Revista de Ciências Sociais — Fortaleza, v. 53, n. 3, nov. 2022/fev. 2023
DOI: 10.36517/rcs.2022.3.a04
ISSN: 2318-4620

 

 

Colonialidade do poder, educação e movimentos sociais na América Latina:
novos caminhos a partir de ocupações secundaristas?

 

Hugo de Oliveira OrcID
Universidade Federal de Goiás, Brasil
hugodeoliveira03@gmail.com

Eliane Gonçalves OrcID
Universidade Federal de Goiás, Brasil
elianego@ufg.br

 

Introdução

A educação pública escolar tem ocupado um lugar contraditório no desenvolvimento e nas lutas por justiça social nos países da América Latina. De um lado, ela é vista como um problema, devido a sua configuração excludente, autoritária e eurocêntrica. Por outro, ela é um elemento fundamental para a libertação social. A tensão entre esses dois polos é visível no debate entre movimentos sociais e o Estado, que tem resultado em diversos projetos, intervenções e transformações educacionais no continente.

A dimensão problemática da educação está ligada a três tipos de dominação: o colonialismo, o capitalismo e o patriarcado. Essas formas de sujeição se articulam na criação de uma realidade complexa e desigual, marcada por hierarquias sociais baseadas em gênero, raça e classe (CARNEIRO, 2005; 2018; DAVIS, 2016; FEDERICI, 2017; 2019; GONZALEZ, 2018; KILOMBA, 2019; NASCIMENTO, 1978), que se articulam em estruturas de longa duração como a colonialidade do poder (CASTRO-GOMEZ, 2005; LUGONES, 2008; MALDONADO-TORRES, 2018; MIGNOLO, 2003; 2005a; 2005b; 2010; QUIJANO, 1992; 1999; 2005; 2010; QUIJANO e WALLERSTEIN, 1992) e eixos de poder e subordinação (CRENSHAW, 2002, 2004). Essa configuração se materializou, em grande medida, através do Estado e de suas instituições, que privilegiam um tipo de subjetividade marcada como branca, masculina, eurocêntrica, heterossexual, cisgênero e de classes com alto poder econômico. Por isso, as escolas e universidades públicas podem ser lidas através dessa perspectiva, pois materializaram os interesses das elites nacionais em criar Estados-nação a partir de ideais de branqueamento e masculinidade identificados com as sociedades europeias (GROSFOGUEL, 2011; 2012; 2016; CASTRO-GOMEZ, 2007; CARVALHO, 2001; 2003; 2005; 2006; DÁVILA, 2006).

Por outro lado, nessas sociedades a educação legitimada pelo Estado é vista como uma forma de ascensão social e está ligada a melhores condições de vida e de trabalho. Por isso, ela também foi reivindicada por diferentes grupos sociais como um direito que deveria ser garantido pelo governo. Além disso, os/as sujeitos/as envolvidos/as nas práticas e dinâmicas educacionais também construíram perspectivas críticas que dão um caráter libertador ao ensino. Se pensarmos para além da educação pública encontraremos uma série de projetos educacionais populares, materializados sobretudo pelos movimentos sociais, onde a prática de luta expande os significados da educação e do que é considerado conhecimento, valorizando saberes subalternizados pela configuração do conhecimento científico ocidental.

Neste artigo analisamos a configuração dessa contradição a partir do contexto da América Latina, com atenção especial no Brasil. Para isso, fizemos uma análise da configuração da educação estatal a partir da dominação colonial, tomando como principais marcos as mudanças no sistema mundo moderno-colonial, que orientaram os projetos educacionais do Estado. Assim, numa perspectiva histórica, construída através de revisão bibliográfica, investigamos as relações entre uma missão cristianizadora, promovida por Espanha e Portugal entre os séculos XVI e XVII, e uma civilizadora, levada a cabo pela hegemonia global de Inglaterra, França, e Alemanha a partir do século XVIII, e a configuração do sistema educacional na América Latina. Tais períodos se articulam com mudanças como o fim da educação jesuítica, a preocupação com a formação de cidadãos e cidadãs através da educação escolar, projetos educacionais eugênicos, entre outros.

Em seguida, apresentamos um breve panorama sobre os movimentos sociais engajados na transformação da educação no continente. Entre os diferentes contextos históricos e táticas de mobilização, destacamos a dimensão pedagógica desses movimentos, criando novas perspectivas e caminhos para a educação a partir da ação popular. Depois, analisamos os movimentos de ocupações secundaristas de 2015 e 2016 a partir dos resultados de uma pesquisa qualitativa, que foi realizada entre 2016 e 2017, na cidade de Goiânia, Goiás. Nela utilizamos observação participante e entrevistas em profundidade com roteiro semiestruturado, com jovens mulheres que, por conveniência, chamamos de “lideranças”, como será detalhado no decorrer da exposição. Como em outras cenas de ocupações Brasil afora, as “meninas” foram as protagonistas ou os sujeitos políticos dessas ações1 (LEITE, 2017; SILVEIRA; GROPPO, 2019) na cidade de Goiânia.

As entrevistas, após agendadas e realizadas, foram gravadas e depois transcritas. As vozes que apresentamos na discussão que se seguirá na terceira parte do artigo são de três jovens com idade entre 16-18 anos, autodeclaradas branca (uma) e negra (duas), todas estudantes de escolas públicas: federal (CEPAE/UFG) e estadual (Colégio Lyceu de Goiânia e Colégio Estadual Ismael Silva de Jesus). Tendo por eixo teórico-metodológico a perspectiva decolonial para pensar a educação no Brasil e na América Latina, as perguntas que motivaram as entrevistas estavam relacionadas às propostas e às noções de novos projetos de escola que os/as secundaristas construíram criticamente após a mudança de percepção gerada pelos movimentos de ocupação. Que outra escola queriam? Como ela seria? Haveria um tema, uma metodologia/pedagogia que a caracterizaria? Um tipo específico de espaço físico? Ou era tudo ou nada disso?

Educação e colonialidade do poder na América Latina

A América Latina como uma unidade histórica começou a ser construída com a formação de uma nova zona de contato, que pode ser compreendida como um “espaço social onde culturas díspares se encontram, se chocam, se entrelaçam uma com a outra, frequentemente em relações extremamente assimétricas de dominação e subordinação” (PRATT, 1999, p. 27). Assim, ela carrega perspectivas históricas contraditórias sobre sua formação, pois seus Estados-nação foram construídos a partir da dominação, exploração e do conflito entre colonizadores, povos originários e os povos traficados e escravizados. Por isso, as noções de “invenção/criação” e “descobrimento” se opõem como dois paradigmas. Enquanto as primeiras evocam uma dimensão interativa, carregando presenças espaciais e temporais conjuntas, que constituem sujeitos a partir de práticas interligadas dentro de relações assimétricas de poder, e, portanto, se adequam ao conceito de zona de contato, a segunda, “descobrimento”, aponta para separação e segregação, baseadas na negação da contemporaneidade e na imposição de uma história única a partir da diferença colonial. O paradigma da “invenção/criação” reflete “o ponto de vista crítico daqueles que foram deixados de lado, daqueles de quem se espera que sigam os passos do progresso contínuo de uma história a qual não acreditam pertencer”, enquanto o de “descobrimento”, “é parte da perspectiva imperialista da história mundial adotada por uma Europa triunfal e vitoriosa, algo que se conhece como <modernidade>” (MIGNOLO, 2005, p. 27, tradução nossa).2

Segundo o filósofo argentino Enrique Dussel (2005), o conceito de modernidade tem sido utilizado, desde uma perspectiva eurocêntrica e hegemônica, como uma forma de “emancipação, uma saída da imaturidade por um esforço da razão como processo crítico, que proporciona à humanidade um novo desenvolvimento do ser humano” (DUSSEL, 2005, p. 27). Assim, ela é vista como um fenômeno estritamente europeu, que se deu a partir de eventos como a Revolução Francesa, o Renascimento Italiano, a Reforma Alemã e a Revolução Industrial, tornando esse continente o único capaz de produzir saber científico e universal. No entanto, essa narrativa esconde e exclui a importância das Américas e da África, sem as quais seria impossível o desenvolvimento do capitalismo e da própria modernidade (DUSSEL, 2005).

