Revista de Ciências Sociais — Fortaleza, v. 51, n. 3, nov. 2020/fev. 2021
DOI: 10.36517/rcs.2020.3.d05
“Uma janelinha, uma luzinha lá no final do túnel”:
significados de estar na universidade para estudantes cotistas negros/as
Matheus Silva Freitas
Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil
freitassmat@gmail.com
Fabrício Roberto Costa Oliveira
Universidade Federal de Viçosa, Brasil
fabriciooliveira@ufv.br
Este trabalho é fruto de nossa pesquisa1 que analisou trajetórias sociais de estudantes negros/as (pretos/as e pardos/as) que ingressaram por cotas na Universidade Federal de Viçosa (UFV), especificamente os percursos escolares, os motivos de ingresso no ensino superior e a própria vivência no ambiente universitário. Neste artigo, o objetivo é apresentar uma análise das representações sociais de estudantes cotistas negros/as a respeito do significado de suas inserções na UFV, no campus da cidade de Viçosa, no interior de Minas Gerais.
Trata-se de uma pesquisa focada em vivências e sentimentos dos agentes sociais do que uma análise mais numérica do acesso de estudantes negros/as cotistas na Universidade, embora reconheçamos que os dados quantitativos tenham enorme relevância para compreensão das dinâmicas de ingresso no ensino superior.
É importante evidenciar que, no Brasil, a presença de negros e negras como estudantes das universidades públicas só foi possível de forma mais ampla a partir da implementação de políticas de ação afirmativa direcionadas para esse público, especialmente por meio da modalidade de reserva de vagas, mais conhecida como cotas. Conforme salientam Márcia Lima e Ian Prates (2015), estas políticas têm contribuído para uma diminuição das desigualdades raciais, apesar de estarem conjugadas à outras clivagens significativas no que diz respeito às áreas de ingresso e os possíveis retornos econômicos. Observa-se, em especial, que a participação de negros/as “ampliou-se mais rapidamente nas carreiras de menor prestígio, e seus rendimentos ainda mostram retornos diferenciados” (LIMA; PRATES, 2015, p. 184).
As ações afirmativas, de modo geral, como define Joaquim Barbosa Gomes (2005), são políticas (públicas ou privadas) que tem como intuito corrigir e combater desigualdades e discriminações raciais, de gênero, deficiência física ou origem nacional e, por conseguinte, objetivam promover igualdade, no que concerne ao acesso, principalmente, à educação e emprego. Essas políticas podem ser implementadas em diferentes modalidades, seja através da adoção de bônus, processos seletivos especiais ou por meio de cotas (reserva de vagas). Além do acesso, as ações afirmativas podem ser voltadas para a permanência de grupos nos espaços em que são subrepresentados e/ou excluídos.
Essas políticas que também são direcionadas, conforme a atual legislação federal (Lei 12.711/2012), aos estudantes oriundos de escola pública, de baixa renda, indígenas e pessoas com deficiência, tornaram-se políticas para a execução estatal a partir das demandas dos movimentos sociais negros. Conforme demonstra Sales Augusto dos Santos (2014), embora algumas entidades dos movimentos negros fizessem referência ao que contemporaneamente define-se como ações afirmativas já em meados de 1940, foi a partir da década de 1990 que a pauta passou a ter maior capilaridade entre os movimentos e maior visibilidade na esfera pública, de modo a congregar e pressionar diferentes instituições, como o Estado brasileiro, agências internacionais e universidades para a necessidade de enfrentamento ao racismo e às desigualdades e discriminações étnico-raciais.
A partir do início dos anos 2000, seja pela autonomia de algumas universidades, por meio de seus conselhos superiores, ou por leis estaduais, houve implementação de diferentes programas de ações afirmativas para a população negra e outros grupos sociais para o acesso ao ensino superior, em especial, aos cursos de graduação. A nível federal as ações afirmativas para a população negra se tornaram realidade em 2013, com obrigatoriedade da Lei 12.711/12, que determina às universidades federais e instituições federais de ensino técnico de nível médio a organizarem um sistema de cotas para estudantes que cursaram o ensino médio em escolas públicas com subcotas para estudantes oriundos de famílias com renda igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo (um salário-mínimo e meio) per capita e/ou autodeclarados/as pretos/as, pardos/as e indígenas e/ou com deficiência.2 A quantidade de vagas reservadas no que tange ao pertencimento étnico-racial e às pessoas com deficiências, de acordo com a Lei, deve ser no mínimo igual à proporção destes grupos na Unidade da Federação onde se encontra a instituição, segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
É importante destacar que, em 2012, já havia uma considerável adesão às ações afirmativas pelo ensino superior público. Por exemplo, de acordo com João Feres Júnior et al (2018, p. 84), naquele momento, antes da Lei 12.711/2012, “40 das 58 universidades federais já praticavam alguma modalidade de ação afirmativa”. A referida Lei obrigou as instituições de ensino superior que resistiam a aderir alguma ação afirmativa a implementar as cotas e acabou por padronizar a ação afirmativa no conjunto diverso de iniciativas autônomas das universidades federais através de seus conselhos universitários.
A UFV desde 2009 implementava uma política de concessão de bônus para estudantes oriundos de escolas públicas, na época, acrescentava-se 15% às suas notas no processo seletivo para ingresso na Universidade. Tal ação afirmativa foi substituída pelo sistema de cotas para estudantes de escola pública com subcotas para estudantes de baixa renda, pretos/as, pardos/as e indígenas em 2013, em virtude da obrigatoriedade da Lei de Cotas.
Em pesquisa atenta ao trâmite legislativo das propostas que deram origem à Lei, Vanessa Silva (2017, p. 157) desvelou como houve um “apagamento, silenciamento e supressão das ideias sócio-políticas das pessoas negras” na medida em que a inclusão racial perdeu a centralidade em detrimento da inclusão de estudantes oriundos de escola pública. Embora as ações afirmativas no Brasil tenham sido demandadas centralmente pelos movimentos sociais negros, a Lei de Cotas, acabou por, nas palavras de Santos (2015, p. 95), priorizar “a inclusão dos pobres,”sinônimo" de alunos de escolas públicas“. Nesse sentido, segundo Santos (2015, p.78), embora a Lei proporcione avanços democráticos na inclusão de alguns grupos sociais excluídos do ensino superior, ela”trata a discriminação e a desigualdade raciais como epifenômenos da questão de classe".
Desse modo, as cotas são resultantes de demandas de diversos coletivos frente às desigualdades educacionais no Brasil que, em geral, estão relacionadas a diversas outras formas de assimetrias sociais, com destaque para as raciais. Neste texto, a abordagem está centralizada nos agentes que ingressaram pelas cotas para estudantes de escola pública autodeclarados/as negros/as (pretos/as e pardos/as). Problematizamos como o público-alvo de uma política de correção de desigualdades, compreende o que essa os propicia: o acesso e vivência no ensino superior, que se materializa no diploma de um curso de graduação. Assim, refletimos e repensamos as desigualdades educacionais a partir das representações sociais dos/as estudantes negros/as cotistas sobre o ensino superior. Portanto, interessa para nós indagar quais significados os/as estudantes negros/as atribuem às experiências e ambientes universitários.
