Revista de Ciências Sociais — Fortaleza, v. 52, n. 2, jul./out., 2021
DOI: 10.36517/rcs.2021.2.d02
ISSN: 2318-4620
Pós-Graduação em Sociologia na Unicamp:
mudanças e permanências
Fernando Henrique Protetti
Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia de São Paulo, Brasil
protetti@gmail.com
Nesse artigo, apresentamos resultados de pesquisa sobre as transformações nas condições de trabalho dos professores de sociologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A partir de pesquisa empírica com depoimentos de 11 professores que trabalham Programas de Pós-graduação em Sociologia e em Ciências Sociais, pudemos verificar que, de maneira geral, as atuais condições de trabalho dos professores de sociologia da Unicamp caracterizam-se pela intensificação do trabalho, pelo produtivismo acadêmico e pelo adoecimento docente (PROTETTI, 2019).
Sabemos que dentre os traços mais marcantes da expansão e da reconfiguração da educação superior no Brasil nas últimas três décadas, encontra-se o processo de intensificação e precarização do trabalho dos professores universitários. Todavia, conforme salienta Sguissardi (2010a, p. 308-309, itálicos nossos), “cabe lembrar que é no âmbito da pós-graduação, no caso do Brasil, que se ditam os rumos da efetiva reforma universitária. O modelo CAPES1 de avaliação — e o produtivismo acadêmico — como motor da intensificação e precarização do trabalho”. Sendo assim, para analisarmos as transformações nas condições de trabalho dos professores de sociologia da Unicamp, devemos considerar, necessariamente, às injunções do modelo CAPES de avaliação e do produtivismo acadêmico no trabalho docente. Nessa direção, interrogamos: quais são as mudanças e as permanências da pós-graduação em Sociologia da Unicamp?
Para respondermos a essa pergunta, analisamos as mudanças e as permanências da pós-graduação em sociologia da Unicamp. Inicialmente, reconstituiremos a história dos Programas de Pós-graduação em Sociologia e em Ciências Sociais da Unicamp a partir da avaliação da pós-graduação realizada pela CAPES e, num segundo momento, delinearemos as carreiras docentes dos professores que trabalham nesses Programas de Pós-graduação. Com isso, buscamos apreender, respectivamente, as mudanças e as permanências da pós-graduação em Sociologia da Unicamp.
Mas, antes disso, é preciso registrar dois esclarecimentos teórico-metodológicos que orientaram a análise desse artigo. O primeiro deles corresponde à metodologia empregada para construir as categorias que orientaram a análise, a saber, os paradigmas de avaliação da pós-graduação e as desigualdades entre os sexos. Essas categorias emergiram, por um lado, a partir dos depoimentos dos professores entrevistados e das informações coletadas e, por outro, a posteriori o processo de investigação, pois, conforme nos ensina Marx (2013, p. 150): “A reflexão sobre as formas da vida humana, e, assim, também sua análise científica, percorre um caminho contrário ao do desenvolvimento real. Ela começa post festum e, por conseguinte, com os resultados prontos do processo de desenvolvimento”. Outro esclarecimento refere-se ao trabalho com os depoimentos dos professores entrevistados, que esteve fundamentado na perspectiva da “História Oral” proposta por Queiroz (1991, p. 21), cuja finalidade foi elucidar “o que sucede na encruzilhada da vida individual com o social”. Em complemento e confrontação a esses depoimentos, mobilizamos informações disponíveis nos anuários estatísticos e nos documentos legais da universidade e das agências de fomento e temáticas afins constantes na literatura especializada. Uma vez esboçados esses dois esclarecimentos teórico-metodológicos, passemos então, primeiramente, para a análise das mudanças da pós-graduação em sociologia da Unicamp, a partir da história dos Programas de Pós-graduação em Sociologia e em Ciências Sociais.
“Nós tínhamos mestrados disciplinares e tínhamos um projeto intelectual” (E1)2
A pós-graduação em sociologia da Unicamp compreende as atividades desenvolvidas pelos professores em dois Programas de Pós-graduação do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), o de Sociologia (PPG em Sociologia) e o de Ciências Sociais (PPG em Ciências Sociais), extrapolando, portanto, as atividades desenvolvidas pelos professores no âmbito do Departamento de Sociologia. No PPG em Sociologia são ofertados os cursos de mestrado e doutorado em quatro linhas de pesquisa (Teoria e Pensamento Sociológico; Cultura; Ambiente e Tecnologia; e, Trabalho e Sociedade), enquanto no PPG em Ciências Sociais é ofertado apenas o curso de doutorado em sete linhas de pesquisa (Processos Sociais, Identidades e Representações do Mundo Rural; Trabalho, Política e Sociedade; Estudos de Gênero; Modos de Conhecimento e suas Expressões: Experiências e Trajetórias; Estudos das Relações China-Brasil; Estudos sobre Cidades; e, Estudos sobre Patrimônio Cultural e Memória Social).
Em 2017, na avaliação da pós-graduação realizada pela CAPES, o PPG em Sociologia obteve a nota 6, sendo considerado “um dos melhores do país segundo os parâmetros do quadriênio 2013-2016, consolidado e com clara inserção internacional” (COORDENAÇÃO DE APERFEIÇOAMENTO DE PESSOAL DE NÍVEL SUPERIOR, 2017a, p. 5).3 Por seu turno, o PPG em Ciências Sociais teve sua nota diminuída de 5 para 4.4 Nota-se que, no país, somente a Unicamp oferta, simultaneamente e numa mesma unidade de ensino e pesquisa (faculdade, instituto etc.), dois cursos de doutorado na área de sociologia. Mas, afinal, por que isso acontece? Um olhar atento para a história dos PPGs em Sociologia e em Ciências Sociais oferece-nos não apenas uma resposta para essa questão, mas, sobretudo, uma melhor compreensão sobre as mudanças na pós-graduação em Sociologia da Unicamp.
Na Unicamp, excetuando-se os cursos de pós-graduação em Desenvolvimento e Planejamento Econômico ofertados no quinquênio de 1968-1972 pelo Departamento de Planejamento Econômico e Social (DEPES), primeira unidade do IFCH,5 os primeiros cursos de pós-graduação na área de Ciências Humanas datam do início dos anos de 1970. Em 1971, foi criado o mestrado em Antropologia Social, conforme relembra Peter Fry (2010, p. 12), um dos primeiros professores contratados do IFCH na área de Antropologia:
E o Fausto [Castilho] nos mandou abrir um mestrado lá, [19]72, [19]73 — não me lembro que ano. Que parecia ridículo, porque tínhamos acabado de começar a graduação [em Ciências Sociais], só tinha nós três lá — Antonio Augusto [Arantes Neto], Verena [Stolcke] e eu — e era uma situação muito, muito esdrúxula. E quem dominava aquela situação era o João Manuel Cardoso de Mello. Eu disse: “João Manuel, é impossível abrir um mestrado”. [E ele disse:] “Não, Peter, você não entendeu nada. Aqui no Brasil, a gente começa com a pista de pouso, depois vêm os aviões”. Falou assim mesmo.
Além do mestrado em Antropologia Social, ainda nos anos de 1970 foram criados outros mestrados no IFCH: em 1974, os mestrados em Sociologia, em Ciência Política e em Economia6; em 1975, o mestrado em Linguística7; em 1976, o mestrado em História; em 1977, o mestrado em Lógica e Filosofia da Ciência.
No IFCH, os primeiros cursos de doutorado foram criados no final dos anos de 1970 e na primeira metade dos anos de 1980: em 1977, os doutorados em Economia e em Lógica e Filosofia da Ciência; em 1984, o doutorado em História; em 1985, o doutorado em Ciências Sociais.
(...) na pós[-graduação] só existia o mestrado de Sociologia. (...) o sistema de pós-graduação estava no início ainda, nós não tínhamos nem doutorado. O doutorado que existia foi criado em [19]85, (...) o de Ciências Sociais. Então, eu passei a dar aula também no doutorado em Ciências Sociais. (E2)
A partir de então, a pós-graduação em Sociologia da Unicamp seria constituída por dois cursos de pós-graduação, o mestrado em Sociologia e o doutorado em Ciências Sociais, de maneira que os professores de Sociologia atuavam em ambos os cursos. Essa forma de organização da pós-graduação e atuação dos professores de Sociologia configurava-se num projeto intelectual próprio da pós-graduação do IFCH no qual previa-se uma formação disciplinar em Sociologia, Antropologia, Ciência Política ou História no mestrado e uma formação interdisciplinar em Ciências Sociais no doutorado.
