Revista de Ciências Sociais — Fortaleza, v. 53, n. 3, nov. 2022/fev. 2023
DOI: 10.36517/rcs.2022.3.a01
ISSN: 2318-4620
Novas dinâmicas criminais na terra de Padre
Cícero:
Perfil dos crimes violentos letais intencionais na Cidade de Juazeiro do
Norte, Ceará, entre 2006 e 2016
Wendell de Freitas
Barbosa
Universidade Federal do Cariri, Brasil
wendell.barbosa@ufca.edu.br
Samuel de Araújo
Sobreira
Universidade Federal do Cariri, Brasil
samuel3d@gmail.com
O problema abordado neste artigo é como a análise dos crimes violentos letais intencionais pode auxiliar na compreensão e na dinâmica da violência e da criminalidade no município de Juazeiro do Norte,1 Ceará. Este município retrata um cenário estratégico, por estar situado na região Metropolitana do Cariri2 e por apresentar taxas de homicídio por 100 mil habitantes superiores à média nacional e ao próprio Ceará, apontado por estudos nos últimos anos como um dos territórios mais violentos do país, considerando os crimes de violência letal intencional.
A abordagem deste problema se deu devido à falta de análises temporais que possam melhorar a prevenção de homicídios, sobretudo, apontando para a necessidade de melhorias no tratamento de dados sobre a violência e criminalidade em municípios com mais de 100 mil habitantes que apresentam cenário semelhante. Nesse sentido, esse estudo fornece subsídios que são de interesse de diversos atores sociais, sejam públicos ou privados, além de dialogar com outras pesquisas desenvolvidas no Brasil sobre os fenômenos da violência e da criminalidade.
O presente trabalho se insere no universo dos sujeitos vítimas de mortes violentas intencionais (vitimados), cuja população integra o território da cidade de Juazeiro do Norte. A pesquisa apurou e apresentou resultados sobre 937 casos de CVLIs registrados entre 2010 e 2016 pela Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do estado do Ceará (SSPDS), consolidados pela Assessoria de Análise Estatística e Criminal3 (AAESC) e comparar com dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde. Os dados CVLIs foram coletados através da parceria entre o Governo do Estado do Ceará e a Prefeitura Municipal de Juazeiro do Norte (PMJN) estabelecida através do Pacto Ceará Pacífico.4
A metodologia de pesquisa empregada é descritiva, quantitativa, documental e bibliográfica. Usamo-nos da ferramenta da estatística descritiva, definido como a apresentação numérica tabular e/ou gráfica com o propósito de resumir e sumarizar as informações contidas num conjunto de dados observados (UFG, 2017).
Sobre a metodologia da análise dos dados, secundários, será possível observar as variáveis em sua totalidade, de forma não-probabilística, por meio do uso de registro documental digital dos CVLIS entre 2010 e 2016 (planilha eletrônica) em Juazeiro do Norte, onde foram observados 100% dos casos descritos no documento original da SSPDS para totalização dos CVLIS.
O tratamento dos dados para a apresentação dos resultados se deu através da análise e processamento de tabelas, quadros e representações gráficas por meio do software Excel (Microsoft Office 2016). As variáveis quantitativas discretas serão apresentadas em formas de contagens, distribuição de frequências, médias aritméticas, entre outros, como mera apuração dos números observados em cada variável.
Para apresentação dos resultados, foram consideradas as seguintes variáveis: 1) número de vítimas de CVLIs em Juazeiro do Norte entre 2010 a 2016; 2) número de vítimas do sexo masculino de CVLIs em Juazeiro do Norte entre os anos de 2010 a 2016; 3) número de vítimas do sexo feminino de CVLIs em Juazeiro do Norte entre os anos de 2010 a 2017; 4) total e porcentagem de vitimados por sexo de crimes violentos letais intencionais CVLIs em Juazeiro do Norte entre os anos de 2010 a 2016; 5) média de idade dos vitimados de CVLIs em Juazeiro do Norte entre os anos de 2010 a 2017; 6) média de idade dos vitimados de CVLIs do sexo masculino em Juazeiro do Norte entre os anos de 2010 a 2016; 7) média de idade dos vitimados de CVLIs do sexo feminino em Juazeiro do Norte entre os anos de 2010 a 2016; 8) comparativo da média de idade dos vitimados de CVLIs entre os sexos masculino e feminino em Juazeiro do Norte entre os anos de 2010 a 2016; 9) total de vitimados por grupos de idade; 10) comparação entre o número total de homicídios do SIM (Ministério da Saúde) e o total de CVLIs computados pela SSPDS entre 2010 e 2016; 11) comparativo do índice de homicídios por 100.000 habitantes entre Brasil, Ceará e Juazeiro do Norte entre os anos de 2010 a 2016. O cálculo utilizado para calcular os índices de homicídio foi o seguinte:
As tabelas abaixo serão utilizadas para realização dos cálculos:
Tabela 1 — Quantitativo de mortes violentas intencionais no Brasil, Nordeste, Ceará e Juazeiro do Norte nos anos de 2010 a 2016
Homicídios | 2010 | 2011 | 2012 | 2013 | 2014 | 2015 | 2016 |
---|---|---|---|---|---|---|---|
Brasil | 53.016 | 52.807 | 57.045 | 57.396 | 60.474 | 59.080 | 62.517 |
Nordeste | 18.963 | 19.486 | 21.192 | 22.163 | 23.550 | 23.228 | 24.863 |
Ceará | 2.688 | 2.792 | 3.841 | 4.473 | 4.626 | 4.163 | 3.642 |
Juazeiro do Norte | 78 | 96 | 142 | 127 | 156 | 126 | 139 |
Fonte: MS/SVS/CGIAE — Sistema de Informações sobre Mortalidade — SIM / Considera os códigos CIDs 10: X85-Y09 (agressão) e Y35, Y36 (intervenção legal). Óbitos por residência. Elaborado pelo autor. |
Tabela 2 — Estimativas populacionais no Brasil, Nordeste, Ceará e Juazeiro do Norte nos anos de 2010 a 2016
População IBGE | 2010 | 2011 | 2012 | 2013 | 2014 | 2015 | 2016 |
---|---|---|---|---|---|---|---|
Brasil | 190.747.855 | 192.379.287 | 193.946.886 | 201.032.714 | 202.768.562 | 204.450.649 | 206.081.432 |
Nordeste | 53.078.137 | 53.501.859 | 53.907.144 | 55.794.707 | 56.186.190 | 56.560.081 | 56.915.936 |
Ceará | 8.448.055 | 8.530.155 | 8.606.005 | 8.778.576 | 8.842.791 | 8.904.459 | 8.863.663 |
Juazeiro do Norte | 249.939 | 252.841 | 255.648 | 261.289 | 263.704 | 266.022 | 268.248 |
Fonte: IBGE — Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística — Estimativas* Populacionais para os Municípios e as Unidades da Federação Brasileira (2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015 e 2016). Elaborado pelo autor. |
Já os dados coletados no SIM pela internet serão também utilizados para detalhar informações sobre mortes violentas intencionais no Brasil e suas respectivas regiões, a região Nordeste, o estado do Ceará e o município de Juazeiro do Norte.
