Revista de Ciências Sociais — Fortaleza, v. 51, n. 3, nov. 2020/fev. 2021
DOI: 10.36517/rcs.2020.3.d02

 

 

Revisitando “USP para Todos?”:
desafios permanentes na inclusão dos estudantes de baixa renda no ensino superior público brasileiro

 

Wilson Mesquita de Almeida OrcID
Universidade Federal do ABC, Brasil
wilmesq@gmail.com

 

De início, cabe apontar características histórico-estruturais do ensino superior brasileiro, importantes para demarcar momentos cruciais de expansão desse nível do sistema educacional no Brasil e, para o caso aqui sob escrutínio, compreender mais acuradamente como se processou o acesso das classes sociais que antes não estavam presentes nesse espaço social, especialmente nas instituições públicas. Embora a realidade seja sempre mais dinâmica do que esquemas analíticos que procuram explicá-la, à luz da sistematização de várias pesquisas empíricas sobre o acesso das camadas sociais à educação superior no Brasil é possível verificar que até a década de trinta do século XX, acesso à universidade era exclusivo das elites econômicas.

Esta situação pouco mudou até os anos setenta, pois neste segundo período os estratos superiores das classes médias predominavam. São o terceiro e quarto períodos mais importantes, pois foram neles que ocorreram ondas de expansão do ensino superior — uma primeira, dos anos setenta até meados da década de noventa, marcado pela preponderância das camadas médias típicas e, finalmente, uma segunda onda de expansão mais acentuada do ensino superior — que ganha contornos mais definidos nos dias atuais, onde os setores de classe média baixa e de baixa renda passaram a ter maior presença. Lembremos, com todas as disparidades ainda existentes em um país extremamente desigual nas várias dimensões sociais, esses dois últimos períodos foram de expansão significativa conforme demonstram várias pesquisas. (CUNHA, 1975; FERNANDES, 1975; RIBEIRO; KLEIN, 1982; SANTOS, 1998; BOSI, 2000; ROMANELLI, 2001; HILSDORF, 2003).

A formação histórica e o desenvolvimento da graduação brasileira possuem os seguintes traços estruturais básicos: uma primeira expansão de vagas no ensino superior se efetiva a partir da década de 1970 e, apesar de mutações ocorridas nas últimas décadas — discutidas adiante — é feita até os dias atuais em um tipo especial de setor privado de ensino superior, um setor de cunho lucrativo voltado para atender a demanda maior dos “trabalhadores-estudantes”, sem tradição familiar no ensino superior, de mais baixa renda e com baixo volume de capital cultural. Embora haja variações e nuances de acordo com carreiras e mesmo entre tipos de universidade, este é o padrão estrutural vigente no Brasil. (CUNHA, 1975; MARTINS, 1989; DURHAM, 2003; ALMEIDA, 2014). Algumas mudanças começaram a ganhar consistência já a partir da década de 1960, com a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1961, pois ali se estabeleceu a equivalência de todos os cursos do ensino médio para efeito de candidatura ao ensino superior, o que imediatamente habilitou um novo contingente de postulantes — egressos de cursos médios industrial, comercial, agrícola e normal — para além do antigo curso “secundário” até então tido como a “via natural” e restrita para se chegar ao topo da pirâmide educacional. Mas é com a Reforma Universitária de 1968 que houve um crescimento significativo do setor lucrativo, até então pouco expressivo. No plano estratégico dos militares então no poder, à rede pública federal cabia o objetivo de formação de professores em nível superior para desenvolvimento científico e de inovação tecnológica, sobretudo, na estruturação da pós-graduação brasileira.

Restrita às capitais brasileiras, as vagas federais eram ocupadas por uma classe média alta mais bem posicionada em termos de capital econômico e cultural. A outra parte do sistema era composta pelo setor privado confessional vinculado historicamente às instituições religiosas. Parte pequena, a qual cobrava mensalidades, não possuíam fim lucrativo, atendia os segmentos sociais médios e elitizados da população e que sempre obtivera ajuda estatal para a sua existência. (MARTINS, 1989).