Por que existe o doutorado em Ciências Sociais? Porque antigamente só existia o doutorado em Ciências Sociais. Você tinha o mestrado por área de Sociologia, de Antropologia, de [Ciência] Política, (...) de História, e tinha o doutorado em Ciências Sociais (...). Aí todos nós tínhamos orientandos no mestrado [disciplinar] ou no doutorado [em Ciências Sociais] (...). (E3, itálicos nossos)
Nós tínhamos mestrados disciplinares e tínhamos um projeto intelectual. A gente sempre teve uma convivência muito vivaz, muito bem-sucedida, com os departamentos de Ciência Política e de Antropologia; eu diria mais, [com o departamento] de História também. (...). Eu sempre fiz parte daquele grupo que apostava na dimensão transdisciplinar, porque, assim, eu não sei fazer pesquisa [disciplinar]. Para mim a pesquisa sociológica quanto mais próxima da Antropologia, mais rico é o seu conhecimento (...). Eu acho que os objetos das Ciências Sociais são por definição transdisciplinares (...). (E4, itálicos nossos)
Por quase duas décadas, esse projeto intelectual da pós-graduação do IFCH na área de Ciências Sociais, foi mantido e aperfeiçoado, de tal sorte que a Unicamp logo se tornou uma universidade de referência na pesquisa e na formação pós-graduada nessa área. Nas avaliações dos cursos de pós-graduação promovidas pela CAPES entre o final dos anos de 1980 e o início dos anos de 2000, os mestrados disciplinares em Sociologia, Antropologia e Ciência Política — esse último mestrado um pouco menos — e o doutorado interdisciplinar em Ciências Sociais da Unicamp, em geral, sempre alcançaram excelentes conceitos8 ou notas (Tabela 1).
Na Ficha de avaliação trienal de 2001 é possível ler que o mestrado em Sociologia da Unicamp, naquela época nota 5, “possui relevância acadêmica na área de Sociologia, constituindo-se em referência nacional em nível de mestrado” (COORDENAÇÃO DE APERFEIÇOAMENTO DE PESSOAL DE NÍVEL SUPERIOR, 2001, p. 3, itálicos nossos), ao passo que, na Ficha de avaliação trienal de 2004 o doutorado em Ciências Sociais da Unicamp, então nota 6, era considerado
(...) como um dos mais importantes e destacados da pós-graduação brasileira. Ele se destaca sobretudo por sua atuação marcadamente interdisciplinar, estruturada em 10 linhas de pesquisa (dentre elas Trabalho, Política e Sociedade, Cultura e Política, Estudos de Gênero, Estudos de População, Estudos Políticos, e Mudanças Sociais: questões em Ambiente e Tecnologia), em que os temas estratégicos para a sociedade brasileira são investigados com qualidade reconhecida nacional e internacionalmente. (COORDENAÇÃO DE APERFEIÇOAMENTO DE PESSOAL DE NÍVEL SUPERIOR, 2004, p. 1, itálicos nossos)
Tabela 1: Área de Ciências Sociais da Unicamp por Programa de Pós-graduação, curso, ano de criação e avaliações da CAPES (1989-2003)
Programa de Pós-graduação | Curso | Ano de criação | Avaliações da CAPES | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Área de avaliação | 1989-1991 | 1992-1993 | 1994-1995 | 1996-1997 | 1998-2000 | 2001-2003 | |||
Sociologia | Mestrado | 1974 | Sociologia | A | A | A | 5 | 5 | 5 |
Antropologia Social | Mestrado | 1971 | Antropologia e Arqueologia | A | A | A | 5 | 5 | 5 |
Ciência Política | Mestrado | 1974 | Ciência Política e Relações Internacionais | A | B | B | 5 | 4 | 4 |
Ciências Sociais | Doutorado | 1985 | Sociologia | A | A | A | 6 | 6 | 6 |
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (1996; 1998; 2018a). |
No entanto, na primeira metade dos anos 2000, esse projeto intelectual da pós-graduação do IFCH na área de Ciências Sociais passou a sofrer reveses em decorrência das injunções do modelo CAPES de avaliação. Implantado no biênio de 1996-1997 e consolidado nos anos subsequentes, esse modelo se colocava como um novo paradigma de avaliação da pós-graduação.
A ideia da existência de “paradigmas de avaliação da pós-graduação” não é novidade. Desde os pioneiros trabalhos de Moraes (1999; 2006 [2002]),9 ela tem sido útil para se identificar um período de ruptura nas políticas de pós-graduação no país, em meados dos anos de 1990.
Segundo Moraes (2006), a mudança nos parâmetros e critérios de avaliação da pós-graduação introduzidos pela CAPES no biênio 1996-1997, e consolidados nos anos subsequentes, produziu uma ruptura com o “paradigma de avaliação da pós-graduação” então vigente, criado em 1976 e aperfeiçoado durante os anos 1980. Caudatário da política de educação e de ensino superior forjada nos governos do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), o “novo paradigma de avaliação da pós-graduação brasileira” alterou a organização e o funcionamento dos PPGs, o trabalho de seus professores, a ênfase formativa dos cursos de mestrado e doutorado, assim como a forma de avaliação e financiamento da pesquisa científica, haja vista ser a pós-graduação seu locus privilegiado.
Sendo “um modelo de avaliação fechado que (...) ‘contém uma concepção de avaliação diagnóstica a que é difícil, quase impossível escapar’”, esse novo paradigma de avaliação da pós-graduação, que até “admite a diversidade, mas em sua monopólica apreensão, homogeneíza o desigual” (MORAES, 2006, p. 209), alterou de maneira radical, “violenta” e em exíguo espaço de tempo o cotidiano dos PPGs e dos trabalhadores do stricto sensu, isto é, dos professores e estudantes. Moraes (2006, p. 208) se pergunta: “o que fez a CAPES?”. E, logo em seguida, responde: “Kuhnianamente, estabeleceu um paradigma de referência, conferiu estatuto de autoridade a um determinado paradigma de avaliação, aparentemente consensual e com o decisivo apoio de seu conselho técnico-científico”.
Nota-se que o conceito de “paradigma” retoma o clássico estudo de Thomas Kuhn, A estrutura das revoluções científicas, livro publicado originalmente em 1962. A tese desse autor, ao refutar a concepção de que o progresso da ciência se dá pelo “desenvolvimento-por-acumulação”, é a de que as revoluções científicas estruturam o desenvolvimento da ciência por meio da sucessão de paradigmas, isto é, “realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência” (KUHN, 2013, p. 53).
Kuhn (2013) argumenta que a estrutura do desenvolvimento da ciência segue a seguinte ordenação: após um período “pré-paradigmático”, no qual uma teoria ou um conjunto de teorias científicas se afirmam como “paradigma”, adentra-se num segundo período denominado de “ciência normal”, em que os cientistas se dedicam à resolução de “quebra-cabeças”, isto é, “problemas da pesquisa normal”; dado a manifestação de “anomalias”, a princípio ignoradas pela própria comunidade científica, a ciência normal paulatinamente desestrutura-se, lançando o paradigma vigente para um momento “crise”; nesse período de “ciência revolucionária” diferentes teorias científicas competem ferozmente entre si, até que a resolução dessa crise, por intermédio da “revolução científica”, origine a hegemonia de um “novo paradigma”; e assim sucessivamente.
Em seu Post-scriptum, datado de 1969, Kuhn (2013, p. 280) adverte aos seus críticos que o conceito de paradigma por ele utilizado admite dois sentidos interpretativos:
De um lado, indica toda a constelação de crenças, valores, técnicas etc., partilhadas pelos membros de uma comunidade determinada. De outro, denota um tipo de elemento dessa constelação: as soluções concretas de quebra-cabeças que, empregadas como modelos ou exemplos, podem substituir regras explícitas como base para a solução dos restantes quebra-cabeças da ciência normal.
No caso em tela, utilizaremos o primeiro sentido atribuído ao conceito de paradigma de caráter eminentemente sociológico, pois a partir dele podemos identificar a estrutura social de uma determinada comunidade científica, haja vista que “um paradigma é aquilo que os membros de uma comunidade partilham e, inversamente, uma comunidade científica consiste em homens que partilham um paradigma” (KUHN, 2013, p. 281-282).
Assim, partindo do conceito sociológico de paradigma de Kuhn (2013), ambos apropriados por Moraes (2006, p. 200, itálicos nossos), compreende-se por que “o impacto da avaliação [da pós-graduação] referente ao biênio 1996-1997, quando da introdução do novo paradigma, foi devastador para algumas áreas (...). A grita, então, foi ensurdecedora.”