Além disso, o mito da modernidade justifica e carrega a prática sacrificial das populações não europeias. Uma vez que a Europa se auto concebeu como a civilização mais desenvolvida, se torna, para ela, uma obrigação moral desenvolver a/o bárbara/o que resiste à europeização, tornando necessário o uso da violência para que se alcance o alto grau de evolução ocidental. Para o colonizador, os/as que resistem carregam uma culpa, que permite à modernidade apresentar-se como inocente e emancipadora; seu caráter civilizatório torna inevitável o sofrimento do outro (DUSSEL, 2005). Por isso, ela não pode ser compreendida sem sua contraparte, a colonialidade.

Esse conceito evidencia a destruição dos sistemas culturais, políticos, econômicos, educacionais, entre outros, que formaram um fluxo de poder e capital para a Europa e possibilitaram a acumulação de riquezas, conhecimentos e experiências na “emancipação” europeia (DUSSEL, 2005). Portanto, a formação do sistema mundo moderno/colonial, a partir de 1492, é acompanhada pela emergência de um padrão de poder global, a colonialidade do poder, que determinou a subalternização e construção dos Estados-nação latinoamericanos (MIGNOLO, 2003; QUIJANO; WALLERSTEIN, 1992). Além do colonialismo externo, marcado pela relação colônia-metrópole, esse processo também resultou no colonialismo interno, caracterizado pela dominação de elites nacionais identificadas com os padrões culturais europeus, que exerceram projetos internos de dominação baseados em hierarquias raciais, de gênero e classe. Por isso, a colonialidade:

[...] Não se trata somente de uma subordinação de outras culturas a respeito da europeia, em uma relação exterior. Se trata de uma colonização das outras culturas, embora sem dúvida em intensidade e profundidades diferentes dependendo do caso. Consiste, antes de tudo, em uma colonização do imaginário dos dominados. Ou seja, atua dentro desse imaginário. De certa forma, é parte dele. Esse foi o produto, no início, de uma repressão sistemática não apenas de crenças, ideias, imagens, símbolos ou conhecimentos específicos que não serviam para a dominação colonial global. A repressão recaiu, sobretudo, sobre os modos de conhecer, de produzir conhecimento, de produzir perspectivas, imagens e sistemas de imagens, símbolos, modos de significação; sobre os recursos, padrões e instrumentos de expressão formalizada e objetivada, intelectual ou visual. Seguiu-se a imposição do uso de padrões de expressão próprios dos dominantes, bem como de suas crenças e imagens referentes ao sobrenatural, que serviram não só para impedir a produção cultural dos dominados, mas também como meios muito eficazes de controle social e cultural, quando a repressão imediata deixou de ser constante e sistemática (QUIJANO, 1992, p. 12, tradução nossa)3

A colonialidade foi criada pelo colonialismo, mas não se limitou a ele. Ela representa o controle das formas de economia, autoridade, natureza e dos recursos naturais, gênero e sexualidade, subjetividade e conhecimento (BALLESTRIN, 2013). Ela estrutura as relações sociais não apenas no nível local, mas também global. É a colonialidade que define quais conhecimentos devem ser considerados, quais línguas devem ser lidas e os lugares que os diferentes e hierarquizados corpos devem ocupar a partir de quatro pontos principais:

  1. Classificação e reclassificação da população do planeta [...];

  2. Uma estrutura funcional institucional para articular e administrar tais classificações (aparato de Estado, universidades, igreja, etc.).

  3. A definição de espaços adequados para esses objetos;

  4. Uma perspectiva epistemológica para articular o sentido e o perfil da nova matriz de poder e a partir do qual canalizar a nova produção de conhecimento. (MIGNOLO, 2003, p. 41).

A emergência da zona de contato entre a Europa e as Américas levou a duas transformações no imaginário do sistema mundo moderno/colonial nos séculos XVI e XVIII, a primeira liderada por Espanha e Portugal e a segunda por Inglaterra, França e Alemanha, levando a intelectualidade europeia a repensar os limites da humanidade. Tomamos essas mudanças como marcos para pensar a constituição da educação na América Latina, pois elas funcionaram como instâncias centralizadoras de poder que orientaram as políticas e ideologias das metrópoles, colônias e, mais tarde, dos Estados nacionais recém independentes.

Foi dentro desse panorama que surgiu uma das primeiras tentativas de estabelecer um cânone de direito internacional conhecido como “direito dos povos”. Nele, os povos originários das Américas foram caracterizados como vassalos do rei e servos de Deus e, assim, elas/es não poderiam ser escravizadas/os, deveriam ser instruídas/os e convertidas/os ao cristianismo (MIGNOLO, 2003). Essa ideia foi determinante para definir a estrutura e os objetivos do projeto educacional colonial — obediência aos dominadores, disciplina severa e rígida, hierarquia de estrutura militar — que deveriam ser alcançados através da catequização e alfabetização na língua colonial portuguesa ou espanhola. Dessa forma, as escolas surgiram como instituições de dominação colonial na América Latina.

No Brasil, o primeiro projeto educacional foi jesuítico (1549–1759), fruto de uma associação entre o Estado emergente e a Igreja Católica. Ele teve papel central no projeto de criar uma nova sociedade baseada nos padrões europeus, que deveria suplantar a ordem originária solapada pela dominação colonial. Além de converter os povos originários em servos/as católicos/as do rei de Portugal, a educação jesuítica também foi importante para a formação de uma elite que ia estudar nas universidades portuguesas e que teve um importante papel na constituição do Estado nacional (SHIGUNOV NETO; MACIEL, 2008; MIGNOLO, 2003).

Essa configuração se transformou no século XVIII a partir de outra mudança no imaginário do sistema mundo moderno/colonial. Os processos de independência dos países latinoamericanos e a ascensão das novas potências coloniais europeias — Inglaterra, França e Alemanha — desloca Portugal e Espanha para as margens internas da Europa, levando ao fortalecimento da missão civilizadora em detrimento da cristã. Se o primeiro projeto, o jesuíta, teve como objetivo “catequizar os/as bárbaros/as”, incorporando-os/as à ordem colonial, o segundo projeto teve como objetivo criar subjetividades disciplinadas e pertencimentos nacionais. Assim, o Estado passou a operar numa lógica disciplinar de produção do/a cidadão/ã médio/a, civilizado/a, que estivesse preparado/a para exercer um papel ou ofício dentro da divisão internacional, racial e sexual do trabalho ao mesmo tempo em que se aproxima da ideia de nação, na tentativa de produzir o pertencimento a uma comunidade imaginada (CASTRO-GOMEZ, 2005; CARVALHO, 1990). No Brasil, essa mudança afetou diretamente o projeto educacional e, não por acaso, em 1759 os jesuítas foram exilados da colônia por um decreto de lei assinado pelo Marquês de Pombal (SHIGUNOV NETO; MACIEL, 2008; MIGNOLO, 2003).

O novo projeto educacional do país tinha o objetivo de unificar a formação das camadas letradas. Ele proibiu a língua geral, uma língua de contato de base indígena utilizada pela maior parte da população, e decretou a língua portuguesa como veículo único para a educação estatal. Assim, a elite intelectual letrada, formada a partir da educação jesuítica e europeia, que administrava a colônia foi responsável por desenvolver um projeto de colonialismo interno, levando a cabo a missão civilizadora iniciada pelos colonizadores (ALMEIDA, 2008; CASANOVA, 2006; PAIVA, 2008).

Desse momento em diante, a escola colonial se tornou a norma estabelecida para a sociedade brasileira. A independência do país não gerou grande impacto nesse processo, uma vez que ela foi realizada pelas elites brancas que não tinham como objetivo a descolonização, mas seguir o caminho da metrópole na constituição de um Estado nacional (MIGNOLO, 2003). Com o tempo, as constituições e emendas constitucionais seguintes tornaram o ensino obrigatório e determinaram ao Estado a obrigação de oferecer o ensino público (CURY, 2007).

