Revista de Ciências Sociais, v. 50, n. 2, 2019.
Diversidade cultural:
um conceito fundamental para o estudo dos fenômenos religiosos modernos
Desde os inícios da sociologia que uma das suas principais preocupações é sobre o destino da religião1 nas sociedades modernas e o declínio da sua influência social nos indivíduos e nos Estados – encarados como indicadores de passagem de uma sociedade tradicional para uma moderna.
De fato, desde a primeira metade do século XIX, com Henri Saint-Simon e Auguste Comte, passando por Karl Marx e Ferdinand Tönnies, que os cientistas que investigam as etapas (distintas) ou os processos (evolutivos) da modernização2 – como a ciência e o racionalismo, o capitalismo ou a individualização – vêm defendendo uma progressiva perda de plausibilidade da religião, nomeadamente de suas expressões tradicionais, nas sociedades modernas. Essas proposições sociológicas seriam, ulteriormente, sistematizadas por Émile Durkheim e Max Weber, em especial com suas análises estrutural-funcionalista e comparativa, histórica e fenomenológica, respetivamente. Em traços gerais, suas teorias advogavam, ainda nos finais do século XIX e nos inícios do século XX, que as religiões históricas passariam por um declínio, não sobrevivendo aos fenômenos do mundo moderno.
Esta longa e prestigiada tradição intelectual que enfatiza a oposição entre religião e modernização viria, no pós-segunda Grande Guerra e, sobretudo na década de 1960, a se formalizar em torno do debate da secularização. À medida que a sociologia da religião se institucionaliza como área autônoma de estudo, a teoria da secularização acabou se hegemonizando, especialmente através dos trabalhos de Wilson (1969 [1966]), Berger (1990 [1967]) e Luckmann (1967). As teorias da secularização tiveram como realidade de referência as sociedades europeias, centrando-se na perda da influência social da religião e no declínio das representações religiosas, devido à racionalização funcional e ao desencantamento do mundo, tal como Weber vaticinara.
Em particular a partir das décadas de 1980 e 1990, o modelo da secularização torna-se alvo de críticas mais sistematizadas. Por um lado, os sociólogos estadunidenses começam a interpretar o fenômeno de revitalização religiosa como uma faceta da sociedade moderna. Apoiados na teoria da escolha racional e analisando a formação de cultos e seitas e sua proliferação na sociedade, encaram a secularização como um processo limitativo. Eles entendem que a teoria da escolha racional é particularmente adequada para explicar a fragmentação e a diversidade religiosa contemporâneas, pautadas por uma lógica de oferta e procura. Por outro lado, por conta das novas dinâmicas do religioso, surgem outras críticas à secularização relacionadas com a questão dos novos movimentos religiosos e, de uma forma mais genérica, com as reconfigurações do universo religioso em um quadro social cada vez mais globalizado. Os trabalhos sobre a crescente individualização das crenças e do sentimento religioso, a difusão do sagrado nas diferentes instâncias da realidade e as espiritualidades nova era e seculares alargariam o campo de reflexão acerca das novas formas de religiosidade, no contexto de secularização, multiplicando as produções no campo da sociologia da religião (Vilaça; Sell; Moniz, 2017).
A crescente sensibilidade teórica no reconhecimento dos diferentes percursos políticos, sociais e religiosos – para a qual muito contribuíram a análise genealógica do secular, de Talal Asad, e a perspectiva da secularização como uma história de subtração, de Charles Taylor – evidenciaria uma aproximação aos debates atuais sobre a teoria da modernidade, nomeadamente à abordagem das múltiplas modernidades, de Shmuel Eisenstadt. Aqui se afirma que o mundo contemporâneo é um espaço de (re)constituição contínua de diferentes programas da modernidade, admitindo-se a influência de atores ou circunstâncias regionais específicas (forças políticas ou econômicas, ativistas ou movimentos sociais, a mídia ou os fenômenos migratórios), com perspectivas não unívocas, sobre a reconstrução dos padrões de relação Estado, sociedade e religião.
Não obstante a evolução dos debates sobre o lugar da religião nas sociedades modernas, muitos cientistas sociais vêm questionando a atualidade e validade dessas teorias clássicas (Norris; Inglehart, 2004), contestando ainda a frutuosidade desse debate científico (Casanova, 2007). Além disso, vêm afirmando a necessidade de uma mudança no rumo dessas pesquisas, procurando categorias de análise mais atuais e reflexivas para compreender os contornos modernos do religioso (Casanova, 2012).
No geral, a crítica que é feita às reflexões tradicionais sobre o religioso é que mantêm em suspenso uma questão que ainda não foi decidida definitivamente. Ou seja, que processos da modernidade, se é que algum, conseguem descrever as atuais mutações ou deslocações do religioso nas sociedades contemporâneas? Para Vilaça, Sell e Moniz (2017), na análise dos fenômenos religiosos contemporâneos, são cada vez mais necessárias novas grades analíticas: nova economia, mídia ou migrações estão entre as forças nucleares. Perante toda essa multiplicidade de expressões da modernidade, Peter Berger, que desde a década de 1990 vem revendo seu tópico original, entende o pluralismo, e não a secularização, como o tema central na sociologia da religião (Berger, 2014). Também Vilaça et al. (2014) acreditam que, na tentativa de compreender a religião nas sociedades hodiernas, o foco dos investigadores deve estar nos fenômenos migratórios e nas mudanças que diferentes tradições religiosas e diferentes arranjos Estado-religiões provocam na alma das distintas sociedades. A mobilidade geográfica e o consequente transnacionalismo cultural (étnico, linguístico ou religioso) desenham um cenário social progressivamente mais diverso e que tem impactos em muitos aspectos da vida cultural e social. Isso é particularmente evidente no mundo Atlântico Norte3, onde o paradigma de migração mudou abruptamente: sociedades tipicamente de emigração tornaram-se, sobretudo nas últimas décadas, sociedades de imigração ou de migração global (Eco, 2002).
No nosso entender, pelas razões invocadas nesse estado da arte, as pesquisas sobre o lugar do religioso nas sociedades modernas não devem ignorar essa nova grelha analítica. Pelo contrário, devem estar conscientes dos principais modelos epistemológicos e dos diferentes instrumentos conceptuais e metodológicos à sua disposição para, derradeiramente, usá-los em resposta à questão sobre se algum processo da modernidade consegue ajudar a explicar ou prever as deslocações ou mutações do religioso. Esperamos que nosso trabalho seja um passo nesse sentido.
Um processo da modernidade muito presente na literatura sobre religião é o pluralismo – a coexistência de comunidades étnicas, morais ou religiosas em uma sociedade (Berger, 2014) –, nomeadamente seus efeitos na religiosidade.
Embora não seja um fenômeno propriamente recente4, com a acelerada globalização da segunda metade do século XX, o pluralismo tornou-se, segundo Taylor (2007, p. 437), irreconhecível para e incomparável com qualquer época histórica anterior. O mundo contemporâneo tem-se tornado gradualmente mais diverso cultural, religiosa e etnicamente, sendo marcado por um pluralismo inédito de cosmovisões que se multiplicam irrefreavelmente (Taylor, 2007; Vilaça, 2016).
