientação sexual e identidade de gênero, além do reconhecimento dos direitos humanos independentemente da temática LGBTI. Para isso, a atuação é feita e diversas etapas, a partir da busca pela manutenção do reconhecimento e da proteção dos direitos humanos da comunidade LGBTI dentro das instituições internacionais, especialmente nos órgãos da ONU.
Além disso, a articulação dos os escritórios regionais é outro objetivo a ser atingido pela ILGA, seguido por um aprimoramento da capacidade de articulação legal política e social pelos membros da ILGA e as instituições doméstica. O trabalho pela visibilidade da causa e do empoderamento de ativistas — base de qualquer advocacy segundo Keck e Sikkink (1998; 1999) são expostos como pauta da organização. A atuação por meio do “efeito bumerangue”, ou seja, a partir de uma combinação de lutas na esfera nacional, regional e global, a partir da pressão aos atores políticos nestes três níveis, é a forma por meio da qual os objetivos da ILGA vêm sendo alcançado e buscados no cenário internacional.
Em suma, as redes transnacionais de advocacy LGBTIs pautam suas ações a partir de violações de direitos humanos — especialmente tortura, discriminação e criminalização — de lésbicas, bissexuais, transexuais, intersexuais, entre outras formas de identificação individual. Infelizmente, países onde a política é feita a partir de abordagens teocráticas, nas quais Deus e a fé são um ator político no centro dos debates das liberdades individuais dos sujeitos. Estes países encontram-se localizados no considerado Sul global, notadamente na Ásia (sobretudo os países do Oriente Média e da Conferência Islâmica) e na África subsaariana.
A mobilização da opinião pública construída no Ocidente por meios de comunicação internacionais e por movimentos sociais nacionais é uma das formas de reivindicação por um discurso que segue um regime internacional de direitos humanos embasado nos preceitos da ONU e de seus textos legais. Conforme pode-se ver pelo exemplo de Uganda, ainda que a sociedade civil não tenha sempre êxito em suas lutas em curto prazo, a utilização do discurso enquanto um mecanismo de biopoder e de biopolítica é um dos caminhos para uma luta à consolidação da democracia e das liberdades sexuais e identitárias. Para tanto, a inflexão entre nacional e global resta como o percurso a ser percorrido em uma dialética entre particularidades culturais, morais religiosas, autoridade política, Estado e garantias.
Especialmente a partir da década de 1990, a sociedade civil transpôs sua atuação para uma esfera global. As fronteiras dos Estados não figuravam mais como uma barreira para a articulação pela busca de direitos. Deste fato, uma das formas de associativismo em um nível transfronteiriço são as redes transnacionais de advocacy que atuam construindo espaços de interlocução para o fomento de ordens discursivas de comprometimento de Estados frente à sociedade civil nacional e global. Neste sentido, a circulação de informação, a parceria entre atores domésticos e globais, governamentais e não governamentais, privados e públicos, é uma forma de atuação de uma corrente de associativismo que busca quebrar os padrões de análise tradicionais das Relações Internacionais — segundo os quais os Estados estariam no foco de uma análise política internacional.
Procurou-se aqui debater a literatura presente sobre as RTAs a partir do terceiro debate das Relações Internacionais, da emergência das teorias pós-positivistas e da teoria construtivista de Alexander Wendt como um mecanismo de construção de valores intersubjetivos, em interface com as discussões acerca sociedade civil enquanto um conceito a nível internacional. Em seguida, expôs-se o percurso de três principais associações internacionais cujo foco de atuação versa sobre direitos da comunidade LGBTI, que juntas — a partir de uma comunicação e de uma autorreferência — constroem um bloco em rede de agência a partir do que Keck e Sikkink (1998; 1999) denominaram o “efeito bumerangue”. Por fim, analisou-se as formas de atuação dessas associações, especialmente dentro de seus campos de atuação na ONU e de suas práticas de atuação baseadas no compartilhamento de informações por meio de publicações periódicas, manifestações discursivas e estabelecimento de vínculos entre movimentos sociais locais e autoridades governamentais de nível nacional e internacional.