Os CVLIs em Juazeiro do Norte foram analisados no período entre 2010 e 2016 e contabilizam apenas homicídio doloso, lesão corporal seguida de morte e roubo seguido de morte (latrocínio), pois essa é a metodologia utilizada pela SSPDS. Os dados do SIM foram analisados no mesmo intervalo. As informações sobre mortes violentas intencionais no sistema do Ministério da Saúde, utilizam a CID-10 (Classificação Internacional de Doenças 10 — OMS5) através dos códigos X-85 a Y-09 (tipos distintos de agressões) e Y35 e Y36 (intervenção legal e operações de guerra, respectivamente). A principal diferença e dificuldade para comparabilidade entre os CVLIs e as mortes violentas intencionais no SIM é que os dados CVLIs no Ceará não contabilizam os números de mortes por intervenção legal, por considerar que não há configuração de intencionalidade do agente de segurança pública do Estado quando da morte de um terceiro durante a ação policial.
As utilizações dos códigos CID-10 estão presentes nas pesquisas realizadas pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e para efeitos de comparação, serão utilizados entre Juazeiro do Norte, Ceará, Nordeste e Brasil nos anos de 2010 a 2016. Quando da comparação entre os CVLIs de Juazeiro do Norte e os dados contidos no SIM, serão utilizados também apenas os dados contidos entre 2010 e 2016. Para a análise apenas dos CVLIs disponibilizados pela SSPDS em Juazeiro do Norte, será considerada a série entre 2010 e 2016 e com isso será possível realizar uma análise de como a AAESC alimenta seus bancos de dados e se as diferenças são bruscas em relação ao quantitativo apresentado pelo SIM.
Cabe ainda ressaltar que nos dados coletados não foi possível determinar variáveis, como: a fonte geradora da ocorrência em relação à qual instituição ligada a SSPDS alimentou primariamente a ocorrência; o local exato e georreferenciado da ocorrência no território; a natureza da ocorrência (CVLIs especificado entre homicídio doloso, lesão corporal seguida de morte, feminicídio, latrocínio e/ou outros), histórico da ocorrência com detalhes pormenorizados, perfil social da vítima e do agressor quanto à etnia, classe social, renda, escolaridade, religião, local de residência, antecedentes criminais, se regresso do sistema penitenciário, se integrante de facção criminosa, etc. o que impõe limites quanto à observação dos fenômenos dos CVLIs, mas que por outro lado, acende a necessidade de se incorporar essas informações nos registros dos CVLIs pela autoridade competente, a fim de fornecer subsídios satisfatórios para o entendimento dos crimes violentos e à ação no sentindo repressivo e preventivo nas políticas de segurança pública.
As atuais taxas e índices de violência letal intencional no Brasil tem assumido características epidemiológicas.6 Embora seja um fenômeno mais forte nas áreas urbanas com densidade populacional mais ampla, estudos revelaram outro processo, chamado de interiorização da violência. (LIMA et al., 2005). A interiorização se caracteriza por um aumento dos homicídios em cidades de pequeno e médio porte no interior do Brasil. Cabe, porém, a observação inicial de um fenômeno recente, a difusão dos CVLIs para cidades do interior do Brasil (EBC, 2011). Historicamente a maior concentração dos CVLIs encontravam-se nas capitais brasileiras da região Sudeste, porém, entre 2004 e 2014 foi possível observar que a violência e a criminalidade trouxeram para as cidades do interior brasileiro, em especial as cidades do Nordeste, um aumento significativo nos casos de CVLIs, independentemente da forma como eles foram tratados na alimentação de banco de dados. Tal evidência pode estar ligada diretamente pela ação de facções criminosas que controlam o tráfico de drogas, o contrabando de produtos ilegais, os assaltos à bancos, entre outros delitos que também tiveram aumento na região Nordeste.
Diversas crises nos sistemas penitenciários dos estados do Ceará, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Maranhão denunciam a situação encontrada nos presídios, geralmente de rivalidade entre as facções, que lutam entre si, também nas ruas, pelo controle territorial. Esses grupos têm expandido suas fronteiras de atuação para interior do Nordeste e suas cidades médias e grandes cidades como Juazeiro do Norte, Petrolina, Juazeiro, Caruaru, Campina Grande, Arapiraca, entre outras.
Figura 1 — Nordeste do Brasil, números absolutos de homicídios dolosos (1996 a 2016) |
Fonte: MS/SVS/CGIAE — Sistema de Informações sobre Mortalidade — SIM / Considera os códigos CIDs 10: X85-Y09 (agressão) e Y35, Y36 (intervenção legal). Óbitos por residência. Elaborado pelo autor. |
O gráfico apresenta a escalada dos homicídios no Estado do Ceará a partir de 2014. Nos demais estados, é possível inferir que os números se elevam a uma taxa muito mais baixa e se mantêm de certa forma estáveis, mas com uma tendência de crescimento observado a partir dos anos 2006 e 2007. Destaca-se positivamente nesse cenário o estado de Alagoas, com redução dos números absolutos de homicídios a partir de 2014. Negativamente, o estado do Rio Grande do Norte entre os anos de 1996 e 2016 apresentou um aumento de 669,29% em relação aos números de homicídios. Observa-se na série histórica crescente constante nos números absolutos de homicídios no estado da Bahia, que atingiu a marca histórica de 7.171 homicídios em 2016, sendo também o estado onde mais se matou no Brasil nesse ano.
Ao todo, o Nordeste acumulou entre os anos de 1996 e 2016 o total de 319.234 homicídios, representando 30,14% de todos os homicídios em todo Brasil no mesmo período, ficando atrás apenas da região Sudeste, que teve o total de 449.076 homicídios, uma diferença de 129.842 casos. Vale ressaltar que a população do Sudeste é superior à do Nordeste, inclusive nas áreas urbanas e metropolitanas, onde são registrados a grande maioria dos homicídios no Brasil. O Nordeste brasileiro possui população superior a 50 milhões de habitantes e representa em área 18,2% do território, enquanto a região Sudeste representa 10,9% do território e possui população de cerca de 80 milhões de habitantes. (IBGE, 2018).
