Revista de Ciências Sociais, v. 50, n. 2, 2019.

 

 

A universidade pública e o pensamento crítico no Brasil

 

Paulo Henrique Martins
Universidade Federal de Pernambuco, Brasil
paulohenriquemar@gmail.com

 

Universidade e ciclos de profissionalização

Neste texto-ensaio vamos abordar os novos desafios que se colocam para a universidade pública, para as ciências sociais e para a sociologia neste contexto de crise política e econômica. Entendemos ser necessário fazer um diagnóstico dos fundamentos da universidade pública e a sua complexa relação com as universidades privadas para se poder fazer uma avaliação mais precisa sobre os desafios que se apresentam para o futuro do ensino, da pesquisa e da extensão. De fato, as ciências sociais no Brasil conheceram um importante ciclo de profissionalização entre os anos 70 do século XX e inícios do século XXI, expressando aumento significativo do número de programas de pós-graduação, de diplomados em cursos de mestrado e de doutorado, de teses acadêmicas e de revistas científicas especializadas1. Apenas tomando o campo da sociologia como exemplo, vale lembrar que até os anos setenta não havia mais de três programas com mestrado e doutorado completos. Hoje, este número é superior a cinquenta programas espalhados em várias partes do país, revelando o sucesso deste ciclo de profissionalização.

Paralelamente à expansão da universidade pública, vale lembrar, conhecemos igualmente a expansão das universidades privadas, embora destaque-se o fato que as atividades de pesquisa estejam, sobretudo, centradas nas públicas. Uma das razões que explicam esta tendência é que as atividades de pesquisa não são economicamente competitivas como as atividades de ensino que geram altos retornos para as privadas. Em geral, as atividades de pesquisa são onerosas, envolvem grupo considerável de pesquisadores e não têm retorno de curto prazo.

Mas podemos lembrar igualmente do fato que a organização de centros de pesquisas exige a formação de uma cultura acadêmica relativamente desinteressada, gerando sua legitimação e prestígio pelas práticas científicas dos pesquisadores seniores que são referência para a formação dos mais jovens. Considerando que as universidades privadas são mais pragmáticas devido à importância do lucro no seu funcionamento, elas não podem exercer estas atividades que exigem uma certa gratuidade profissional e institucional2.

Enfim, nosso interesse central neste artigo não é o de revisar o desenvolvimento deste ciclo profissional da universidade pública nas últimas décadas, mas de propor que o encerramento deste ciclo coloca desafios importantes que coincidem com a crise institucional que vive o país. Ou seja, a diminuição de recursos substanciais para a pesquisa (em termos de financiamentos a projetos científicos, à cooperação internacional e à formação de pesquisadores qualificados no estrangeiro) coloca novos desafios para as ciências sociais profissionais que se desenvolvem nas universidades públicas.

Os desafios não dizem somente respeito aos problemas causados pela diminuição dos recursos financeiros para a pesquisa em pós-graduação. Há que se assinalar os problemas estruturais relacionados com as dificuldades de canalizar a produção científica instalada para o desenvolvimento social e tecnológico do país, de modo geral, e para o desenvolvimento de atividades de ensino, pesquisa e extensão que favoreçam as atividades produtivas e comunitárias no interior da sociedade, de modo particular.

No nosso entender, durante o período de abundância de recursos financeiros a prioridade não era a de pensar nos usos sociais, econômicos, ambientais e políticos dos saberes produzidos. A prioridade era a institucionalização do campo científico como um todo, envolvendo tanto as instituições universitárias e de pesquisas como as agências estatais encarregadas de apoiar e avaliar o desempenho acadêmico e científico. Assim, o momento presente, de diminuição de recursos para a pesquisa, marca o encerramento do ciclo anterior e a abertura de um novo ciclo que necessariamente tem que responder a dois desafios: um, a gestão de recursos financeiros escassos para pesquisas e inovação por parte do Estado; outro, a canalização do capital científico e tecnológico acumulado na universidade pública para destinação das demandas da sociedade como um todo.