Ilustrativos dessa “revolução científica” capitaneada pela CAPES são os títulos dos textos de reação dos PPGs em Educação (PPGEs), seja individual ou coletivamente, à introdução do novo paradigma de avaliação da pós-graduação, a saber: A mudança de critérios de avaliação dos programas de pós-graduação: subsídios para uma tomada de posição da área de educação (Colegiado do PPGE da Universidade Federal Fluminense, 1998) (FÁVERO, 1999); Decifra-me ou te devoro: o enigma de uma avaliação da CAPES (Fórum Nacional de Coordenadores de Cursos e Programas de Pós-graduação em Educação — FORPRED, Região Norte e Nordeste, 1998) (RAMALHO; MADEIRA, 2005); Pós-graduação em educação no Brasil: necessidade de avaliação da avaliação (FORPRED, Região Sul, 1998) (MORAES, 2006); A avaliação da pós-graduação em debate (Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação — ANPEd, 1999), contendo o texto Reavaliando as avaliações da CAPES (FÁVERO, 1999).
O entendimento da profusão desses textos reativos ao novo paradigma de avaliação da pós-graduação mais uma vez é esclarecido por Kuhn (2013), quando esse autor problematiza a transição de paradigmas que, vale lembrarmos, são sempre “incomensuráveis”:
A transferência de adesão de um paradigma a outro é uma experiência de conversão que não pode ser forçada. A resistência de toda uma vida, especialmente por parte daqueles cujas carreiras produtivas comprometeram-nos com uma tradição mais antiga de ciência normal, não é uma violação dos padrões científicos, mas um índice da própria natureza da pesquisa científica. A fonte dessa resistência é a certeza de que o paradigma antigo acabará resolvendo todos os seus problemas e que a natureza pode ser enquadrada na estrutura proporcionada pelo modelo paradigmático. (KUHN, 2013, p. 250).
Mas, afinal, quais seriam as características do antigo e do novo paradigma de avaliação da pós-graduação para a ocorrência de tamanhas resistências? Os estudos relativos à política de avaliação da pós-graduação informam que o antigo paradigma tinha um “ímpeto formador” (CURY, 2009, p. x-xi), pois, objetivava a “formação de professores”, em atendimento à expansão do ensino superior (KUENZER; MORAES, 2005), e estava fundamentado num modelo de avaliação que privilegiava a “autonomia” das comissões de áreas no estabelecimento de parâmetros e critérios de avaliação dos PPGs e na “solidariedade” e “cooperação” entre os mesmos (FONSECA, 2001).
(...) não havia grande controvérsia, pois, por um processo de decantação, a grande maioria dos programas subia progressivamente na escala até chegar ao conceito máximo. Em 1996, cinco dos oito programas da área de Antropologia estavam em nível A. O maior suspense do processo era saber se e quando os outros programas iam subir de C para B, de B para A. O ranking confirmava “o que já era sabido” — os programas mais antigos e consagrados ficavam em cima na hierarquia, e os mais novos esperavam pacientemente sua vez para entrar na mesma categoria. Do nosso ponto de vista, isto é, das áreas disciplinares, o sistema funcionava muito bem, obrigado. (FONSECA, 2001, p. 264, itálicos nossos).
Todavia, esse não era o entendimento do então Ministro da Educação e do Desporto da época, Paulo Renato de Souza (2005), assim como da própria CAPES (SPAGNOLO, 1995).
O problema estava na definição dos conceitos do processo de avaliação. (...). Os resultados do processo avaliativo de 1996 não deixavam dúvidas de que o modelo de avaliação até então utilizado havia esgotado suas possibilidades de traduzir a situação da pós-graduação nacional e de orientar os investimentos públicos nesse setor. Ficou evidente a perda do poder discricionário da escala de classificação adotada. Por outro lado, o estágio de desenvolvimento alcançado por muitos programas recomendava que a pós-graduação brasileira fosse inserida no contexto mundial de geração de conhecimento e avaliada com base nos padrões internacionais vigentes.
As mudanças que introduzimos no sistema de avaliação da CAPES contemplaram o estabelecimento de padrões internacionais de excelência, a ampliação da escala de conceito e a busca do referendo de comissões de especialistas internacionais. Foram estabelecidos novos critérios de eficiência e desempenho acadêmicos, vinculando esse processo ao de credenciamento e à concessão de financiamento aos programas (...). Adotamos uma escala numérica, de 1 a 7, em substituição à escala [decrescente] de cinco conceitos anteriormente utilizada [- de “A” a “E”]. As notas 6 e 7 são exclusivas para programas que ofereçam doutorado com nível de excelência, segundo os padrões internacionais da área. (SOUZA, 2005, p. 195-196, itálicos nossos)
É importante recordarmos a conjuntura na qual foi introduzida o novo paradigma de avaliação da pós-graduação brasileira: congelamento salarial e sucateamento da infraestrutura das universidades públicas, principalmente federais; limitação de fundos de pesquisa e corte de bolsas de estudo; greve de quase cem dias dos professores e técnicos-administrativos das universidades federais etc. (FONSECA, 2001; MORAES, 2006).
O novo paradigma de avaliação da pós-graduação, sendo incomensurável ao paradigma anterior e implementado nessas condições adversas aos professores, instituiu um sistema de “regulação, controle e acreditação” (SGUISSARDI, 2006, p. 50, itálicos do autor), no qual “o financiamento, nas suas diferentes formas (concessão de bolsas, auxílios, taxas; possibilidade de firmar convênios etc.), [foi] acoplado à avaliação” dos PPGs (BIANCHETTI, 2009, p. 21). De característica “produtivista, quantitativista e rankeadora” (BIANCHETTI, 2009, p. 23, itálicos do autor), atribuindo “ênfase nas publicações, valorizadas por uma hierarquia complexa e sofisticada” (CURY, 2009, p. xi), e fomentando a “corrida pelo Lattes”10 (SILVA, 2005) e a competição entre e intra universidades, áreas e PPGs, o novo paradigma de avaliação da pós-graduação passou a priorizar, não mais a “formação de professores”, mas, antes de tudo, a “formação de pesquisadores” (KUENZER; MORAES, 2005).
Na concepção de Sguissardi (2010b, s. p.), o novo paradigma de avaliação da pós-graduação constitui-se “como um processo que considera muito mais o quanto um docente/pesquisador publica do que a qualidade ou o benefício científico, público e social do que é publicado”, haja vista que “enfatiza-se a produtividade, não a recepção ou o interesse público e social do produzido”. Segundo Kuenzer e Moraes (2005), ainda que existam aspectos positivos nesse novo paradigma de avaliação da pós-graduação, como a centralidade atribuída à pesquisa na pós-graduação, os seus aspectos negativos sobressaem, podendo esses ser resumidos em dois pontos principais:
Por um lado, a exacerbação quantitativista que, como de resto ocorre com os modelos econométricos, só avalia o que pode ser mensurado. (...). Por outro lado, as exigências relativas à produção acadêmica geraram o seu contrário: um verdadeiro surto produtivista em que o que conta é publicar, não importa qual versão requentada de um produto, ou várias versões maquiadas de um produto novo. A quantidade institui-se em meta. (KUENZER; MORAES, 2005, p. 1347-1348, itálicos nossos).