Assim, como consequência desse processo histórico, o modelo brasileiro de ensino superior que estrutura a graduação é um modelo empresarial que sempre dependeu e depende do financiamento estatal, seja para a sua emergência com os militares; para sua sobrevivência (na época de crises financeiras pelos quais o país passou e passa) e para seu impulso rumo à consolidação hegemônica durante todos os governos subsequentes a partir da redemocratização. São dois incentivos poderosos: não cobrança de impostos durante muitos anos e o crédito educativo, idealizado em 1976 pelo ex-ministro da Educação da ditadura civil-militar Jarbas Passarinho e renomeado, em 1999, Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Com idas e vindas dependendo do clima econômico do país, esses dois estímulos permaneceram e foram ampliados nos governos democráticos pós-Ditadura (FIES no governo FHC; FIES e PROUNI no governo Lula e uma explosão do FIES no governo Dilma Rousseff), consolidando a oferta de vagas na graduação brasileira pelo setor privado lucrativo por meio da transferência de recursos estatais na ordem dos bilhões e, também relevante para análise, recursos garantidos, posto que oriundos de parte da receita das loterias federais e parte do orçamento do MEC.

As evidências dessa primeira onda de expansão do ensino superior brasileiro são claras. Conforme aponta Oliven (1993, p. 75), “... o total de universitários em todo o país era de 93 mil em 1960. Já em 1970 havia 425 mil estudantes matriculados (...) em 1977, as matrículas atingem a cifra de um milhão”. Feita, conforme dito, com predominância do setor privado lucrativo no total das matrículas, “... o ensino superior público teve sua participação reduzida de 57,0% em 1960 para 49% em 1970”. (CUNHA, 1975, p. 29-30).

A rigor, nessa primeira expansão na década de 1970, o acesso predominante foi de indivíduos das camadas médias. Entretanto, estudos da época já apontavam mudanças ocorridas tanto no corpo discente, quanto, também, no corpo docente, conforme dispõe Cunha (2000, p. 192) “... tal expansão implicou a mudança da composição social tanto do alunado quanto do professorado. Aumentou significativamente o contingente de alunos com idade mais elevada, de trabalhadores em tempo parcial ou integral. Entre os docentes, aumentou o número dos muito jovens”. Também Cardoso e Sampaio (1994) ao pesquisar as ligações entre estudantes universitários e o trabalho destacaram a heterogeneidade e diversidade que passaram a caracterizar o ensino superior, contrapondo-as à homogeneidade e exclusividade de outrora marcadas pelo acesso restrito de jovens das camadas sociais mais altas. As autoras sistematizaram os principais traços qualitativos dessa nova clientela:

... As mudanças não se limitaram à expansão das matrículas. Novas instituições e carreiras foram criadas para dar conta dessa explosão da demanda por ensino superior. O novo contingente estudantil que chega à universidade já não apresenta a homogeneidade de antigamente. A pressão por ensino superior parte de diferentes segmentos da sociedade: jovens mulheres que já não se satisfazem com o diploma de nível secundário ou de ´normalistas´, jovens oriundos de famílias sem tradição em ensino superior, pessoas mais velhas e já inseridas no mercado de trabalho em busca de uma melhor qualificação profissional etc. Com isso, a clientela passa a ser extremamente diversificada e a expansão da matrícula não significa apenas aumento quantitativo. (CARDOSO; SAMPAIO, 1994, p. 31).

A segunda onda expansionista começa a partir da segunda metade nos anos 1990 e realmente terá impacto decisivo a partir da década de 2000, devido a uma série de políticas públicas tanto no setor público quanto no setor privado lucrativo. É importante considerar que nos fins dos anos 1990 ocorreu um processo vigoroso de expansão da educação básica, sobretudo, no ensino fundamental (o Fundef,1 atual Fundeb,2 foi criado em 1996) que, por sua vez, ocasionou uma ampliação significativa das taxas de matrículas no ensino médio. (FILHO; OLIVEIRA; CAMARGO, 1999). Esse crescimento da educação básica impactará a demanda por ensino superior, tanto privado, quanto, principalmente, público. Por que notadamente o público? Primeiro, porque basicamente, naqueles anos, estavam ainda emergindo — sendo gestadas — alternativas de ingresso no ensino superior privado para os segmentos socialmente mais desfavorecidos, por meio de um programa amplo de bolsas nas universidades particulares, o que somente ocorrerá a partir de 2005 com o advento do Programa Universidade para Todos, o ProUni (ALMEIDA, 2014). Segundo, associado a tal fato, à época, segunda metade dos anos 1990, o Brasil passava por empobrecimento e desemprego, o que impedia a amplas contingentes pagar mensalidades.

Durante a pesquisa, no ponto que indagamos aos pesquisados sobre a “escolha” da USP nos seus projetos e desejos de vir a ser universitários, em primeiro plano, antes mesmo do prestígio e distinção dentro do sistema de ensino superior brasileiro, foi a gratuidade das universidades públicas que apareceu como condição primeira. Devido às condições financeiras desfavoráveis para suportar o pagamento de um curso superior, a instituição pública constituía, naquele contexto, local único no projeto de ser universitário para esses indivíduos. Essa evidência permitiu-nos fazer objeções à afirmação — a nosso ver, estreita e ainda corrente no senso comum e em algumas pesquisas acadêmicas — de que as camadas menos favorecidas estão somente alocadas nas particulares e excluídas das públicas.