De acordo com o estado da arte, essa é uma marca indelével da modernização. Para Berger (2014, p. 53), a modernidade e o pluralismo estão inelutavelmente cruzados: “a modernidade leva necessariamente ao pluralismo”, pois liberta todos os processos que o estimulam, nomeadamente a urbanização, as migrações em massa, a alfabetização e o desenvolvimento das tecnologias de comunicação5. Também para Vilaça (2006, p. 22), o pluralismo se tornou em um dos “traços da modernidade”. Por causa do aumento dos fluxos migratórios e da mobilidade geográfica e do progresso das mídias de massa, as sociedades se diversificam cultural, étnica, religiosa e eticamente. Todavia, essa crescente heterogeneidade não é passageira. Segundo Vilaça (2006, p. 22), ela é a nova “norma e não uma mera situação transitória”. Essas perspectivas são corroboradas por outros autores. Martin (2005, p. 157) diz que o pluralismo é uma característica “presente de forma massiva no mundo contemporâneo”; Taylor (2007, p. 300) chama-lhe “supernova” da era moderna, marcada por um “pluralismo galopante”; Pickel (2017, p. 290) diz que é um dos “prognósticos seguros para a Europa”; e Vilaça et al. (2014, p. 2) preveem que seu crescimento se manterá como resultado dos efeitos da globalização.
Com efeito, os estudos empíricos, estatísticos, sobre tendências demográficas, as projeções do crescimento populacional ou as dinâmicas migratórias mundiais apontam para profundas mudanças e, consequentemente, para uma crescente complexificação das dinâmicas culturais, religiosas ou étnicas regionais. Por exemplo, o Pew Research Center (2015, 2017), em suas previsões sobre o crescimento populacional e sobre o futuro das religiões mundiais até 2050, mostra o modo como o perfil religioso do mundo está “mudando rapidamente” (Pew, 2015, p. 5). Isso se deve, sobretudo, à diferença entre as taxas de fertilidade, ao tamanho das populações juvenis e às conversões religiosas típicas de uma era global e plural6. Mas também se deve ao número de migrações internacionais. De acordo com o relatório das Nações Unidas sobre a migração internacional de 2017, entre 1990 e 2017, a porcentagem de migrantes internacionais aumentou, ao nível global, 69%. Essa é uma tendência crescente, dado que o volume de migrações internacionais cresceu a uma taxa média anual de 1,2% entre 1990 e 2000 e a uma taxa de 2,4% entre 2000 e 2017. As regiões consideradas desenvolvidas receberam 60% do total dessa migração durante a totalidade do período. Outra questão relevante aqui é o número de pedidos de asilo que, em 2015, bateu, ao nível europeu, o número recorde de 1,3 milhões de candidaturas (Pew, 2017).
A irreconhecibilidade desses fenômenos ou a sua incomparabilidade com outros períodos históricos, como Taylor sublinha e como já citámos, deve-se ao fato de não se estar passando por simples processos de emigração, mas de migração global, e essa diferença, como eloquentemente coloca Eco (2002), é fundamental para compreender o nosso mundo globalizado.
Ainda é possível distinguir emigração de migração quando o planeta inteiro está se tornando o território de deslocações cruzadas? Creio que é possível: como disse, as imigrações são controláveis politicamente, e as migrações não; são como os fenômenos naturais. Enquanto há imigração, os povos podem ter a esperança de manter os imigrados em um gueto, para que não se misturem com os nativos. Quando há migração já não há guetos, e a mestiçagem [neste contexto, acrescentaríamos a diversidade e/ou pluralismo] é incontrolável. Os fenômenos que a Europa tenta ainda enfrentar como casos de emigração são, pelo contrário, casos de migração. (Eco, 2002, p. 109-10).
Por conta desses eventos globais, o tema do pluralismo tornou-se em uma das mais “promissoras agendas de pesquisa” (Pollack, 2014, p. 115), sendo um dos “tópicos mais importantes” nas ciências sociais contemporâneas (Doktór, 2009, p. 26). Para isso muito ajudou o fato de os teóricos da secularização terem começado a associar o pluralismo aos efeitos da modernização. O seu argumento básico é o seguinte: a modernidade não leva necessariamente à secularização; porém, conduz inevitavelmente ao pluralismo (Berger; Davie; Fokas, 2008; Berger, 2014; Vilaça et al., 2014).
Todavia, salvo o caso de Vilaça et al. (2014), cujo interesse de investigação parece centrar-se mais na mutação do religioso em condições modernas (plurais) e não no seu declínio, os outros teóricos do pluralismo parecem marcados pelo estigma da secularização. Para eles, o pluralismo leva à “contaminação cognitiva” (Berger, 2014, p. 2) que, por conta dos crescentes contatos interpessoais globais, relativiza7 e enfraquece os consensos morais; e à “fragilização mútua” (Taylor, 2007, p. 303-4) das cosmovisões (religiosas ou não religiosas). Não obstante a omissão de um argumento que afirme, explicitamente, a ligação (negativa) do eixo modernidade-pluralismo-secularização, essa relação está presente de forma implícita. Com efeito, se a modernização leva fatalmente ao pluralismo e se o pluralismo, pela concorrência de diferentes cosmovisões, provoca uma contaminação, diferenciação ou fragilização dos valores sociais, então, a pluralização tenderá a enfraquecer, entre outras, as certezas religiosas. Ou seja, a modernização provoca uma pluralização das visões do mundo que, por seu turno, é acompanhada de um enfraquecimento das convicções religiosas.
Essa conclusão pode, porém, parecer simplista se entendida à luz dos efeitos complexos e, por vezes, reversíveis do pluralismo na religião. De acordo com Berger (2014, p. 15), as religiões não estão de forma alguma imunes às consequências do pluralismo; pelo contrário, esse é “o grande desafio de todas as tradições e comunidades religiosas na era moderna” (Berger, 2014, p. 15). No entanto, como o próprio autor adita, à medida que o pluralismo vai extenuando as convicções religiosas vai surgindo uma miríade de opções cognitivas e normativas que, em grande parte, podem ser religiosas. Essa ideia, aparentemente, dicotómica fica bem expressa através da reflexão de Pickel (2017) sobre os processos de secularização e pluralização que marcam as sociedades europeias contemporâneas.
[O] pluralismo é o segundo prognóstico seguro para a Europa […]. [Por conta dele] [a]lém de um crescimento da discussão pública e política em torno da religião, também existe (pelo menos na Europa) uma “perda arrasadora da relevância da religião”. Não podemos, por conseguinte, excluir preliminarmente uma reativação da identidade (religiosa) no futuro. No entanto, em face do enfraquecimento dos laços, do conhecimento ou da integrabilidade religiosos, isso parece improvável. (Pickel, 2017, p. 290).
Ou seja, o pluralismo parece enfraquecer tendencialmente a religião, mas também pode ter efeitos positivos sobre a última. Todavia, parece-nos que os autores, pela forma como constroem seus argumentos – entendem sempre o crescimento da religiosidade, em condições de pluralismo, como uma eventualidade –, se aproximam mais da primeira proposição.