Como se observa, a face mais visível do novo paradigma de avaliação da pós-graduação que orienta não somente a cultura da pós-graduação, mas as práticas universitárias em geral, é a ideologia do produtivismo acadêmico, que se caracteriza pela “valorização da quantidade da produção científico-acadêmica, tendendo a desconsiderar a sua qualidade” (SGUISSARDI, 2010b, s. p.). Foi justamente esse novo paradigma de avaliação da pós-graduação, isto é, o “modelo CAPES de avaliação” (SGUISSARDI, 2006), que passou a intervir, na primeira metade dos anos 2000, no projeto intelectual da pós-graduação do IFCH na área de Ciências Sociais. Os quatro professores com mais tempo de trabalho dentre os entrevistados, tendo vivenciado esse processo que culminaria na criação de cursos de doutorado disciplinares em 2004, relembram, cada um a seu modo, esse período tenso e conturbado:
(...) nós começamos a ser instigados pelos relatórios da CAPES, porque a nota máxima do nosso mestrado [em Sociologia] só poderia ser 5. Nós não tínhamos um doutorado correspondente. Então, para chegar o mestrado a ter 7, nota máxima, ou 6, que é um reconhecimento, ele tem que ter um doutorado correspondente. (...). Inclusive houve um professor (...) da USP, que na época era coordenador (...) da Comissão de Avaliação [da área de Sociologia na CAPES]. (...) Ele veio aqui, deu um seminário para a gente (...) dizendo da importância de se criar doutorados disciplinares, que era uma tendência da pós-graduação no mundo todo (...). (...) ao que parece, a estratégia da CAPES era de criar doutorados disciplinares. Foi uma situação muito tensa, não foi simples, e nós acabamos por, ainda que divididos, criarmos, sim, os doutorados disciplinares. A esfera que deliberou sobre isso foi a congregação do Instituto, depois dos debates dos departamentos. A coisa (...) foi tão complicada, o resultado é que alguns professores (...) continuaram a orientar nas Ciências Sociais, por inércia inclusive. (...) do ponto de vista intelectual, eu (...) compreendo essas injunções de caráter administrativo da avaliação, talvez seja mais fácil para uma análise comparativa analisar a Sociologia da Unicamp, da Unesp, da USP, do que a Ciências Sociais, não é? Então, eu acho que são razões de caráter mais acadêmico-burocrático do que propriamente intelectual. (...) embora sendo tensa, porque a gente ficou “quem é contra” e “quem é a favor”, a gente conseguiu conciliar a questão. (E5)
Bom, aí começou a dar problema. Por quê? Por causa das bolsas. Se você tem doutorado por disciplina, você começa a ter mais bolsas. Então, a Sociologia foi a primeira, falamos: “Nós já temos uma avaliação ótima do mestrado, estamos com [nota] 5. Por essa avaliação temos direito a pedir doutorado. Nós vamos querer ter o doutorado. Não vamos abandonar as Ciências Sociais, os professores continuam lá também, mas nós vamos...”. A Sociologia foi a primeira a conseguir. (...). A Antropologia reclamou, reclamou, mas logo percebeu que era uma grande vantagem, porque ia ter mais verba. Então a Antropologia fez de conta que não gostou, mas fez igual. A Ciência Política não queria de jeito nenhum. Por quê? Porque a avaliação da Ciência Política era muito pior do que da Sociologia e da Antropologia, então eles corriam risco de não conseguir o doutorado em Ciência Política. A História eu não sei como é que foi. No fim, todos conseguiram, mas não queriam extinguir o doutorado em Ciências Sociais e o coitadinho ficou o patinho feio. (...). Agora, já quase fechou o ano passado o doutorado em Ciências Sociais, porque ninguém dá bola, ninguém quer ser coordenador. É muito complicado, eu nem sei como é que aquilo funciona. (E6)
Na verdade, (...) havia um processo em âmbito nacional de especialização das disciplinas, Antropologia, Sociologia e Ciência Política. Então, o doutorado [em Ciências Sociais] não conseguia mais dar conta desse tipo de contradição. O que aconteceu é que aqui nós chegamos à conclusão [de] que deveríamos continuar. O problema é que algumas pessoas permaneceram no doutorado em Ciências Sociais, então, eles tiveram que refazer esse doutorado em Ciências Sociais, (...) e os outros foram para os departamentos de Sociologia, Antropologia e Ciência Política. A divisão foi essa, foi interna (...). Foi bastante conflituoso porque teve discussões, teve debates, foi bastante conflituoso. (E7)
Teve muita briga inclusive, muita discussão, muita... Na formação dos doutorados disciplinares muitos colegas que estavam, por exemplo, ligados a uma área, (...) no momento em que foi criado o doutorado [disciplinar] (...) foi todo mundo para o doutorado [disciplinar] (...) e fechou essa área. E alguns, inclusive, não queriam nem manter os seus orientandos no doutorado de Ciências Sociais, então, pediram para os orientandos se transferirem para a Ciência Política, ou para a Sociologia, ou para a Antropologia, aconteceu nos três [doutorados disciplinares], e muitos alunos tiveram que migrar de Programa [de Pós-graduação], sair do doutorado de Ciências Sociais e acompanhar o seu professor, o seu orientador, no doutorado [disciplinar] de origem. Então, foi um período muito complicado, muito conturbado. (E8)
Nesses depoimentos, observamos claramente as injunções do modelo CAPES de avaliação no sentido de fomentar a criação dos doutorados disciplinares no IFCH, o que significou, de certo modo, o abandono, pelo menos em parte, do projeto intelectual próprio da pós-graduação na área de Ciências Sociais. Por parte da CAPES, diferentes estratégias foram adotadas para convencer os professores a criarem os doutorados disciplinares em seus respectivos departamentos: emissão de relatórios de avaliação contendo recomendações para a melhoria da nota dos mestrados disciplinares; realização de palestras persuasivas pelos representantes das áreas na CAPES sobre as tendências mundiais na pós-graduação; a vinculação e a submissão do financiamento, principalmente, na forma de bolsas de estudo, à avaliação dos cursos ou programas de pós-graduação. De certo modo, essa última estratégia, a de vincular e submeter o financiamento à avaliação, aliás, característica do modelo CAPES de avaliação, constituiu-se na principal estratégia utilizada pela CAPES para convencer os professores a criarem os doutorados disciplinares, uma vez que os mestrados disciplinares somente poderiam obter, no máximo, a nota 5, numa escala de 1 a 7, num contexto em que quanto maior é a avaliação de um curso ou PPG maior será o seu financiamento.
(...) no doutorado precisa ter Ciências Sociais. Como é que eu vou (...) ter um objeto que eu falo: “Isso é sociológico”. Não dá! (...). Tem aspectos antropológicos, tem aspectos sociológicos, tem aspectos da Ciência Política. (...). No doutorado o seu objeto é multifacetado. Como é que você vai dizer: “Não, não, não. Essa parte aqui você para, não pesquisa isso não, não conclui nada, porque isso é da Ciência Política, isso aqui é da Antropologia, isso daqui é da História”. Eu acho que existe doutorado em Ciências Sociais, não existe doutorado em Sociologia. Agora, existe [doutorado em Sociologia] porque (...) a divisão, é como aconteceu nos Estados Unidos, é de verba! Você foi criando os diversos departamentos por questão financeira, não por causa do conhecimento, não por causa da natureza do objeto. (...). Porque isso é dinheiro, isso é dinheiro, quer dizer, é verba, é verba, é possibilidade de contratar mais professor, se você cria um departamento. (...). [Ou seja, você] vai se subjugando à lógica capitalista ((risos)), (...) porque no fim é isso. (...). No caso da divisão dos Programas de Pós-graduação do IFCH foi isso: é número de bolsas que aumentava muito. (...). Então, por isso que se resolve [criar os doutorados disciplinares], não porque o objeto seja diferente, é uma decisão econômica e pragmática (...) para se adequar aos financiamentos e a ditadura hoje da CAPES (...). (E9, itálicos nossos)
Em 2004, depois de muitas “discussões”, “debates” (E7), até mesmo “briga” (E8) entre os professores, pois criou-se uma situação “tensa” de “‘quem é contra’ e ‘quem é a favor’” (E5), a congregação do IFCH aprovou a criação dos doutorados disciplinares vinculados aos seus respectivos mestrados/departamentos, formando, assim, os PPGs em Sociologia (mestrado/doutorado), em Antropologia Social (mestrado/doutorado) e em Ciência Política (mestrado/doutorado). Ainda que tenham sido criados os doutorados disciplinares, o doutorado em Ciências Sociais, ou PPG em Ciências Sociais (doutorado), não foi extinto, mantendo-se, ainda que de maneira precária, em funcionamento. É verdade que, em decorrência do descredenciamento de muitos professores para atuarem exclusivamente no PPG disciplinar de seu respectivo departamento, o PPG em Ciências Sociais teve que ser reestruturado, passando a contar também com professores de outras faculdades e institutos da Unicamp. Desde então, os PPGs disciplinares do IFCH têm obtido boas e excelentes notas nas avaliações da pós-graduação promovidas pela CAPES. Por sua vez, nessas mesmas avaliações, o PPG em Ciências Sociais tem diminuído progressivamente sua nota, obtendo na última avaliação quadrienal a nota 4 (Tabela 2), vale lembrar, “nota mínima para renovar o reconhecimento” de PPGs com cursos de doutorado (COORDENAÇÃO DE APERFEIÇOAMENTO DE PESSOAL DE NÍVEL SUPERIOR, 2018b).11
(...) se você olhar um pouco a história do doutorado em Ciências Sociais, algumas áreas desapareceram e outras foram redefinidas, e é claro que outras emergiram também. (...) a Ciências Sociais ela caiu de [nota, de] 6 para 5 [e de 5 para 4]. Por quê? Porque boa parte de seus professores apenas se dedicaram aos Programas [de Pós-graduação] disciplinares. Houve uma ampliação, nós tivemos gente da [Faculdade de] Educação que veio para as Ciências Sociais (...), (...) da FEAGRI [(Faculdade de Engenharia Agrícola)], colegas da Economia, da Geociências. Então, é um doutorado que se manteve (...) interdisciplinar (...). Mas, mesmo assim, a produção científica caiu (...). (E10, itálicos nossos)
Tabela 2: Área de Ciências Sociais da Unicamp por Programa de Pós-graduação, curso, ano de criação e avaliações da CAPES (2004-2016)
Programa de Pós-graduação | Curso | Ano de criação | Avaliações da CAPES | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Área de avaliação | 2004-2006 | 2007-2009 | 2010-2012 | 2013-2016 | |||
Sociologia | Mestrado | 1974 | Sociologia | 5 | 6 | 6 | 6 |
Doutorado | 2004 | ||||||
Antropologia Social | Mestrado | 1971 | Antropologia e Arqueologia | 5 | 5 | 6 | 5 |
Doutorado | 2004 | ||||||
Ciência Política | Mestrado | 1974 | Ciência Política e Relações Internacionais | 5 | 5 | 5 | 6 |
Doutorado | 2004 | ||||||
Ciências Sociais | Doutorado | 1985 | Sociologia | 6 | 5 | 5 | 4 |
Fonte: Elaborado pelo autor a partir Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (2018a). |
Atualmente, o PPG em Ciências Sociais (doutorado), após passar por um processo interno de reestruturação das suas linhas de pesquisa e do seu corpo docente, tem mantido o seu caráter interdisciplinar, embora sua produção científica esteja em declínio, o que tem refletido na sua nota. Entre os professores entrevistados, tivemos o depoimento de um egresso do PPG em Ciências Sociais, que se diz defensor desse doutorado: “Pena que estão tentando desmanchar ele de várias maneiras” (E11). Ao que parece, o PPG em Ciências Sociais, símbolo do projeto intelectual da pós-graduação do IFCH na área de Ciências Sociais, ainda tem um futuro incerto. Até porque, embora haja uma defesa do PPG em Ciências Sociais por parte dos professores entrevistados, parece haver uma certa dificuldade de resistir ao seu abandono devido às injunções do modelo CAPES de avaliação, conforme é perceptível no depoimento a seguir.