Naquela quadra, o contrário já se colocava: pelo fato de ser gratuita, é lá onde o estudante de baixa renda, com todo o sofrimento e batalha para acesso, podia ter guarida. Confirmava o que outras pesquisas já tinham encontrado sobre o perfil “menos privilegiado” do aluno das universidades públicas, conforme estudo conjunto de Sampaio, Limongi e Torres (2000). Nos entrevistados, apenas um estudante fizera dois anos do curso de Matemática em uma faculdade particular, abandonando-a justamente porque ficou desempregado.

Os pesquisados3 expressavam que a universidade pública aparecia como único refúgio possível. Mauro, estudante de Física, expressa “... pensei... e agora? O único lugar que eu podia fazer era na USP. Nem me preocupei se a USP era boa ou não era”. Ana, estudante de Letras diz “... eu ia falar que a minha vida é igual à do Mauro. Não tinha condições financeiras também e aqui fosse bom ou fosse ruim, teria que ser aqui mesmo porque era o curso que eu quero, era o único lugar que eu poderia fazer gratuitamente”. Reiteramos que, nesse bojo, estava também sendo ainda gestado o processo de expansão das vagas nas universidades federais, o que também só ocorrerá, efetivamente, em 2007. Cotas já existiam em algumas universidades; porém, eram ainda experiências esparsas, experimentais em grande parte, sem a normatização e consolidação trazida pela Lei de Cotas, de 2012.

Em síntese, ao contrário da primeira onda expansionista nos anos 1970, agora são contingentes populacionais oriundos da classe média baixa e de baixa renda que passaram a lutar e já conseguir ingressar no ensino superior. Cumpre dizer que diversos estudos da década de 1990 (PORTES, 1993; 2001) e, também, a pesquisa que efetuamos, também já apontavam que tais estudantes eram os primeiros da família a adentrar no espaço universitário, público ou privado. Logo, apreender tal aspecto como uma “novidade” somente a partir de 2005 ou, pior ainda, de 2010 em diante é um equívoco. O que mudou foi que se passou a ter mais a presença desse tipo de estudante, porém, casos significativos desse tipo já existiam.

Moehlecke (2004) captou, de forma sociologicamente apurada, aquele processo de pressão por acesso ao ensino superior público de indivíduos pertencentes a grupos sociais com presença inexpressiva na universidade brasileira, os estudantes oriundos de setores da classe média baixa e de baixa renda:

... A ampliação dos níveis anteriores acabou por trazer à cena nova exigência por vagas, agora no ensino superior, e especialmente nas instituições públicas. A demanda parte de um novo estrato social, que cursou majoritariamente a escola pública e que em geral não teria as mesmas facilidades da classe média em financiar seus estudos superiores. É sintomático desse novo perfil de estudantes o tipo de movimentos sociais que surgiram reivindicando melhorias no acesso ao ensino superior, como o fenômeno dos cursos pré-vestibulares alternativos, de baixo custo e voltados para alunos carentes e/ou negros; as ações pela gratuidade nas taxas de inscrição dos vestibulares; o movimento dos Sem-Universidade; o retorno da discussão sobre a universidade popular; as propostas pelo fim do vestibular; e as políticas de ação afirmativa através de cotas sociais e raciais. Numa conjuntura de expansão, muitas dessas medidas alcançaram legitimidade política e ganharam força no debate sobre democratização do final dos anos 90. (MOEHLECKE, 2004, p. 42).

Com efeito, já durante o período que compreendeu a elaboração do projeto e o relatório de Qualificação para defesa do Mestrado, fizemos uma reconstrução do percurso histórico do ensino superior no Brasil, procurando entender como se processou o acesso das diferentes camadas sociais àquele nível de ensino. Isso foi importante para evitar confusões de ordem empírica e teórica a respeito do perfil do alunado nas universidades públicas — ainda visíveis em debates na esfera pública, na mídia e mesmo na academia. Em outras palavras, “USP para Todos?”, com rigor metodológico, procurou manter distância de reflexões mecânicas, dicotômicas, pouco reflexivas. O propósito era claro, visava a ter uma consistência teórico-metodológica sobre a situação de estudantes que, já naquela época, passaram a acessar o ambiente universitário público.