Figura 2 — Gráfico radar com números absolutos de homicídios dolosos entre as UFs (2016). |
Fonte: MS/SVS/CGIAE — Sistema de Informações sobre Mortalidade — SIM / Considera os códigos CIDs 10: X85-Y09 (agressão) e Y35, Y36 (intervenção legal). Óbitos por residência. Elaboração DIEST/IPEA. |
Figura 3 — Números de homicídios dolosos absolutos em porcentagem acumulada por região (1996 a 2016) |
Fonte: MS/SVS/CGIAE — Sistema de Informações sobre Mortalidade — SIM / Considera os códigos CIDs 10: X85-Y09 (agressão) e Y35, Y36 (intervenção legal). Óbitos por residência. Elaborado pelo autor. |
A seguir será apresentado os resultados da pesquisa sobre os dados de CVLIs na cidade de Juazeiro do Norte entre os anos de 2010 e 2016. Foram pesquisadas as seguintes informações: números total de vítimas de crimes violentos letais intencionais de ambos os sexos em Juazeiro do Norte entre os anos de 2010 a 2016; números de vítimas do sexo masculino de crimes violentos letais intencionais em Juazeiro do Norte entre os anos de 2010 a 2017; números de vítimas do sexo feminino de crimes violentos letais intencionais em Juazeiro do Norte entre os anos de 2010 a 2017; total e porcentagem de vitimados por sexo de crimes violentos letais intencionais em Juazeiro do Norte entre os anos de 2010 a 2017; média de idade dos vitimados de crimes violentos letais intencionais em Juazeiro do Norte entre os anos de 2010 a 2017; média de idade dos vitimados de crimes violentos letais intencionais do sexo masculino em Juazeiro do Norte entre os anos de 2010 a 2017; média de idade dos vitimados de crimes violentos letais intencionais do sexo feminino em Juazeiro do Norte entre os anos de 2010 a 2017; comparativo da média de idade dos vitimados de crimes violentos letais intencionais entre os sexos masculino e feminino em Juazeiro do Norte entre os anos de 2010 a 2017; total de vitimados de crimes violentos letais intencionais entre ambos os sexos em Juazeiro do Norte entre os anos de 2010 a 2017; total de vitimados de crimes violentos letais intencionais do sexo masculino em Juazeiro do Norte entre os anos de 2010 a 2017; total de vitimados de crimes violentos letais intencionais do sexo feminino em Juazeiro do Norte entre os anos de 2010 a 2017; comparativo entre o número de vitimados de mortes violentas intencionais no Sistema de Informações sobre Mortalidade e a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Estado do Ceará em Juazeiro do Norte entre os anos de 2010 a 2016; comparativo entre os índices de homicídio doloso a cada 100.000 habitantes no Brasil, na região Nordeste, no estado do Ceará e no município de Juazeiro do Norte entre os anos de 2010 a 2016, com destaque para os índices mais altos observados na série.
Medidas através de pesquisa no SIM do Ministério da Saúde, os números absolutos de homicídios no estado do Ceará apresentam tendência recente de queda, porém, mesmo apresentando tendência de queda os números ainda são considerados altos, pois o Ceará se encontrava em 2016 no 5º lugar como estado com maior número de homicídios em todo o Brasil, contabilizando 3.642 casos, atrás apenas dos estados da Bahia (7.171 casos), Rio de Janeiro (6.053 casos), São Paulo (4.870 casos) e Pernambuco (4.447 casos).
Figura 4 — Índices de homicídios dolosos por 100.000 habitantes no estado do Ceará (2010 a 2016) |
Fonte: MS/SVS/CGIAE — Sistema de Informações sobre Mortalidade — SIM / Considera os códigos CIDs 10: X85-Y09 (agressão) e Y35, Y36 (intervenção legal). Óbitos por residência. Elaborado pelo autor. |
Figura 5 — Ceará, números absolutos de homicídios dolosos (1996 a 2016) |
Fonte: MS/SVS/CGIAE — Sistema de Informações sobre Mortalidade — SIM / Considera os códigos CIDs 10: X85-Y09 (agressão) e Y35, Y36 (intervenção legal). Óbitos por residência. Elaborado pelo autor. |
Observa-se no gráfico dos números absolutos de homicídios dolosos no Ceará entre os anos de 1996 e 2016 que as mortes no estado deram uma guinada a partir de 2009 e recentemente, a partir do ano de 2014 apresentou redução nos números absolutos, representando inicialmente um fator positivo na série histórica, haja vista que o índice de homicídios por 100.000 habitantes também reduziu.
De acordo com dados oficiais fornecidos pelo Governo do Ceará, do total de homicídios registrados, menos de 25% podem ser considerados elucidados. Dados do primeiro semestre de 20167 apresentam essas informações, taxa que está acima da média de outros estados da federação, mas revela uma taxa muito baixa de resolução da violência letal. Observa-se ainda que o Ceará foi um dos estados que mais variou negativamente os percentuais da taxa de homicídios entre os anos de 2005 e 2015.
Para este artigo, consideramos os dados sobre violência letal intencional em Juazeiro do Norte em outras fontes para efeito de comparação com os CVLIs registrados pela SSPDS.8 Em consulta realizada no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde. Utilizando a metodologia para quantificar as mortes violentas intencionais nas UFs, regiões e cidades do Brasil no período entre 1996 e 2016, o sistema retornou um número de 1.695 mortes violentas intencionais em Juazeiro do Norte.
Entre os anos de 2010 e 2016 o SIM apresentou um número de 864 mortes violentas na cidade.
Figura 6 — Juazeiro do Norte, números absolutos de homicídios dolosos (1996 a 2016) |
Fonte: MS/SVS/CGIAE — Sistema de Informações sobre Mortalidade — SIM / Considera os códigos CIDs 10: X85-Y09 (agressão) e Y35, Y36 (intervenção legal). Óbitos por residência. Elaborado pelo autor. |
A linha dos homicídios dolosos em Juazeiro do Norte aparenta seguir um padrão pendular, diferentemente do padrão observado no mesmo período entre Brasil, Nordeste e Ceará. Esse ainda é um fenômeno sem resposta na cidade, mas que pode estar relacionado a uma espécie de ciclo de violência com retração e expansão de atividades criminosas, possivelmente afetada por ciclos geracionais da população das vítimas preferenciais desse tipo de crime, registrando o pico de 156 mortes violentas intencionais no ano de 2014.