A razão que eu estou saindo das Ciências Sociais é isso, quer dizer, para dar conta dos orientandos na Sociologia, eu não posso ter orientandos na Ciências Sociais. (...) eu saio com um certo constrangimento. Eu acho que conseguiria manter a capacidade de orientação individualmente nos dois Programas, mas, do ponto de vista da determinação, que não é do departamento, mas é externa, que é da CAPES, realmente está complicado (...). Eu já tive que dizer “não” a orientandos na Sociologia porque tinha outros orientandos nas Ciências Sociais. Então, isso me leva a um certo constrangimento, (...) eu não queria estar saindo do Programa, o meu desejo. Então, eu não sei se é uma imposição. Acho que o departamento é um órgão mediador aqui, mas ele não conseguiu resistência para dizer “não” a uma injunção de uma agência de fomento que é a CAPES. (E12)
Em contrapartida, no caso do PPG em Sociologia, após a criação do seu doutorado, ele tem se consolidado ano a ano obtendo, nas últimas três avaliações da pós-graduação, a nota 6. Dessa forma, o PPG em Sociologia pôde ingressar no seleto grupo de PPGs pertencentes ao Programa de Excelência Acadêmica (PROEX) da CAPES, que tem como objetivo “apoiar projetos educacionais e de pesquisa coletivos dos programas de pós-graduação avaliados com notas 6 ou 7, a fim de manter o padrão de qualidade desses programas de pós-graduação, buscando atender mais adequadamente as suas necessidades e especificidades” (COORDENAÇÃO DE APERFEIÇOAMENTO DE PESSOAL DE NÍVEL SUPERIOR, 2017c). Com isso, o PPG em Sociologia pôde aumentar, significativamente, o número de bolsas de estudo, sobretudo, no doutorado: em 2004, o PPG em Sociologia contava com oito bolsas de mestrado e nenhuma de doutorado, ao passo que, em 2016, havia 12 bolsas de mestrado e 26 de doutorado (COORDENAÇÃO DE APERFEIÇOAMENTO DE PESSOAL DE NÍVEL SUPERIOR, 2018c).
(...) o nosso foi implantado há 10 anos, o nosso Programa de Sociologia. (...). A gente completou 10 anos em 2014, a gente completou 10 anos de Programa. E aí gente fez o caminho que era natural, enfim, em 10 anos nos tornamos um Programa nota 6. Eu acho que isso seja talvez o nosso limite. É muito difícil nos tomarmos um Programa nota 7. (...). Estamos aqui no 6 e eu pelo menos lido tranquilamente se for para ser um Programa [nota] 5. (E13, itálicos nossos)
Sinto dizer, o Programa de Pós-graduação em Sociologia, pelo menos do que foi apresentado ontem numa reunião para a gente para discutir a pós-graduação, nós estamos beirando, um perigo real e imediato, de cair de nota de 6 para 5. Por quê? Porque baixou nossa produtividade em termos de artigos, porque a gente não tem PROCAD [(Programa Nacional de Cooperação Acadêmica)], porque a gente não está investindo em coisas que outros Programas estão investindo (...).
P: A nota cair de 6 para 5 implica no que, por exemplo?
E12: Implica perder dinheiro, perder o número de bolsas CAPES, perder um dinheiro que vai ser mandado via PROEX, enfim. (E14, itálicos nossos)
(...) a Sociologia é um Programa [de Pós-graduação] PROEX, tem essa linguagem de excelência, ele é [nota] 6 (...). Mas não sei o que vai ser do futuro. (E15, itálicos nossos)
Embora o PPG em Sociologia tenha, nesses últimos anos, se consolidado e aumentado seu número de bolsas de estudo, a manutenção da sua nota 6 e permanência no PROEX ainda é incerta no futuro.
“O ambiente acadêmico é um ambiente um pouco impermeável à presença da mulher” (E16)
Os professores da pós-graduação em sociologia da Unicamp representam 65 professores que, no ano de 2016, estavam credenciados como docentes permanentes e/ou colaboradores no PPG em Sociologia e/ou no PPG em Ciências Sociais. Desses professores, 41 deles estavam credenciados no PPG em Ciências Sociais (63,1%), 17 no PPG em Sociologia (26,1%) e sete em ambos os PPGs (10,8%). Ou seja, 48 professores estavam credenciados no PPG em Ciências Sociais (41 docentes permanentes e sete colaboradores) e 24 no PPG em Sociologia (19 docentes permanentes e cinco colaboradores).
Os professores credenciados no PPG em Sociologia, na sua quase totalidade, eram professores efetivos ou aposentados do Departamento de Sociologia, enquanto os professores credenciados no PPG em Ciências Sociais eram professores efetivos ou aposentados de diferentes departamentos do IFCH (Sociologia, Antropologia e Ciência Política, principalmente), de outras unidades de ensino e pesquisa da Unicamp (Faculdade de Educação — FE, Instituto de Economia — IE, Faculdade de Engenharia Agrícola — FEAGRI, Instituto de Estudos da Linguagem — IEL, Instituto de Artes — IA etc.) ou, até mesmo, de outras universidades públicas do estado de São Paulo (Universidade Estadual Paulista — Unesp e Universidade Federal de São Carlos — UFSCar). Para melhor conhecermos esses professores, delinearemos a seguir as suas carreiras docentes.
Antes disso, parece oportuno conhecermos as carreiras docentes existentes na Unicamp. A principal delas é carreira do (i) Magistério Superior (MS), correspondendo, em 2016, a 87,7% do total de postos de trabalho docente na universidade. Nessa carreira docente, três são os regimes de trabalho praticáveis: (a) Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa (RDIDP), com jornada de trabalho de 40 horas semanais e em dedicação exclusiva (em 2016, equivalente a 94,5% do total de postos de trabalho docente na carreira MS); (b) Regime de Turno Completo (RTP), com jornada de trabalho de 24 horas semanais (4,1%); e, (c) Regime de Turno Parcial (RTC), com jornada de trabalho de 12 horas semanais (1,4%).
Além da carreira MS, há também um conjunto de outras carreiras docentes, comumente denominadas na Unicamp de “carreiras especiais”: (ii) Magistério Secundário Técnico (MST) nos Colégios Técnicos de Campinas (COTUCA) e de Limeira (COTIL) (em 2016, equivalente a 8,8% do total de postos de trabalho docente na universidade); (iii) Magistério Técnico Superior (MTS) na Faculdade de Tecnologia (FT) de Limeira (1,0%); (iv) Magistério Artístico (MA) no Instituto de Artes (IA) (0,9%); (v) Docente em Ensino de Línguas (DEL) no Centro de Ensino de Línguas (CEL) (1,2%); e, (vi) Docente em Educação Especial e Reabilitação (DEER) no Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação (DEER) da Faculdade de Ciências Médias (FCM) (0,4%).