Como assim estudante de baixa renda, da escola pública, na universidade pública? Mais ainda, na USP, que é de elite? Era preciso buscar respostas plausíveis para tais questionamentos. Para tal, foi preciso conjugar (1) um olhar atento sobre a segunda onda de expansão que o ensino superior brasileiro estava passando; (2) fazer uma cuidadosa e detalhada análise dos trabalhos empíricos existentes sobre estudantes das universidades públicas no Brasil e, depois, especificamente, da USP. (HUTCHINSON, 1960; GOUVEIA, 1968; FORACCHI, 1982; NAEG, 1993; HIRANO, 1988; SETTON, 1999; PINHO, 1998; 2000).

A resultante desses movimentos analíticos foi refutar a visão altamente disseminada de que somente os “filhos da elite econômica” frequentavam — ou frequentam como ainda pensam alguns — a universidade pública no Brasil. Tal visão não era respaldada pelas evidências empíricas. Do mesmo modo, também evitamos cair na visão romântica de que o espaço universitário se encontrava, a partir de agora, totalmente aberto às camadas socialmente menos favorecidas. Foracchi (1982, p. 67; 73) já nos alertara a respeito sobre a “natureza seletiva do ensino superior” que restringe, fortemente, o acesso das camadas menos favorecidas. Em outros termos, como em outras esferas sociais, a educação está intimamente ligada à sociedade desigual da qual faz parte. Assim, um dos aspectos centrais do processo da pesquisa foi refletir criticamente sobre os limites no processo de democratização da educação superior no Brasil, apontando que novos processos de diferenciação acabaram produzindo novas desigualdades educacionais no interior do sistema de ensino.

Uma série de autores e autoras foi fundamental nesse caminho. Como Gouveia (1968, p. 233; 244) que já manifestava compreensão dos limites inerentes à extensão das oportunidades educacionais para as parcelas mais desprovidas de recursos culturais e econômicos “... não se terá conseguido tal democratização mesmo quando as camadas menos favorecidas frequentar cursos superiores, enquanto os filhos de industriais se concentrarem em faculdades de Medicina, Arquitetura e Engenharia, e os filhos de operários, em cursos de economia e direito de segunda categoria”. Sua pesquisa já apresentava elementos reflexivos sobre uma característica importante que será confirmada nas várias pesquisas posteriores, marcando os limites que cercam a democratização do ensino superior. Trata-se do fato de que quando as camadas menos privilegiadas, na sua luta pelo acesso, conseguem atingir o nível superior, elas ficam alocadas nos cursos menos prestigiados e, portanto, naqueles que levarão à baixa remuneração e reconhecimento social. Para o contexto francês, Pierre Bourdieu e Patrick Champagne, analisando as transformações ocorridas a partir dos anos cinquenta, apontam claramente como formas sutis de diferenciação são produzidas quando do acesso de categorias sociais desfavorecidas aos vários níveis de ensino:

... Por causa destes mecanismos, que se somam à lógica da transmissão do capital cultural, as mais altas instituições escolares, e especialmente aquelas que levam às posições de poder econômico e político, permanecem exclusivas como sempre foram (...) o sistema de ensino aberto a todos, e ao mesmo tempo estritamente reservado a poucos, consegue a façanha de reunir as aparências da ´democratização´ e a realidade da reprodução, que se realiza num grau superior de dissimulação, e por isso com um efeito maior ainda de legitimação social (BOURDIEU; CHAMPAGNE, 1997, p. 482; 486).

Ao realizarem tal pesquisa, também mostraram os limites da “democratização”, indicando como uma maior concorrência pelos postos gerou um aumento do investimento escolar das categorias sociais já instaladas, além da desvalorização dos diplomas obtidos a partir da entrada de novos contingentes antes excluídos. Cabe ponderar que a realidade empírica que eles investigaram refere-se ao mundo francês, onde há uma polarização muito forte, diríamos até incontornável, entre as ditas “grandes escolas” e os outros tipos de faculdades ou universidades. Porém, é comparável analiticamente ao que a socióloga brasileira também refletia sobre novas desigualdades produzidas no interior do espaço escolar. Outros estudiosos qualificaram-na com denominações que remetem a mecanismos diferenciadores, criadores de fronteiras objetivas e simbólicas (LAMONT; MOLNAR, 2002). Assim, no Brasil, já tínhamos pesquisas sobre os processos de hierarquia interna que mostravam uma “divisão” entre as “carreiras”, nas quais os estratos menos favorecidos estavam imersos em mecanismos de desclassificação social quando conseguiam ingresso em cursos e instituições de baixo prestígio social. (Cf. RIBEIRO; KLEIN, 1982). Fritz Ringer, ao estudar os sistemas educacionais europeus modernos, irá trilhar o mesmo caminho com o termo “segmentação” (Cf. RINGER, 1989; 2003).