Figura 7 — Juazeiro do Norte, homicídios dolosos absolutos (2010 a 2016) |
Fonte: MS/SVS/CGIAE — Sistema de Informações sobre Mortalidade — SIM / Considera os códigos CIDs 10: X85-Y09 (agressão) e Y35, Y36 (intervenção legal). Óbitos por residência. Elaborado pelo autor. |
Figura 8 — Juazeiro do Norte, índices de homicídios dolosos por 100.000 habitantes (2010 a 2016) |
Fonte: MS/SVS/CGIAE — Sistema de Informações sobre Mortalidade — SIM / Considera os códigos CIDs 10: X85-Y09 (agressão) e Y35, Y36 (intervenção legal). Óbitos por residência. Elaborado pelo autor. |
No gráfico acima, observa-se que no ano de 2014, Juazeiro do Norte atingiu o alto índice de homicídios por 100.000 habitantes, chegando a 59,16. Dos 864 homicídios em Juazeiro do Norte entre 2010 e 2016 de acordo com sistema do Ministério da Saúde, 801 (93%) foram contra indivíduos do sexo masculino e 63 (7%) contra vítimas do sexo feminino. 712 homicídios foram contra indivíduos da cor parda (82,4%), 30 contra os de cor preta (3,4%) e 99 contra pessoas de cor branca (11,4%). 23 (2,6%) homicídios foram cometidos contra indivíduos de outras cores de pele. Totalizando os homicídios contra os vitimados das cores parda e preta, a porcentagem chega a 85,8% do total dos assassinatos cometidos. Esses números são considerados altíssimos mesmo quando comparado com os índices de homicídios do Brasil. Observa-se ainda uma crescente nesses números, podendo significar a ineficiência na aplicação das políticas de segurança pública ou outras razões como a falta de políticas integradas.
Figura 9 — Juazeiro do Norte, homicídios dolosos por sexo (2010 a 2016) |
Fonte: MS/SVS/CGIAE — Sistema de Informações sobre Mortalidade — SIM / Considera os códigos CIDs 10: X85-Y09 (agressão) e Y35, Y36 (intervenção legal). Óbitos por residência. Elaborado pelo autor. |
Em relação aos homicídios dolosos por sexo, o assassinato de mulheres representa 7% do total de casos, com um média aproximada de 9,14 casos por ano, entre 2010 e 2016.
Figura 10 — Juazeiro do Norte, homicídios dolosos por cor da pele (2010 a 2016) |
Fonte: MS/SVS/CGIAE — Sistema de Informações sobre Mortalidade — SIM / Considera os códigos CIDs 10: X85-Y09 (agressão) e Y35, Y36 (intervenção legal). Óbitos por residência. Elaborado pelo autor. |
Seguindo uma tendência encontrada em todas as regiões do Brasil, em Juazeiro do Norte a maioria das vítimas são pardas. Outros dados encontrados sobre mortes violentas em Juazeiro do Norte constam no livro “Homicídios na adolescência no Brasil — Índice de Homicídios na Adolescência 2014” integrante do Programa de Redução da Violência Letal contra Adolescentes e Jovens, ligado ao Ministério dos Direitos Humanos (SDH), Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Observatório das Favelas e Laboratório de Análise da Violência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Na publicação, considera-se a faixa etária entre 12 e 18 anos e Juazeiro do Norte figura na 9º posição entre os 300 municípios do Brasil com mais de 100.000 habitantes pesquisados.9
No Atlas da Violência 2017, produzido pelo IPEA e FBSB, Juazeiro do Norte aparece entre os municípios com maiores índices de mortes violentas com causas indeterminadas (MCVI)10 com 48,1 mortes por 100.000 habitantes e 47,4 mortes para a mesma proporção de habitantes, respectivamente, em relação ao índice de homicídio (IM)11 no ano de 2015. (IPEA, 2017).
Outro estudo que apresenta números importantes sobre mortes violentas intencionais em Juazeiro do Norte é o documento produzido pela Assembleia Legislativa do Estado do Ceará, através do Comitê Cearense pela Prevenção de Homicídios na Adolescência. A pesquisa intitulada “Cada Vida Importa”12 apresenta números de sete cidades do Ceará, entre elas Juazeiro do Norte e destaca os indicadores de adolescentes mortos (12 a 18 anos) nos anos de 2014 e 2015. Uma outra contribuição do documento são as evidências encontradas em comum em cada homicídio e as recomendações que devem ser aplicadas por atores diversos da sociedade cearense visando a prevenção das mortes dos adolescentes.
Figura 11 — Juazeiro do Norte, números totais de vítimas de crimes violentos letais intencionais de ambos os sexos (2010 a 2016) |
Fonte: SSPDS, Governo do Estado do Ceará. CVLIs em Juazeiro do Norte, considerando homicídio doloso, lesão corporal seguida de morte e roubo seguido de morte (latrocínio). Elaborado pelo autor. |
Dos dados encontrados na base de dados da SSPDS, Juazeiro do Norte apresentou um total de 937 registros de crimes violentos letais intencionais. Esse número é um pouco menos do que o registrado pelo SIM devido ao não registro das mortes por intervenção policial nos CVLIs no estado do Ceará.
Figura 12 — Juazeiro do Norte, números de vítimas do sexo masculino de crimes violentos letais intencionais (2010 a 2016) |
Fonte: SSPDS, Governo do Estado do Ceará. CVLIs em Juazeiro do Norte, considerando homicídio doloso, lesão corporal seguida de morte e roubo seguido de morte (latrocínio). Elaborado pelo autor. |
Como demostrando, os vitimados do sexo masculino representam a maioria dos casos. Mesmo com a implantação de técnicas de policiamento divulgadas como de caráter preventivo e comunitários — com a expansão do programa Ronda do Quarteirão no período de 2008 e 2012 -, a cidade registrou aumento significativo nos números de mortes a partir de 2011.
Figura 13 — Juazeiro do Norte, números de vítimas do sexo feminino de crimes violentos letais intencionais (2010 a 2016) |
Fonte: SSPDS, Governo do Estado do Ceará. CVLIs em Juazeiro do Norte, considerando homicídio doloso, lesão corporal seguida de morte e roubo seguido de morte (latrocínio). Elaborado pelo autor. |
Em relação as mortes de mulheres contabilizadas nos CVLIs pela SSPDS, observa-se uma diferenciação em relação ao padrão dos homicídios dolosos que acometeram pessoas do sexo masculino.
Figura 14 — Juazeiro do Norte, número total e porcentagem de vitimados por sexo de crimes violentos letais intencionais (2010 a 2016) |
Fonte: SSPDS, Governo do Estado do Ceará. CVLIs em Juazeiro do Norte, considerando homicídio doloso, lesão corporal seguida de morte e roubo seguido de morte (latrocínio). Elaborado pelo autor. |
Assim como apresentado nos dados do SIM, os números de CVLIs por sexo mantiveram o padrão de quantitativo em relação às mortes em ambos os sexos. Enquanto o SIM registrou 64 mortes para mulheres, os CVLIs registraram 59 mortes.