[...] se a constituição define formalmente um tipo desejável de subjetividade moderna, a pedagogia é a grande artífice de sua materialização. A escola transforma-se num espaço de internamento onde se forma esse tipo de sujeito que os ideais reguladores da constituição estavam reclamando. O que se busca é introjetar uma disciplina na mente e no corpo que capacite a pessoa para ser “útil à pátria”. O comportamento da criança deverá ser regulamentado e vigiado, submetido a aquisição de conhecimentos, capacidades, hábitos, valores, modelos culturais e estilos de vida que lhe permitam assumir um papel produtivo na sociedade (CASTRO-GÓMEZ, 2005, p. 82).

A escola continua a ser importante na reprodução da colonialidade porque juntamente com outras instituições ela determina as línguas do conhecimento (que devem ser as dos países europeus), mantém uma hierarquia racial e de gênero, delimita qual deve ser o conhecimento (científico, objetivo, impessoal) e como pode ser aprendido (de forma autoritária e disciplinar). Além disso, ela funciona sob um modelo arbóreo e disciplinar, que estabelece fronteiras muito rígidas entre áreas de conhecimento e determina um cânone de autores/as por área sem o qual não é possível conhecer profundamente algum campo de estudos (CASTRO-GÓMEZ, 2005; 2007).

Tal modelo foi chamado de bancário por Paulo Freire (1987), pois visa à domesticação do ser humano na medida em que o adapta ao que está dado, fugindo a sua vocação real que é transformar a realidade. A principal característica desse tipo de educação é a dicotomia educador/a-educando/a, na qual o/a primeiro/a é o/a que sabe, disciplina, fala, escolhe conteúdos, enfim, o/a sujeito/a do processo pedagógico; em contrapartida, o/a educando/a é educado/a, disciplinado/a, escuta, recebe conteúdos na forma de depósito, é o objeto dessa relação. Como não há pedagogia neutra, devemos presumir que, mesmo a que não se diz posicionada, favorece a interesses particulares:

A estrutura do conhecimento oficial é também a estrutura da autoridade social. E por isso que predominam o programa, as bibliografias e as aulas expositivas como formas educacionais para conter os professores e os alunos nos limites do consenso oficial. O currículo passivo baseado em aulas expositivas não é somente uma prática pedagógica pobre. É o modelo de ensino mais compatível com a promoção da autoridade dominante na sociedade e com a desativação da potencialidade criativa dos alunos (FREIRE, 1986, p. 15).

Nessa perspectiva, o modelo de educação centrado na autoridade social, materializado na figura do/a professor/a, é também uma prática de violência epistêmica (CASTRO-GÓMEZ 2005; GROSFOGUEL, 2011, 2012, 2016; SANTOS 2006, 2007, 2008; SPIVAK, 2010), pois produz a passividade como margem de ação para os/as estudantes. A escola leva a adaptação a uma estrutura social autoritária, constrangimento das potencialidades subjetivas, políticas e epistêmicas através de um processo de subordinação, produzindo a sua desrealização como sujeitos/as de conhecimento.

Diante do exposto, podemos definir a educação nos países latinoamericanos a partir de três projetos. O primeiro deles teve uma relação direta com a dominação colonial num período de hegemonia de Espanha e Portugal, onde a educação foi organizada numa estrutura militar associada a um objetivo de conversão. O segundo esteve associado a formação de subjetividades disciplinadas e a cidadãos/ãs enquadrados no modelo do Estado nação, e foi desenvolvido a partir da hegemonia de Inglaterra, França e Alemanha no cenário global. Por último, temos uma configuração que surge como um continuum dos dois primeiros, articulando-os aos interesses de mercado da sociedade capitalista, baseados em modelos de depósito e passividade. Ainda assim, é a partir dessa estruturação autoritária que surgem processos de resistência e emancipação, que têm um longo histórico na América Latina e serão apresentados na próxima seção.

Escolas de luta: movimentos estudantis na América Latina

Embora a educação legitimada pelo Estado tenha se constituído a partir de uma perspectiva disciplinar, caracterizada pela subordinação dos/as estudantes a um modelo bancário de educação, no qual eles/elas são levados/as a assumir um papel apático e passivo diante da realidade social, os movimentos estudantis têm se mostrado uma das forças de mobilização e resistência na América Latina. Essa aparente contradição faz parte do movimento dialético de formação dos/as sujeitos/as ou “subjetivação”, processo pelo qual ocorre tanto a sujeição a uma norma quanto a “agência” que permite aos indivíduos formas particulares e históricas de resistência. (BUTLER, 2019). Nesse sentido, o poder não é apenas repressivo, mas também produtivo, a sujeição ao modelo de educação bancária também produz resistência e a potência dos movimentos estudantis.

Desde o século XX têm se multiplicado os exemplos de mobilização dessa categoria como na Reforma Universitária de Córdoba, onde os estudantes se mobilizaram na luta pela transformação da universidade num movimento que se espalhou da Argentina para o Chile, Peru, México, Uruguai, Bolívia, Paraguai, Colômbia, Cuba, entre outros; e na Revolução dos Pinguins em 2006 e 2011, quando mais de 600 mil estudantes lutaram por melhorias educacionais no Chile; e nas ocupações secundaristas de 2015 e 2016 no Brasil, quando as/os estudantes se opuseram a uma série de medidas retrógradas sobre a educação.

No Brasil, os/as estudantes têm participado de inúmeras mobilizações desde o período colonial — abolição da escravidão, criação de universidades, campanhas pela criação de empresas estatais, entre outras. O movimento estudantil brasileiro se institucionalizou durante o Estado Novo, com a criação da União Nacional dos Estudantes (UNE) em 1937 e da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES) em 1949. Por meio dessas organizações o movimento alcançou um caráter nacionalista, se engajando na luta antifascista, na nacionalização das riquezas geradas pela exploração dos recursos naturais, como na campanha “O petróleo é nosso”, e na oposição à Ditadura Militar, quando foram perseguidos/as e colocados na ilegalidade (FERREIRA, 2013).

Com a redemocratização do país, o movimento estudantil se reorganizou, mas já não alcança a hegemonia de outrora. No final do século XX, ganharam espaço outras questões importantes que mobilizam novos eixos de classificação e hierarquização social como sexualidade, raça e gênero, nos chamados novos movimentos sociais (GOHN, 2011), não sendo mais possível falar em uma unidade, mas em vários movimentos inter-relacionados. Os/as estudantes contam com múltiplos canais para a expressão política e, além disso, as táticas de luta também se renovam (MESQUITA, 2003),4 sendo um dos maiores exemplos os movimentos de ocupação sobre os quais discorreremos a seguir.

As ocupações secundaristas de 2015 e 2016, no Brasil, se inserem no contexto de resistência dos movimentos sociais na América Latina, que, a partir da década de 1990, tem como pano de fundo a luta contra políticas neoliberais (STRECK, 2006). A tática de ocupar algum espaço como forma de reivindicação social está presente na América Latina desde a resistência ao colonialismo com os quilombos e ganhou força a partir da década de 1970, quando o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) começou a fazer uso dessa tática na luta pela terra. Mais recentemente, as ocupações também foram utilizadas no Chile, na Revolta dos Pinguins. Esses movimentos têm relação mais ou menos direta com as ocupações secundaristas no Brasil. Em 2013, o coletivo O Mal Educado5 realizou a tradução do manual “Como ocupar um colégio” (2012), produzido durante a Revolta dos Pinguins, motivado por um estudante que tinha visitado o Chile em 2011. É possível traçar algumas semelhanças no que diz respeito às características históricas desses movimentos, uma vez que lutam por território, mas não no sentido estritamente ligado à terra.