Uma questão que resta ainda a ser debatida no âmbito das Relações Internacionais é a relação entre colonialismo e os regimes de direitos humanos. Este conflito entre valores vem sendo pautado nos discursos religiosos que permeiam novas formas de perceber o poder entre Norte e Sul. A corrida pelo reconhecimento dos direitos LGBTIs não fica fora desta batalha que articula diferentes esferas do sistema internacional e da própria sociedade. Por ora, o próprio acesso à informação das realidades e violações vivenciadas em determinados espaços vêm tendo efeito perante o comprometimento dos Estados os valores da ONU e com a interdependência moral que enquadra as relações entre os diversos atores de um contexto no qual as liberdades individuais continuam a serem ameaçadas por meio do discurso.
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É importante lembrar que estas siglas são representativas de uma pequena parcela de uma população que participa destas organizações da sociedade civil e que buscam a legitimação das identidades LGBTI.↩
Para uma análise específica da globalização na estrutura social, ver Giddens (2002). Durante a década de 1990, muito discutiu-se sobre o fenômeno da globalização e sua influência nas consideradas “sociedades contemporâneas”. Sobre esta temática, ver Santos (2000) e Hall (1992).↩
Somente em 2016, a primeira obra dedicada aos estudos da teoria queer em relação com os propósitos das Relações Internacionais foi publicado por Cynthia Weber (2016), cujo objetivo é fomentar o debate entre soberania, relações de poder, gênero e performatividade. O livro intitulado Queer International Relations busca debater temáticas caras aos atuais fóruns de política internacional, como migração, terrorismo, soberania, políticas neoliberais e os efeitos da globalização.↩
Falar de governança global diz respeito a debater o caráter transnacional dos discursos e da construção de valores no interior de instituições internacionais como o Banco Mundial e a Organização das Nações Unidas. O principal objetivo da governança global é o de fomentar a cooperação e de promover a articulação entre diferentes Estados, valores e instituições. Neste sentido, debater governança global é inserir-se em uma ordem transnacional liberal na qual os Estados compartilham sua legitimidade na esfera global enquanto tomadores de decisão, estando abertos a diálogos entre sociedade civil doméstica, instituições internacionais e demais Estados. Para um debate mais aprofundado sobre governança e sociedade civil global, ver Soguk e James (2014) e Ballestrin (2010).↩
Ritos de passagem são cerimônias que marcam a mudança de status social da trajetória de um indivíduo no seio de sua comunidade. Sendo religiosos ou comunitários, tais ritos marcam a construção da persona dentro de uma comunidade. Vistas nas mais diversas sociedades, sendo consideradas “primitivas” ou contemporâneas, a sexualidade é uma temática intrínseca a estes ritos. Estudados pelo folclorista francês Arnold van Gennep (1977), estes ritos são categorizados em três etapas: separação, transição e reagregação.↩
Organização britânica criada em 1969 com o objetivo da promoção dos direitos de lésbicas e gays na Inglaterra. Sua principal pauta foi o estabelecimento da idade de 12 anos como base para o consentimento nas relações sexuais. Medida considerada por alguns como pró pedofilia, diversos membros deixaram a organização durante a década de 1970. Em seu encontro no ano de 1978, antigos membros descontentes com as medidas propostas pela organização criam a ILGA (CHE, 2019). Não obstante, a pauta da pedofilia continua até hoje sendo uma resistência de algumas associações em auferirem legitimidade à associação.↩
Este debate quanto à legitimidade dos debates fomentados pela sociedade civil dentro da ONU vem sendo muito influenciado por conflitos entre autoridades neopentecostais, agência da crença religiosa e militantes internacionais. Sobre este debate, ver Nagamine (2019).↩
De acordo com Ayoub e Paternotte (2016), a ILGA surge inicialmente com uma pauta voltada à Europa. O continente era à época percebido como uma unidade geográfica e institucional que estava nos caminhos da construção do integracionismo europeu. A atuação da ILGA, desta forma, começou a partir de uma articulação nos países da Europa Ocidental e a insurgência da epidemia da AIDS. A queda do muro de Berlim, para tanto, reforça o sentimento de pertencimento ao espaço europeu. É a partir de então que o compromisso com a legitimidade e validade dos direitos da população LGBTI começa a ser visto não somente como uma forma de ampliação dos direitos humanos, mas sobretudo como um compromisso frente ao Estado moderno europeu e seu projeto de integração regional. A Europa começa a ser apresentada com um espaço de tolerância e respeito às individualidades, luta pela democracia. Ou seja, a Europa é vista e articulada enquanto um conjunto de valores e um meio de ascensão regional. Para isso, os direitos LGBTI atuam como intermediários entre a sociedade civil, Estados nacionais e a construção de uma entidade supranacional.↩