Devemos citar também, ainda que não sejam propriamente carreiras docentes, a carreira de (vii) Pesquisador (Pq) nos Centros e Núcleos Interdisciplinares de Pesquisa — em 2016, havia 93 pesquisadores na universidade — e o (viii) Programa de Professor Colaborador nas faculdades e institutos da universidade — com 310 professores colaboradores (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS, 2017).
Em relação ao Programa de Professor Colaborador, Souza (2018, p. 86-87) verificou em sua pesquisa que
(...) os professores aposentados assinaram um termo de adesão ao programa de voluntariado. As motivações que levam esses professores à assinatura do termo de adesão são “necessidade de manter o vínculo institucional com a universidade”, o “interesse em continuar pesquisando”, “o prazer pelo trabalho”, o “apreço pela universidade”. “Não quero parar de trabalhar, mas não suportava a intensidade do trabalho”. De forma geral, esses professores mantêm o vínculo somente com os programas de pós-graduação. Trata-se de um trabalho altamente qualificado sem a contrapartida financeira, o que desvela a precarização do trabalho docente voluntário (...).
À vista disso, para fins de análise, ao menos três observações preliminares devem ser consideradas em relação às carreiras docentes na Unicamp: primeiro, que a carreira MS, sobretudo, em RDIDP, era a carreira docente majoritária na universidade; segundo, que havia um conjunto de demais carreiras docentes residuais (MST, MTS, MA, DEL e DEER) e de vocações específicas (magistério no secundário técnico, no técnico superior, nas artes, no ensino de línguas e na educação especial e reabilitação) na universidade; terceiro, que a carreira Pq e o Programa de Professor Colaborador, em razão do seu quantitativo/tamanho, apresentavam importância para a compreensão das carreiras docentes dos professores da pós-graduação em sociologia da Unicamp. Sendo assim, consideremos a seguir as carreiras docentes desses professores.13
Gráfico 1: Professores da pós-graduação em sociologia e dos Programas de Pós-graduação em Sociologia e em Ciências Sociais da Unicamp por carreiras docentes, 2016 |
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de Universidade Estadual de Campinas (2018). |
Em 2016, a maior parte dos professores da pós-graduação em Sociologia da Unicamp pertenciam à carreira MS (64,6%). Havia também professores pertencentes ao Programa de Professor Colaborador (26,2%) e à carreira Pq (9,2%). No caso do PPG em Sociologia, os professores na carreira MS eram dominantes (70,8%), seguidos daqueles no Programa de Professor Colaborador (20,9%) e na carreira Pq (8,3%), enquanto, no PPG em Ciências Sociais, os professores na carreira MS, embora dominantes, tinham uma menor participação percentual (58,3%), seguidos daqueles no Programa de Professor Colaborador (31,3%), com maior participação percentual, e na carreira Pq (10,4%) (Gráfico 1).
Os professores da pós-graduação em Sociologia da Unicamp pertencentes à carreira MS, em sua quase totalidade, localizavam-se, ou no nível inicial da carreira, o de Professor Doutor (MS-3) (64,3%), ou no nível mais alto da carreira, o de Professor Titular (MS-6) (28,3%). Proporcionalmente, havia mais professores titulares (MS-6) no PPG em Sociologia (35,2%) do que no PPG em Ciências Sociais (28,6%), enquanto, professores doutores (MS-3) eram mais representativos no PPG em Ciências Sociais (67,8%) do que no PPG em Sociologia (52,9%).
Gráfico 2: Professores da pós-graduação em sociologia da Unicamp por carreiras docentes e níveis da carreira do Magistério Superior (MS), segundo sexo, 2016 |
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de Universidade Estadual de Campinas (2018). |
Em 2016, entre os professores da pós-graduação em Sociologia da Unicamp, embora houvesse equilíbrio entre os sexos na sua composição, sendo 33 mulheres (50,8%) e 32 homens (49,2%), nota-se nitidamente a existência do princípio da hierarquização, nos termos de Kergoat (2009),14 que se expressava pelas desigualdades entre os sexos nas diferentes carreiras docentes (Gráfico 2). No caso da carreira MS, aquela que registrava a menor participação feminina (38,1%), sua base, o nível de Professor Doutor I (MS-3.1), com menores salários, era constituída predominantemente pelas mulheres, enquanto seu topo, o nível de Professor Titular (MS-6), com maiores salários, era dominado pelos homens. Mesmo na base da carreira MS, os homens localizavam-se no nível mais alto, o de Professor Doutor II (MS-3.2). Já na carreira Pq, dedicada exclusivamente às atividades de pesquisa e de orientação na pós-graduação, porém com menores salários quando comparados à carreira MS, as mulheres eram dominantes (100,0%), não existindo um homem sequer. Por fim, no Programa de Professor Colaborador, forma precária e voluntária de contratação de professores aposentados para a pós-graduação, “sem ônus para a universidade” e que “não gera vínculo empregatício, nem obrigação de natureza trabalhista, previdenciária ou afim” (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS, 2006), as mulheres eram dominantes (71,4%).
Essa segregação hierárquica também se manifestava no instituto de trabalho dos professores de sociologia, o IFCH (Tabela 3). Isto porque, embora a participação feminina em postos de trabalho docente nesse instituto fosse superior ao registrado na Unicamp — em 2016 havia uma diferença de quase seis pontos percentuais —, as desigualdades entre os sexos na carreira docente tendiam aí a se aprofundar, ao menos quando se consideravam as chances das mulheres em acessar os níveis mais altos da carreira MS, isto é, os níveis de Professor Associado (MS-5) e Professor Titular (MS-6).
Se, em 2004, no IFCH, o nível de Professor Doutor (MS-3), base da carreira MS, era ocupada por 56,3% das mulheres, em 2016, nesse mesmo nível, havia 67,6% de mulheres. Entretanto, nos níveis de Professor Associado (MS-5) e Professor Titular (MS-6), níveis mais altos da carreira MS, a participação das mulheres nesse mesmo período diminuiu, passando de 40,6%, em 2004, para 32,4%, em 2016. Essa situação torna-se ainda mais dramática quando se compara conjuntamente a participação de homens e mulheres na base e no topo da carreira MS em 2016: no nível de Professor Doutor (MS-3), a participação das mulheres em relação aos homens é maior em 12,7%, ao passo que no nível de Professor Titular (MS-6) a participação dos homens em relação às mulheres é maior 9,3%. Ou seja, no IFCH as professoras ocupavam a base da carreira MS, enquanto os homens figuravam no seu topo.
Tabela 3: Professores do IFCH, segundo distribuição percentual por níveis da carreira do Magistério Superior (MS) e sexo, 2004-2016
Nível da carreira | 2004 | 2016 | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
Mulheres | Homens | Total | Mulheres | Homens | Total | |
MS-1 - Instrutor* | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 |
MS-2 - Professor Assistente* | 3,1 | 1,7 | 2,2 | 0,0 | 0,0 | 0,0 |
MS-3 - Professor Doutor | 56,3 | 46,6 | 50,0 | 67,6 | 54,9 | 60,2 |
MS-5 - Professor Associado | 25,0 | 22,4 | 23,3 | 16,2 | 19,6 | 18,2 |
MS-6 - Professor Titular | 15,6 | 29,3 | 24,4 | 16,2 | 25,5 | 21,6 |
Total (%) | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 |
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de Universidade Estadual de Campinas (2017). | ||||||
Nota: * Níveis da carreira MS residuais, extintos a partir de 2011. |
À vista desses dados, que informam as desigualdades entre os sexos nas carreiras docentes dos professores da pós-graduação em sociologia da Unicamp, podemos afirmar que as mulheres tendiam a se concentrar no nível inicial da carreira MS ou em carreiras docentes com piores salários e formas mais precárias de contratação, como o trabalho voluntário, ao passo que os homens, em sua maior parte, aglutinavam-se nos níveis mais altos da carreira MS, com melhores salários, maior prestígio acadêmico e mais poder universitário.
Por fim, em relação ao status acadêmico dos professores da pós-graduação em sociologia da Unicamp, podemos delineá-lo a partir da somatória do capital científico15 de cada professor. No Brasil, a maneira mais elementar de avaliar o capital científico — e, por extensão, o status acadêmico — dos professores universitários é verificar se esses possuem ou não a bolsa Produtividade em Pesquisa (PQ) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), “destinada a pesquisadores que se destaquem entre seus pares, valorizando sua produção científica segundo critérios normativos” (CONSELHO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO, 2015, itálicos nossos).