A terra continua sendo o terreno comum de toda ação radical. Mas a terra é mais que pedras e árvores, a vida animal e vegetal que formam o território da nação Aztlán ou navajo ou maia mesoamericana. Tanto para o imigrante como para o nativo, terra são também as fábricas onde trabalhamos, a água que bebem nossos filhos, e o conjunto habitacional onde moramos. Para as mulheres, as lésbicas e os homossexuais masculinos, terra é essa massa física que denominamos nossos corpos. Em todas “las Americas”, todas essas “terras” permanecem ocupadas por um Estados Unidos anglocêntrico, patriarcal e imperialista. (MORAGA, 1991, p. 367).

A escritora feminista Cherie Moraga estava preocupada com a questão chicana na América do Norte, por isso tinha os Estados Unidos em seu horizonte como o opressor. No entanto, acreditamos que essa noção possa ser aplicada a diferentes contextos marcados pela colonialidade do poder, uma vez que os Estados nacionais controlam, até certo ponto, as ações dos indivíduos a partir de suas instituições e da violência de Estado (CASTRO-GÓMEZ, 2005). Assim, tudo aquilo que sofre interferência dele pode ser visto como um território, uma vez que se o governo proíbe o uso de drogas, o aborto ou limita os gastos públicos de alguma área, por exemplo, é sobre corpos e suas possibilidades que essas medidas têm efeito. Aproximando-se dessa perspectiva, Renata Aspis (2017) vê as ocupações como um território, na medida em que são determinadas pela presença de corpos. Para essa autora, as ocupações possibilitaram novas formas de existir, posicionar os corpos, fazer política e novos currículos.

Para Danilo Streck e Cheron Moretti (2013, p. 45), a pedagogia latino-americana também atua sobre territórios, pois “neles residem possibilidades de fazer comunicação, produzir conhecimento e construir política, permitindo tempos diversos, não lineares e a-históricos”. Embora esse autor e essa autora usem a América Latina como unidade para definir o tipo de pedagogia a qual estão se referindo, prefiro usar o termo que Streck utiliza em outros trabalhos (2012; 2013), “educação popular”, pois dentro deste continente existem formas distintas de pedagogia diferentemente orientadas.

No Brasil, a educação popular esteve historicamente vinculada aos movimentos sociais, está associada às lutas pela terra, trabalho, educação etc. Ela acompanha o movimento da sociedade, emergindo em diferentes espaços de realização (STRECK, 2012; 2013). As ocupações secundaristas são um deles. Dessa forma, podemos dizer que os movimentos sociais são espaços de educação na medida em que produzem suas próprias práticas pedagógicas e produzem outras formas de conhecimento, que podem se articular na reconstrução epistemológica para além da colonialidade do poder e do saber (STRECK, 2006; STRECK; ADAMS, 2012).

Os movimentos sociais criam condições para valorizar os saberes do próprio grupo como contraponto aos saberes que os mantém à margem e causaram o próprio movimento. Com isso, no entanto, colocam-se também como produtores de saberes (STRECK, 2006, p. 106).

A produção de saberes contra hegemônicos, as metodologias e as formas de organização dos movimentos sociais, em especial os de ocupação, fornecem possibilidades de inovação no campo da educação. Para que elas sejam aproveitadas na prática é preciso que se deixe de lado a distinção hierárquica entre a educação formal e a não-formal (popular), para que a indignação frente às condições de opressão possibilite às/aos oprimidas/os a oportunidade de encontrar sua voz, transformando-a em uma força potencializadora de mudanças (STRECK, 2006). Embora há alguns anos a legislação acerca dos conhecimentos necessários à educação escolar tenha se alterado no Brasil, caminhando em direção à descolonização do currículo e à interculturalidade (OLIVEIRA; CANDAU, 2010), a descolonização do espaço escolar não acontecerá apenas com a mudança de conteúdos, mas com toda a estrutura autoritária da escola.

Como demonstra em toda a sua defesa apaixonada de uma educação para a liberdade, bell hooks (2013) introduz na agenda pedagógica transformadora elementos historicamente eclipsados, conhecimentos subjugados e subjetividades invisibilizadas. Da mesma forma, aporta as dimensões afetivas do amor, do erotismo, da solidariedade entre as meninas e mulheres, que trariam para a educação novas linguagens, novas paisagens. Localizando suas reflexões no sistema educacional estadunidense, hooks afirma que, apesar da ampliação dos discursos em favor de uma educação multicultural em tempos recentes, há um fosso entre o discurso e a prática. Educadores/as progressistas e defensores da inclusão, das ações afirmativas, da diversidade sexual e de gênero podem sucumbir diante de uma sala de aula realmente diversa. Daí ser tão urgente que movimentos como os das ocupações apontem as contradições de um sistema ainda opressivo que seja capaz de forjar, inclusive, uma formação mais crítica e orientada para a diversidade às/aos próprios/as docentes.

Dessa forma, os movimentos estudantis produzem um caminho possível em direção à descolonização das instituições educacionais na América Latina. Os saberes e práticas que emergem das lutas sociais recolocam o potencial epistemológico da escola como instituição libertadora e produzem formas de subjetivação ativas baseadas na experiência de autonomia. Por isso, a articulação entre a teoria dos movimentos sociais e a colonialidade do poder é fundamental para enxergarmos as inovações educacionais das ocupações secundaristas. Partindo do panorama colocado até aqui, na próxima seção analisamos as entrevistas com três estudantes que participaram dos movimentos de ocupação no Brasil.

“A escola é nossa e é nossa mesmo”: a recolocação epistêmica das escolas como espaço de luta e libertação nos movimentos de ocupações secundaristas

Nos anos de 2015 e 2016, uma profusão de medidas autoritárias e projetos de lei retrógrados sobre a educação pública brasileira incitou uma série de debates, reflexões e mobilizações sociais no Brasil: o projeto de reorganização das escolas públicas do estado de São Paulo6; a tentativa de implementação de Organizações Sociais (OSs)7 na administração das escolas públicas de Goiás; a Proposta de Emenda Constitucional 55 (PEC 55)8; a Medida Provisória 746 (MP 746),9 mais conhecida como a Reforma do Ensino Médio e o movimento de militarização das escolas públicas.10 Dentre as inúmeras formas de resistência a tais medidas destacam-se os movimentos de ocupações secundaristas desses anos, que começaram em São Paulo, mas tiveram forte atuação nos estados de Goiás, Rio de Janeiro, Paraná, Rio Grande do Sul e Ceará.

Centenas de escolas foram ocupadas por estudantes num movimento de desobediência civil e ação direta, que foi idealizado a partir da horizontalidade, independência, autonomia e autogestão. Os/as ocupantes recusaram bandeiras partidárias e lutaram contra a cooptação do movimento, mas também receberam apoio de algumas entidades políticas como a União Nacional dos Estudantes (UNE), o que indicava um certo apartidarismo. Contudo, a experiência das estudantes mostrou que a horizontalidade precisou ser construída performativamente e não escapou aos conflitos. As próprias participantes deste estudo relataram como separações sexistas estavam presentes no começo das ocupações. Por exemplo, num primeiro momento de divisão de tarefas os estudantes defenderam que as estudantes ficassem em comissões de limpeza e cozinha, enquanto eles ficariam nas de segurança. Tais posturas foram questionadas e problematizadas nas ocupações para que elas alcançassem uma configuração mais igualitária. Além disso, sua principal forma de organização foram as assembleias, onde elas/eles se reuniam e criavam comissões responsáveis pelo gerenciamento do espaço físico ocupado, pela divulgação do movimento, organização de atividades, alimentação, segurança, entre outras (PIOLLI; PEREIRA; MESKO, 2016).

Nesta seção, apresentaremos a análise de entrevistas em profundidade realizadas com estudantes que participaram dessa mobilização no estado de Goiás, mais especificamente na cidade de Goiânia. A partir das falas das alunas, pudemos pensar as principais características do movimento, a dimensão pedagógica dos movimentos sociais e a recolocação epistêmica da escola como espaço de luta e libertação. Participaram deste estudo: Ana Júlia, autodeclarada branca, na época com 17 anos e estudante de uma escola pública federal, o Centro de Pesquisa e Ensino Aplicado à Educação (CEPAE); Regiane, autodeclarada negra, na época com 16 anos e estudante do Colégio Estadual Ismael Silva de Jesus; e Ana Beatriz, autodeclarada negra, na época com 18 anos, tendo estudado no Colégio Lyceu de Goiânia, ambos colégios públicos estaduais. A partir de conversas com ocupantes e de observação participante, essas estudantes foram selecionadas em virtude de suas posições de liderança. Além disso, optamos por desenvolver o estudo apenas com as “lideranças femininas” devido a uma das características mais importantes desse movimento, o protagonismo das mulheres jovens.