Entender os efeitos atuais do pluralismo na religião afigura-se, portanto, como um desiderato difícil. Os autores não advogam mais uma tendência geral, unívoca e determinista. Apesar de mostrarem que o pluralismo pode ter consequências perniciosas para a religião, atualmente, tendo em conta a experiência com as várias falácias da secularização (Moniz, 2017), eles salvaguardam suas teses, oferecendo-lhes uma hipótese de relação saudável entre ambos.
A atual postura (prudente e diplomática ou dicotómica e reversível) dos teóricos da secularização quanto aos efeitos do pluralismo na religiosidade8 contrasta com as posições mais assertivas assumidas no decorrer da segunda metade do século XX9. Nessa época, de um lado, encontramos os teóricos que afirmam que, com a pluralização, as visões do mundo, religiosas ou não, tendem a ser relativizadas e a sofrer uma crise de plausibilidade. Embora por razões diferentes, eles argumentam, no geral, que os processos de racionalização (Wilson, 1969 [1966]; Berger, 1990 [1967]) ou de diferenciação (Luckmann, 1967) levam a uma autonomização que engloba a pluralização e que é a causa do enfraquecimento das cosmovisões. Assim sendo, as práticas e crenças religiosas, bem como as instituições que as enquadram, beneficiam de um nível mais elevado de firmeza quando enquadradas, usando o termo bergeriano, em uma estrutura de plausibilidade homogênea e partilhada pela maioria das pessoas. Por contraste, sob condições de pluralismo e com a consequente desmonopolização das perspectivas religiosas do mundo, a pretensão de legitimidade inquestionável e autoevidente das comunidades ou instituições religiosas tende a ser desafiada. As organizações religiosas passam a atuar dentro de uma lógica de mercado na qual também competem com uma pluralidade de cosmovisões seculares. Essa competição intra e extrarreligiosa afeta a credibilidade das cosmovisões religiosas e, por conseguinte, atinge negativamente os níveis de crença ou prática religiosa. De outro lado, os teóricos da economia religiosa esperam que a participação e o compromisso religiosos sejam influenciados pela oferta de religião. O seu argumento diz que mais pluralismo religioso (mas também, maior liberdade religiosa) aumenta a participação e engajamento religioso. Isso sucede, porque o pluralismo fomenta a competição. As instituições e comunidades religiosas trabalham mais afincadamente para satisfazer a procura religiosa e, por consequência, as pessoas tendem a ficar mais satisfeitas com o serviço oferecido e a envolver-se mais com o religioso. Ou seja, contrariamente aos primeiros teóricos, o pluralismo teria um efeito positivo na religião.
Não obstante a centralidade desses estudos e autores para o debate dos efeitos do pluralismo na religião, esse tópico (ainda que nem sempre sob o vocábulo pluralismo) esteve, até a atualidade, sempre presente implícita ou explicitamente nos trabalhos sobre a secularização. Taylor (2007) ou Berger, Davie e Fokas (2008) associam, uns mais do que outros, o declínio ou a marginalização da autoridade das crenças religiosas, a fragmentação das visões do mundo e a rutura da homogeneidade cultural e religiosa à diversidade social e à pluralização das cosmovisões individuais. Outros autores fazem exercícios semelhantes. Por exemplo, Casanova (1994) analisa a posição das religiões no mundo moderno à luz do pluralismo – a condição estrutural da modernidade; Martin (2005) observa o contexto global de secularização através de um pluralismo competitivo e expansivo; Vilaça et al. (2014) relacionam a modernização e seus fenômenos de migração internacional, fluidez demográfica e nova economia global com o pluralismo e com suas múltiplas possibilidades de identificação e pertença; enfim, Norris e Inglehart (2004) correlacionam os níveis de religiosidade dos indivíduos com um índice de pluralismo religioso.
Por causa dessa presença, mais ou menos assídua e mais ou menos explícita, do pluralismo nos trabalhos dos teóricos da secularização, surgiram vários estudos empíricos que quiseram compreender a correlação pluralismo-religiosidade. A existência de uma correlação negativa foi considerada como corroborando as teorias da secularização, enquanto uma correlação positiva sustentaria os pressupostos do modelo da economia religiosa. A literatura sobre o tema cresceu tanto que, nos inícios do século XXI, Chaves e Gorski (2001) fizeram uma grande revisão do tópico através do exame de 193 testes em 26 artigos científicos. Nesse estudo, reportam, sobretudo, a relação tendencialmente negativa ou nula (quase 70% dos casos) entre o pluralismo e a participação religiosa (em qualquer sentido geral). A correlação positiva entre as variáveis não é portanto comprovada por seus resultados, salvo quando aplicada a um número limitado de casos.
Outro estudo, o “mais crítico” na opinião de Norris e Inglehart (2004, p. 97), afirma que todos os resultados de todas as correlações (positivas ou negativas) devem ser abandonados (Voas; Olson; Crockett, 2002). De acordo com Voas, Olson e Crockett, no início da centúria, não havia provas convincentes de que o pluralismo tinha qualquer efeito na participação religiosa. Qualquer variação aleatória no número de casos selecionados determina, segundo eles, graus de correlação diferentes. Ou seja, a relação entre diversidade e envolvimento refletiria apenas a relação matemática entre as medidas de participação e um índice de pluralismo, não tendo como base qualquer fator substantivo. Por conta disso, eles dizem que “todas as provas oferecidas por ambas as partes do debate são agora suspeitas” e que o “pluralismo pode não ter qualquer efeito na participação religiosa” (Voas; Olson; Crockett, 2002, p. 218). Embora partilhemos algumas de suas preocupações, julgamo-las excessivas10 e, como os próprios autores admitem, as provas que reúnem são “altamente circunstanciais” (Voas; Olson; Crockett, 2002, p. 230). Por conseguinte, os estudos empíricos sobre o impacto do pluralismo na religião continuaram.
Norris e Inglehart (2004), de certo modo, em linha com Voas, Olson & Crockett, mostram que os resultados de seu estudo não apontam para uma grande influência do pluralismo na religião. Todavia, admitem que algumas correlações apontam para uma relação forte e significativa entre o primeiro e o grau de participação religiosa dos indivíduos. Essa correlação é, porém, praticamente sempre negativa. Contrariamente aos pressupostos da teoria da economia religiosa a “análise multivariada dos dados de um vasto grupo de sociedades não apoia a hipótese de que o pluralismo religioso produz níveis elevados de religiosidade” (Norris; Inglehart, 2004, p. 230); pelo contrário, as sociedades menos plurais apresentam maiores índices de participação religiosa. O trabalho de Doktór (2009) e Pollack e Pickel (2009) também apontam nessa direção. O primeiro, ao estudar a relação entre o pluralismo religioso e as relações de vizinhança e/ou amizade, conclui que, no geral, a influência do pluralismo religioso é negativa. Os segundos, ao examinarem a correlação entre as relações Estado-religiões e a vitalidade religiosa, concluem, novamente, que os dados empíricos não só não confirmam os pressupostos da economia religiosa, como ainda os contradizem. Com efeito, no seu estudo, as correlações, quando significativas, apontam no sentido contrário da economia religiosa – quanto maior o pluralismo, menor a participação religiosa.