A bolsa de produtividade [em pesquisa] do CNPq, que beneficia cerca de 10% dos docentes dos programas de pós-graduação stricto sensu do país, tornou-se símbolo de status acadêmico: mais do que um bônus financeiro, que talvez não ultrapasse em média a um quinto do salário dos seus beneficiários, tem um peso significativo como capital acadêmico. (SGUISSARDI; SILVA JÚNIOR, 2009, p. 155, itálicos dos autores, negritos nossos)
Embora a maioria dos professores da pós-graduação em sociologia da Unicamp não possuíssem a bolsa PQ do CNPq (60,0%), o percentual de professores bolsistas é extremamente alto (40,0%) se comparado com o país, tendo em vista ser essa bolsa um símbolo de reconhecimento, distinção e consagração no campo acadêmico-científico.
Claro que todo mundo quer ter, né? Primeiro, porque é dinheiro, e depois, porque é prestígio. Para o programa de pós[-graduação], número de bolsistas produtividade [em pesquisa] pega bem, pesa positivamente. (E17, itálicos nossos).
No PPG em Ciências Sociais, por congregar muitos professores com mais tempo de trabalho, o percentual de professores bolsistas PQ do CNPq é bem maior (56,3%) do que no PPG em Sociologia (37,5%). Conquanto, as professoras de sociologia da Unicamp estivessem nos níveis mais baixos e precários das carreiras docentes, eram elas as que predominavam entre os professores bolsistas PQ do CNPq (65,4%), em seus diferentes níveis (Gráfico 3).
Gráfico 3: Professores da pós-graduação em sociologia da Unicamp bolsistas e não bolsistas Produtividade em Pesquisa (PQ) do CNPq por nível da bolsa e sexo, 2016 |
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (2018). |
Sendo assim, se “é mito a afirmativa de que mulheres cientistas produzem menos que homens” (LETA, 2003, p. 273) e, por isso mesmo, “sendo menos produtivas, é de se esperar que as mulheres recebam menor recompensa que os homens, recompensa esta que se manifesta (...) em reconhecimento dos pares e consequentemente promoção na carreira acadêmica” (VELHO; LEÓN, 2009, p. 315), percebemos que o lugar subordinado das mulheres nas carreiras docentes no âmbito da pós-graduação em sociologia da Unicamp decorre das persistentes desigualdades entre os sexos na ciência e na educação superior brasileira. Até porque, conforme constata uma professora entrevistada, “o ambiente acadêmico é um ambiente um pouco impermeável à presença da mulher” (E18).
Nesse artigo, analisamos as mudanças e as permanências da pós-graduação em sociologia da Unicamp. Em relação às mudanças, podemos destacar, por intermédio da reconstituição da história dos PPGs em Sociologia e em Ciências Sociais, que a partir das injunções do modelo CAPES de avaliação, o projeto intelectual próprio de pós-graduação do IFCH na área de Ciências Sociais, que previa uma formação disciplinar no mestrado, em Sociologia, Antropologia, Ciência Política ou História, e interdisciplinar no doutorado, em Ciências Sociais, sofreu reveses e foi abandonado, em parte, em 2004, quando foram criados os doutorados disciplinares no IFCH. A pós-graduação em sociologia da Unicamp, então, passou a ser constituída pelos PPGs em Sociologia (mestrado/doutorado, nota 6) e em Ciências Sociais (doutorado, nota 4).
Ainda que sejam PPGs distintos, o primeiro, de caráter disciplinar, e o segundo, interdisciplinar, ambos compartilham de incertezas quanto ao futuro, em razão da exigência do produtivismo acadêmico decorrente do modelo CAPES de avaliação: o PPG em Sociologia, a incerteza quanto à sua permanência no PROEX da CAPES; o PPG em Ciências Sociais, a incerteza quanto à sua própria existência, o que sepultaria, por definitivo, o projeto intelectual de pós-graduação do IFCH na área de Ciências Sociais.
Por outro lado, observando as permanências da pós-graduação em Sociologia da Unicamp, a partir do delineamento das carreiras docentes dos professores que trabalham nos PPGs em Sociologia e em Ciências Sociais, temos que a maior parte desses professores pertenciam à carreira MS, no nível inicial (Professor Doutor — MS-3) ou final (Professor Titular — MS-6) dessa carreira, ou ao Programa de Professor Colaborador. No nível inicial da carreira MS, na carreira Pq e no Programa de Professor Colaborador, com piores salários e/ou formas mais precárias de contratação, a participação das mulheres era predominante, ao passo que, no nível final da carreira MS, com melhores salários, maior prestígio acadêmico e mais poder universitário, predominava a participação dos homens. Por fim, muitos professores gozam de alto status acadêmico por possuírem a bolsa PQ do CNPq, sendo a participação das mulheres, contraditoriamente, majoritária nesse tipo de bolsa.
Nessa direção, as desigualdades entre os sexos nas carreiras docentes dos professores da pós-graduação em Sociologia da Unicamp indicam a existência de aspectos invariáveis, de permanências, que atravessavam transversalmente o trabalho desses professores, reproduzindo, dessa maneira, formas sutis de divisão sexual do trabalho na sociedade, como a hierarquização do trabalho masculino como de maior valor do que o trabalho feminino.
Mas, afinal, porque analisamos as mudanças e as permanências da pós-graduação em sociologia da Unicamp? Porque o pesquisador sendo um sociólogo de formação e de ofício, que se doutorou nessa universidade, interpretou literalmente o conselho dado pelo escritor russo Leon Tolstói (1828-1910): “Se queres ser universal, começa a pintar a tua aldeia”.
Nessa direção, a análise das mudanças e das permanências da pós-graduação em sociologia da Unicamp informa, não resultados de um estudo de caso, mas sim, a partir de resultados de um estudo de caso, mudanças e permanências mais gerais presentes na pós-graduação brasileira, isto é, respectivamente, as injunções do modelo CAPES de avaliação no trabalho docente e as desigualdades entre os sexos na carreira docente.
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BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. São Paulo: Editora UNESP, 2004.
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Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior — CAPES.↩︎
A fim de manter o sigilo e o anonimato dos 11 professores de sociologia da Unicamp entrevistados, optamos por não fazer qualquer tipo de referência passível de identificação. Por isso, nos depoimentos utilizados nesse artigo, por um lado, suprimimos suas marcas pessoais, por intermédio da realização de cortes nos depoimentos, e, por outro, empregamos E associado a um número (1, 2, 3 etc.), para nos referirmos, sequencialmente, ao “excerto 1 dos depoimentos dos professores entrevistados” (E1), “excerto 2 dos depoimentos dos professores entrevistados” (E2), “excerto 3 dos depoimentos dos professores entrevistados” (E3) etc.↩︎
Atualmente, a cada quadriênio, todos os Programas de Pós-graduação (PPGs) do país, nas diferentes áreas do conhecimento, “são submetidos a uma criteriosa avaliação periódica”, realizada pela CAPES, cujos resultados, isto é, as notas dos PPGs, são publicizados. Nesse modelo de avaliação, as notas recebidas pelos PPGs servem de “instrumento” para a “concessão de auxílios, tanto por parte das agências de fomento nacionais, como dos organismos internacionais”. Essas notas variam numa escala de 1 a 7: quando os PPGs obtêm as notas 1 ou 2, “tem canceladas as autorizações de funcionamento e o reconhecimento dos cursos”; a nota 3, “significa desempenho regular, atendendo ao padrão mínimo de qualidade”; a nota 4, “é considerado um bom desempenho”, sendo essa a nota mínima para PPGs com cursos de doutorado; a nota 5, "é a nota máxima para programas com apenas mestrado“; enquanto que, as notas 6 e 7,”indicam desempenho equivalente ao alto padrão internacional" (COORDENAÇÃO DE APERFEIÇOAMENTO DE PESSOAL DE NÍVEL SUPERIOR, 2021, itálicos nossos).↩︎
De acordo com a Comissão de Avaliação da área de Sociologia da CAPES, “por atingir o nível Bom em produção intelectual docente, e o conceito Bom no quesito Corpo Docente, o Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) não se qualifica para permanecer com a nota 5. Por essa razão, recomendamos a nota 4 para este programa.” (COORDENAÇÃO DE APERFEIÇOAMENTO DE PESSOAL DE NÍVEL SUPERIOR, 2017b)↩︎
Fausto Castilho, organizador da área de humanidades na Unicamp e fundador do IFCH, informa-nos que “o DEPES foi criado pelo Conselho Diretor em 1967 (...) como primeira unidade do futuro Instituto Central de Ciências Humanas (...). Era uma proposta provisória destinada a vigorar até 1973, quando a organização do departamento estaria enfim concluída. Dele resultariam posteriormente dois departamentos dedicados à pesquisa fundamental, um de Ciências Sociais e outro de Ciências Econômicas, enquanto o DEPES propriamente dito passaria a integrar a unidade de planejamento de Estado” (CASTILHO; SOARES, 2008, p. 145).↩︎