O desafio de organização deste novo ciclo de expansão do sistema universitário público se revela em alguns níveis. Em primeiro lugar, há que se aprofundar o debate sobre a relação entre ciência e sociedade que vem sendo realizado por grandes associações científicas como a SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) e nas ciências sociais e humanas elencamos as tradições da ANPOCS (Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais), da SBS (Sociedade Brasileira de Sociologia), da ABA (Associação Brasileira de Antropologia) e outras entidades. No momento de crise há que se avançar concretamente nos modos de organização dos saberes críticos e estratégicos para apoiar a ampliação da reflexão da sociedade organizada e políticas públicas e sociais de inclusão social.

Em segundo lugar, no que diz respeito especialmente às ciências sociais há que se aprofundar o apoio do pensamento crítico universitário para elevar a consciência dos jovens estudantes na universidade e para o desenvolvimento de atividades de extensão conectadas com as demandas imediatas geradas nos contextos geopolíticos nos quais estão instaladas as universidades públicas. Em terceiro lugar, do ponto de vista organizacional há que se refletir e criar dispositivos para que o saber crítico acadêmico, atualmente fragmentado em um número expressivo de disciplinas científicas, possa ser canalizado para um novo modo de produção e difusão de saberes que tenha como características a complexidade e a interdisciplinaridade. Isto é, tal reorganização das disciplinas acadêmicas exige um debate teórico importante para articular um novo arco epistemológico que contemple ciência, arte e filosofia, por um lado, e os recortes transversais e interdisciplinares, por outro.

No desenvolvimento deste trabalho vamos trazer algumas inovações importantes que estão em desenvolvimento na Universidade Federal do Ceará com forte implicação de profissionais do Departamento de Ciências Sociais na sua implementação. Mas antes de expor as ideias e iniciativas gerais que estão sendo produzidas no âmbito da UFC considero relevante uma discussão preliminar relativa ao papel da ciência e da universidade pública na constituição do modelo republicano de sociedade, visto que este esclarecimento é fundamental para legitimar o lugar da ciência na sociedade e na organização do sistema político e social.

Universidade pública, universidade privada e interesse mercantil

Considerada genericamente, a missão institucional da universidade na organização dos estados nacionais e das sociedades modernas não é objeto de polêmica. Todos estamos de acordo que os programas de modernização dos estados nacionais exigem uma instância própria da ciência onde se produzem e reproduzem saberes essenciais aos processos de inovação tecnológica e cultural: de formação de quadros dirigentes, de elaboração de estatísticas e informações técnicas necessárias à gestão governamental e social. Também cabe a esta instância a produção de uma reflexão crítica sobre o fazer social, iluminando as saídas geradas pelos problemas teóricos e práticos dos processos de mudança social e histórica.

No entanto, se contextualizarmos esta discussão para o momento presente e à luz das exigências teóricas e práticas de um novo ciclo de profissionalização científica no país, temos que aprofundar, em primeiro lugar, as diferenças entre as missões das universidades privadas e das públicas e de suas responsabilidades na organização de ideias sobre modernização, crise e democracia. Nesta direção, temos que convir que a situação da universidade privada é bem mais confortável que a da universidade pública.

Devido a sua missão estar voltada primordialmente para o lucro, as privadas se mostram muito mais funcionais para responder às demandas do capitalismo econômico e financeiro. Ela supre com mais velocidade as necessidades ideológicas do neoliberalismo a respeito da organização de um sistema de saberes autônomos, fora do estado e confluente com a privatização.

A universidade privada se mostra muito mais funcional em termos de custo, de agilidade e de flexibilidade no atendimento de demandas relativas à formação profissional adequada para as demandas do mercado. Sua maior independência com relação à oferta de cursos que atendem ao mercado de trabalho e ao mercado de tecnologias assim como sua possibilidade de impor a flexibilidade das atividades profissionais, contratando professores e servidores a custos menores. Tudo isto contribui para provar a eficácia da universidade privada e sua funcionalidade para o desenvolvimento da ordem privada e neoliberal.

Com relação às universidades públicas a situação é mais complexa do ponto de vista ideológico e prático. Como sua nomeação sugere tratar-se de uma instituição cuja missão central é oferecer o suporte conceitual, normativo e tecnológico do pacto republicano, gerando tecnologias e quadros técnicos que ajudam o Estado e as empresas públicas a se aperfeiçoarem, que propiciam a montagem de políticas públicas e favorecem a cidadania.