Figura 15 — Juazeiro do Norte, média de idade dos vitimados de crimes violentos letais intencionais em Juazeiro do Norte (2010 a 2016) |
Fonte: SSPDS, Governo do Estado do Ceará. CVLIs em Juazeiro do Norte, considerando homicídio doloso, lesão corporal seguida de morte e roubo seguido de morte (latrocínio). Elaborado pelo autor. |
A média total de idade quando do homicídio doloso em relação a ambos os sexos se mantem baixa. A maior incidência de mortes registrada em pessoas do sexo masculino contribui para que a média geral de idade dos vitimados permaneça nos patamares da média nacional.
Figura 16 — Juazeiro do Norte, média de idade dos vitimados de crimes violentos letais intencionais do sexo masculino (2010 a 2016) |
Fonte: SSPDS, Governo do Estado do Ceará. CVLIs em Juazeiro do Norte, considerando homicídio doloso, lesão corporal seguida de morte e roubo seguido de morte (latrocínio). Elaborado pelo autor. |
Quanto à média de idade dos vitimados do sexo masculino, é possível verificar que os números pouco variam ao longo dos anos, mantendo-se em todos os anos, com exceção de 2016, abaixo dos 30 anos de idade, confirmando uma tendência nacional.
Figura 17 — Juazeiro do Norte, média de idade dos vitimados de crimes violentos letais intencionais do sexo feminino (2010 a 2017) |
Fonte: SSPDS, Governo do Estado do Ceará. CVLIs em Juazeiro do Norte, considerando homicídio doloso, lesão corporal seguida de morte e roubo seguido de morte (latrocínio). Elaborado pelo autor. |
Já a média de idades das mulheres vitimadas por homicídios dolosos segue padrão diferente dos números encontrados quanto às vítimas do sexo masculino.
Figura 18 — Juazeiro do Norte, comparativo entre as médias de idade dos vitimados de crimes violentos letais intencionais entre os sexos masculino e feminino (2010 a 2016) |
Fonte: SSPDS, Governo do Estado do Ceará. CVLIs em Juazeiro do Norte, considerando homicídio doloso, lesão corporal seguida de morte e roubo seguido de morte (latrocínio). Elaborado pelo autor. |
Percebe-se no gráfico comparativo acima que a média da idade das vitimadas do sexo feminino é maior do que as do sexo masculino.
Figura 19 — Juazeiro do Norte, total de vitimados de crimes violentos letais intencionais entre ambos os sexos em Juazeiro do Norte (2010 a 2017) |
Fonte: SSPDS, Governo do Estado do Ceará. CVLIs em Juazeiro do Norte, considerando homicídio doloso, lesão corporal seguida de morte e roubo seguido de morte (latrocínio). Elaborado pelo autor. |
Outra tendência negativa verificada em Juazeiro do Norte é a de que a maioria das mortes violentas intencionais, 55,92% estão concentradas na faixa etária compreendida entre os 15 a 29 anos, parâmetro utilizado em diversas pesquisas a nível nacional.
Figura 20 — Juazeiro do Norte, total de vitimados de crimes violentos letais intencionais do sexo masculino em Juazeiro do Norte (2010 a 2017) |
Fonte: SSPDS, Governo do Estado do Ceará. CVLIs em Juazeiro do Norte, considerando homicídio doloso, lesão corporal seguida de morte e roubo seguido de morte (latrocínio). Elaborado pelo autor. |
No sexo masculino, a faixa etária entre 15 e 29 anos concentra 496 casos (60.34%), de um total de 822 mortes de indivíduos do sexo masculino.
Figura 21 — Juazeiro do Norte, total de vitimados de crimes violentos letais intencionais do sexo feminino (2010 a 2017) |
Fonte: SSPDS, Governo do Estado do Ceará. CVLIs em Juazeiro do Norte, considerando homicídio doloso, lesão corporal seguida de morte e roubo seguido de morte (latrocínio). Elaborado pelo autor. |
No sexo feminino, de um total de 59 casos entre 2010 e 2017 registrados, 44,06% concentram-se na faixa etária entre os 15 aos 29 anos, uma concentração menor do que quando comparada as mortes violentas intencionais no sexo masculino.
Figura 22 — Juazeiro do Norte, comparativo entre o número de vitimados por mortes violentas intencionais no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e CVLIs fornecidos pela Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Estado do Ceará (2010 a 2016) |
Fonte: MS/SVS/CGIAE — Sistema de Informações sobre Mortalidade — SIM / Considera os códigos CIDs 10: X85-Y09 (agressão) e Y35, Y36 (intervenção legal). Óbitos por residência. SSPDS, Governo do Estado do Ceará. CVLIs em Juazeiro do Norte, considerando homicídio doloso, lesão corporal seguida de morte e roubo seguido de morte (latrocínio). Elaborado pelo autor. |
As linhas acima demostram a diferença entre as informações contidas no SIM e as registradas pela SSPDS quanto aos CVLIs. Observa-se pequenas diferenças entre os números, porém, ressalta-se que com exceção do ano de 2013, os CVLIs ficam abaixo das mortes registradas no SIM. Isso se dá devido os CVLIs não considerar as mortes por intervenção policial.
Figura 23 — Juazeiro do Norte, comparativo entre os índices de homicídio doloso a cada 100.000 habitantes no Brasil, na região Nordeste, no estado do Ceará e no município de Juazeiro do Norte, com destaque para os índices mais altos observados na série (2010 a 2016) |
Fonte: MS/SVS/CGIAE — Sistema de Informações sobre Mortalidade — SIM / Considera os códigos CIDs 10: X85-Y09 (agressão) e Y35, Y36 (intervenção legal). Óbitos por residência. IBGE — Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística — Estimativas Populacionais para os Municípios e as Unidades da Federação Brasileira (2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015 e 2016). Elaborado pelo autor. |
Figura 24 — Juazeiro do Norte, comparativo entre os números de homicídios dolosos absolutos entre ambos os sexos (1996 a 2016) |
A comparação acima, utilizando apenas dados do SIM, apresenta os índices de homicídios a cada 100.000 habitantes entre Brasil, região Nordeste, estado do Ceará e município de Juazeiro do Norte. Em relação ao Brasil, observa-se uma leve crescente, apesar dos números absolutos serem assustadores e representarem 62.517 mortes violentas intencionais somente no ano de 2016.