Na primeira parte de nosso artigo vamos apresentar alguns fundamentos teóricos relacionados às ações afirmativas para compreendermos o contexto em que estas se inserem. Em seguida apresentaremos a metodologia do nosso trabalho. Na parte seguinte apresentaremos análises do significado de estar na universidade por estudantes negros/as cotistas. Por fim, explanaremos as considerações finais do artigo.
As ações afirmativas ao contribuírem para a diversificação dos corpos discentes universitários estão proporcionando, de modo geral, diversas mudanças no próprio ensino superior e na sociedade brasileira. Para Nilma Lino Gomes (2017, p. 114), as políticas de ação afirmativa integraram os saberes estético-corpóreos que os movimentos negros constituíram nos últimos anos, pois as juventudes negras que adentram nas instituições de ensino superior a partir dessas políticas são “sujeitos sociais concretos com outros saberes, outra forma de construir o conhecimento acadêmico e com outra trajetória de vida, bem diferentes do tipo ideal de estudante universitário hegemônico e idealizado em nosso país”. Dessa forma, estas políticas tornam-se insurgências que questionam estruturas reguladoras, discriminatórias, racistas e/ou coloniais das universidades brasileiras.
Para Joana Célia dos Passos (2015) as ações afirmativas instalam no cotidiano das universidades diversos desafios contemporâneos para sua efetiva democratização que requerem mecanismos e transformações para acessos e permanências (simbólicas e materiais) com qualidade social para estudantes cotistas negros/as. A autora demonstra como a cultura acadêmico-curricular é tensionada: as mudanças no perfil do corpo discente das universidades abalam sua própria estrutura social e acadêmica na medida em que estes “sujeitos que entram em cena na universidade trazem consigo as marcas de suas trajetórias de desigualdades e questionam a cultura acadêmica instituída” (PASSOS, 2015, p. 163).
Nesse sentido, se, por um lado, as ações afirmativas provocam mudanças e impactos nas universidades e na sociedade brasileira como um todo, por outro, elas, simultaneamente, também impactam os seus próprios públicos-alvo, como os/as cotistas negros/as. Eugenia Portela de Siqueira Marques (2018, p. 4), por exemplo, discute como ingressar no ensino superior por meio de ações afirmativas, pode, para estudantes negros/as, “resultar em fortalecimento da identidade negra ou em negação ao seu reconhecimento” tendo como pressuposto que “o sujeito como um ser sociável recebe influências culturais do ambiente que está inserido” (MARQUES, 2018, p. 8). Em suma, essas são algumas considerações e impactos das ações afirmativas nas estruturas sociais e acadêmicas, assim como nos próprios sujeitos destas políticas, como é o caso, dos estudantes negros/as cotistas.
Importante evidenciar que embora as ações afirmativas estejam presentes nas pesquisas da área da Educação, ainda carece de maior atenção dos/as pesquisadores/as. Segundo Paulo Silva et al. (2018), na Educação, até 2012, ações afirmativas era um assunto pouco pesquisado, quando as publicações aumentaram, em virtude do debate público e, por conseguinte, jurídico sobre a constitucionalidade das cotas para a população negra no Supremo Tribunal Federal (STF) e com a aprovação da Lei 12.711, que instituiu o sistema de cotas a nível federal.
Trata-se de um assunto que ganhou maior debate acadêmico na Educação a partir da Lei de Cotas, sendo “um tema que gerou interesse e apresenta um rol de trabalhos concluídos, ao mesmo tempo em que permanece como temática minoritária na área” (SILVA et al., 2018, p. 567), a despeito de na produção acadêmica sobre relações étnico-raciais na área de Educação, as políticas de ações afirmativas figurar como o assunto mais publicado no período de 2003 a 2014.3
No âmbito dos estudos sociológicos sobre relações raciais, Paula Barreto et al. (2017) 4 sinalizam que o interesse pelas ações afirmativas como tema de pesquisa também ocorreu com a implementação do sistema de cotas a nível federal, potencializado pela Lei 12.711/2012.
Essa incorporação das ações afirmativas como política pública consolidou o campo de reflexões sobre relações raciais e políticas sociais, estimulando que fossem observados os distintos processos de implementação da lei em diferentes universidades, assim como o impacto da política de inclusão em realidades universitárias diferentes e as percepções dos estudantes diante das políticas de inclusão (BARRETO et al., 2017, p. 130).
O enfoque desse campo de estudo nas políticas sociais, de acordo com Barreto et al. (2017) emerge devido a implementação de ações afirmativas nas universidades. Sendo assim, “é inegável que um elemento fundamental para a observação das produções entre estudos raciais e análise de políticas sociais é a visível aproximação com as discussões sobre Educação e, em especial, sobre Educação Superior” (BARRETO et al., 2017, p. 130). Portanto, é possível visualizar que um dos encontros das Ciências Sociais com a Educação, no caso dos estudos das relações étnico-raciais, decorre das reflexões acerca das ações afirmativas. O tema ganhou maior evidência com a Lei de Cotas, muito embora as relações étnico-raciais estiveram presentes desde a institucionalização das Ciências Sociais brasileiras, conforme demostram Luiz Augusto Campos e Ingrid Gomes (2016).
Antes da Lei, da década de 1990 a 2010, o debate e implementação das ações afirmativas induziram maior interesse sobre as relações raciais, mas “embora a proporção de textos sobre a questão racial tenha crescido no período coetâneo à controvérsia das cotas, isso não pode ser atribuído unicamente à multiplicação de textos especificamente sobre ações afirmativas” (CAMPOS; GOMES, 2016, p. 98).5 O autor e a autora revelam ainda que os estudos sobre relações raciais nas Ciências Sociais apresentam subtemas que estão fortemente associados a determinados métodos de pesquisa, como é o caso, por exemplo, dos estudos sobre educação que em sua maior parte “tendem a combinar dados de surveys e dados secundários de bases constituídas” (CAMPOS; GOMES, 2016, p. 102).
Dessa forma, faz-se importante que os estudos sociológicos sobre relações raciais nos sistemas e ambientes educacionais ampliem seu escopo metodológico para além das importantes análises quantitativas de bases de dados já constituídas, e parta para a criação e produção de dados em perspectivas mais qualitativas (etnográficas, cartográficas, entrevistas/história oral), que busquem compreender os significados e as experiências dos sujeitos.
Dentre os estudos sobre ações afirmativas, tanto nas Ciências Sociais quanto na Educação e em outras áreas, de acordo com Sales Augusto dos Santos (2015), uma tendência parece que se sobressai: as comparações entre os índices de rendimento acadêmico (IRA) de estudantes cotistas e não-cotistas. Estas pesquisas têm sido operacionalizadas para verificar o que visões preconceituosas e contrárias às ações afirmativas indicavam e ainda indicam: que as políticas de cotas poderiam diminuir a qualidade do ensino das e nas instituições de ensino superior.