No caso brasileiro é bem efetiva a contribuição da universidade pública para o desenvolvimento de tecnologias nos campos da energia, da engenharia, da administração, da educação, da saúde e do trabalho e de formação dos dispositivos de cidadania que foram fundamentais para o processo de desenvolvimento econômico e social nas últimas décadas.

Do ponto de vista político, ela aparece estratégica para articular o Estado e a nação como um programa histórico na medida em que se posiciona como ponto de passagem entre a lógica corporativista e burocrática estatal e a sociedade civil e política. Ela constrói a gramática técnica, cultural, moral e estética necessária para organizar a cidadania, os quadros dirigentes republicanos e as ideias gerais de projetos de modernização que contemplem os temas da justiça social, que são fundamentais para manter vivos os laços que formam a nação como unidade semântica.

Neste sentido, a funcionalidade da universidade pública para o desenvolvimento do capitalismo informacional transnacional é limitada em todos os níveis. Seu quadro de funcionários é mais oneroso que a privada e seu corpo de pesquisadores inspirado nos valores do liberalismo cultural e do associacionismo se recusa a se submeter à lógica mercantil. O culto à liberdade por parte dos pesquisadores na organização de suas práticas de ensino e pesquisa não é funcional para atender as exigências do sistema econômico e financeiro.

Na verdade a universidade pública associa o liberalismo cultural a um comunitarismo associativo que permite conciliar a diversidade e a unidade em torno do bem comum e público e este é um elemento fundamental para o republicanismo solidário. Pelo fato de o corpo de funcionários, professores, técnicos, pesquisadores e estudantes se identificar com um programa institucional liberal e associativo, a universidade pública termina sendo um lugar importante na organização do espírito propriamente republicano.

Ela tem papel histórico particular na produção dos elementos fundamentais do pacto republicano como o da liberdade de pensar e agir e da igualdade no ser reconhecido pelos pares. A força desta cultura de cidadania democrática aparece inclusive como um ponto de atrito no funcionamento da universidade pública na medida em que, fazendo parte da corporação estatal, ela se submete a mecanismos de gestão hierarquizados que são necessários para manter a integridade do aparelho estatal ao mesmo tempo em que seu corpo técnico reage contra os excessos da hierarquização.

A partir dessas considerações podemos propor que a razão de existir da universidade pública passa pelo reconhecimento de sua missão como dispositivo estratégico na organização de saberes necessários à sobrevivência do estado nacional, articulando informações básicas sobre a construção da nação, da pátria, do povo e da cidadania. Neste momento, em que a universidade pública corre riscos devido à lógica privatista é fundamental reavivar o espírito republicanista no debate cultural, político e ideológico, na formação da cidadania democrática.

Há que se valorizar igualmente seu papel na conscientização dos direitos e deveres das populações, na organização de novas práticas pedagógicas, na produção de conhecimentos teóricos e práticos voltados para a promoção da modernização nacional e do bem-estar moral e afetivo do povo e da nação. Ela tem o compromisso de construir através de suas atividades de pesquisa, ensino e extensão um entendimento mais complexo da nacionalidade de modo a incorporar a diversidade de grupos de interesse, étnicos, de gêneros, classistas, religiosos e ambientalistas na formação de um novo pacto republicano e democrático.

A universidade pública no Brasil e a crise

No caso da universidade pública no Brasil ela conhece uma condição peculiar que precisa ser esclarecida. Por um lado, observando seu desempenho a partir da expansão do sistema da pós-graduação desde os anos 70 do século XX, conclui-se que ela é muito bem-sucedida. O investimento na formação de mestres e doutores no exterior permitiu um incremento intenso no desenvolvimento dos programas de pós-graduação nas diversas áreas do conhecimento, no aumento do número de especialistas com diplomas de pós-graduação e no incremento de teses e de dissertações.