Em 16 de agosto de 1984, pelo Decreto n° 22.577, foi criado o Instituto de Economia (IE) da Unicamp, a partir da transferência de professores do departamento de economia e planejamento econômico. Para maiores informações sobre a criação do IE, ver, dentre outros, Cano (2007) e Marques (2016).↩︎
Em 21 de março de 1977, pelo Decreto n° 9.597, foi criado o Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp, a partir da transferência de professores do departamento de linguística e do centro de linguística aplicada do IFCH, tendo como seu primeiro diretor Antonio Candido de Mello e Souza. Para maiores informações sobre a criação do IEL, ver, dentre outros, Vogt (2009) e Viana (2016).↩︎
Até o biênio de 1994-1995, o resultado da avaliação da pós-graduação realizada pela CAPES era expresso em conceitos que variavam de “A” a “E”, em ordem decrescente. Nesse modelo de avaliação, o conceito “A” indicava que determinado curso de mestrado ou de doutorado era um curso consolidado, ao passo que, o conceito “E”, apontava que o curso não preenchia os requisitos mínimos para o desenvolvimento de atividades em nível de pós-graduação. Era possível também atribuir aos cursos as seguintes siglas: “CN” (Curso Novo), quando o curso era novo, “CR” (Curso em Reestruturação), quando o curso estava em reestruturação, ou “SA” (Sem Avaliação), quando não havia dados sobre o curso ou esses eram considerados insuficientes para se realizar a avaliação e atribuir um conceito (COORDENAÇÃO DE APERFEIÇOAMENTO DE PESSOAL DE NÍVEL SUPERIOR, 1996; 1998).↩︎
Maria Célia Marcondes de Moraes (1943-2008) foi professora (1995-2008) e coordenadora do PPG em Educação (1996-1998) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), coordenadora adjunta (1999-2000) e coordenadora (2001-2003) da área de Educação junto à CAPES, além de membro da Comissão de Acompanhamento dos PPGs em Educação da CAPES (2005-2006). Ocupou, portanto, cargos e representações na pós-graduação no período de implementação e consolidação do “novo paradigma de avaliação”, o que lhe permitiu, dado seu lugar privilegiado, desvelar a inflexão das políticas nesse nível de ensino. Conforme ela mesmo enfatiza: “A minha gestão (1996-1998) aqui, como coordenadora, coincide com as grandes mudanças no sistema de avaliação da CAPES e de suas repercussões na pós-graduação. De minha parte, portanto, não foi só um conhecimento do funcionamento do Programa, da área, da universidade, mas foi acompanhar a introdução de uma nova mentalidade na pós-graduação brasileira. Isso se confundiu um pouco comigo (...). Ou seja, eu também estava apreendendo essa mentalidade que a CAPES começava a impor.” (in BIANCHETTI; MACHADO, 2008, p. 372, itálicos nossos). Na discussão que se segue utilizaremos seu texto Avaliação na pós-graduação brasileira: novos paradigmas, antigas controvérsias (MORAES, 2006 [2002]), versão modificada e ampliada do texto Paradigmas e adesões: temas para pensar a teoria e a prática em educação (MORAES, 1999).↩︎
De acordo com Sguissardi e Silva Junior (2009, p. 45), “o Currículo Lattes consiste no portfólio de muitos doutores, formados depois de implantado o novo Modelo CAPES de Avaliação, em 1996-1997, a correrem atrás de pós-doutoramentos, de publicações, de bolsas de produtividade, de participação em congressos bem classificados academicamente, isto no objetivo de fazer caminhar a ‘nova universidade’, sem saberem bem para onde ela caminha”. Assim, “O Currículo Lattes acaba sendo objeto de competitividade e do individualismo, quando se buscam informações da produção dos colegas de área ou mesmo de departamento. Quer-se saber se os colegas publicaram ou não; se publicaram, em que periódico o fizeram, e se de prestígio segundo o sistema Qualis, criado pelos pares no âmbito das associações científicas e que classifica cada periódico” (SGUISSARDI; SILVA JÚNIOR, 2009, p. 46).↩︎
Na Portaria n° 182, de 14 de agosto de 2018, da CAPES, que dispõe sobre os processos avaliativos das propostas de cursos novos e dos PPGs em funcionamento, lê-se, no seu art. 11, que “Após a avaliação periódica, cada programa em funcionamento receberá apenas uma nota, na escala de 1 (um) a 7 (sete). I — Serão regulares os programas que receberem nota igual ou superior a 4 (quatro); II — Serão desativados os programas que receberem nota inferior a 3 (três); e, III — Programas que receberem nota 3 (três): a) serão regulares se compostos por apenas um curso de mestrado; e, b) serão desativados os programas compostos por mestrado e doutorado ou aqueles com nível de doutorado.” (COORDENAÇÃO DE APERFEIÇOAMENTO DE PESSOAL DE NÍVEL SUPERIOR, 2018b, itálicos nossos)↩︎
Nas entrevistas transcritas P e E equivalem, respectivamente, à “pesquisador” e “professor entrevistado”.↩︎
Excluem-se da análise que se segue três professores da pós-graduação em sociologia da Unicamp, dois homens e uma mulher, que, embora credenciados como docentes permanentes e/ou colaboradores nos PPGs em Sociologia ou em Ciências Sociais, eram professores de outras universidades públicas do estado de São Paulo (Unesp e UFSCar).↩︎
Segundo Kergoat (2009, p. 70), a divisão sexual do trabalho possui dois princípios organizadores, os princípios de separação e de hierarquização, que “se encontram em toda parte e se aplicam sempre no mesmo sentido”. No princípio da hierarquização a ideia prevalente é a de que “um trabalho de homem ‘vale’ mais do que um de mulher” (KERGOAT, 2009, p. 68). Ou seja, no âmbito da divisão sexual do trabalho, atribui-se trabalhos diferentes a homens e a mulheres, mas valoriza-se mais o trabalho dos homens do que o das mulheres. No entender de Kergoat (2009, p. 68), “esses princípios podem ser aplicados graças a um processo específico de legitimação — a ideologia naturalista — que relega o gênero ao sexo biológico e reduz as práticas sociais a ‘papéis sociais’ sexuados, os quais remetem ao destino natural da espécie”.↩︎
Segundo Bourdieu (2004, p. 26), “o capital científico é uma espécie particular do capital simbólico (o qual, sabe-se, é sempre fundado sobre atos de conhecimento e reconhecimento) que consiste no reconhecimento (ou no crédito) atribuído pelo conjunto de pares-concorrentes no interior do campo científico (o número de menções do Citation Index é um bom indicador, (...) os prêmios Nobel ou, em escala nacional [- no contexto francês], as medalhas do CNRS [(Centre National de la Recherche Scientifique)] e também as traduções para as línguas estrangeiras)”.↩︎
Resumo:
Nesse artigo, analisamos as mudanças e as permanências na pós-graduação em sociologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) a partir de pesquisa empírica com depoimentos de 11 professores complementados e confrontados com informações estatísticas e documentais e pesquisa bibliográfica. Para isso, inicialmente, reconstruímos a história dos Programas de Pós-graduação em Sociologia e em Ciências Sociais da Unicamp para, num segundo momento, delineamos as carreiras docentes dos professores que trabalham nesses Programas de Pós-graduação. A análise sobre as mudanças e as permanências da pós-graduação em sociologia da Unicamp informa mudanças e permanências mais gerais presentes na pós-graduação brasileira, isto é, respectivamente, as injunções do modelo CAPES de avaliação no trabalho docente e as desigualdades entre os sexos na carreira docente.
Palavras-chave:
Pós-graduação em sociologia; avaliação da pós-graduação; relações de gênero; carreira docente; Universidade Estadual de Campinas.
Abstract:
In this article, we analyze the changes and permanences in two graduate programs in Sociology at the University of Campinas (Unicamp), based on empirical research with testimonies given by 11 professors, which was complemented and confronted with statistical and documentary information and bibliographic research. For this, initially, we reconstruct the history of the Graduate Programs in Sociology and in Social Sciences at Unicamp, in order to, in a second moment, outline the teaching career of the professors who work in these Graduate Programs. The analysis of changes and permanences of those programs informs more general changes and permanences of Brazilian graduate, that is, respectively, the injunctions of the CAPES model of evaluation and the inequalities between the sexes in the teaching career.
Keywords:
Graduation in sociology; graduation evaluation; gender relations; teaching career; University of Campinas.
Recebido para publicação em 16/03/2021
Aceito em 18/04/2021