Em relação a região Nordeste, a tendência, como observado anteriormente, é de crescente no número de homicídios dolosos, com a Bahia encabeçando tanto na região quanto no Brasil, o 1º lugar no número absoluto de homicídios dolosos.
Já os números para o estado do Ceará apresentaram uma redução a partir de 2014, cujo pico atingiu 52,31 mortes por 100.000 habitantes. Será preciso observar os dados a serem fornecidos pelo Ministério da Saúde em relação aos anos a partir de 2017 para se confirmar alguma mudança nesse cenário.
Quanto a Juazeiro do Norte, verifica-se uma tendência pendular quanto aos homicídios dolosos entre 2010 e 2016. Observado os números entre 1996 e 2016, essa tendência não é marcante e será necessário aguardar os números a partir de 2017 em diante para comprovar essa tendência.
Tabela 3 — Tabela comparativa entre os índices de homicídio doloso por 100.000 habitantes no Brasil, Ceará e Juazeiro do Norte entre os anos de 2010 e 2016
Índices de homicídios por 100 mil habitantes | 2010 | 2011 | 2012 | 2013 | 2014 | 2015 | 2016 |
---|---|---|---|---|---|---|---|
Brasil | 27,79 | 27,45 | 29,41 | 28,55 | 29,82 | 28,90 | 30,34 |
Nordeste | 35,73 | 26,42 | 39,31 | 39,72 | 41,91 | 41,07 | 43,68 |
Ceará | 31,82 | 32,73 | 44,63 | 50,95 | 52,31 | 46,75 | 40,63 |
Juazeiro do Norte | 31,21 | 37,97 | 55,5 | 48,61 | 59,16 | 47,36 | 51,82 |
Fonte: MS/SVS/CGIAE — Sistema de Informações sobre Mortalidade — SIM / Considera os códigos CIDs 10: X85-Y09 (agressão) e Y35, Y36 (intervenção legal). Óbitos por residência. IBGE — Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística — Estimativas Populacionais para os Municípios e as Unidades da Federação Brasileira (2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015 e 2016). Elaborado pelo autor. |
O fenômeno da violência enquanto categoria de reflexão é extremamente polissêmico e conecta dimensões estruturais da sociedade com os significados atribuídos nos contextos singulares em que essas mortes ocorrem, nesses territórios e no cotidiano da população. É necessário produzir melhores leituras sobre as particularidades de municípios como Juazeiro do Norte, que parecem lançar luzes sobre novas dinâmicas criminais dos municípios de médio porte, que resvalam no interior dos estados e em suas regiões. Para isso, é preciso adicionar novas camadas de dados, sobretudo qualitativos, para entender melhor os significados e os padrões por trás dessa evolução das formas de violência letal que tem impulsionado esses números, colocando o município numa situação de extrema gravidade quando consideradas as taxas por 100 mil habitantes.
A matriz das políticas de segurança pública, bem com os problemas em torno da continuidade e avaliação dos resultados das ações e estratégias adotadas para mitigar os problemas dos Crimes Violentos Letais Intencionais está longe de apontar para uma direção unívoca, no sentido de adoção de políticas públicas que de fato estejam subsidiadas nas leituras dessas informações, bem como de uma compreensão mais abrangente do tecido conflituoso e das formas de resolução de conflito em nossa sociedade. Outro ponto sensível é dimensionar a como o fenômeno impacta os arranjos das estruturas familiares e o corpo social da maneira mais ampla, o que demanda respostas da prestação de serviços públicos para essas famílias, tanto no sentido de prevenção, para interromper esse ciclo perverso, quanto para prestar assistência social para o sofrimento social gerado por essas perdas humanas tão precoces.
Embora os estudos de vitimização tenham caracterizado a regularidade das faces da violência letal,13 especialmente no perfil preferencial desses crimes, as linhas de atuação do poder público ainda são tímidas em construir caminhos no sentido da prevenção e acabam reforçando fórmulas tradicionais, em alguns casos autoritárias e no recrudescimento da expansão do policiamento e negligenciado os papéis do trabalho de prevenção e da inteligência.
Essa constatação, reforça aquela leitura de que nos fala Marcos Rolim na primeira década dos anos 2000 sobre as muitas causas da ineficiência das estratégias de segurança pública na redução dos índices de violência, que adotam linhas de ação de tom mais reativo do que preventivo para lidar com essa problemática (ROLIM, 2009). Esse tom reativo das políticas de segurança pública somado aos valores tradicionais das instituições desse campo no Ceará e as representações da sociedade sobre o tema, acabam criando um ciclo vicioso no trato dessas questões.
Os territórios do interior, a exemplo do que o estudo parece indicar em Juazeiro do Norte, tem convivido com números comparáveis ao cenário de grandes capitais brasileiras, no entanto com diagnósticos e ações ainda tímidas, diante da gravidade e complexidade desse cenário. Essa desatenção pública combinada falta de políticas preventivas, parecem criar um ambiente fértil para a expansão e reprodução desses padrões de resolução violenta dos conflitos sociais no interior do Ceará.
Este trabalho possibilitou a análise do perfil dos crimes violentos intencionais no município de Juazeiro do Norte, considerando o contexto da crise da segurança pública no Brasil, considerando de forma especial paralelos com a situação da região Nordeste e do Estado do Ceará. Foram utilizados dados sobre mortes violentas letais intencionais através da base de dados do Ministério da Saúde quanto da SSPDS. Além disso, também permitiu uma pesquisa documental e bibliográfica com o intuito de delinear alguns avanços e dificuldades quanto à utilização de um indicador social capaz de gerar efeitos de comparação em séries históricas no que diz respeito às mortes violentas intencionais, fato que remeteu ao conceito do indicador agregado crimes violentos letais intencionais (CVLIs) utilizado de formas diferentes entre as UFs no Brasil e que acaba por gerar dificuldades de comparabilidade em relação aos homicídios dolosos.