Por outro, lado se analisamos a performance da universidade pública com relação ao desenvolvimento do sistema universitário como um todo temos motivos para preocupações. Quando se analisa o desempenho do número de matriculados nas universidades públicas e privadas desde os anos noventa, percebe-se que as universidades públicas estão perdendo terreno, ao menos na oferta de diplomas para a graduação. Segundo Traina-Chacon e Calderón (2014) somente no governo de Fernando Henrique Cardoso o número de IES privadas aumentou de 110.8% ampliando as pressões pela mercantilização da educação no país. No momento, o número de universidades privadas é bem superior ao das públicas sendo responsáveis pelo maior número de diplomas. Na educação superior, as políticas adotadas por FHC promoveram uma aceleração da expansão das Instituições de Ensino Superior (IES) e o aumento de 110.8% no número de IES privadas em oito anos, tornando evidente o fato da mercantilização da educação no país (Cunha, 2003).

No quesito em que as universidades públicas apresentam melhor desempenho, aquele da sua proeminência na pesquisa em pós-graduação, na oferta de diplomas ao nível de doutorado e de produção científica de alto nível, também os resultados são preocupantes quando refletimos sobre os usos práticos desta produção para a sociedade em geral, incluindo governo, empresas, associações e comunidades civis. Há, por um lado, um grande capital intelectual e simbólico construído a partir desses investimentos importantes na pós-graduação.

Por outro lado, os modos como este capital tem sido usado e distribuído não vem sendo servido exatamente para assegurar função pública e social, nem para governo, nem para empresas, nem para as instituições civis e comunitárias. A canalização deste capital científico da ciência para a sociedade vem sendo refreada. Um dos motivos são as prioridades dadas para valorização da prática acadêmica interna sem articular esta prática com seus usos para a sociedade. Os critérios de avaliação de produtividade das atividades de pós-graduação, por exemplo, privilegiam a divulgação da produção técnica em revistas científicas especializadas, mas negligenciam os usos deste patrimônio intelectual para a sociedade que em última instância bancou estes investimentos.

A crise pode atingir profundamente a universidade pública caso ela fique prisioneira de um entendimento burocrático de seu papel na organização do republicanismo. É importante continuar a valorizar a produção de pesquisas científicas em revistas especializadas, mas o capital científico tem que ter usos mais ampliados. O excesso de especialização disciplinar da vida acadêmica leva a certo isolamento das atividades científicas, o que exige políticas transversais e transdisciplinares.

Assim, não deixa de ser algo melancólico o fato que há uma defasagem entre a quantidade de tempo gasto para formar o capital científico e intelectual da universidade pública e a esterilização de parte deste capital na busca frenética da publicação em revistas especializadas como condição fundamental para o reconhecimento acadêmico. Há que se canalizar este saber para novos objetivos sem prejuízos para a dimensão escolástica do saber científico.

A valorização recente de atividades de extensão universitárias em algumas universidades públicas constitui boa iniciativa, pois desperta a memória do compromisso desta universidade com o espírito republicanista. Abre perspectivas interessantes para liberar o capital intelectual e científico acumulado em espaços organizacionais, cívicos e políticos onde se devem prosperar uma cultura reflexiva e crítica da realidade, apoiando novos entendimentos sobre os cotidianos individuais e coletivos. A atividade de extensão também tem o efeito interessante de liberar novos temas da realidade e estimular atividades interdisciplinares e complexas que revitalizam o espaço acadêmico.

Esta reflexão é relevante por sublinhar o fato que a universidade pública precisa construir estratégias mais ousadas de enfrentamento da crise do estado nacional. Ela tem que assumir mais decisivamente a liderança no debate sobre a crise, considerando que ela é o campo por excelência da ciência livre que tem compromisso com a crítica dos desequilíbrios sistêmicos da sociedade. No plano externo temos que considerar tanto o apoio ao desenvolvimento de tecnologias e saberes que estimulem a autorresponsabilidade e a criatividade dos agentes sociais como, igualmente, se voltar para a educação como um todo de modo a repensar as estratégias de articulação da aprendizagem e da pesquisa em vários níveis.

No plano interno, a universidade pública tem que repensar suas estratégias de fortalecimento político e científico do seu público de docentes, discentes e técnicos, o que não passa apenas por reivindicações salariais, embora essas sejam importantes para o bem-estar da comunidade universitária. No contexto da crise do modelo de desenvolvimento e de diminuição dos recursos financeiros para as políticas públicas a comunidade universitária precisa analisar a oferta e a qualidade de seus recursos e produtos – vagas, cotas, publicações científicas, eventos de interesse coletivo e nacional – para apoiar a construção da cidadania como prática nacionalista democrática e como ação solidária no mundo da vida. Há que se reavivar o patriotismo acadêmico que é necessário para despertar o sentimento de pertencimento a um projeto comum.