Em suma, o debate dos teóricos da secularização sobre o pluralismo e seus efeitos na religião, tal como todo o debate da secularização, tem sido prolífero, contraditório e inconclusivo. No entanto, é possível detectar quatro etapas essenciais. A primeira, desenvolvida mais energeticamente até a década de 1970 e preconizada pelos teóricos da secularização, assevera que mais pluralismo significa menos religião. A segunda, nascida em meados da década de 1980 e acompanhada pelos primeiros estudos empíricos mais sistemáticos dos teóricos da economia religiosa, afirma, inversamente, que mais pluralismo significa mais religião. A terceira, surgida na primeira década do século XXI, por conta desse debate, é marcada por uma tentativa de aclaração das duas etapas dicotômicas originais. Os seus resultados não foram conclusivos, apontando em várias direções. Todavia, trouxeram à luz, ainda que fragilmente, a correlação tendencialmente negativa ou nula entre pluralismo e religião. A última, vivida atualmente e cuja reflexão se foi adensando desde a primeira metade da década inicial do século XXI, procura lidar, ainda na aurora de sua adolescência, com o pluralismo e a coexistência da diversidade (cultural, étnica ou religiosa) nas sociedades e com seus presumíveis efeitos na religião. Esse tópico surge agora de forma mais premente, por conta das mudanças rápidas e globais provocadas pela globalização, pelas migrações transnacionais, pela nova economia global ou pelas mídias de massa digitais. Esses teóricos admitem uma influência maioritária, mas não exclusivamente negativa, do pluralismo na religiosidade; porém, isso não significa, necessariamente, o enfraquecimento da religião, mas apenas sua recomposição. Essa é, em certa medida, uma posição intermédia relativamente às teses anteriores. Ou seja, o pluralismo, enquanto condição sine qua non da modernidade, já não conduz (contrariamente às teorias da secularização) necessária e fatalmente ao fim da religião, mas também não está normalmente associado ao seu desenvolvimento positivo (contrariamente à teoria da economia religiosa). Apesar de o pluralismo trazer consequências para a religião (contrariamente ao que Voas, Olson e Crockett alegam) esses efeitos tanto podem significar um enfraquecimento como uma revitalização.
Pela inexatidão das teses clássicas da secularização e da economia religiosa, relativamente ao pluralismo, e pela experiência, altamente criticada, de desenvolvimento de teorias unívocas, universalistas e deterministas (tanto em uma direção como noutra), a posição política e cientificamente correta passou a ser uma intermédia, semelhante à dos teóricos da quarta etapa elencada. Para se contornarem eventuais críticas, aceita-se a religião como uma espécie de constante antropológica que nenhum processo da modernidade consegue enfraquecer, mas apenas reconfigurar. Mas isso não será apenas um processo dialético hegeliano? Ou seja, será que estamos passando de uma tese (secularização), para uma antítese (economia religiosa), até uma mera síntese (posição intermédia entre o enfraquecimento da religião e sua revitalização) sobre os efeitos do pluralismo na religião? Por que razão hoje os autores (como Berger ou Pickel) afirmam apenas implícita e tenuemente que o pluralismo pode ter um impacto negativo na religião, mesmo quando seus estudos apontam nessa direção? Dadas as profundas alterações globais que vivemos, em que medida podemos continuar estudando os efeitos do pluralismo na religião à luz de pressupostos teóricos das décadas de 1960 ou 1980? Como poderá o pluralismo tornar-se em uma agenda de pesquisa promissora se nada mais for do que a negação da negação (na perspectiva dialética de Hegel)?
É de fato com essas, entre outras, interrogações em mente que avançamos na direção de uma proposta reedificada e atualizada dos estudos sobre religião e modernidade baseada no binómio pluralismo-religião.
O pluralismo é, para a literatura especializada, um dado adquirido das sociedades modernas. É uma das suas “características permanentes” (An-Na’im, 2009, p. 225) ou um “conceito-chave” para compreendê-las (Giordan, 2014, p. 1) que, por conta dos efeitos da globalização, “manterá uma tendência crescente” (Vilaça et al. 2014, p. 2).
Por causa dessa opinião generalizada, o tópico do pluralismo tem conquistado maior protagonismo nas ciências sociais. No nosso ver, seu grande mérito foi ter desafiado – no debate sobre os efeitos dos processos da modernidade na religião – a justaposição entre os apoiantes da versão ortodoxa da secularização e os que se lhe opõem pela afirmação de um retorno do sagrado. Atualmente criticam-se as primeiras teorias, mas sem se abraçarem as segundas. Ou seja, há um distanciamento das perspectivas mais idiossincráticas do paradigma ortodoxo que não significa, automaticamente, uma adoção da abordagem contraortodoxa. A secularização é tida como um processo de mudança do religioso que não significa, necessariamente, declínio ou revitalização religiosa. Abre-se espaço para uma perspectiva mais plural, que considera a contingência, e rigorosa, que privilegia o empirismo, que tem a pretensão de explicar melhor o que se passa no campo da religiosidade moderna.
No entanto, o conceito de pluralismo é comummente usado nas ciências sociais, mas é menos frequentemente explicado. Como amplamente denunciado, muitos acadêmicos continuam usando-o de forma indiscriminada, referindo-se a pluralismo sem especificar concretamente o que querem descrever com o termo (Beckford, 2003; Mortensen, 2003; Vilaça, 2006; Berger, 2014). Além disso, surgiram e continuam surgindo muitas interpretações que confundem, erradamente, pluralismo e diversidade ou pluralidade. Isso traz sérias complicações terminológicas, metodológicas e epistemológicas para o debate científico, porque mistura questões descritivas e valorativas/regulatórias. A noção de pluralismo corre o risco de se tornar em um chapéu conceptual sob o qual se colocam fenômenos heterogêneos e inconsistentes entre si. Não admira que seja considerada “problemática” (Mortensen, 2003, p. 425; Beckford, 2007, p. 267), “traiçoeira” ou “ambígua” (Beckford, 2003, p. 73-102) e que se reivindique uma “maior atenção” (Beckford, 2014, p. 15) e um maior “refinamento teórico” (Giordan, 2014, p. 1) para esse conceito.
Na seção anterior, as noções de pluralismo e diversidade foram usadas, conscientemente, de forma indiscriminada, mediante a forma original como os autores citados recorrem ao termo. Contudo, concordamos com a ideia de que deve haver uma separação analítica entre eles. Consideramos que uma análise multidimensional do pluralismo pode ajudar não só a deslindar as dimensões de autonomia e dependência entre os conceitos, mas também a refinar nossas ferramentas nocionais. Isso nos levará ao desenvolvimento de um objeto conceptual que nos permita, no atual contexto de pluralismo permanente e crescente, trabalhar sobre e aclarar os fenômenos atuais de secularização. Como nos diz Beckford (2010), se isso suceder, poderão abrir-se boas oportunidades de pesquisa na área.