O autor destaca que estas pesquisas têm concluído que “na média não há desigualdade com significância estatística entre o IRA (ou o desempenho acadêmico) dos alunos cotistas e dos não cotistas. E quando há alguma desigualdade a tendência é ela se manifestar nos cursos de alto prestígio e/ou na área de ciências” (SANTOS, 2015, p. 221). Embora essas pesquisas sejam aparentemente “favoráveis” para o debate e implementação das ações afirmativas, Santos (2015) alerta que subjaz a esse tipo de análise uma visão preconceituosa referente à capacidade intelectual e de desempenho do público-alvo das ações afirmativas.
A produção de dados, dessa maneira, tende a “viciar” as pesquisas, uma vez que os pesquisadores passam a se preocupar em responder (defensivamente) a questões que talvez não seriam pensadas ou levantadas como centrais caso não houvesse visões preconceituosas em sua elaboração ou, caso se queira, em relação aos seus sujeitos de direito. Passa-se a tentar responder, principalmente, a essas questões e “se esquece” de outras possibilidades de análises, como, por exemplo, quais ganhos materiais e simbólicos as políticas de ação afirmativa podem proporcionar à universidade, à família e à comunidade de seus beneficiários e não apenas a seu beneficiário? Em sentido amplo, tais políticas podem pavimentar caminhos que ajudam a superar o racismo? Poderiam tais políticas elevar a autoestima da população negra empoderando-a mentalmente, ao proporcionar uma quantidade expressiva ou nunca antes vista de cientistas (...)? (SANTOS, 2015, p. 225).
Assim, o nosso estudo buscou juntar-se a esse esforço em considerar outras questões e problemáticas referentes às ações afirmativas, evidenciando os/as cotistas negros/as e procurando compreender quais os significados que eles/as elaboram ao fato de estarem no ensino superior. Ou seja, a ideia foi enfatizar suas vivências na Universidade e o significado disso para suas vidas e de suas famílias.
É válido registrar que, no Brasil, já foram realizados estudos sobre o significado do ensino superior para e na vida de alguns estudantes e suas famílias. Geraldo Romanelli (1995), por exemplo, analisou o significado da educação superior para diferentes gerações de famílias de camadas médias, tendo em vista alterações nas condições de trabalho e, portanto, socioeconômicas, e do próprio sistema educacional no Brasil nos anos 1990. O autor indica que a própria ideia de família, como reprodução social e biológica, é amparada por uma mediação acerca de sua posição na sociedade. Famílias de camadas médias tendem a elaborar projetos que se preocupam com a inserção de seus membros no mercado de trabalho.
Assim, de acordo com Romanelli (1995, p. 452), “a entrada dos filhos no curso superior é parte integrante do projeto das famílias de camadas médias (...) e pretende assegurar – e mesmo ampliar – a continuidade da ascensão social da família mediante a habilitação profissional dos filhos”. Embora estudantes de camada médias se diferenciem entre si, o autor aponta que suas famílias atribuem grande importância ao ensino superior para “assegurar e ampliar processo ascensional que (...) já viviam” (ROMANELLI, p. 1995, p. 453).
À luz das mudanças recentes no ensino superior brasileiro, Ana Karina Brocco (2017) buscou interpretar o significado do ensino superior para estudantes bolsistas de uma instituição universitária comunitária. Problematizando o significado de realizar um curso superior, a maioria dos/as estudantes apontam uma visão mais pragmática, como “acessório de mobilidade social, de um desejo de superar a condição da própria família” (BROCCO, 2017, p. 106).
A autora ainda desvela que grande parte dos/as universitários/as idealiza a educação, em especial a superior, “como forma de superar as desigualdades sociais” (BROCCO, 2017, p. 102) e referenciada em projeto de vida que é familiar, ao dispor do incentivo financeiro na medida do possível, do anseio de proporcionar vida melhor a família e ao estímulo à construção de uma transmissão geracional, servindo de modelos às futuras gerações (BROCCO, 2017). Desse modo, “a universidade passa a ser um local privilegiado de aquisição de capital cultural institucionalizado, que futuramente será convertido em capital econômico” (BROCCO, 2017, p. 100).
As pesquisas de Romanelli (1995) e Brocco (2017) trazem conclusões muito interessantes, contudo, não consideram e/ou mencionam o pertencimento étnico-racial dos/as entrevistados/as. Uma exceção é o trabalho de Isabelle de Lemos (2017), que analisou as trajetórias acadêmicas de cotistas negros/as na Universidade Federal do Pará. Ao evidenciar as ações afirmativas no contexto amazônico, dedica-se a compreender como estudantes que já concluíram ou estão prestes a concluir curso de graduação significam a experiência universitária. Dentre os questionamentos da autora para seus/as entrevistados/as, destaca-se entender quais foram as “repercussões que o ingresso no ensino superior causou no âmbito pessoal e profissional de suas vidas” (LEMOS, 2017, p. 5).
Os(as) protagonistas das cotas raciais mostram, em geral, que “a inserção na universidade abre espaços para a ascensão social” (LEMOS, 2017, p. 20). Obter um diploma de graduação em uma instituição federal, para os/as cotistas negros/as entrevistados/as, se traduz em “sentimento de superação e de satisfação pessoal, a realização de um sonho, a oportunidade de ter uma condição financeira melhor e uma vida mais confortável, o status e o respeito que o diploma universitário trouxe” (LEMOS, 2017, p. 20). Nossa análise demonstra o quão importante é o fato de estudarem numa universidade federal, como a UFV. Antes de adentrarmos às análises, demonstraremos brevemente nossos caminhos metodológicos.
Nossa pesquisa buscou acompanhar e compreender a interpretação de alguns/mas estudantes negros e negras cotistas, da UFV, a respeito do fato de estarem na universidade, entendendo que é preciso “compreender as realidades complexas e múltiplas a partir das perspectivas dos participantes” (AMADO, 2017, p. 44). Para isso mostrou-se pertinente a realização de entrevistas semiestruturadas.
Para Jacques Zanidê Gauthier (2003, p. 302) a pesquisa qualitativa nas ciências humanas e sociais, de modo geral, tem como pressuposto que “nada de bem relevante pode ser dito sem que tivéssemos, antes, ouvido as pessoas sujeitos das pesquisas”. Esse ouvir deve envolver uma “escuta sensível das razões e do não racional nos outros, que é como uma chave para que cresça solidariamente um conhecimento realmente inovador” (GAUTHIER, 2003. p. 302).
A entrevista semiestruturada é uma das possibilidades de realizar tal escuta, na medida que ela é responsável por uma “auto-análise provocada e acompanhada”, expressão cunhada por Pierre Bourdieu (1997, p. 704). A entrevista estimula a pessoa entrevistada a refletir, a buscar significados e explicação sobre aspectos relativos à sua vida ou a determinado assunto, ponderando as suas experiências. Assim, quando procuramos construir junto aos interlocutores relatos de vida e/ou trajetórias sociais ocorrem provocações que possibilitam emergir um “discurso extraordinário” (BOURDIEU, 1997, p. 704)), onde a pessoa entrevistada constrói um ponto de vista sobre si de modo singular e inédito frente às perguntas e indagações feitas pelo pesquisador.