A comunidade acadêmica não pode desperdiçar a chance dada pelo momento para impulsionar a reflexão conjunta e democrática sobre a missão republicana da universidade. Esta passa pela valorização de ações acadêmicas solidárias na busca de conciliar nos planos do ensino, da pesquisa e da extensão a individualidade liberal e o coletivo comunitarista pela incorporação do pluralismo como valor. A universidade republicana tem que meditar seriamente sobre sua missão, elegendo os fins públicos para adequar os meios diversos, científicos, tecnológicos, humanos e financeiros à sua disposição. Se esta decisão sobre a construção de um republicanismo solidário não for feita com rapidez podemos assistir a uma fragilização rápida da instituição com avanços inevitáveis do processo de mercantilização da educação. Todo o capital intelectual e científico acumulado nas últimas décadas pode se evaporar por se tornarem supérfluos dentro de uma ordem científica mercantilizada.

É necessário o fortalecimento da universidade pública em nível do ecossistema, o que passa necessariamente pelos trabalhos de articulação das universidades públicas com relação às ações de governo e do sistema político. Mas é importante o surgimento de iniciativas internas no interior das instituições com vistas a se organizar o conjunto de saberes fragmentados entre os diversos departamentos e programas com vistas à promoção de pesquisas e cursos interdisciplinares e complexos. Pois o atendimento às necessidades da sociedade por novas ideias, avaliações e inovações depende de como a universidade pode canalizar seu capital intelectual e acadêmico.

Neste sentido, o Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFC e o Departamento de Ciências Sociais que completa 50 anos de existência, estão entre os principais responsáveis pela criação de um novo dispositivo de articulação de saberes e pesquisas voltadas para a inovação que é o Colégio de Estudos Avançados, fundado em 2016, que tem como diretores o sociólogo César Barreira e o médico e antropólogo Álvaro Madero.

O Colégio de Estudos Avançados da UFC e a redefinição de objetivos estratégicos da Universidade Pública

O principal objetivo deste Colégio é de contribuir com a missão civilizatória da Universidade e para a integração interdisciplinar das diversas Faculdades, Institutos e Cursos. Entre suas estratégias devemos elencar: a) Debate com os diversos programas de pós-graduação da Universidade para identificar possibilidades de projetos inter e transdisciplinares nas culturas científicas, humanísticas e artísticas; b) Identificação de iniciativas atuais nas esferas mencionadas acima pelos programas de pós-graduação da Universidade; c) Identificação de professores visitantes em atuação nos diversos programas de pós-graduação da Universidade. Entre os produtos previstos no seu desenvolvimento estão: a) Ciclos Mensais de Conferências Interdisciplinares; b) Instalação de Cátedras articuladas com os programas de pós-graduação da Universidade; c) Ciclos de Encontros denominados “Conversando com Cientistas” (Entrevistas – Vídeo e Paper).

No ano de 2017 o Colégio organizou uma série de palestras tendo como tema-chave dos eventos o tema: “Rompendo Fronteiras – Ciência, Cultura e Arte”. Várias atividades de palestra foram realizadas, devendo ser lembradas: Ciência e Criatividade, Segurança Hídrica e qualidade de Vida; A Universidade do Futuro – desafios e oportunidades; Filosofia e Ciência: continuidades e rupturas; Os extremos da vida – infância e velhice; Medicinas Integrativas; Cidades: desafios da convivência coletiva entre outros, envolvendo diversos profissionais de variadas áreas da UFC e de outras instituições acadêmicas e públicas locais e nacionais.

O programa de trabalho organizado pela coordenação do Colégio é excelente, pois abre um leque de discussões importantes para se entender os rumos dos estudos avançados no momento presente. Mas, corre-se o risco, como temos presenciado com outras iniciativas de ponta na vida universitária, da perspectiva real que a importância teórica destas iniciativas não seja suficiente para motivar e mobilizar os públicos alvos, gerando frustração e desencanto por parte dos promotores acadêmicos. Para evitar esta possibilidade frustrante, que anula as iniciativas mais arrojadas é importante se adotar ações preventivas que permitam superar os perigos do conformismo acadêmico atualmente em curso, que tanto prejudica as perspectivas de renovação da ciência como de seus usos na vida social em geral.