Ao serem levantadas informações sobre como as mortes violentas intencionais são tratadas no que diz respeito a alimentação de banco de dados, verificou-se a falta de padronização tanto em nível global quanto à nível nacional e local para fins de comparabilidade. Esforços realizados pelo Ministério da Justiça demoraram para surtir efeito quanto à adoção de recomendações para a mensuração adequada das mortes nas Unidades da Federação. A estatística criminal parece avançar lentamente no Brasil devido as disparidades encontradas quanto à utilização de tipos criminais padronizados para se mensurar as mortes violentas. Não há uma centralidade na administração das informações. Tanto União, UFs e municípios, bem como entidades da sociedade civil, produzem e divulgam informações com critérios diversos. O Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde se apresentou adequado para a mensuração dos homicídios no Brasil, nas UFs e municípios, apesar registrado como “homicídios ocultos” gerarem discrepâncias quanto ao número real de assassinatos no País. É possível ainda que haja outras incongruências no SIM devido a mudança de metodologia a partir de 2011, como o próprio Ministério da Saúde destaca ao ser realizada consultas no sistema no que diz respeito à Declaração de Óbito.14
Dada a importância do assunto, foram levantadas ainda informações mais detalhadas sobre como a violência letal intencional se apresenta no Brasil, com ênfase nas mortes por armas de fogo, na cor da pele da população, na distribuição geográfica dos homicídios e nas motivações para as mortes bem como o perfil sobre vitimados e agressores. Observou-se ainda que os índices de homicídios têm caído na região mais populosa e urbanizada do País, a Sudeste e aumentado no Nordeste, que lidera os números de casos recentes a partir de 2009, tendo o estado da Bahia como o que mais notifica mortes violentas letais intencionais em todo Brasil em 2016. Ainda em relação ao Nordeste, a região acumulou entre 1996 e 2016 mais de 30% dos homicídios no Brasil.
Já a pesquisa sobre as mortes violentas letais intencionais em Juazeiro do Norte, foco do trabalho, tanto no SIM quanto através da utilização do indicador agregado CVLIs gerados pela SSPDS, observou-se os altos índices de homicídios na cidade, que ultrapassam os índices do Brasil, do Nordeste e o estado do Ceará, considerado um dos mais perigosos do País atualmente. Foram levantados dados sobre os números absolutos registrados no SIM, com o total de 1.695 mortes entre 1996 e 2016. Já nas pesquisas no SIM a partir de 2010 até 2016, para efeito de comparações com os dados CVLIs existentes, com exceção do ano de 2017, verificou-se uma pequena discrepância entre os números, gerados devido ao não registro de mortes causadas por intervenção policial, que não é registrada nos CVLIs no Ceará.
Sabe-se agora que Juazeiro do Norte segue uma tendência nacional no que diz respeito ao perfil dos vitimados, que são em sua maioria homens, pardos e jovens entre 15 e 29 anos de idade.15 Em relação ao sexo, as tendências de mortes entre indivíduos masculinos se mantem acima de 95%, com variações nas médias de idade ao longo dos anos, ora reduzindo, ora aumentando levemente. Em relação às mortes de mulheres foram verificados 59 homicídios em sete anos em Juazeiro do Norte, com a média de idade das vitimadas maior que as dos homens vitimados na cidade.
Finalmente, com a apresentação das informações, é possível então que haja uma compreensão inicial sobre o contexto de extrema violência e que aparentemente encontra-se num estado de naturalização na cidade, haja vista que índices de homicídios em Juazeiro do Norte chegaram próximo a seis vezes o número recomendado pela OMS e entendido globalmente como aceitável (10 homicídios para cada 100.000 habitantes). Para efeito de comparação, Juazeiro do Norte em 2014 apresentou um índice de 59,16 homicídios por 100.000 habitantes.
É preciso considerar esse processo de naturalização da violência sob dimensões que recortam o contexto estrutural e institucional da sociedade, por um lado, bem como seus significados e efeitos no cotidiano desses territórios marcados pela violência, por outro. Para tanto, deve-se adentrar os aspectos subjetivos que permeiam esse tecido social em novos estudos para melhor dimensionar e compreender esse morticínio experimentado na Cidade de Juazeiro do Norte nas últimas décadas.
Por fim, espera-se que o presente estudo sirva de parâmetro para pesquisas futuras. Entende-se que o objetivo do trabalho fora concluído no que diz respeito à análise de estatísticas criminais em Juazeiro do Norte para uma melhor compreensão dos fenômenos da violência e da criminalidade na cidade.
AGUIAR, Deiziane Pinheiro. Marcado para morrer: moralidades e socialidades das crianças na comunidade do Serviluz (Fortaleza-CE). 2017. Dissertação (Mestrado em Sociologia) — Centro de Humanidades, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2017.
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CGIAE. Coordenação Geral de Informações e Análise Epidemiológica. Sistema de Informações sobre mortalidade — SIM: Consolidação da base de dados de 2011. Brasília: Ministério da Saúde/ DATASUS, 2013. Disponível em: tabnet.datasus.gov.br.
COMITÊ Cearense pela Prevenção de Homicídios na Adolescência. Cada Vida Importa: Relatório Final. Fortaleza: Assembleia Legislativa do Ceará/ Instituto OCA, 2016. Disponível em: cadavidaimporta.com.br.
EBC, Empresa Brasileira de Comunicação. Falta de políticas de segurança pública incentiva aumento de crimes em pequenos municípios. 2011. Disponível em: memoria.ebc.com.br. Acesso em: 15 dez. 2018.
FBSP, Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Projeto: pesquisa e análise de dados vinculados ao campo da segurança pública e sistema penitenciário: termo de parceria n° 817052/2015. 2. ed. Brasília: FNSP, 2017. 22 p.
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IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Cidades e Estados, Juazeiro do Norte, código: 2307304, disponível em: www.ibge.gov.br. Acessado em: 28 de julho de 2021.
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LIMA, MLC; SOUZA, E.R; XIMENES, R.A.A.; ALBUQUERQUE, M.F.P.M.; BITOUN, J.; BARROS, M.D.A. Evolução dos homicídios em Pernambuco: análise por área geográfica, de 1980 a 1998. Rev Saúde Pública, 2002; vol. 36, p. 426-429.
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MATOS JUNIOR, Clodomir Cordeiro de. Vítimas da violência: ressonâncias sociais da criminalidade no Brasil. 2014. Tese (Doutorado em Sociologia) — Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014.
ROLIM, Marcos. A síndrome da rainha vermelha: policiamento e segurança pública no Século XXI. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009.
UFG, Universidade Federal de Goiás. Estatística Descritiva. 2017. Disponível em: www.agro.ufg.br. Acesso em: 02 dez. 2018.