Esse discurso, no nosso caso, dos/as estudantes cotistas negros/as acerca da universidade, portanto, não deve ser encarado como um todo coerente e necessariamente cronológico, mas como uma “criação artificial de sentido” (BOURDIEU, 2006, p. 185). Dessa forma, Bourdieu (2006, p. 190, grifos do autor) tenciona a presença das histórias de vida na construção sociológica, considerando que estas “se definem como colocações e deslocamentos no espaço social” e que “o sentido dos movimentos que conduzem [o sujeito] de uma posição a outra (...) evidentemente se define na relação objetiva entre o sentido e o valor, no momento considerado, dessas posições num espaço orientado”.
Nesse sentido, entendemos que pesquisas como a nossa tem uma relevância intelectual específica, sobretudo no que diz respeito a relação pesquisadores/sujeitos da pesquisa e na consequente produção de conhecimentos.
Os dados de pesquisas qualitativas não são dados objetivos, positivos, brutos, e sim narrativas (histórias de vida...), entrevistas coletivas e individuais, produções artísticas, ou seja, produções de sentido. Os dados já são interpretações do mundo, dependentes de quadros conceituais culturalmente marcantes, em que posições políticas estão em jogo, lutas simbólicas, fraturas e redes de alianças que permitem a negociação e constituição do sentido (GAUTHIER, 2004. p. 127).
Privilegiamos aqui as falas dos sujeitos e suas elaborações enquanto conceituações e significados sobre estar na universidade. Reconhecemos que a atribuição de significados é intersubjetiva “na medida em que os dois sujeitos (o investigador e o investigado) partilham, numa espécie de ‘sociabilidade originária’, as significações sócio-culturalmente construídas e encerradas na linguagem por eles usada” (AMADO, 2017, p. 45).
Focalizamos nesse texto, em particular, as metáforas que surgiram em algumas falas das entrevistas, entendendo esta figura de linguagem como um “vínculo privilegiado que transporta os sentidos da vida cotidiana de um mundo semântico para um outro [mundo], participando da co-construção de agenciamentos coletivos de enunciação” (GAUTHIER, 2004, p. 135).
Conforme o Quadro 1, entrevistamos 16 estudantes negros/as cotistas, dos quatro Centros de Ciências da UFV (Agrárias, Biológicas e da Saúde, Exatas e Tecnológicas e Humanas, Letras e Arte), de cursos com notas de corte diferenciadas no Sistema de Seleção Unificada (SISU). Dentre estas pessoas entrevistadas, 9 se identificaram ao sexo feminino e 7 se identificaram ao sexo masculino. Já com relação à cor/raça, dentre as cinco categorias utilizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – preto, pardo, branco, indígena e amarelo –, 13 estudantes se autodeclararam pretos/as e 3 pardos/as. As 16 pessoas, na época da entrevista (2016 e 2017), tinham em média 21 anos. Para resguardar a identidade dos/as estudantes entrevistados/as, os/as identificamos com outros nomes.
Quadro 1. Apresentação dos/as estudantes entrevistados/as
Nome* | Idade | Sexo | Cor/raça | Curso |
---|---|---|---|---|
Niara | 21 | Fem | Preta | Cooperativismo |
Kumi | 25 | Masc | Pardo | Zootecnia |
Anaya | 22 | Fem | Preta | Agronomia |
Ymazi | 22 | Masc | Preto | Agronomia |
Talib | 26 | Masc | Pardo | Física |
Núbia | 22 | Fem | Preta | Engenharia Mecânica |
Akin | 21 | Masc | Preto | Engenharia de Produção |
Shena | 19 | Fem | Parda | Arquitetura e Urbanismo |
Kalifa | 25 | Fem | Preta | Administração |
Latasha | 21 | Fem | Preta | Ciências Econômicas |
Kito | 21 | Masc | Preto | História |
Jahi | 22 | Masc | Preto | Dança |
Imani | 21 | Fem | Preta | Nutrição |
Daren | 20 | Masc | Preto | Educação Física |
Ashia | 20 | Fem | Parda | Medicina Veterinária |
Nala | 21 | Fem | Preta | Bioquímica |
*Trata-se de pseudônimos.
Quando perguntadas sobre qual o significado de estar na universidade para elas, as pessoas tiveram reações diversas. Algumas fizeram feições pensativas e demoraram a encontrar palavras que respondessem tal pergunta. Outras, no entanto, foram mais rápidas e logo responderam. Tivemos, ainda, respostas rápidas e pragmáticas. Outras apaixonadas, com tom e expressões de alívio. Abaixo, buscamos esmiuçar as respostas de nossos/as interlocutores/as sobre os significados de estarem no ensino superior.
Estar na universidade para uma parte dos/as entrevistados/as, ao que parece, trata-se de uma passagem, ou um “meio”, para ascender socialmente, e alterar a posição social individual e, de certa forma da família, como nos contou, por exemplo, Latasha, estudante de Ciências Econômicas.
Então, como eu disse, pra mim, que não tem ninguém na família que fez ensino superior, é uma forma de ascensão, não só social, mas de todas as formas. Eu acredito, e sempre tive essa consciência, de que se eu quisesse mudar alguma coisa na minha vida teria que ser estudando, então, é isso que representa pra mim, é uma ascensão. Estudando eu tenho a possibilidade de ascender e não continuar do mesmo jeito que a minha família, de todas as gerações, sempre viveu. (Latasha, estudante de Ciências Econômicas).
Latasha vê o acesso à universidade como estratégia de melhorar a posição social da família. Cabe destacar que esta relação entre escolaridade e ganhos financeiros é diretamente proporcional: o salário é maior quanto mais anos de estudos a pessoa tiver. Juarez Dayrell (2007) já apontava que muitos estudantes de ensino médio estudavam na perspectiva de ter uma recompensa futura, um lugar mais destacado no mercado de trabalho. Segundo pesquisa coordenada por Marcelo Neri (2008, p. 12), há impactos importantes da educação no mercado de trabalho brasileiro: a relação de retorno do nível de escolaridade com ganhos financeiros é forte, considerando que “o crescimento do salário chega a 15,07% por cada ano adicional de estudo [...] e a taxa de ocupação cresce 3,38%”.
Como a primeira da família a cursar o ensino superior, Latasha pode ser vista como uma estudante de primeira geração. De acordo com Marília Morosini e Vera Felicetti (2019), em virtude de diversas políticas, entre elas as ações afirmativas (especialmente a política de cotas), que alteraram as formas de ingresso no ensino superior público brasileiro nos últimos anos, temos a emergência de “estudantes de primeira geração”, isto é, “aquele que não tem em sua família alguém com curso superior, ou seja, não se limita apenas ao pai ou à mãe, mas qualquer grau de parentesco” (MOROSINI; FELICETTI, 2019, p. 106).