No geral, os autores vêm reivindicando uma separação entre os conceitos de pluralismo e diversidade11 (Beckford, 2003, 2007; Wuthnow, 2004; Vilaça, 2006; An-Na’im, 2009; Berger, 2014). O âmago de seu argumento é que o pluralismo é um conceito normativo, enquanto a diversidade é uma noção descritiva. O primeiro, como denuncia o sufixo ismo, é um sistema de valores, instituições ou processos que aceita a diversidade como um valor positivo; o segundo diz respeito, descritiva, empírica e fatualmente, ao grau de heterogeneidade cultural12 existente em uma determinada sociedade ou em um mesmo contexto social. Um grau elevado de diversidade não significa que existe pluralismo ou que uma sociedade seja pluralista (i.e., que endosse o pluralismo). São, portanto, duas esferas relativamente autônomas, pois mais diversidade, como nos diz Yang (2014, p. 137), “não leva necessariamente ao pluralismo”. Todavia, os conceitos são contíguos – “o pluralismo é uma resposta ideológica ou normativa à diversidade empírica” (Beckford, 2007, p. 268). É, nas palavras de Jenkins (apud Mortensen, 2003, p. 425), a “ideologia que celebra a diversidade”. A sua interdependência tem levado os cientistas sociais a análises multidimensionais que têm permitido deslindar seus pontos de interseção e suas esferas autônomas. Considerando as sistematizações de Beckford (2003, 2007), Wuthnow (2004) ou Yang (2014), podemos considerar quatro sentidos fundamentais do pluralismo:
Enquanto conceito descritivo ou analítico (diversidade ou pluralidade – entendidas sinonimamente).
Enquanto conceito processual (pluralização).
Enquanto conceito normativo ou valorativo (pluralismo per se).
Descreve os arranjos institucionais e sociais, sustentados em normas legais, favoráveis à diversidade.
Enquanto conceito filosófico.
Essa miríade de significados que o conceito de pluralismo pode ter, mas também a consciência desse fato e seu domínio conceptual, nos trazem maior responsabilidade metodológica na escolha do que designámos de objeto conceptual mais apropriado para estudar os fenômenos contemporâneos da secularização.
Nesse contexto, optámos pelo conceito de diversidade13. Por um lado, isso deve-se ao fato de considerarmos mais prudente evitar as questões normativas, processualistas e filosóficas associadas ao pluralismo ou à pluralização. Por outro lado, isso também se prende com o fato de a diversidade estar, normalmente, associada a perspectivas científicas mais neutrais e, por consequência, metodologicamente mais pacíficas, operando apenas ao nível analítico-descritivo. Vários cientistas sociais defendem que, aquando do estudo do impacto da modernização na religião, a opção pela noção de diversidade é preferível ou mais apropriada (Beckford, 2003; Yang, 2014). No âmbito dos estudos de religião essa precedência ou adequação é particularmente relevante. Para analisar a religião como variável dependente, deve-se encontrar outra independente que permita não só descrever, mas, sobretudo, medir o grau de heterogeneidade cultural de uma determinada sociedade e, enfim, correlacioná-lo com diferentes dimensões de religiosidade (Moniz, 2018). Posto isto, acreditamos que o conceito de diversidade – dada sua centralidade, no contexto do debate sobre pluralismo, para o estudo geral e atual da secularização, e dada sua dimensão empírica e analítica (que nos permitirá encontrar indicadores que o mensurem) – é atualmente o instrumento teórico-empírico mais pertinente para o estudo dos efeitos da modernização na religião.
O termo diversidade representa um conceito amplo que atraiu a atenção, não só, mas também, de cientistas sociais, especialmente, no final da década de 1990 e durante a de 2000. Prova disso são as convenções da UNESCO sobre a diversidade cultural (2001) ou sobre sua proteção e promoção (2005), erigindo uma definição de diversidade que é descrita como uma multiplicidade de formas culturais representativas dos diversos grupos sociais. Se, por um lado, a diversidade, ou a consciência da sua existência enquanto conceito autônomo do pluralismo, tem apenas algumas décadas, a diversidade (sem itálico) empírica não é uma novidade, como nos provam, por exemplo, Wood (2003) ou Berger (2014).
A diversidade tem a sua etimologia no latim diversitas, procurando dizer variedade ou diferença. É a representação, em um determinado sistema social, da multiplicidade de diferenças e similaridades que existem entre os indivíduos ou os grupos que os representam. É a qualidade do diverso (dimensão positiva), por oposição à cultura de grupo, à homogeneização de culturas ou à monocultura (dimensão negativa). A noção de diversidade está, portanto, associada aos conceitos de pluralidade (como vimos em rodapé), multiplicidade ou heterogeneidade, dizendo respeito à miríade de ideias, características ou elementos distintos que distinguem os indivíduos sobre um determinado assunto, contexto ou ambiente. É, nas palavras de Crystal (2002, p. 33), um vocábulo “incorrigivelmente plural” e, acrescentaríamos nós, incontornavelmente associado à multiplicidade de identificações culturais de cada grupo social. Com efeito, a diversidade que queremos analisar é a cultural14, pois é a cultura – através da sua capacidade de inserção e adequação do ser ao meio – que explica, dá sentido e agrega as diferentes cosmologias sociais, como as étnicas, religiosas ou linguísticas. Não surpreende que, ao tratarem do tópico da diversidade, os cientistas sociais normalmente o associem à cultura (Ottaviano; Peri, 2006; Patsiurko; Campbell; Hall, 2012; Dohse; Gold, 2013).
Com tudo isso não queremos insinuar que a diversidade cultural é um conceito relativamente escorreito que se limita a descrever, univocamente, a heterogeneidade das formas culturais e das suas representações. Pelo contrário, como denunciam vários autores (Alesina et al., 2003; Beckford, 2003; Wood, 2003; Ottaviano; Peri, 2006), pela sua amplitude, complexidade, subtileza e fluidez, é difícil sumariar a noção de diversidade cultural em uma tipologia simples. Johnson e Grim (2013) determinam dois tipos de diversidade: interna e exterior. A primeira reporta-se à diversidade dentro de um grupo (étnico ou religioso) específico, enquanto a segunda descreve o grau de diversidade total dos grupos de uma determinada região ou sociedade. Por seu turno, Gardenswartz e Rowe (2003) falam em quatro camadas da diversidade: i) organizacional, relacionada com o controlo da diversidade pela organização onde os indivíduos trabalham; ii) externa, representa as escolhas de vida dos indivíduos (por exemplo, religião, educação ou costumes); iii) interna, as características determinadas à nascença, como a etnicidade ou o gênero; e iv) personalidade, ou seja, os traços e características dos indivíduos que são considerados estáveis. O PEW (2014) também refere que as ciências sociais definiram quatro formas de diversidade: i) o grau em que uma sociedade se divide em diferentes grupos; ii) o tamanho do grupo minoritário; iii) sua influência; e iv) a dominação de um ou mais grupos na sociedade. Beckford (2003) vai ainda mais longe, afirmando que a diversidade deve ser distinguida, analiticamente, através de cinco significados: i) o número absoluto de grupos sociais; ii) o número de pessoas que lhe estão associadas; iii) o número de tradições distintas existentes em uma sociedade; iv) o número de indivíduos que combinam diferentes perspectivas tradicionais; e v) o processo de diferenciação interna pelo qual os grupos passam.