As estudantes apresentaram diferentes visões sobre as ocupações. Mesmo que as três tenham considerado sua participação como um momento positivo de formação, suas trajetórias pessoais diversificadas geraram diferentes percepções do movimento. Por isso, as ocupações não podem ser tomadas como um conjunto homogêneo de ações políticas, uma vez que cada uma surgiu a partir de diferentes contextos e funcionou conforme regras estabelecidas a partir deles. Essa heterogeneidade aparece nas entrevistas, nos relatos sobre as diferenças notadas nas visitas que as estudantes fizeram entre as escolas, e dizem respeito a regras e formas de organização. Apesar da heterogeneidade algumas características e particularidades se repetiram e foram amplamente abordadas na literatura sobre o tema (ASPIS, 2017; CAMPOS, MEDEIROS; RIBEIRO 2016; CORSINO; ZAN, 2017; GROPPO 2017; PIOLLI, PEREIRA; MESKO, 2016; SANTANA; DIAS, 2016).

Em geral, o processo de ocupação se deu de forma semelhante, um grupo de estudantes toma a decisão de ocupar, auxiliado por pessoas de fora ou não, chegam à escola mais cedo no dia decidido e trocam os cadeados aguardando a comunidade escolar para notificá-la da situação. O primeiro dia foi considerado o mais tenso, sendo que a resistência da comunidade variou entre as instituições, no CEPAE foi bastante forte, enquanto no Ismael foi tranquila. Elas tiveram que lidar com pais furiosos que não aceitavam a legitimidade do ato e nem estavam interessados em usufruir do momento de debate criado para explicar as causas do movimento. Em casos extremos, como ocorrido no CEPAE, tiveram sua integridade física ameaçada, principalmente por colegas, que as chamaram de “vagabundas” e disseram que se “entrassem lá de noite iam estuprar todo mundo”. Esses fatos evidenciam também o clima constante de pressão psicológica entre as/os participantes.

Nesse primeiro momento, são realizadas assembleias para decidir as regras que vão organizar a vida na ocupação e são definidas comissões que atendam às necessidades de alimentação, limpeza, segurança, comunicação, transporte, entre outras. Ao longo da ocupação, essas divisões foram revistas, por exemplo, alocando todas as pessoas nas atividades de limpeza, devido ao tamanho dos prédios. Ana Beatriz menciona que as comissões eram muito importantes no começo, mas devido ao dinamismo e o grande fluxo de integrantes no movimento elas foram perdendo força, chegando a se extinguir. Quando isso aconteceu, a organização das tarefas se dava através de reuniões, que expunham o que era preciso fazer e, assim, cada uma/um poderia assumir alguma função.

Nas assembleias também se construíram as programações diárias, que estabeleceram um currículo alternativo. As/os estudantes organizaram uma série de oficinas (workshops ou talleres), aulas, apresentações culturais, saraus, entre outros. Elas não tinham temas definidos, mas buscavam sanar as necessidades dos/as ocupantes. Ana Júlia relatou que quando perceberam que um grande número de participantes era de crianças do ensino fundamental, procuraram atender suas necessidades, assim como procuraram professores e professoras que pudessem dar “aulões” preparatórios para o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM),11 para que os/as discentes do terceiro ano não fossem prejudicados. Já Regiane descreveu a dificuldade de acesso a eventos culturais, sendo esse um ponto importante na escolha das atividades como, por exemplo, convidar para a escola artistas locais, valorizando a cultura da periferia. Também por isso, as estudantes relataram que a experiência nas ocupações foi muito importante para sua formação.

Outra estratégia importante utilizada por elas foi a criação de páginas no Facebook, que eram geridas por comissões de comunicação ou cultura. Isso permitiu que eles/as divulgassem a programação, defendessem suas pautas e que pessoas da sociedade civil pudessem entrar em contato. Segundo avaliação das estudantes, esse canal de comunicação foi muito importante para compor o dia a dia do movimento, pois a colaboração da sociedade, no que diz respeito a oferecer algum tipo de atividade, foi muito forte. As pessoas buscavam as páginas e ofereciam oficinas voluntariamente sobre os mais diversos assuntos. No caso de necessidades mais específicas, as/os professoras/os serviram como uma importante fonte de contatos para sanar tais demandas.

As ocupações também foram um momento de inovar no uso do espaço escolar, salas de aula viraram dormitórios, pátios se tornaram ponto de encontro para assembleias. Os/as secundaristas tiveram a oportunidade de testar e descobrir qual seria a melhor maneira de utilizar o ambiente a seu favor, fechando algumas áreas e usufruindo de outras que estavam restritas. Enquanto em algumas instituições isso não gerou grandes revelações, em outras, como no Ismael, os/as estudantes fizeram descobertas que os/as deixaram indignados. Nesta escola havia um vestiário que sempre esteve trancado. Com o acesso às chaves, descobriram que lá dentro havia vários computadores desmontados, que poderiam ter sido utilizados, mas o espaço da sala de computação havia sido apropriado como sala dos/as professores/as e o equipamento armazenado.

Mesmo com as dificuldades e algumas derrotas nas ações políticas, as estudantes foram unânimes em destacar a participação nas ocupações como um momento de formação pessoal e escolar único. Para Ana Júlia, a autonomia possibilitada pelo movimento foi fundamental na aquisição de novos conhecimentos, que incluíam tanto habilidades básicas necessárias para a vida, como saberes necessários à formação escolar:

[...] tinha gente que não sabia fazer um arroz, aprendeu. Não sabia lavar um banheiro, aprendeu. Então, a gente teve essa vivência de aprender a fazer coisas que a gente não sabia, a gente teve um espaço aberto de diferentes opiniões de diferentes assuntos; todo mundo podia falar hora que quisesse, debater. A gente teve a chance de tomar decisões por nós mesmos, coisas que a gente nunca tinha feito na escola. Então, assim, foi uma oportunidade de amadurecimento mesmo, porque quando tá tendo aula, a gente tem um problema, leva pra coordenação; na ocupação a gente tem um problema, senta aqui e resolve. (Ana Júlia).

Para ela também foi um momento de instrução no que diz respeito à sua trajetória escolar:

Eu vejo principalmente nas aulas que o professor pede alguma redação, por exemplo, porque antes a informação que eu tinha era só aquela que vinha nos textos de apoio, eu não conseguia relacionar aquilo com mais nada. Então, com essas experiências de debate das ocupações, de poder ver as coisas por um outro ângulo, [...] eu consigo relacionar aquele assunto com algum tema social, então, assim, eu consigo entender que normalmente esses temas de redação, esse exemplo que eu tô dando, sempre tem alguma coisa a ver com política, economia, com sociedade e eu não sabia disso, eu não sabia discutir isso, eu sabia usar e pronto, mas eu não sabia o que aquilo significava. Então, hoje eu consigo, tipo, defender meus argumentos muito mais fácil do que antes, porque até antes da ocupação eu não tinha oportunidade de defender meus argumentos, eu não saberia conversar com você do jeito que eu tô conversando. (Ana Júlia).

O exemplo da redação é sintomático no que diz respeito à educação escolar no Brasil. Um dos principais quesitos na prova do ENEM, que possibilita o acesso às universidades públicas, é a prova de redação. O teste exige que as/os alunas/os desenvolvam textos argumentativos a partir de um tema e uma coletânea que incluem textos e imagens. Em cursinhos preparatórios, escolas particulares e públicas se difundiu um modelo para a prova que é composto de uma introdução, dois argumentos e uma conclusão com uma proposta de intervenção sobre o tema. As/os estudantes são preparados/as com o objetivo de obter sucesso nessa prova, não se estuda a produção de texto como uma habilidade que possa expressar a criatividade, emoções ou mesmo opiniões críticas sobre o mundo.