Estudantes de primeira geração, por sua vez, se diferenciam de “estudantes de geração contínua”, ou seja, “aqueles que pelo menos um dos pais possui a educação superior” (MOROSINI; FELICETTI, 2019, p. 107). Dos/as nossos/as 16 (dezesseis) entrevistados/as, 12 (doze) eram os/as primeiros/as do núcleo familiar a ingressarem no ensino superior, sendo alguns inclusive os/as primeiros da família em uma noção mais extensa, englobando as linhagens familiares maternas e paternas, e até mesmo da comunidade e vizinhança, como é o caso de Talib, estudante de Física. Já 4 (quatro) quando ingressaram na UFV, já tinham algum familiar formado no ensino superior, sendo: Imani com o pai formado na UFV, Jahi e Daren com as mães com graduações concluídas na rede privada e Anaya com a irmã mais velha formada em uma universidade federal.
Lima e Prates (2015, p. 188) ao observarem como as desigualdades raciais atravessam as oportunidades educacionais, assinala como a “posse do diploma superior dos pais tem impacto decisivo no alcance educacional dos filhos”. A histórica exclusão da população negra e de baixa renda do ensino superior pode ser constatada, por exemplo, “quando se consideram os filhos cujos pais têm nível superior, há presença maciça de brancos, e com fortes vantagens de renda” (LIMA; PRATES, 2015, p. 185).
Nala, estudante de Bioquímica, também explicita a perspectiva de estar na universidade para ascender socialmente e alterar a condição socioeconômica da família, transformando-se em um primeiro exemplo no seu meio familiar.
Olha, não significa tudo, mas significa um futuro melhor, querendo ou não, uma possibilidade de futuro melhor, então, é a chance que eu tenho de agarrar, de mudar socialmente a minha posição social e econômica; de conseguir crescer academicamente, em termos de conhecimento técnico e humano também; que a gente convive com muitas pessoas aqui e que a gente consiga tirar minha família dessa linha econômica de classe C e dessa linha de trabalhador apenas, sem nenhuma formação acadêmica mais. Seria o primeiro exemplo, né? Pra família, para as próximas gerações, mas mais uma possibilidade de ter um futuro melhor, principalmente fontes de renda e acesso à educação, saúde, lazer, essas coisas. (Nala, estudante de Bioquímica).
Ingressar no ensino superior propicia, para Nala, tornar-se um efeito simbólico para próximas gerações de sua família. Segundo Gomes (2005) as políticas de ação afirmativa proporcionam a criação de “personalidades emblemáticas”. São estudantes que se tornam referências para que outras pessoas, negras e pobres, por exemplo, possam ser incentivadas a ingressarem no ensino superior. Nesse sentido, as ações afirmativas dão existência a
um mecanismo institucional de criação de exemplos vivos de mobilidade social ascendente. Vale dizer, os representantes de minorias que, por terem alcançado posições de prestígio e poder, serviriam de exemplo às gerações mais jovens, que veriam em suas carreiras e realizações pessoais a sinalização de que não haveria, quando chegada a sua vez, obstáculos intransponíveis à realização de seus sonhos e à concretização de seus projetos de vida (GOMES, 2005, p. 56).
A “mobilidade social ascendente” pode ser relativizada pelo fato de que o retorno econômico e social estarem associados à área de formação, reflexões sobre isso aparecem nas próprias concepções dos/as entrevistados/as. Assim, há estudantes que enxergam que a universidade não é a única determinante para mudanças em suas vidas, embora seja importante. Ingressar na universidade não é totalmente determinante, ou nas palavras de Nala, estudante de Bioquímica, “não significa tudo”. Elencam contextos políticos e necessidades do mercado de trabalho como outros fatores que potencializam e tencionam os processos de se formar para ascender socialmente, o que demonstra a capacidade de análise de mecanismos complexos de funcionamento da sociedade.
Hoje em dia eu tenho uma visão diferente da que eu entrei, porque eu via que a universidade ia ser a minha salvação que, assim, eu ia ter um diploma da UFV e tudo estaria resolvido na minha vida. Só que não, assim. Hoje em dia eu tenho consciência que eu posso me formar e não seguir a carreira que tô estudando pra seguir e tudo. Assim, eu só vejo como uma coisa a mais, sabe? É importante, mas eu não acho que vai ser determinante pra minha vida depois de formada. (Imani, estudante de Nutrição).
Tem dia que eu penso que a universidade é uma oportunidade enorme pra melhorar, pra ajudar minha mãe e tal, pra conseguir tudo que eu sempre quis. Tem dia que eu acho que é complicado, porque a oportunidade pra gente não surge, mas como a oportunidade tá muito difícil, a gente tem que considerar a situação econômica, política também. Mas como tá mais difícil é um ciclo, aí você desanima e vê que tá difícil, aí vai ficando mais difícil. (Kalifa, estudante de Administração).
De certa forma, Imani e Kalifa compreendem que estar na universidade, se formar e possibilitar mudanças na vida pode ocorrer ou não, demonstrando que nos atos de antecipar e projetar, de acordo com Alfred Schutz (1979, p. 135-136), “qualquer experiência traz seu próprio horizonte de indeterminação (talvez uma indeterminação até certo ponto determinável) no que se refere ao futuro”. Se a universidade não é determinante, ela ao menos abre as possibilidades e propicia oportunidades que antes eram ausentes.
Uma das características da realização de entrevistas qualitativas é o fato de constantemente as pessoas entrevistadas usarem e/ou criarem metáforas em suas falas. Segundo Gauthier (2003, p. 301), “não podemos ignorar nem desprezar essa vida da língua que não encontramos nos conceitos fixados da ciência acadêmica” ao mesmo tempo em que também não podemos “contentar-nos com sua mera expressão caótica, meio escura, esparsa”. Os sujeitos da pesquisa nos apresentam belíssimas e potentes conceituações, entrelaçando suas visões de mundo, experiências e condições de vida.
Assim, ao falarem, os sujeitos da pesquisa torcem o sentido das palavras comuns, segundo a singularidade de cada situação, visão, projeto. É esse processo de torção, onde algo é dito do real ao mesmo tempo que dito de outro jeito, estranhando o familiar, ou seja, visando uma realidade outra virtual, que está presente na metáfora como emergência de um sentido ainda desconhecido. (...) As metáforas ecoam umas com as outras, pois nenhum sentido, nas enunciações cotidianas, existe sem ter conexões com referências múltiplas, dimensões heterogêneas da vida social (GAUTHIER, 2003, p. 303).
Duas de nossas entrevistadas sintetizaram estar na universidade como uma forma e possibilidade de ascensão social, a partir de metáforas. Niara, estudante de Cooperativismo, significa a sua inserção no ensino superior como uma “porta” para uma vida e futuro melhor, demonstrando como a universidade, na sua visão, abre possibilidades para mudança e melhoria nas condições de vida. Já para a estudante de Agronomia, Anaya, é “uma janelinha, uma luzinha lá no final do túnel”, estar na universidade como um ponto de chegada através de um caminho (final do túnel) e ao mesmo tempo um ponto de partida (janelinha).