Cidade localizada ao sul do estado do Ceará, conhecida como “A Capital da Fé” pela devoção católica ao Padre Cícero, figura central na história, cultura e política do município, emancipado em 1911. Juazeiro do Norte possui população estimada em 276.264 pessoas, em um território abrangendo 258.788 km², cuja densidade demográfica é de 1.004,45 hab/km². O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) é de 0.694, com taxa de escolarização de 97,3%. O PIB per capita em 2018 era de R$ 17.725.62. (IBGE, 2021).↩︎
A Região Metropolitana do Cariri, localizada no extremo sul do estado, é composto por nove municípios, sendo eles, Barbalha, Caririaçu, Crato, Farias Brito, Jardim, Juazeiro do Norte, Missão Velha, Nova Olinda e Santana do Cariri. Segundo o último censo demográfico realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas- IBGE (2010), a região concentrava em seu território, uma população total de 564.478 habitantes em 2010, sendo estimado um quantitativo populacional de 612.956 habitantes para 2020. Dentre esses municípios, o conhecido Triângulo CRAJUBAR, condensa a maior parte dos indicadores de população e de desenvolvimento territorial e econômico.↩︎
Decreto nº 31.777, de 09 de setembro de 2015. (Dispõe sobre a estrutura organizacional, a distribuição e a denominação dos cargos de provimento em comissão da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Ceará — SSPDS).↩︎
O Ceará Pacífico é uma diretriz do governo do estado do Ceará (desenvolvido inicialmente para a gestão 2015-2018 e integrante do Plano de Governo Os 7 Cearás, do governador eleito Camilo Santana, Partido dos Trabalhadores) e que contempla aspectos de segurança pública, da justiça, da cidadania, da política sobre drogas e do desenvolvimento urbano, visando a redução dos índices criminais e a construção de uma cultura de paz. Está institucionalizado através do Decreto Estadual nº 31.787, de 21 de setembro de 2015 e entre o governo do estado do Ceará e o município de Juazeiro do Norte foi pactuado através de ato interinstitucional criando estrutura de governança local com a participação de membros do executivo estadual e municipal, além de integrantes do judiciário, Defensoria Pública e Ministério Público.↩︎
OMS (2018).↩︎
A expressão aqui utilizada faz referência a um termo da área da saúde devido as características da concentração das mortes violentas letais em determinadas áreas que se concentram como um padrão de epidemia, mais especificamente nas cidades da América Latina, o que pode ser observado com análises do monitoramento georreferenciado. O termo usado pode ser encontrado em publicações da revista internacional The Economist, do Fórum Econômico Mundial e do Instituto Igarapé, além de estar contido no paper The Muder Epidemic: A global comparative study (ASONGU; ACHA-ANYI, 2017).↩︎
Sistema de Gerenciamento e Elucidação de Homicídios (SGH) da Polícia Civil do Estado do Ceará↩︎
Somente entre 2010 e 2017, foram identificados 937 casos de mortes violentas intencionais em Juazeiro do Norte (CVLIs), de acordo com dados da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Estado do Ceará.↩︎
É importante ressaltar que há uma desatenção às especificidades dos territórios sociais em que essas formas resolução violenta se expressam de maneira mais intensa. O Estudo de Feitosa (2020) sobre o Bairro João Cabral em Juazeiro do Norte, enquanto expressão de um território estigmatizado pela violência na cidade, discorre sobre esse tecido social com permeado pelos significados da cultura popular e da violência. A partir dos dados produzidos pelo pesquisador, há uma diversidade de signos da cultura popular relacionadas às tramas da violência e das conflitualidades presentes no território. É preciso construir mais dados sobre os componentes subjetivos desse fenômeno para melhor compreender a Cidade de Juazeiro do Norte como um território violento.↩︎
As mortes violentas com causa indeterminada são assim classificadas quando o óbito se deu por causa não natural, ao mesmo tempo em que os profissionais envolvidos no sistema de informações sobre mortalidade (isto é, médicos legistas, gestores da saúde, policiais, incluindo peritos criminais etc.) não conseguiram informar a motivação primeira que desencadeou todo o processo mórbido. (IPEA, 2017).↩︎
Considera-se a grupo de Classificação Internacional de Doenças — CIDs 10: X85-Y09 e Y35-Y36, ou seja: óbitos causados por agressão mais intervenção legal.↩︎
Acesso ao conteúdo do relatório final cadavidaimporta.com.br (COMITÊ, 2016).↩︎
Os estudos sobre vitimização, tem ganhado destaque nas produções científicas a respeito do fenômeno da violência. Matos Junior (2014) observa que tem ocorrido uma centralidade da figura da vítima no cenário contemporâneo, quando ocorrem tentativas de estruturar um corpo de conhecimentos e metodologias de análise do fenômeno. Há de se observar que há uma série de moralidades e seletividades quanto aos processos de naturalização e comoção social diante das mortes relacionadas ao fenômeno dos CVLIS que precisam de melhor aprofundamento em estudos futuros.↩︎
Sobre a mudança no conteúdo da Declaração de Óbito, mais informações podem ser encontradas em: tabnet.datasus.gov.br.↩︎
O processo de Juvenização da violência é um padrão que vem sendo observado nos estudos sobre violência letal nas últimas décadas. O estudo de Águiar (2017) levanta uma série de dados qualitativos sobre como as tramas da violência nos territórios de periferia estão cada vez mais próximas das fases da vida da infância. Essa leitura sobre os chamados “marcados para morrer”, em geral jovens ameaçados de morte, observa os impactos desse fenômeno sobre a socialidade das crianças nesses territórios. Essas mortes ou sua iminência, impactam as estruturas de parentesco dessas crianças, fazendo desde cedo que os significados e sentidos da violência estejam na construção da subjetividade e influenciando o destino social desses sujeitos.↩︎
Resumo:
Este artigo analisa o perfil das mortes
violentas intencionais em Juazeiro do Norte a partir da análise da
conjuntura da segurança pública no Brasil, incluindo-se a região
Nordeste e o estado do Ceará. Apresenta-se os esforços realizados no
sentido de mensurar adequadamente os tipos de crimes que compõem os
homicídios dolosos, incluindo-se aqui o conceito do indicador agregado
denominado de crimes violentos letais intencionais (CVLIs). A
metodologia utilizada valeu-se da estatística descritiva e da pesquisa
documental e bibliográfica. Observa-se como o território da cidade tem
ganhado projeção nas ocorrências de homicídio por 100 mil habitantes nas
últimas décadas, especialmente no período compreendido em 2010 e
2016.
Palavras-chave:
violência letal; segurança
pública; dinâmicas criminais.
Abstract:
This paper analyzes the homicides in
the city Juazeiro do Norte, Ceará, Brazil from the analysis of the
public security situation in Brazil, including the Northeast region and
the state of Ceará. The efforts made to adequately measure the types of
crimes that make up intentional homicides are presented, including here
the concept of the aggregate indicator called Lethal and Intentional
Violent Crimes (CVLI). The methodology used was based on descriptive
statistics and documental and bibliographic research. It is observed how
the city’s territory has gained projection in the occurrences of
homicides per 100,000 inhabitants in the last decades, especially in the
period between 2010 and 2016.
Keywords:
lethal violence; public security;
criminals dynamics.
Recebido para publicação em 11/05/2020
Aceito em 20/08/2021
ACESSO ABERTO
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