Além disso, ainda segundo Johnson e Grim (2013), há cinco formas de medir a diversidade: i) fracionalização, a probabilidade de que dois indivíduos, aleatoriamente selecionados, pertençam a diferentes culturas; ii) polarização, analisa e atinge seu máximo aquando da existência de dois grupos sociais de dimensão similar; iii) dominação, baseada na dimensão do maior grupo; iv) minoria, reporta-se ao tamanho da maior minoria; v) clivagem, descreve uma situação onde há um grupo maioritário e, pelo menos, outro com uma minoria significativa.
Não há propriamente uma uniformidade no tratamento da questão da diversidade, à exceção da ideia geral de que, à semelhança de tantos outros, é um conceito multidimensional e que pode ser medido de várias formas. No entanto, a literatura especializada na área tem, implicitamente, chegado a um consenso sobre a melhor forma de analisar, subdividir e quantificar a diversidade. Em particular, desde os inícios do século XXI têm surgido estudos sobre a fracionalização (Alesina et al., 2003; Fearon, 2003; Patsiurko; Campbell; Hall, 2012) e que pretendem descrever, medir e entender os efeitos da diversidade, estes autores chamam-lhe heterogeneidade, da e na população.
A fracionalização, ou seja, o grau de divisão (de alguém ou algo) em diferentes grupos ou partes, dentro de uma determinada sociedade ou região, é tipicamente medida através das três dimensões seguintes: a étnica, a linguística e a religiosa.
A fracionalização étnica ou a etnicidade é, do conjunto, para Alesina et al. (2003, p. 6), a “principal variável” de análise. Associada, anteriormente, à dimensão linguística – a heterogeneidade etnolinguística –, a etnicidade passou a ser considerada autonomamente. Isso levou os teóricos a se afastar de definições padronizadas de etnia ou grupo étnico que normalmente incluíam a língua e a religião e que se baseavam na ideia de uma crença comum em uma ancestralidade e/ou em características culturais (reais ou presumidas) partilhadas. Apesar do pouco desenvolvimento teórico nesse campo, a diversidade étnica aqui mencionada é concernente ao conjunto de características biológicas, como a origem racial ou a cor da pele dos indivíduos (Alesina et al., 2003; Patsiurko; Campbell; Hall, 2012).
A fracionalização linguística passou a ser tratada, como vimos, como uma dimensão de análise independente da diversidade étnica. Para Alesina et al. (2003, p. 5), a separação entre a língua e as características raciais ou físicas dos indivíduos é uma “melhoria” relativamente às pesquisas anteriores já citadas. A questão linguística é, para os autores, tão ou mais relevante do que a diversidade étnica. Não considerar a linguagem como fator de diversidade é, na linha de Crystal (2002, p. 34), um “erro”, porquanto a língua é parte integrante da identidade dos indivíduos. Fearon (2003), aliás, constrói sua medida de fracionalização cultural baseando-se apenas no grau de similaridade ou distância entre línguas. Este tipo de fracionalização é então medido com referência à porcentagem de falantes da língua nativa de uma determinada sociedade (Alesina et al., 2003; Patsiurko; Campbell; Hall, 2012).
A fracionalização religiosa é, de acordo com Alesina et al. (2003, p. 6), provavelmente a distinção da fracionalização “menos controversa e arbitrária”, pois as fronteiras da religião são mais claras e consistentes entre países. Não obstante, alguns autores, como Fearon (2003), deixem a dimensão religiosa propositadamente de fora15, outros autores continuam a considerá-la em seus trabalhos, medindo-a, sobretudo, através dos dados disponíveis sobre afiliação religiosa e sobre a distribuição dos grupos religiosos (Alesina et al., 2003; Patsiurko; Campbell; Hall, 2012).
Essas três medidas são entendidas como a tríade de “aspectos principais da diversidade cultural” (Alesina et al., 2003) que melhor “capta [suas] distinções” (Patsiurko; Campbell; Hall, 2012). Com efeito, elas têm recebido uma grande aceitação e adesão dos cientistas sociais, mas não só, que têm como fito estudar os efeitos da diversidade cultural no desempenho da economia (Patsiurko; Campbell; Hall, 2012), nos conflitos políticos e sociais, na fragilidade dos Estados (Alemu, 2016) ou nos valores familiares.
Mais recentemente, vem-se falando da necessidade de, para se compreender inteiramente o fenômeno da diversidade, se adicionarem outros fatores além do étnico, linguístico e religioso (Dohse; Gold, 2013; Alemu, 2016). Os teóricos vêm defendendo a ampliação do conceito de diversidade cultural por meio da integração de uma dimensão que considere o local de nascimento dos indivíduos (Ottaviano; Peri, 2006; Dohse; Gold, 2013; Alesina; Harnoss; Rapoport, 2016). Isso é particularmente relevante porque a medida local de nascimento, contrariamente à etnicidade, língua ou religião, penetra nas diferentes experiências de vida dos indivíduos, nas suas diferenças formativas e educacionais e no desenvolvimento de perspectivas distintas. Assim sendo, segundo Alesina, Harnoss e Rapoport (2016), a diversidade do local de nascimento difere, conceptualmente, das outras três medidas de diversidade citadas, mas também se distingue empiricamente, pela falta de correlação entre a primeira e as segundas. A dimensão local de nascimento parte do pressuposto de que a cultura nativa é homogênea e que, por conseguinte, a diversidade cultural é determinada pela proporção de população não nativa vivendo em essa região. Por um lado, observa o tamanho (da população nascida no estrangeiro); por outro lado, a multiplicidade (dos não nativos). Ou seja, essa medida de diversidade intercultural (Dohse; Gold 2013, p. 7-8) ou diversidade populacional (Alesina; Harnoss; Rapoport, 2016) deduz a diversidade cultural de uma região por meio da distinção entre população nativa e estrangeira, mas também através da variedade da última.
De acordo com Erikson e Johnson (1999), a definição de indicadores para as quatro dimensões ora citadas – etnicidade, língua materna, confissão religiosa e país de origem – deve dar elementos suficientes para a construção de um índice de diversidade cultural bastante preciso. Por conta desta alegada precisão, o European Social Survey as definiu como as dimensões nucleares para a compreensão de um conceito amplo de identidade étnica.
A necessidade de determinar certas dimensões da diversidade que permitissem a construção de índices e, por consequência, o estudo dos efeitos da diversidade nas sociedades não é nova. Desde os meados da década de 1990 que vários estudos têm investigado esse assunto, nomeadamente no campo da economia. Como nos dizem Dohse e Gold (2013, p. 6), no geral, a atual literatura sobre os efeitos da diversidade cultural é “ainda inconclusiva”. Por um lado, vem-se reconhecendo a correlação positiva entre a diversidade cultural e a inovação e o empreendedorismo. Contudo, essa correlação é normalmente restringida ao espaço europeu, nomeadamente ao mais rico, e à imigração qualificada aí existente. Por outro lado, ainda vem sendo difícil documentar os efeitos positivos globais da diversidade (Ottaviano; Peri, 2006). Com efeito, salvo algumas exceções gerais (Alesina; Harnoss; Rapoport, 2016), os estudos frequentemente apontam para uma correlação negativa entre diversidade cultural e crescimento econômico (Alesina et al., 2003; Patsiurko; Campbell; Hall, 2012), instituições e políticas públicas (Easterly; Levine, 1997) ou oferta de bens públicos (Alesina; Baqir; Easterly, 1999).