Acho que a universidade é uma porta né? Pra vida melhor, pro futuro melhor. (Niara, estudante de Cooperativismo).
Na minha vida? Nossa! Eu acho que é só assim, uma maneira de muito aprendizado, não só acadêmico, que é um crescimento muito grande, mas assim, principalmente, aquela questão, assim, vou sair daqui e mudar a vida da minha família, é bem aquilo, assim, você almeja quase uma janelinha, uma luzinha lá no final do túnel: “não, quando eu passar de lá, quando eu formar, eu já vou sair empregada”. Claro que não é assim, né? Você sabe que, pelo menos, se você não sair empregado ou com bom emprego, você fez de tudo pra que você tivesse uma formação e potencial pra querer aquilo e não correr atrás, mas é sempre isso mesmo, sempre pensando: “não, daqui dois anos eu vou formar e vou correr atrás do que é meu e coisa e tal”. (Anaya, estudante de Agronomia).
Sabemos que janelas e portas nos permitem ver e acessar o que está externo. Podem estar abertas ou fechadas e nos (im)possibilitam sair ou entrar. Quando fechadas não permitem desfrutar o que está do seu outro lado. Quando abertas conseguimos visualizar e acessar o que se encontra no seu interior. Portas, portais, pórticos e soleiras, consoante com Arnold Van Gennep (2011, p. 37), indicam simbolicamente fronteira, margem, limiar, trânsito: ritos de passagem de um mundo doméstico e conhecido para um mundo novo e estrangeiro, “a porta é o limite entre o mundo estrangeiro e o mundo doméstico (...) assim, ‘atravessar a soleira’ significa ingressar em um mundo novo”.
Nesse sentido, é possível ler nas entrelinhas que significar a estadia em um ambiente como uma porta e/ou janela é concebê-lo como produtor de trânsito ou passagem: a saída de uma situação anterior e a entrada em algo novo e/ou diferente, para Van Gennep (2011) um rito direto de passagem. Estar na universidade pode ser visto, mobilizando o linguajar antropológico e sociológico, à luz das falas de Niara e Anaya, como um rito de mobilidade educacional intergeracional.
Como vimos, a grande maioria dos/as nossos/as entrevistados são os primeiros da família a ingressarem no ensino superior. A mobilidade educacional intergeracional pode ser constatada, nos termos de Flávia Longo e Joice Vieira (2017, p. 1052), quando os filhos superam a escolaridade dos seus pais, isto é, baseando na “diferença entre os níveis de escolaridade máxima alcançada por duas gerações sucessivas” de uma mesma família. Um fator interessante, neste sentido, é a mobilidade cultural de estudantes e suas famílias, tendo em vista que livros, diálogos sobre a universidade e outras visões de mundo passam a ter maior circularidade entre estudantes e suas famílias.
A universidade é representada como essa fronteira que pode propiciar a travessia de uma condição de vida presente para uma melhor condição de vida futura. Assim, os/as estudantes depositam confiança, ao fato de estarem na universidade, na melhoria de suas condições de vida. Estar na universidade é mirar o futuro, com um final delimitado para ser concebido (vida/futuro melhor e mudar a vida da família). Anaya, estudante de Agronomia, inclusive aponta os limites dessa realização futura, mas no pensamento é “correr atrás do que é meu”, grafando um projeto.
Segundo Schutz (1979), nas relações sociais a experiência presente (no nosso caso, estar na universidade) não é alimentada somente pelas experiências passadas e lembranças, mas também por idealizações e antecipações, pelo que se espera acontecer no futuro, ainda que traga indeterminações, referindo-se assim a “ocorrências que se espera que aconteçam imediatamente (...) e antecipações de eventos mais distantes no tempo, com os quais espera-se que a experiência presente se relacione” (SCHUTZ, 1979, p. 135).
A fala de Anaya elaborada com a metáfora da universidade como “uma janelinha, uma luzinha no final do túnel”, vincula-se a criação pela imaginação que, segundo Schutz (1979, p. 138), é um meio para projetar algo: “todo projetar consiste numa antecipação da conduta futura por meio da fantasia... Porém projetar é mais do que apenas fantasiar. O projeto é a fantasia motivada pela intenção posterior, antecipada de desenvolver o projeto”.
A metáfora, para Gauthier (2004, p. 131), é relevante para análises enunciativas como essa, pois “elabora um conflito, uma tensão (...) entre a língua e o real (pois a metáfora visa a algo que está dado, que não está presente, ela dá vida a um produto da imaginação)”. Assim, essa característica “de se dar entre os significados e entre a língua e o mundo” faz da metáfora “um potente instrumento de identificação do sentido que os sujeitos projetam no mundo” (GAUTHIER, 2004, p. 132).
A forte conexão da imaginação por meio de metáforas com a projeção da vida, presente nas falas de Niara e Anaya, explicita que estar na universidade é representado como o planejamento de mudanças e transformações: a inserção na universidade apresenta-se como possibilidade de enxergar um caminho futuro viável onde ocorra a melhoria das condições de vida.
Ao que se pode perceber até agora, as pessoas entrevistadas entendem que a universidade pode propiciar mudança em suas posições sociais e na de suas famílias. Desse modo, os significados de estar na universidade parecem estar espelhados em expectativas individuais e coletivas/familiares. A família aparece como elemento fundamental e mobilizador na forma como estudantes significam estar na universidade. O ingresso no ensino superior é visto como uma conquista e um sonho, além de individual, familiar.
Acho que seria uma abertura para um mundo de várias possibilidades. Um sonho, uma realização tanto minha quanto dos meus pais. (Shena, estudante de Arquitetura e Urbanismo).
Eu acho que é uma grande conquista, né? Além de eu estar realizando um sonho que eu sempre quis, é um sonho que os meus pais quiseram pra eles há muito tempo atrás e não tiveram oportunidade. Então, eles lutaram pra falar assim: “hoje eu vou dar pro meu filho o que eu não pude ter”. Então, eu acho que, além de ser uma conquista para mim, é uma conquista pra minha família e pros meus pais. (Akin, estudante de Engenharia de Produção).
A universidade como um sonho individual e familiar reitera um pressuposto, segundo Diana Dias e Maria Sá (2014, p. 61), de que para famílias de estudantes de primeira geração, isto é, que são primeiros do núcleo familiar a ingressarem no ensino superior, isso ocorra com muito entusiasmo, alegria e confiança, pois “através da maior qualificação de um dos seus membros, toda a família vê o seu estatuto social melhorado”.
A mobilização das famílias é tão expressiva que Ymazi, estudante de Agronomia, nos conta que estar na universidade talvez seja um sonho mais da família do que dele, indicando como as famílias veem e vislumbram a escolarização como um espaço importante para desenvolvimento da sua prole.