No ano de 2010, a conferência internacional realizou-se pela primeira vez no Brasil, na cidade de São Paulo.↩
O comitê executivo é composto por dois representantes de cada região, devendo um deles ser obrigatoriamente mulher, além de dois secretários gerais e ainda diretores. As representações regionais devem, portanto, ser eleitas de acordo com o regimento interno de cada escritório (artigo C4, Constitution of ILGA World).↩
Conforme exposto acima, a ILGA apresenta uma sub-divisão em escritórios regionais em cada continente.↩
O procedimento dar-se-á a partir de um processo administrativo com direito ao contraditório no qual a decisão compete também comitê executivo que deverá votar por maioria simples a suspensão do membro, o qual ficará inativo das atividades até a conferência mundial da organização no ano seguinte. Somente por uma moção devidamente deliberada na conferência mundial é que se efetivará a expulsão do membro que não arcar com os valores expostos na constituição (artigo C4.5, Constitution of ILGA World).↩
É importante ressaltar que todas estas três organizações fazem referências umas às outras em suas páginas oficiais e em alguns documentos. Além disso, alguns membros fazem parte de mais de uma dessas associações; por exemplo, Arvind Narrain.↩
Esta forma de atuação, a partir de movimentos sociais “parceiros” foi uma das formas pelas quais o movimento LGBTI constituiu-se no Brasil. Na década de 1980, especialmente no circuito Rio de Janeiro-São Paulo, movimentos pró-democracia, de direito das mulheres e coletivos negros foram essenciais para a formação de uma frente de combate às políticas de cerceamento das liberdades individuais e sexuais dos cidadãos (ver SIMÕES; FACCHINI, 2009).↩
The Anti homosexuality Bill, 25th September 2009.↩
Resumo:
Qual é a atuação da sociedade civil global frente aos direitos da comunidade LGBTI? Este artigo busca mapear as principais organizações da sociedade civil global que têm como pauta os direitos da população LGBTI e sua atuação frente ao reconhecimento dos direitos sexuais e reprodutivos. Com o objetivo da coleta de dados para a construção deste trabalho, foi realizada uma breve revisão bibliográfica da literatura que tem como objeto a atuação da sociedade civil a nível global, a teoria construtivista de Relações Internacionais e os conceitos de redes transnacionais de advocacy, além de uma pesquisa documental nos relatórios disponibilizados por três organizações da sociedade civil e de suas páginas oficiais. Empreende-se uma abordagem qualitativa e descritiva, utilizando-se da técnica do método analítico-descritivo. Pode-se concluir que a atuação das redes transnacionais de advocacyde temática LGBTI vem sido articulada através da manipulação discursiva frente às instituições internacionais.
Palavras-chave:
Redes Transnacionais de Advocacy (RTA); sociedade civil global; LGBTI; construtivismo.
Abstract:
What is the role of global civil society towards the rights of the LGBTI community? This article seeks to map the main global civil society organizations that focus on the rights of the LGBTI population and their actions in the face of the recognition of sexual and reproductive rights. With the objective of collecting data for the construction of this work, a brief bibliographical review of the literature that has as object the performance of the civil society in the global level, the constructivist theory of International Relations and the concepts of transnational advocacy networks, besides documentary research in the reports made available by three civil society organizations and their official pages. A qualitative and descriptive approach is undertaken, using the analytical-descriptive method technique. It can be concluded that the performance of LGBTI transnational advocacy networks has been articulated through discursive manipulation towards international institutions.
Keywords:
Transnational Advocacy Networks (TAN); global civil society; LGBTI; construtivism.
Recebido para publicação em 19/12/2019
Aceito em 05/03/2020