De fato, foram construídas muitas medidas de quantificação da diversidade, como os índices de fracionalização (Alesina et al., 2003; Patsiurko; Campbell; Hall, 2012), diversidade cultural (Fearon, 2003; Audretsch; Dohse; Niebuhr, 2010), diversidade populacional (Alesina; Harnoss; Rapoport, 2016) e até mesmo um de diversidade religiosa (Johnson; Grim, 2013). Também foram adotadas muitas fórmulas para sua construção. A mais usada, mas também mais criticada (por ser determinada pela porcentagem do grupo dominante), é a Herfindahl-Hirschman, sobre a concentração do mercado16. Complementarmente tem-se recorrido ao índice de Theil sobre a diversidade cultural17, de modo a medir-se, com maior amplitude, a porcentagem e a variedade de culturas existentes em certa sociedade ou região18.
Não obstante o refinamento teórico e metodológico em torno dos efeitos da diversidade nas várias esferas da vida social, os autores parecem negligenciar a questão religiosa. Como pudemos atestar e tanto quanto sabemos, não existem estudos que correlacionem a diversidade cultural com a religiosidade. Os estudos que fazem esta aproximação, como os, já citados, de Voas, Olson e Crockett (2002), Norris e Inglehart (2004), Doktór (2009) ou os da escola da economia religiosa, fazem-no à luz do conceito de pluralismo (no caso, religioso). Ou seja, ainda que queiram analisar os efeitos da heterogeneidade dos grupos sociais na vitalidade religiosa, fazem-no, normalmente, através da perspectiva conceptual errada. Além disso, não raras vezes, recorrem a medidas uni ou bidimensionais, associando o pluralismo, por exemplo, apenas ao grau de aceitação de vizinhos com credos diferentes.
Em suma, consideramos pertinente juntar o melhor dos dois modelos. Por um lado, embebermo-nos no espírito dos teóricos do pluralismo, pois, por conta do seu interesse derradeiro na vitalidade religiosa, ajudam a entender preliminarmente os efeitos da diversidade na religião. Por outro lado, recorrermos ao modelo metodológico dos teóricos da diversidade (especialmente, dos da área econômica), de modo a conseguirmos sistematizar, categorizar e quantificar a diversidade cultural.
Neste espaço de comentário final, que jamais poderia ser de conclusão derradeira, há pelo menos três elementos essenciais da nossa pesquisa que devem ser sublinhados.
O primeiro, e talvez o mais latente, é que a diversidade cultural é provavelmente o principal desafio que os processos atuais da modernidade colocam às tradições e comunidades religiosas. Essa posição pode-se basear em diferentes modelos epistemológicos. Por um lado, um mais empírico – que considera a evolução dos níveis de crescimento populacional e as novas dinâmicas migratórias globais, analisando suas consequências nas vidas culturais, religiosas ou étnicas das diferentes regiões; por outro lado, um mais teórico – que acompanha a evolução das reflexões e conceptualizações sobre o religioso à luz dessa característica permanente, com tendência crescente, das sociedades hodiernas designada de diversidade. Qualquer que seja a linha epistemológica seguida, consideramos que os investigadores sociais não só concluirão que a diversidade é uma marca indelével da modernização, mas também, sobretudo, julgarão metodologicamente útil considerar essa nova grelha analítica em suas análises sobre o lugar da religião (declínio, mutação ou crescimento do seu significado social e individual?) nas sociedades modernas.
O segundo, talvez o metodologicamente mais importante, é a opção pelo conceito de diversidade ao invés do de pluralismo ou de seus derivados. Com efeito, ao se pretender descrever analiticamente o nível de heterogeneidade de uma determinada sociedade, a noção de diversidade é a mais adequada. O fato de operar essencialmente ao nível analítico-descritivo torna-o em um objeto conceptual mais neutral e metodologicamente mais pacífico. Isso é particularmente pertinente para os investigadores preocupados com a situação do religioso em condições modernas, porque lhes permite contornar eventuais vieses ou dogmatismos científicos, habitualmente, associados ao debate sobre a secularização ou sobre a reversão dos seus fenômenos.
Por fim, talvez o contributo mais original deste artigo – pelo fato de ainda não terem sido desenvolvidos estudos empíricos sobre este fenômeno com impactos sociais que se especulam serem profundos – seja o fato de ajudar a lançar as bases para a construção de um índice de diversidade que possa ser eventualmente correlacionável com outras medidas de religiosidade. Sugerimos a análise da diversidade cultural através de quatro dimensões teóricas: etnia, língua, religião e local de nascimento. Essas dimensões poderão ser edificadas com o recurso a diferentes bases de dados, como aquelas usadas por muitos dos autores citados ao longo do texto: European Social Survey, Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, Encyclopædia Britannica, Ethnologue – Languages of the World ou World Directory of Minorities and Indigenous Peoples.
O reconhecimento da relevância e utilidade do conceito de diversidade, a aceitação de novas grades analíticas, como a diversidade cultural, e a vontade dos pesquisadores para criar novos instrumentos que, do modo mais imparcial possível, possam mensurar o que é tão densamente discutido nos debates científicos podem ser bons indicadores para se responder finalmente à nossa pergunta de partida. Acreditamos que a mudança no rumo das pesquisas atuais (que olhem para a diversidade cultural) e a procura por categorias de análise mais atuais, neutrais (como a diversidade) e sofisticadas (que englobem elementos empíricos estatísticos) serão responsáveis por ganhos epistemológicos na resposta à questão sobre que processos da modernidade, se é que algum, são capazes de explicar ou prever as deslocações ou mutações do religioso nas sociedades hodiernas.