A universidade eu idealizei muito, talvez, seja um sonho mais de família do que meu, de tá ingressando em um curso superior, de ser o primeiro a ingressar, vai ser o primeiro engenheiro, e tá acessando uma Federal, e a família fica toda encantada. Talvez a gente não tem esse vislumbre que a família que tá lá fora veja, mas que, pra mim, a universidade é a porta que tá aprimorando aquilo que já aprendemos na vida com movimento e acho que é isso. É bem tecnicista aqui dentro. Pra mim é pra aprimorar a técnica. (Ymazi, estudante de Agronomia).
Este relato de Ymazi é muito interessante por evidenciar um vislumbre da família com a Universidade e como o sonho da família talvez seja maior que o dele. Norbert Elias (2001b) investe muito na premissa de que os indivíduos não podem ser vistos isoladamente, mas relacionados numa cadeia de gerações e configurações específicas. Numa entrevista, Elias é questionado se o fato de o trabalho ter se tornado tão importante para ele teria sido resultado de opção pessoal e a resposta foi: “nunca acho que se possa dizer que determinada atividade seja resultado de uma opção pessoal” (ELIAS, 2001a, p. 11). Assim, reforça os principais pressupostos de que vivemos em figurações, somos interdependentes.
Para Elias (2001b) a auto-imagem de uma pessoa como ser plenamente autônomo pode refletir sentimentos concretos de solidão e isolamento emocional. Para ele, essas tendências “são bastante características da estrutura de personalidade específica das pessoas de nossa época em sociedades altamente desenvolvidas e do tipo particular de individualização que nelas prevalece” (ELIAS, 2001b, p. 66). Mas “quer se queira ou não, um indivíduo é sempre membro de grupos” (ELIAS, 1997, p. 28).
De acordo com Nogueira (2005), algumas famílias incitam o êxito escolar dos/as filhos/as por meio das atitudes de valorização, interesse e encorajamento aos estudos. Nesse sentido, mães e pais se mobilizam, lançam mão de várias estratégias visando o sucesso escolar da prole.
Os pais tornam-se, assim, os responsáveis pelos êxitos e fracassos (escolares, profissionais) dos filhos, tomando para si a tarefa de instalá-los da melhor forma possível na sociedade. Para isso mobilizam um conjunto de estratégias visando elevar ao máximo a competitividade e as chances de sucesso do filho, sobretudo face ao sistema escolar, o qual, por sua vez, ganha importância crescente como instância de legitimação individual e de definição dos destinos ocupacionais (NOGUEIRA, 2005, p. 572).
Essa reflexão reforça nossa perspectiva de que cotistas na Universidade precisam ser entendidos como membros de grupos familiares e que estão ali como tais, representando sonhos coletivos. Deixando suas famílias também se inserirem na Universidade levando para estes grupos muito de suas experiências pretéritas, enriquecendo vivências que eram mais restritas a grupos brancos.
Apesar disso, Ymazi e outras pessoas entrevistadas, acabam por ver a Universidade como um espaço mais exclusivo de aprendizagem e aprimoramento da técnica. Jahi e Talib entendem a universidade como um lugar exclusivamente para profissionalização, enfatizando que a universidade se limita a uma aprendizagem tecnicista e não dialoga com a sociedade.
Um caminho pra profissionalização. Não considero mais que isso, assim. E não tenho muitos planos pra depois da graduação de seguir carreira acadêmica. Posso mudar minha opinião, mas não tenho vontade. Gostaria de trabalhar com educação, não com a palavra formação, mas com... nem direcionamento, mas mostrar um caminho, talvez, pra alunos de periferias, que eles podem chegar onde cheguei, eles podem estar independentemente da situação que eles encontram, eles podem estar em todos os espaços que eles quiserem, inclusive, da arte que é bem restrito por sinal e nem um pouco democrático. Inclusive, eu acredito que seja uma das críticas que eu tenha aos cursos de Artes nas Federais: eles não traduzem a realidade do país, seja de materiais que são caríssimos, seja de vivência, seja da disponibilidade integral que você tem que ter pro curso, e às vezes, nem é importante uma disponibilidade integral. (Jahi, estudante de Dança).
Oportunidade de aprimorar os meus conhecimentos e poder aplicar isso na sociedade depois, embora eu vejo a UFV errando muito nesse ponto, a gente tem muito conhecimento e não compartilha com a cidade. Mas eu vejo a universidade como essa ferramenta para expandir os conhecimentos e retornar depois para a sociedade, principalmente para o local onde eu moro, minha comunidade. (Talib, estudante de Física).
Os dois estudantes reiteram, criticamente, que a universidade é um espaço para se profissionalizar. São contundentes ao negar que a universidade dialogue com toda a sociedade. O retorno do aprendizado construído na UFV para as suas comunidades e a sociedade em geral é uma tônica evocada por Jahi e Talib. Eles planejam futuramente dialogar e compartilhar conhecimentos com a sociedade.
É importante destacar como o significado da universidade é mutável e complexo. Daren e Kito, estudantes de Educação Física e História respectivamente, nos relatam mudanças em suas visões sobre a universidade: suas expectativas e imaginações de ser um espaço de pluralidade/diversidade, respeito e debate político, são confrontadas com as vivências que os fazem enxergar apenas como um espaço de formação profissional, ou ainda de competição, segregação e exclusão.
Ai! O que significa pra mim? Na verdade, eu antes via a universidade como espaço de pluralidade, diversidade, de respeito. Porém, essa visão minha foi totalmente distorcida depois que eu vim pra cá, depois que eu comecei a ver de fato o que acontece dentro das universidades. Eu vejo a universidade hoje, simplesmente, como um espaço de formação profissional e sequer a gente recebe subsídio pra formação política e humana. Então, a visão que eu tinha antes de ser um espaço plural, de grande debate político, de aceitação, de respeito, pra mim hoje se tornou, simplesmente: a universidade é um espaço de formação profissional. (Daren, estudante de Educação Física).
Pelo menos o que deveria significar um espaço de acolhimento, sabe? Pra gente crescer junto e não ter essa segregação que tem, das pessoas ficarem competindo, excluindo as outras. (Kito, estudante de História).
De acordo com Morosi e Felicetti (2019, p. 109), grande parte das pesquisas com estudantes de primeira geração tem apontado o fato destes “não se sentirem representados na cultura universitária da qual oficialmente fazem parte, em outras palavras, o meio acadêmico é novo para eles em todos os sentidos, especialmente por serem os primeiros da família a desbravarem tal contexto”.
Se, por um lado, estes/as entrevistados/as veem a universidade como um espaço que não é aberto para a pluralidade, por outro lado, alguns/mas a veem como um lugar possível para alteridade, de estar em encontro com as diferenças. A universidade como um local para lidar, aprender e aceitar as diferenças, ou nas palavras de Akin, estudante de Engenharia de Produção, lidar com “culturas novas”.
Acho que uma oportunidade de conhecimento, de estar em contato com outras pessoas, gente diferente e de aprendizado, principalmente, eu acho, acho que é isso. (Núbia, estudante de Engenharia Mecânica).