Já para Regiane, no que diz respeito ao desenvolvimento das habilidades escolares, o ganho esteve na possibilidade de exercer o pensamento crítico, que ela relaciona diretamente com suas escolhas futuras:

[...] eu penso muito em ser professora de História, sabe? Então, eu penso muito no rolê da revolução na forma de educar, de formar o pensamento crítico entre os alunos, começando do prezinho sabe? Da creche, do CMEI [Centro Municipal de Educação Infantil]. (Regiane).

Ana Beatriz vai pelo mesmo caminho. Para ela, as ocupações foram fundamentais na sua formação pessoal e tiveram um grande peso em suas escolhas pessoais:

Olha, a importância da ocupação para a minha formação como pessoa e acadêmica é, assim, a partir da ocupação foi uma nova vida, eu renasci uma outra pessoa. Foi como se eu tivesse retirado uma casca que eu tinha e eu renasci de novo. Então, assim, eu nunca vou esquecer desse momento da ocupação, que mudou totalmente a minha vida e não só a minha, eu tenho certeza, e a de todas as pessoas que passaram pela ocupação. Porque antes de eu entrar na ocupação eu tinha uma mente formada, formada não, eu tinha uma mente que eu dizia, assim, formada, mas que eu não tinha a mínima ideia do que eu tava fazendo. E, após a ocupação, eu decidi o que eu ia fazer como pessoa, o que eu ia estudar: hoje eu faço Geografia Licenciatura. Eu tento ser professora. E se não fosse pela ocupação eu nunca teria escolhido esse curso, muito menos essa formação, e talvez, eu não seria a pessoa que eu sou hoje e não seria tão feliz quanto eu sou. Por ter passado por essa experiência, por ter conhecido essas pessoas e ter aprendido tudo o que eu aprendi durante a ocupação, porque a ocupação não é somente a ocupação que a gente passa por ali e pronto. Eu vou levar isso para o resto da minha vida, todas as coisas que eu aprendi lá dentro, com aquelas pessoas, aquelas práticas, aquele tipo de organização autogestionário, que foi a que a gente praticou dentro da ocupação e que eu tento praticar na minha vida hoje é o meu ensinamento como vida, porque como eu praticava dentro da ocupação eu tento praticar hoje em dia, e isso dá certo. Eu vejo que dá certo. Dá muito mais certo que os outros tipos de práticas que a gente tem. Então, é assim, a importância total da minha vida. Se não fosse por isso eu não viveria dessa maneira. (Ana Beatriz).

Ainda no que diz respeito à formação pessoal, o período de ocupações foi um dos poucos momentos nos quais a separação entre razão e emoção pode ser superada dentro da escola. Isso possibilitou que muitos problemas que eram apagados no cotidiano escolar viessem à tona, como a complexidade emocional das estudantes:

[...] Mas com a ocupação, sabe, eu vi que eu não sou o que as outras pessoas falam, tipo ah tão lá só fazendo sexo, usando drogas e não era aquilo. É, então eu comecei a pensar ’não cara, não é porque alguém diz algo sobre mim que eu sou aquilo, sabe? E me ajudou com a depressão [...] e na questão do feminismo... Que eu não nasci pra ter que me submeter a ninguém, nem em questão de machismo, nem de família, querendo impor qualquer coisa, que eu sou o que eu sou, sabe? E não o que outras pessoas acham que eu sou ou que elas querem que eu seja. Então, isso foi muito importante, sabe? Eu me tornei muito mais forte com a ocupação. (Regiane).

A experiência a qual Regiane se refere diz respeito à produção de narrativas e contra narrativas no período das ocupações. Lidar com a opinião pública e os discursos midiáticos sobre o movimento foi um dos grandes desafios enfrentados pelos/as secundaristas, uma vez que a mídia de massa insistia em qualificá-lo como “invasões” ou “atos de vandalismo”. Além disso, nem toda a comunidade envolvida nas escolas foi a favor do movimento e produziram narrativas como as mencionadas por ela, ou seja, as ocupações eram caracterizadas como espaços para o uso de drogas e atos sexuais. Dessa forma, uma das estratégias utilizadas pelos/as estudantes foi produzir narrativas que divulgassem suas ideias, seus objetivos, as práticas desenvolvidas dentro das escolas, contra narrativas rebatendo outros discursos. Nesse relato, essa experiência e o contato com outros temas que geralmente não aparecem na educação escolar atingiram diretamente as percepções pessoais da ocupante. Ela relatou que através da internet já tinha alguma noção de movimentos como o feminismo, mas que nunca havia experimentado a ação política na prática. Para ela, outro importante ponto do movimento foi a “desconstrução”, “[...] não foi só uma questão de luta, você vê a resistência sabe?”, essa mudança estava associada a transformações de comportamentos que extrapolam as políticas governamentais e dizem respeito às relações sociais. Algumas das desconstruções que ela observou diziam respeito a ela própria, que se tornou capaz de perceber relacionamentos abusivos e desatrelou sua identidade pessoal à ideia de feminilidade, e também sobre seus colegas, que abandonaram comportamentos machistas, como assobiar para as meninas.

A resistência ao autoritarismo das reformas do Estado também foi um desencadeador de novas percepções sobre o lugar da/do estudante na escola:

Tipo, é claro que precisa ter uma reforma, mas não nesse sentido. É claro que precisa ter, mudar alguma coisa, porque não é perfeito, nunca foi. Mas, se a gente ficar aqui devia ser a gente que manda, inclusive, na nossa ocupação tinha um cartaz enorme ali: “a escola é nossa e é nossa mesmo”. Então, quem manda aqui é a gente. (Ana Júlia).

Quando perguntadas sobre as diferenças entre a escola do dia a dia e a das ocupações as estudantes se referiram primeiramente à rotina — entrar em um determinado horário, conversar apenas com seu grupo de amigos/as, seguir para as salas de aula, sentar em fileira e ouvir os/as professores/as. A própria organização da sala de aula é um ponto recorrente de reclamação das estudantes, para as quais o arranjo dos/as alunos/as em linha está associado a uma forma opressiva de ensino. Além disso, a necessidade de pedir permissão para ir ao banheiro também é considerada uma prática abusiva.

Ana Beatriz se mostrou bastante incomodada pela forma como as regras são estabelecidas:

A principal diferença da escola do dia a dia para a das ocupações é que ela é patriarcal e totalmente autoritária. Em que você vive em um ambiente, que você tá ali pra aprender com pessoas iguais a você, com idades diferentes, mas todos somos iguais, iguais assim, dependendo do ponto de vista. Mas em que a gente é obrigado a aceitar certo tipo de regras que a gente não concorda, mas que pessoas mais velhas que a gente, que estão numa posição mais forte que a gente, concordam. E durante a ocupação, a diferença é que a gente entra em um consenso, que todos aceitam as práticas que devem ser feitas, então, há divergência de ideias, porém, a maioria entra em consenso pra que isso dê certo e não é simplesmente jogado de cima para baixo. A gente conversa e, assim que entra em consenso, a gente faz as coisas pra ninguém ficar contra, é um acerto de ideias. E o que eu acho muito melhor que a escola do dia a dia, porque a do dia a dia não dá certo. Em que uma ordem é mandada de cima para baixo e as pessoas têm que aceitar, mas as pessoas não aceitam, na verdade, e que dia que isso dá certo? (Ana Beatriz).

As ocupações também contribuíram para alargar os círculos sociais das estudantes, pois não havia adultas/os que interceptassem os conflitos entre as/os secundaristas, elas/eles eram responsáveis por resolvê-los. Como o movimento necessitava do envolvimento de todas/os, isso fez com que elas/eles se aproximassem e aprendessem a conviver com a diferença dentro do grupo. Dessa forma, surgiram novos círculos de estudantes, que formaram laços profundos de amizade, descritos como uma “família”, que se mantiveram mesmo com o fim do movimento.