Em debate no CEBRAP (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) sobre o sistema universitário brasileiro, Antônio Carlos Ronca, na época reitor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, posicionava-se de forma clara a respeito da diferenciação interna na universidade entre indivíduos e os cursos a que têm acesso:

... Hoje, estratos médios e médio-inferiores da população estão chegando à universidade, mas em que cursos? Tanto nas universidades estatais quanto nas outras, os cursos de maior procura e destaque são frequentados pelos estratos economicamente privilegiados da população, e os cursos de formação de professores, as licenciaturas, são frequentados pelos alunos de menor poder aquisitivo. Há uma crítica aligeirada e infundada de que nas universidades estatais estudam os ricos e nas outras os pobres. Isso não é verdade. Na PUC-SP, há uma distribuição muito semelhante à da USP: no curso de Medicina encontram-se os estratos privilegiados da sociedade, enquanto nos cursos de geografia ou história estão os estratos desprivilegiados. Essa é uma questão que não está sendo debatida como se deveria. (Ronca apud ALMEIDA ET AL., 1996, p. 151).

Aprofundamos problemáticas acima delineadas, guardando o olhar crítico para apreender, dinamicamente, o que muda; mas, também, no mesmo movimento de análise; o que permanece ou permanece sob novas formas. O que mudou e o que permanece ainda como desafios quando adentramos a década de 2000 até os dias que correm no que diz respeito a acesso e permanência de estudantes de baixa renda e oriundos da escola pública? Foge do escopo deste artigo fazer um balanço completo de duas décadas de políticas públicas de acesso e permanência. O intuito aqui é trazer os resultados mais relevantes do período, com seus avanços, limites e desafios ainda presentes neste campo do conhecimento.

Durante os governos de Luiz Inácio Lula da Silva — principalmente — e Dilma Roussef ocorreram avanços notáveis no cenário do ensino superior brasileiro, seja mediante ampliação de vagas e, fundamental para a nossa discussão, seja na ampliação do acesso da população de mais baixa renda ao ensino superior, tanto público quanto privado. Os números são expressivos: nos dez primeiros anos do século XXI (2000-2010), as vagas oferecidas expandiram 156,53%. A maior expansão foi nas instituições privadas lucrativas, atingindo o patamar de crescimento de 176,57%. Nas públicas, também houve crescimento vigoroso, porém, menor, atingindo 81,3%. (INEP, 2018).

Dois programas foram responsáveis pela maior expansão privada. Inicialmente, no segundo governo lulista, a criação, em janeiro de 2005, do Programa Universidade para Todos (ProUni), trocando bolsas de estudo por isenção de impostos que as instituições com fins lucrativos antes recolhiam, ajudando-as, assim, a sobreviver da crise pelas quais passavam nos fins dos anos 1990 e início dos anos 2000, período de crise econômica e alto desemprego. Já no governo da presidenta Dilma, por meio de uma transferência massiva de recursos do FIES. Dados do Ministério da Educação (MEC) apontam a transferência de recursos públicos da ordem de R$ 13,7 bilhões para o orçamento do FIES em 2014, os quais permitiram que as maiores universidades — que viraram “corretoras”, trocando vagas já existentes pelo dinheiro garantido do governo, frustrando o plano de ampliação da taxa de matrícula no ensino superior do então ministro — pudessem se transformar nos conglomerados com o maior número de alunos do mundo e abrir capital na Bolsa de Valores. É neste governo que se atinge a marca de 1 milhão de beneficiários do FIES.

Na rede pública federal, ocorreram também mudanças profundas quando comparamos com o quadro anterior. Uma pequena “revolução” operada com a implementação de vários programas e políticas públicas. Além da ampliação e descentralização das vagas fora das capitais, avanços aconteceram com a consolidação da Lei de Cotas4 de 2012, institucionalizando ações afirmativas que vinham ocorrendo, de modo esparso, nas IFES. O uso do ENEM como método seletivo, acoplado às ações afirmativas, foi o ponto de inflexão das políticas de acesso à educação superior pública. As frações de classe média baixa e de baixa renda que, conforme dito acima lutavam por acesso, passaram a ter mais oportunidades e sucesso efetivo no vestibular, em escala agora bem maior. Não por outro motivo, hoje, há maior presença de estudantes oriundos das escolas públicas, de mais baixa renda, negros e indígenas em relação ao que se via até o ano 2000. Vejamos mais em detalhes todos os impactos a partir da análise das evidências.