Oportunidade, né? De agregar conhecimento, de conhecer pessoas novas, de enriquecer, de abrir a mente, por que não?! (Kumi, estudante de Zootecnia)
Estar dentro da universidade é também uma questão de crescimento, eu cresci muito depois que entrei aqui. Melhorei muito, academicamente, pessoalmente, profissionalmente. É uma coisa que é grandioso, a universidade, a gente aprende muita coisa nova, aprende a lidar com culturas novas, a gente aprende a aceitar culturas novas, então, eu acho que a universidade, ela traz muitos benefícios pra gente. Seria, então, uma conquista pra nossa vida. (Akin, estudante do Engenharia do Produção)
Dessa vez é Kumi, estudante de Zootecnia, que elabora seu significado de estar na universidade a partir de uma metáfora: uma oportunidade para “abrir a mente”. Frequentar a universidade, para ele, assim como para Akin e Núbia, torna-se uma ocasião favorável para ampliar seus repertórios de diálogo com as diferenças e conhecer novas visões de mundo. Ao que parece, o contato com a diversidade gera um aprendizado e convivência. A universidade é compreendida como espaço que possibilita a relação e o encontro com outras pessoas, grupos e culturas, elaborado conforme nossos/as entrevistados/as, como uma representação positiva, enriquecedora e benéfica de suas inserções no ensino superior.
A trajetórias destes agentes demonstram como interpretações individuais e vivências coletivas se imbricam num processo complexo. Não trabalhamos com histórias de vida, mas analisando trajetórias. Não obstante, acreditamos que tanto a análise de trajetórias como “histórias de vida continuam sendo instrumentos fundamentais para a compreensão e análise de relações sociais, de processos culturais e do jogo sempre combinado entre atores individuais e experiências sociais, entre objetividade e subjetividade” (KOFES, 1994, p. 140).
Este texto teve como objetivo analisar as representações sociais de estudantes negros/as cotistas a respeito de suas inserções na UFV. A presença desses agentes na universidade se deu pela ampla e histórica conquista de movimentos sociais e agentes coletivos, especialmente dos movimentos negros, que deram visibilidade às desigualdades sociais e raciais que praticamente impediam a presença de pessoas mais pobres e negras de estarem nas universidades brasileiras.
Sabe-se que esse acesso ainda é limitado e atravessado por outras clivagens e que mesmo depois as desigualdades não são transfiguradas em igualdades de aprendizados e condições, não se anulam a partir da matrícula. Não obstante, não se pode minimizar os efeitos sociais dessas conquistas. São agentes únicos de gerações de negros e negras que não puderam frequentar aulas em uma universidade e, por isso levam consigo os sonhos de suas famílias. Não são estudantes que decidiram sozinhos/as lutarem por cursar o ensino superior, mas estão ali representando sonhos de seus pais, mães, tios/as, avós/ôs e demais familiares. Assim, não é gratuito que afirmem que há um “vislumbre da família” ou que a família fica toda “encantada”.
Os/as estudantes representam sonhos de gerações de negros e negras de estarem na Universidade. Há uma expectativa de que a conquista acadêmica redunde em conquista econômica que possa contribuir para uma vida mais confortável para si e seus familiares. Há uma demonstração de que sonhos individuais e coletivos se confundem no processo de formação destes agentes. Muitos percebem que aprendem mais que a parte técnica, relatando crescimento pessoal e capacidade de lidar com a diversidade. Também percebem que os sonhos de bens materiais não se realizam automaticamente.
Alguns dos agentes ponderam que há necessidade de maior pluralidade na Universidade e que esta acaba por se reduzir muito à parte técnica e investe pouco na formação humana e no diálogo com a sociedade. São agentes que passam por processos de vivências em que saem do imaginário aos desafios cotidianos na vida universitária, apontando necessidade de mudanças e tencionando o imobilismo acadêmico.
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A pesquisa intitulada “Trajetórias sociais de estudantes negros/as cotistas na Universidade Federal de Viçosa” foi realizada entre agosto de 2016 e julho de 2017 e teve financiamento do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC/CNPq).↩
A reserva de vagas para pessoas com deficiência foi implementada somente a partir de 2017 devido a aprovação da Lei 13.409 de 28 de dezembro de 2016.↩
Silva et al. (2018) analisaram teses e dissertações defendidas em programas de pós-graduação stricto sensu em Educação; artigos publicados em periódicos Qualis A e B na área da Educação e livros produzidos pelos Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros (NEABs) e grupos correlatos.↩
Ao realizarem um estado da arte da produção acadêmica sobre relações raciais no campo da sociologia, Barreto et al. (2017) demonstram que nos últimos quarenta anos esses estudos estabeleceram interfaces com outras áreas (como gênero, políticas públicas, dentre outras), deixando de ser um campo isolado dos demais. As autoras delimitaram essa produção em três subáreas temáticas: a) preconceito, discriminação, racismo e antirracismo; b) desigualdade racial e estratificação social e c) políticas sociais.↩
Campos e Gomes (2016) analisaram artigos acadêmicos sobre relações raciais publicados nas principais revistas acadêmicas de Ciências Sociais do Brasil, disponíveis no portal Scielo, no período de 1994 a 2013.↩
Resumo:
O objetivo deste artigo é apresentar uma análise de representações sociais de estudantes cotistas negros/as sobre o significado de suas inserções na Universidade Federal de Viçosa (UFV). Como procedimento metodológico, realizamos dezesseis entrevistas com estudantes cotistas negros/as dos mais diversos cursos de graduação em Viçosa. A pesquisa revela que o sonho de estudar numa reconhecida Universidade é do indivíduo e de suas respectivas famílias. Ambos, família e estudante, têm a expectativa de que em decorrência dos estudos os/as jovens possam ter bons empregos e acesso a recursos materiais que minimizem suas dificuldades e de seus familiares. As vivências na Universidade lhes revelaram que essa tem uma formação humanística deficitária e que precisaria promover maior diálogo com a sociedade que a circunda, assim a presença destes agentes pode contribuir para reflexão sobre potencialidades e limitações da formação universitária.
Palavras-chave:
Negros/as; cotistas; universidade.
Abstract:
The objective of this paper is to present an analysis of social representations of black quota students on the meaning of their insertions at the Federal University of Viçosa (UFV). As methodological procedure, we conducted sixteen interviews about the trajectories of black quota students from the most diverse undergraduate courses in Viçosa. The research reveals that the dream of studying at a recognized University is of the individual and their respective families. Both, family and student, expect that as a result of their studies, young people may have good jobs and access to material resources that minimize their family members’ difficulties. The experiences in the University revealed that she has a deficit humanistic formation and that it would need to promote greater dialogue with the society that surrounds it, like this the presence of these agents can contribute to reflection on the potentialities and limitations of university formation.
Keywords:
black; quotaholders; university.
Recebido para publicação em 25/05/2020
Aceito em 06/10/2020