Para Regiane também foi um momento de rompimento dos papéis de gênero no ambiente escolar:

Você vê essa divisão na escola normal né? De gênero, saca? Estereótipo de gênero, na ocupação não, sabe? Você via menino lavando louça, menina na comissão de segurança, eu mesma até hoje nos atos faço parte da comissão de segurança. É isso mesmo, sabe? Das pessoas serem livres pra serem o que elas querem pra seguir o que elas querem ser, coisa que você não vê na escola, que você tem que ter o padrãozinho certinho e tem que se encaixar nisso. Se o homem não se encaixa, então, você é gay, como se gay fosse xingamento, “ah menina machona”, né? Tipo, eu tenho esse comportamento mais assim, eu sou mais fora desses padrões de feminilidade e não, na ocupação você vê que as pessoas eram livres mesmo. As pessoas expressavam seu pensamento sem medo de serem julgadas. (Regiane).

A regulamentação dos corpos através do gênero é uma prática comum nas escolas, mesmo quando ela não é explícita em aulas separadas por sexo, os materiais didáticos ainda carregam marcas de sexismo e homofobia (GONÇALVES; PINTO; BORGES, 2013). O conflito na formação das comissões aparece em algumas narrativas sobre as ocupações, no documentário Lute como uma menina!, uma estudante relata que na primeira assembleia seus colegas queriam dividir as comissões com base no sexo, cabendo às mulheres a limpeza e cozinha, enquanto os homens ficariam com segurança e comunicação. Elas se negaram a aceitar tal divisão, o que mostra que a horizontalidade, característica fundamental desse movimento, não se dá de forma automática, mas foi criada performativamente pela ação das próprias ocupantes.

Em todas as entrevistas foram recorrentes as percepções dos limites da educação escolar formal, que giram em torno do currículo, das formas de avaliação, nas relações que são estabelecidas dentro da escola:

Esse modelo escolar, eu detesto, detesto. Porque você coloca um monte de aluno na mesma sala, um monte de aluno com capacidades variadas, com pensamentos diferentes, você vai ensinar o que o governo te falou que você tem que ensinar e, às vezes, nem é aquilo que é o mais importante a ser ensinado. Então, você vai pedir pra aquele tanto de aluno fazer uma mesma prova, pra aquele tanto de aluno aprender a mesma coisa no mesmo tempo e isso é impossível. (Ana Júlia).

Eu acho completamente errada a forma como eles expõem o conteúdo e a forma como eles avaliam, [...]. Mas assim, sei lá, tipo, eu acho que seria muito mais válido, por exemplo, sei lá, trabalho de História, eu estudar aquele assunto e dou um seminário, sabe? Eu falo sobre aquilo, porque pra saber falar sobre aquilo eu tenho que entender aquilo, eu tenho que entender todo o contexto, eu tenho que entender o que está ali, sabe? É muito engraçado, se eu falo alguma coisa, se eu levanto a mão e discordo, se eu tenho um argumento melhor que o dele, ele me manda pra fora da sala. É muito estranho isso, sabe? Eu estou sobre você, eu sou a autoridade sobre você, abaixe a cabeça, me escuta e cala a boca! E quem não faz isso leva advertência, suspensão, você é expulso da escola. (Regiane).

[...] a escola regular, ela tá tirando o nosso direito de querer ser humano, de querer ajudar os outros trabalhadores. Por exemplo, o máximo que eles podem reduzir que a gente fale com o pessoal da limpeza, da cozinha, eles vão tentar fazer, porque eles não querem que você tenha contato com essa gente. Eles não querem que você tenha contato com quem é diferente, você... eles consideram que, se a gente tá estudando, é pra gente não ser um deles. Então, eu acho isso horrível e durante a ocupação não tinha isso, o dia que o pessoal da cozinha queria vir aqui a gente sentava e conversava todo mundo junto, o dia que o pessoal da segurança queria ficar também, sabe? (Ana Júlia).

As estudantes relataram bastante descontentamento com a forma de organização dos saberes considerados úteis ou válidos. Em suas opiniões, uma outra perspectiva deveria orientar o que se ensina. A criação de critérios para qualificar os tipos de conhecimento legitimados, geralmente associados ao conhecimento científico ocidental, têm produzido a subalternização de saberes outros na América Latina. Os saberes indígenas, populares, de matriz africana, entre outros, foram gradualmente silenciados, pois não faziam parte da forma hegemônica de conhecimento e, assim, foram associados ao folclore, à literatura e à religião. Além disso, os corpos não europeus também foram vistos como incapazes de produzir conhecimento, uma vez que supostamente não conseguiriam tomar o distanciamento necessário e praticar a neutralidade sobre seus objetos, essas pessoas tiveram suas produções tachadas de ideológicas, políticas e emocionais.

A partir desse modelo, as emoções também foram subtraídas da esfera do conhecimento, elas não só eram vistas como um elemento que poderia contaminar a análise como também eram associadas a identidades específicas. Historicamente elas foram associadas às mulheres, assim como outras características como a feminilidade e aptidões voltadas para a vida privada, enquanto aos homens foram associadas a razão, o público e o universal (JAGGAR, 1997). No entanto, o fato de as emoções terem sido reprimidas na produção de conhecimentos e na educação não significa que elas tenham desaparecido. Pelo contrário, as ocupações também permitiram que as estudantes percebessem as limitações da escola no que diz respeito ao que é silenciado na teoria, mas faz parte das relações sociais concretas:

[...] na escola, esse modelo, você não está se importando com o que os alunos acham, com o que eles sentem. Por exemplo, às vezes, o professor entra na sala, ele tá vendo que tem um aluno muito mal, ele tá vendo que o aluno está chorando na sala de aula e ele não está nem aí, aprendeu, aprendeu, sabe? Só que, às vezes, o que esse aluno está passando não vai permitir que ele aprenda, então, assim, claro que o professor não tem condição de ir lá e se importar com cada um, mas então, que tivesse alguma proposta diferente, sabe? Eu não sei dizer exatamente o que, mas que pudesse atender à necessidade de cada aluno falar, dele poder, porque a escola é uma coisa muito robótica, a escola não te dá espaço para sentir nada, para ver nada de diferente. (Ana Júlia).

A experiência das estudantes mostrou como os espaços escolares podem ser repensados a partir da luta por justiça social, recolocando a centralidade das escolas como um lugar de libertação política e epistêmica. A autonomia experimentada durante os movimentos de ocupações questiona o modelo de educação bancária marcado pela subordinação e a passividade, realizando o potencial crítico das alunas a partir de processos de subjetivação ativa. Além disso, essas mobilizações constroem um conjunto de práticas e saberes alternativos que constroem novos caminhos para a educação pública escolar.

Considerações finais

Pensar a educação na América Latina e os movimentos sociais que buscam intervir na sua configuração histórica nos coloca diante de uma relação dialética, na qual processos de sujeição/subordinação e subjetivação/agência se entrelaçam. Por um lado, o Estado tem se mantido como uma instância centralizadora de poder a partir da qual se implementam projetos e programas autoritários nas instituições escolares, por outro, os/as sujeitos/as envolvidos/as nelas estão constantemente respondendo, resistindo e ressignificando suas relações com ele e elas. Nesse sentido, a imposição da norma sobre a educação dá origem a uma multiplicidade de movimentos sociais que buscam transformar a educação estatal.

Neste artigo, analisamos primeiramente a formação da educação estatal na América Latina, em especial no Brasil, a partir de processos que orientaram as políticas de implementação da educação. Para isso, utilizamos um referencial teórico baseado no conceito de colonialidade do poder, estabelecendo dois marcos históricos: a hegemonia de Espanha e Portugal no cenário mundial nos séculos XV e XVI e o deslocamento no centro de poder da Europa para Inglaterra, França e Alemanha no século XVIII. Cada período foi marcado por um projeto educacional autoritário: o primeiro levou a cabo uma missão cristianizadora, utilizando a educação como meio para a conversão e a dominação colonial, enquanto o segundo desenvolveu uma missão civilizadora, formando cidadãos/ãs disciplinados para participar dos Estados nacionais.