Com a criação do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), com vagas efetivas a partir de 2008, houve uma ampliação das instituições federais de ensino superior. Em 2017, o Brasil passa a ter 63 universidades federais, 18 instituições a mais do que havia até então. Se considerarmos o período do início da gestão do governo Lula até 2018, portanto, 15 anos, houve um aumento substancial no número de vagas presenciais ofertadas: 109.184, em 2003, para 327.552, em 2018. Não à toa, esses governos cravaram uma marca histórica: pela primeira vez a rede pública federal conseguiu ultrapassar a marca de 1 milhão de alunos.

Outra mudança expressiva foi a maior descentralização das vagas, agora mais comuns em localidades fora das capitais brasileiras, rompendo o padrão vigente. Novos campi foram criados no interior e, em algumas localidades, nas periferias de municípios com alta densidade demográfica. São novas 260 unidades até 2018. (INEP, 2018). O ENEM foi progressivamente ampliado a partir de 2004 quando passou a servir como seleção das bolsas do ProUni e, mais tarde, em 2011, com o SISU (Sistema de Seleção Unificada), um sistema que permite ao candidato, a partir da nota do ENEM, concorrer às vagas disponíveis nas universidades federais.

Em decorrência, as universidades federais tornaram-se mais socialmente inclusivas, com um perfil estudantil caracterizado por mais estudantes negros, de escola pública e com rendas familiares mais baixas. Várias pesquisas nacionais realizadas sobre o perfil socioeconômico dos estudantes das universidades federais efetuadas pelo Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis (FONAPRACE), ligado à Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES) apontam em direção à democratização do acesso conseguida por meio da interação desses diversos programas ao longo das últimas décadas. A mais recente demonstra que há mais negros: 40,8% em 2010 ante 34,2 % em 2003; e que, em 2018, os negros passam a ser maioria (51,2%).

Referente ao tipo de escola houve uma crescente para alunos oriundos da escola média pública: 50,3% em 2010; 64,1% em 2014; 64,7% em 2018 frente a 35,3% oriundos das escolas particulares. No que tange à renda familiar temos um aumento substantivo de alunos situados na faixa de renda média familiar mensal per capita até 1,5 salários mínimos. Se em 1996, na primeira pesquisa esse percentual era de 44,3% — diga-se de passagem, o que não é pouco, reiterando aqui o que já vínhamos discutindo sobre o alunado das públicas –, haverá uma inflexão em 2014 para 66,2% dos estudantes e, em 2018, atinge o percentual expressivo de 70,2%. (MARQUES; CEPÊDA, 2012; ANDIFES, 2019). Todo esse processo inclusivo nas federais desaguou na implantação, em 2010, do Plano Nacional de Assistência Estudantil (PNAES).

O resultado maior é que todas essas mudanças associadas impactarão o acesso da população de mais baixa renda ao ensino superior, agora com uma alternativa ao vestibular tradicional e, também, para grande parte, a ausência do peso das mensalidades ao conquistar uma bolsa por meio do ProUni. Tivemos uma aceleração da ampliação do acesso para os segmentos socialmente mais destituídos. O ProUni, voltado para a rede privada, possibilitou que certa parcela de estudantes de mais baixa renda e da escola pública, principalmente na primeira década dos anos 2000, pudesse fazer ensino superior. Esse segmento de alunos que ele atinge, dadas as suas características socioeconômicas, está marcado por fortes obstáculos sociais quando busca ter acesso ao ensino superior: restrição competitiva quando disputa o vestibular das instituições públicas e restrição financeira, pois mesmo trabalhando e recebendo salários, não conseguiriam pagar as mensalidades e dar conta das obrigações de sustento próprio e familiar. Deu oportunidade de ingresso a estudantes de baixa renda, negros e oriundos da escola pública.

Nas três universidades públicas estaduais paulistas, embora em escala bem menor, houve também ampliação da oferta de vagas, com expansão maior em cursos noturnos e a criação de novos campi visando a atingir uma população de renda familiar mais baixa. O aumento girou em torno de 35% na Universidade de São Paulo, e 41% na UNICAMP. (ALMEIDA; ÉRNICA, 2015, p. 65). Em 2005, foi criada a USP Leste; na UNESP e UNICAMP, criação de novas unidades e extensões em cidades circunvizinhas. Houve uma ação conjunta de isentar a taxa de inscrição no vestibular para alunos de baixa renda, fruto da luta e pressão de cursinhos pré-vestibulares comunitários. Além disso, a criação de bônus na UNICAMP e USP. Idealizado em 2004 e iniciado em 2005, o Programa de Ação Afirmativa e Inclusão Social (PAAIS) propiciava aos estudantes das escolas públicas o acréscimo de 30 pontos e, caso se autodeclarassem pretos, pardos ou indígenas, teriam 40 pontos de acréscimo em sua nota final do vestibular. (PEDROSA ET AL., 2008, p. 13). O programa INCLUSP — Programa de Inclusão Social da USP — voltou-se para aumentar o acesso de alunos de escola pública. Foi aprovado em maio de 2006, começou a valer em 2007 e concede bônus aplicado às notas da primeira e segunda fase do vestibular para postulantes oriundos da rede pública de ensino médio e, também, para pretos, pardos e indígenas. Ocorreram aumentos sucessivos da bonificação em ambos os programas ao longo do tempo.