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O conceito de religião aqui empregue deve ser entendido à luz das reflexões de Moniz (2018). A expressão religião deve, portanto, ser entendida como uma preferência, emoção, fé e ação individual relativa a uma crença, existente ou autoconstruída, em uma ou várias entidades transcendentes. Assim sendo, o substantivo religiosidade, bem como o adjetivo religioso devem aqui ser entendidos como algo pertencente ou relativo à religião.↩
Com o termo modernização queremos descrever os processos de desenvolvimento das economias industriais, das mídias de massa, nomeadamente suas evoluções tecnológicas, e suas consequências. Assim sendo, modernização se refere ao ato ou efeito de se tornar moderno, enquanto modernidade é empregue para explicitar um estado ou qualidade do que é moderno.↩
Nosso estudo estará maioritariamente centrado nessa região e em seus desenvolvimentos regionais ao nível das migrações e de suas consequências para a religiosidade tradicional.↩
Berger (2014) diz-nos, por exemplo que a experiência do pluralismo existiu em diferentes formas ao longo da história, citando, por exemplo, as culturas da Ásia Oriental ou da Índia pré-islâmica. Contudo, a Reforma protestante e o crescimento dos Estados-nação, com regimes tendencialmente de separação da religião, é o momento histórico mais citado. Isso justifica-se pelo fato de a Reforma ter destruído o monopólio da cristandade ocidental e ter permitido a criação e coexistência territorial de um pluralismo religioso. Taylor (2007) cita ainda a invenção do humanismo exclusivo, no século XVIII, como um fator que abre uma nova situação de pluralismo, multiplicando as perspectivas do mundo em todas as direções (religiosa ou não religiosa). Mesmo que seja muito anterior ao século XXI, o pluralismo (religioso) é hoje, mais do que nunca – pela globalidade, velocidade e capacidade de penetração dos processos da modernização –, incontornável para a compreensão do cenário religioso contemporâneo.↩
Essa é uma revisão relativamente ao argumento original de Berger (1990 [1967]). Na década de 1960, o autor considerava, inversamente, que a secularização, por conta da desmonopolização das tradições religiosas, levava a uma situação de pluralismo e não o contrário.↩
Uma das principais consequências será o crescimento e a disseminação do islã, acima de qualquer outra religião no mundo. Isso será particularmente evidente na Europa, onde, de acordo com as previsões, se espera que a comunidade muçulmana venha a compor 10% do total da população.↩
Outra das consequências da contaminação cognitiva é o fundamentalismo. Para Berger (2014), o fundamentalismo balcaniza as sociedades e condu-las a um conflito constante ou à coerção totalitária.↩
Excluímos aqui Steve Bruce, porque continua a considerar, de forma clara e sistemática, que as consequências da secularização serão sentidas, primeiramente, nas sociedades que possuam um grau de pluralismo mais considerável.↩
David Martin (1978) pode ser considerado como uma exceção. Com efeito, o autor não assume que o pluralismo tem um efeito unívoco (positivo ou negativo) na religião. Pelo contrário, ele defende que o pluralismo, mediante o seu grau de incidência, pode levar a vários cenários religiosos.↩
A crítica de Voas, Olson e Crockett parece-nos um pouco excessiva, nomeadamente por desconsiderar na totalidade qualquer relação estatística entre as duas variáveis, desmerecendo a escolha de casos e os fundamentos que subjazem à escolha das variáveis. No limite, nenhuma correlação poderia ser aceite, se não conseguisse provar a total universalidade dos seus resultados. Embora entendamos a preocupação dos autores quanto à seleção dos casos de estudo e às variáveis dependentes e independentes, não consideramos que “toda a discussão [em torno do pluralismo] tem de ser reavaliada [...], porque agora é suspeita” (Voas; Olson; Crockett, 2002, p. 218). Além disso, não nos parece completamente correta a associação que os autores fazem entre os seus resultados e os trabalhos de Christiano (1987), Zaleski e Zech (1995) e Perl e Olson (2002). Não obstante a afirmação de Voas, Olson e Crockett de que as investigações destes autores não detetam qualquer relação entre o pluralismo e o compromisso religioso, os seus estudos, mesmo que de forma não muito explícita, mostram não só que o pluralismo tem influência em determinados contextos religiosos, mas também que ele e a consequente competição religiosa podem conduzir a maior empenho religioso (nomeadamente através das doações às igrejas e comunidades religiosas).↩
Esses conceitos estão, considerando os autores aqui estudados, normalmente associados à questão religiosa. Contudo, seu significado e sua distinção podem ter um alcance mais amplo e é nesse sentido que serão analisados de seguida.↩
Trabalharemos esse conceito e suas múltiplas e mútuas relações dimensionais na próxima seção.↩
Não obstante os termos pluralidade e diversidade possam descrever, sinonimamente, situações de heterogeneidade cultural, de modo a evitar eventuais perturbações de sentido, optamos pelo termo diversidade. O recurso exclusivo à diversidade é, de acordo com Beckford (2010), mais prudente, porque o vocábulo pluralidade, se colocado noutro contexto (por exemplo, no campo eleitoral), pode ter um significado totalmente diferente.↩
Doravante, sempre que nos referirmos ao conceito diversidade, isso será feito à luz da ideia de diversidade cultural. Salvo quando indicarmos o contrário.↩
Isso sucede, provavelmente, porque a dimensão religiosa não parece ter correlação com a variável dependente que muitos dos autores citados, especialmente interessados em questões econômicas, estipulam para seus estudos.↩
É uma medida econômica que pretende medir, sobretudo, a concentração de grupos empresariais. Ou seja, mede o tamanho das empresas relativamente à sua indústria, sendo um indicador do grau de competição e concentração do mercado.↩
Este índice é normalmente utilizado para medir a distribuição de renda. No entanto, neste contexto, os autores medem-na através da média ponderada de cada grupo étnico sobre o total da população. Ou seja, à medida que a diversidade aumenta, equitativamente, o índice também cresce.↩
Existem ainda outras medidas, por exemplo, o índice de Shannon-Weaver que também permite medir a diversidade através de dados categóricos. Ou seja, dados resultantes do exame de variáveis categóricas – identificam para cada caso uma categoria. É um índice muito usado na literatura sobre ecologia. Mas ainda o índice de Simpson, que deu origem ao de Herfindahl-Hirschman, medindo igualmente o nível de concentração dos indivíduos quando catalogados por grupos. Todavia, nenhuma destas fórmulas tem sido atualmente utilizada para criar índices de diversidade.↩
Resumo:
As formas de estudar o lugar da religião nas sociedades têm mudado muito ao longo tempo. Essas mudanças estão normalmente associadas a algum fenômeno social, económico ou político que convoca os cientistas sociais para alterar o rumo das suas investigações: do fim da religião ao seu regresso ou à sua compreensão nas diferentes modernidades, até o nosso momento atual. Na primeira década e meia do século XXI começam a surgir indícios de que estamos a viver uma nova fase. As migrações internacionais e, por consequência, o transnacionalismo cultural sugerem a construção de um quadro social gradualmente mais diverso e com impactos em muitos aspectos da vida cultural das sociedades modernas. Neste artigo, sugerimos o reconhecimento de novas grades analíticas – como a diversidade cultural – no estudo do religioso, mas também a construção de um índice de diversidade capaz de ser correlacionável com outras dimensões de religiosidade. Consideramos que este é um dos poucos métodos disponíveis para compreender as atuais mutações ou deslocações do religioso nas sociedades contemporâneas.
Palavras-chave:
Religião; Diversidade Cultural; Pluralismo; Secularização.
Abstract:
The approaches to studying the place of religion in societies have changed over time. These changes are usually associated with some social, economic or political phenomenon that calls on social scientists to change the course of their researches: from the end of religion to its return or to its understanding in different modernities. In the first decade and a half of the 21st-century, signs that we are undergoing a new phase are evident. International migration and, consequently, cultural transnationalism suggest the construction of an increasingly more diverse social frame with consequences on many aspects of modern societies’ cultural life. In this study, we propose the identification of new analytical grids – such as cultural diversity – in the study of religion, but also the development of an index of diversity to establish correlations with other dimensions of religiosity. We believe this is one of the few available methods to understand the current transformations or displacements of religion in contemporary societies.
Keywords:
Religion; Cultural Diversity; Pluralism; Secularization.
Recebido para publicação em 15/11/2018
Aceito em 23/04/2019.