Depois, apresentamos alguns movimentos estudantis que têm reagido aos modelos educacionais na América Latina, bem como de algumas táticas de mobilização social empregadas historicamente nesse continente. Também vale destacar a formação de entidades representativas como a UNE e a UBES e as transformações dos movimentos ao longo do século XX e XXI, que englobam tanto um caráter de institucionalização, quanto uma multiplicidade de novas formas de pautas e ações sociais. Além disso, o que é central para este artigo é sua dimensão pedagógica e formativa, que também foi observada durante os movimentos de ocupações secundaristas em 2015 e 2016.

Ao abordar esses movimentos, apresentamos os resultados parciais de uma pesquisa qualitativa realizada em 2016/2017, a partir de entrevistas com estudantes de três colégios que foram ocupados na cidade de Goiânia. Suas experiências foram fundamentais para compreender a dialética envolvida nos processos de subjetivação que se desenvolveram nas ocupações. Embora as estudantes não apresentem um projeto pedagógico estruturado de como uma escola deveria ser, suas ações apontam para algumas dimensões de rompimento colonial em níveis individuais e coletivos. Individualmente, a experiência nas ocupações desencadeou novas concepções e projetos de vida, que foram fundamentais nas escolhas de suas trajetórias na educação superior, por exemplo. Além disso, elas também foram importantes para despertar um olhar e posicionamento crítico sobre relações de dominação machistas e sexistas. Coletivamente, elas reivindicam novas formas de sociabilidade e educação nas escolas, enfatizando a importância das relações de afeto.

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  1. A atuação das jovens mulheres à frente das ocupações secundaristas é objeto de alguns documentários, entre os quais o premiado Espero tua (Re)volta (Eliza Capai, 2019), que também enuncia o ponto de vista de três jovens, um garoto e duas garotas, abordando temas que foram centrais nessas ações, como o feminismo, o racismo e a homotransfobia, o direito à cidade, entre outros.↩︎

  2. No original: “el punto de vista crítico de quienes han sido dejados de lado, delos que se espera que sigan los passos del progreso continuo de uma historia a la que no creen pertencer, [enquanto o de”descobrimento”] es parte de la perspectiva imperialista de la historia mundial adoptada por uma Europa triunfal y victoriosa, algo que se conoce como <modernidad>”↩︎

  3. No original: [...] No se trata solamente de una subordinación de las otras culturas a respecto de la europea, en una relación exterior. Se trata de una colonización de las otras culturas, aunque sin duda en diferente intensidad y profundidad según los casos. Consiste, en primer término, en una colonización del imaginario de los dominados. Es decir, actúa en la interioridad de ese imaginario. En una medida es parte de él. Eso fue producto, al comienzo, de una sistemática represión no sólo de específicas creencias, ideas, imágenes, símbolos o conocimientos que no sirvieran para la dominación colonial global. La represión recayó, ante todo, sobre los modos de conocer, de producir conocimiento, de producir perspectivas, imágenes y sistemas de imágenes, símbolos, modos de significación; sobre los recursos, patrones e instrumentos de expresión formalizada y objetivada, intelectual o visual. Fue seguida por la imposición del uso de los propios patrones de expresión de los dominantes, así, como de sus creencias e imágenes referidas a lo sobrenatural, las cuales sirvieron no solamente para impedir la producción cultural de los dominados, sino también como medios muy eficaces de control social y cultural, cuando la represión inmediata dejó de ser constante y sistemática (QUIJANO, 1992, p. 12).↩︎

  4. Também é importante apontar que junto dessas mudanças o movimento estudantil também manteve um caráter institucionalizado, tanto entre secundaristas, quanto no meio universitário. Assim, instituições como a União Nacional dos Estudantes e a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas se mantêm importantes, como outras formas de organização como grêmios estudantis, centros acadêmicos, executivas nacionais, associações atléticas, entre outras.↩︎

  5. O Mal Educado é um coletivo de estudantes da rede pública do estado de São Paulo criado em 2009 no Brasil. Sua formação está associada a luta das/os alunas/os para derrubar a direção da Escola Estadual José Vieira de Moraes e a outro coletivo, a Poligremia, associação de grêmios escolares, que tinha o objetivo de ajudar na criação de mais entidades estudantis em escolas onde as/os estudantes não estivessem organizadas/os. Sua criação também esteve associada a militantes do MPL-SP, que fizeram a ponte entre as/os estudantes da escola José Vieira e a Poligremia.↩︎

  6. Plano de reorganização das escolas de ensino fundamental e médio do estado de São Paulo, que previa o fechamento de 92 escolas e a mudança para ciclo único de mais de 700 escolas.↩︎

  7. OSs são entidades sem fins lucrativos, que recebem recursos do estado para administrar algum órgão público.↩︎

  8. A PEC 55, mais tarde sancionada como a Emenda Constitucional nº 095, alterou a constituição brasileira com a implementação do Novo Regime Fiscal. Essa medida limitou os gastos e investimentos públicos aos mesmos valores do ano de 2016 corrigidos pela inflação.↩︎

  9. Com o objetivo de modernizar a formação média no Brasil, o governo federal implementou um conjunto de ações para a educação nacional via medida provisória (MP 746/16) sem debate algum com a sociedade. Entre outras medidas, ela inclui a adoção de um currículo formado por itinerários comuns e específicos escolhidos pelos/as estudantes e a retirada do ensino de espanhol num país da América Latina. Após muitas críticas alguns pontos foram revistos, como a exclusão das disciplinas Artes, Educação Física, Filosofia e Sociologia da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (GOMES, 2018).↩︎

  10. Crescente processo de entrega da gestão das escolas públicas à Polícia Militar ou à militares em processo em vários estados do país. Lançado em setembro de 2019, o Programa Nacional de Escolas Cívico-Militares promete intensificar esse caminho com a militarização de mais 216 escolas. Tais projetos são concebidos sob uma perspectiva da educação moral e cívica e do patriotismo.↩︎

  11. O ENEM é uma prova realizada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) e é utilizada para avaliar a qualidade do ensino médio no país, seu resultado serve para acesso ao ensino superior nas universidades públicas através do Sistema de Seleção Unificada (SISU).↩︎

Resumo:
O artigo, resultado de pesquisa qualitativa realizada com integrantes de ocupações em escolas de ensino médio em Goiânia, Goiás entre 2016 e 2017, analisa o movimento no contexto histórico da educação pública na América Latina enquanto processo contraditório, marcado pela tensão entre formas de dominação e a luta pela libertação. Nele, discutimos sua relação com o colonialismo, evidenciando processos de violência epistêmica em sua constituição e situamos as dimensões pedagógicas dos movimentos sociais. As entrevistas com as “lideranças” (mulheres jovens entre 16 e 18 anos) mostraram que, para além de uma reação coletiva aos modelos bancários de ensino e à falta de investimentos em educação, esses movimentos atuaram como formas de subjetivação. Embora as estudantes não tenham um projeto sistematizado de escola que almejam, suas experiências apontam horizontes para o modelo que está posto.

Palavras-chave:
Educação; Colonialidade; Movimentos Sociais; Subjetivação; Ocupações Secundaristas.

 

Abstract:
The article, result of a qualitative research carried out with members of occupations in high schools in Goiânia, Goiás between 2015 and 2016, analyzes the movement in the historical context of public education in Latin America as a contradictory process, marked by the tension between forms of domination and the struggle for liberation. In it, we discuss its relationship with colonialism, highlighting processes of epistemic violence in its constitution and situate the pedagogical dimensions of social movements. The interviews with the “leaders” (young women between 17 and 19 years old) showed that, in addition to a collective reaction to banking teaching models and the lack of investment in education, these movements acted as forms of subjectivation. Although the students do not have a systematic school project that they aim for, their experiences point to horizons for the model that is set.

Keywords:
Education; Coloniality; Social movements; Subjectivation; High School Ocupations.

 

Recebido para publicação em 01/02/2021
Aceito em 27/04/2021

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