Entretanto, mesmo com esses inegáveis avanços quantitativos, grandes e variadas diferenças ainda persistem quando olhamos o cenário geral do ensino superior brasileiro e, também, o recorte específico das universidades públicas, indicando que o processo democratizador dos últimos tempos não rompeu padrões estruturais desiguais ainda sólidos e resistentes que permeiam o país.

Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Estatística e Geografia) apontam que no período entre 1995 e 2006, 54% de jovens (12 milhões), ou seja, mais da metade estavam impedidos de acessar o ensino superior, pois não conseguiram ultrapassar os níveis anteriores. Em 2009, chegava a 10 milhões de jovens 48%, perfazendo 10 milhões. (ANDRADE; DACHS, 2008, p. 38-9; ANDRADE, 2012, p. 19). Quando comparamos os extremos da distribuição de renda no país, vê-se que um jovem situado no grupo de renda mais elevada tem 20 vezes mais chances de acesso do que um jovem pertencente ao grupo de menor renda. (Cf. ANDRADE, 2012, p. 20-21).

A renda familiar constitui, assim, categoria essencial para acesso ao ensino superior, seguida do fato do candidato estar na faixa etária ideal de escolarização — se refletirmos um pouco mais, não deixa de ser também um marcador indireto da classe social do indivíduo, pois sabemos que, geralmente, jovens na faixa ideal de 18 a 24 anos que acessam a universidade estão nos grupos médios e mais privilegiados. (ANDRADE; DACHS, 2008, p. 44; CARVALHO, 2011, p. 99-100).

Assim, todo esse processo inclusivo ocorrido no ensino superior público nesses 20 anos não esteve imune das desigualdades estruturais apontadas, trazendo à tona questões já antevistas quando sistematizamos acima os limites que marcam, historicamente, o processo de “democratização” da educação superior. De tal modo, análises dessas novas universidades que surgiram na expansão do acesso voltada para as camadas sociais de mais baixa renda apontam desigualdades tanto internas relacionando perfis sociais distintos e cursos frequentados; quanto uma hierarquização que distribui social e espacialmente, diferentes “universidades” de acordo com o perfil social de seu alunado.

Foi o que ocorreu com a Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e com a USP Leste. A expansão da UNIFESP é exemplar a respeito, dado o crescimento acelerado em uma década, entre 2004 e 2014. Neste período, foram criados cinco novos campi na Região Metropolitana de São Paulo — sendo que dois em áreas periféricas, Guarulhos e Diadema, Osasco, São José dos Campos e Baixada Santista. Conforme apontam Perosa e Costa (2015, p. 127-128), os contrastes existentes entre essas unidades estão no que tange, especialmente, à origem da escola do ensino médio, à renda e à escolaridade dos pais. Enquanto o campus de Guarulhos, situado no bairro periférico, comparece com 65% de estudantes do ensino médio público; em Diadema, Baixada Santista e São José dos Campos, os estudantes vêm das escolas privadas, com os respectivos percentuais de 64,5%, 65% e 69%. Em Osasco e São Paulo os percentuais são 74% oriundos das escolas particulares. Assim, notadamente o campus de São Paulo, o qual abrigava a antiga e prestigiada Escola Paulista de Medicina até 1994; preservou as carreiras socialmente mais seletivas e com reconhecimento social, enquanto o campus Guarulhos, abriga carreiras ligadas a Licenciaturas e Humanidades, de baixo prestígio social. Aqui guarda semelhança com a USP Leste, pois esta também possui cursos de Humanidades e outros que não os oferecidos no campus da zona oeste paulistana.