Tais iniciativas devem ser viabilizadas pela implantação de dispositivos institucionais adequados que contribuam para gerar parcerias em dois níveis: a) no plano acadêmico, envolvendo pesquisadores e estudantes, e b) no extra-acadêmico, com governo e sociedade civil. Se tais dispositivos institucionais não forem implementados desde já, corre-se o risco de mobilização de muita energia sem gerar sinergia.

Ou seja, é importante medidas que motivem os atores acadêmicos e extra-acadêmicos a apoiarem o programa do Colégio tanto pela assistência de público nas conferências e Conversas como no desenvolvimento de atividades diversas que facilitem a divulgação e usos das ideias debatidas. No campo acadêmico há que se estimular iniciativas de formação e de pesquisas que proporcionem maior interação dos programas de graduação e de pós-graduação com as atividades do Colégio. No plano extra-acadêmico com Governo e Sociedade Civil, há que se favorecer iniciativas de aproximação através de conferências e debates que permitam maior aproximação da Universidade Pública com vistas a atender as demandas práticas no sentido de criação de novas ideias e iniciativas de interesse técnico e social.

Enfim, embora seja uma iniciativa ainda não avaliada esta experiência do Colégio de Estudos Avançados da UFC, fortemente marcada pela presença de sociólogos, deve ser registrada como iniciativa estratégica para se pensar o futuro da universidade pública neste contexto em que urge se redefinir as relações entre ciência, sociedade, estado e desenvolvimento no Brasil.

Como foi dito, as ciências sociais e a sociologia acadêmica aparecem como recursos centrais para viabilizar as reflexões e iniciativas de atividades que tragam luz ao debate. Para a retomada de um processo de modernização saudável para o país, é necessário que setores empreendedores na economia, nas políticas públicas e nos movimentos sociais e comunitários possam se apropriar deste patrimônio científico em favor de um sistema social, econômico, ecológico e político mais complexo e adequado.

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  1. Embora nosso foco neste texto seja as ciências sociais e, em particular a sociologia, vale ressaltar que este avanço atingiu as disciplinas científicas na universidade em geral, tanto no campo das humanidades como das chamadas ciências exatas. Mas nosso propósito aqui é de analisar o desempenho das ciências sociais na medida em que esta revela o grau de interatividade do ensino, pesquisa e extensão na área com relação ao conjunto do sistema social e político.

  2. Consideramos igualmente relevante constatar que a expansão do sistema universitário como um todo, inclusive o público, foi acompanhado da formação de instituições estatais relevantes para acompanhar o desempenho das atividades de pós-graduação como são os casos de órgãos como o CNPq e a CAPES.

Resumo:
A sociologia tem um papel importante neste trabalho de repensar as estratégias acadêmicas na medida em que se constitui em uma disciplina que permite articular com sensibilidade as questões institucionais, teóricas e políticas. Neste sentido, este texto-ensaio avança para problematizar o ciclo de profissionalização das ciências sociais e da sociologia e para resgatar iniciativa pioneira que vem sendo desenvolvida na UFC, a do Colégio de Estudos Avançados, buscando articular um pensamento complexo e interdisciplinar de modo a dar visibilidade à produção científica no plano interno e externo à universidade. Aqui, a sensibilidade sociológica se destaca como sendo fundamental para dar coerência ao conjunto de iniciativas.

Palavras-chave:
universidade pública; profissionalização da sociologia; experiências institucionais em curso.

 

Abstract:
Sociology has an important role to rethink the academic and public strategies of redefining paradigms insofar as it can simultaneously articulate micro and macrossociological perspectives on institutional, theoretical and political issues. This paper aims to discuss the role of the public university for a humanistic knowledge in the social sciences and its relation with the private university. The rescue of a pioneering initiative that has been developed in the UFC, the College of Advanced Studies, should be remembered as an exemplary initiative because it points to the importance of articulating a complex and interdisciplinary thinking that is essential to rethink the public university.

Keywords:
public university; professionalization of sociology; interinstitutional and interdisciplinary experiences