Quando olhamos para a evolução das vagas noturnas nas universidades públicas vemos que também há desafios de monta a serem superados. O ensino noturno, voltado para os segmentos da classe trabalhadora, foi historicamente atendido desde a sua constituição pelo setor privado lucrativo, sobretudo, a partir dos anos 1970. Referente às universidades federais sempre houve resistência em atendê-lo. Mesmo com a expansão ocorrida desde os anos de 2010 em diante, a barreira de 1/3 (aproximadamente 30%) de vagas noturnas não foi ainda superada.

As universidades públicas estaduais paulistas também foram resistentes à oferta noturna, tanto que foi preciso uma lei estadual de 1989 para definir que, ao menos, um terço do total das vagas deveria ser noturnas. Foi assim que números irrisórios de oferta noturna até os anos 2000 começaram a ser alterados. Tomando a UNICAMP como exemplo, em 1989, somente 8% das vagas eram noturnas, passando a 35,3% em 2000. USP e UNESP também garantiram o mínimo constitucional. Assim, apesar dos avanços, há obstáculos a serem vencidos tanto na ampliação para além do que é previsto na lei quanto também variações a serem tocadas no que tange às três áreas do conhecimento, principalmente na área de Ciências Biológicas, historicamente resistentes à oferta noturna. (CATANI, OLIVEIRA; OLIVEIRA, 1997; BARREIRO; TERRIBILI FILHO, 2007).

USP para Todos? foi publicado em 2009 (ALMEIDA, 2009), originalmente dissertação de mestrado no Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo, orientada pela professora Heloisa Helena Teixeira de Souza Martins. A pesquisa transcorreu entre os anos de 2004 e 2006. Porém, devido a ajuste de data de um dos componentes da banca, o professor Sérgio Miceli, foi defendida em março de 2007.

Os alvos da investigação basearam-se na verificação e articulação de três eixos de análise de um grupo de estudantes com desvantagens econômicas e educacionais, bem distinto do típico ingressante da USP, geralmente mais bem posicionado socialmente — de maior renda, vindo de escola particular, pais com escolaridade superior, mais novo, os quais possuem vantagens socioeconômicas e educacionais e possuíam — e possuem — o “sentido do jogo”5 desenvolvido, conquistando sucesso na luta pelas vagas. Por isso, os classificamos como estudantes com desvantagens socioeconômicas e educacionais ou desprivilegiados em termos de recursos materiais e simbólicos — culturais — valorizados no ambiente universitário específico da USP.

Assim, pesquisamos como ocorreu o processo de socialização no ambiente familiar; a reconstrução da trajetória de ingresso, buscando compreender as estratégias mobilizadas para o acesso e quais visões, expectativas, conhecimentos e desconhecimentos cultivavam antes da entrada; o trânsito no ambiente universitário uspiano mediante a apreensão das facilidades e dificuldades encontradas no cotidiano da universidade, a adaptação ao mundo acadêmico, a circulação nos espaços, a realização das tarefas, o contato com colegas e professores, dentre outros pontos essenciais para o entendimento mais profundo da socialização universitária do estudante com desvantagens sociais.

Os alunos foram selecionados a partir de um cruzamento de dados socioeconômicos dos ingressantes, feito pelo Núcleo de Apoio aos Estudos da Graduação/NAEG, ligado à Pró-Reitoria de Graduação da USP a partir das respostas aos Questionários Socioeconômicos da FUVEST (Fundação para o Vestibular da USP). Assim, pudemos fazer uma pesquisa sobre a base de dados de todos os cursos de graduação da USP. Foram selecionados estudantes que ingressaram na USP, pelo vestibular da FUVEST, no ano de 2003. A justificativa era que os pesquisados deveriam possuir vivência na universidade; um estudante do terceiro ano, nem iniciante nem prestes a concluir o mesmo.

Os critérios utilizados para a seleção dos alunos a serem pesquisados levaram em consideração, a um só tempo — ou seja, o operador lógico foi de conjunção, indicando que tais critérios foram considerados simultaneamente para extrair a amostra — as seguintes condições: ensino fundamental e médio cursados em escola pública ou supletivo, excetuando as escolas técnicas federais; pais com escolaridade até o ensino médio incompleto; pai e mãe como trabalhadores, ou seja, vivendo da renda do trabalho; estudantes do período noturno; renda familiar de até R$ 3.000,00 (três mil reais) e um aluno que trabalhasse e se sustentasse com essa renda e/ou auxiliasse no sustento da família.

O conjunto dos interlocutores selecionados para contato foi composto por trinta e nove alunos de cinco cursos — Letras, Geografia, Ciências Contábeis, Física Licenciatura, História. Das trinta e nove pessoas contatadas, catorze participaram dos três grupos focais — os quais foram, depois, procurados para complementação de pontos lacunares e aprofundamento das informações discutidas nos encontros — e três foram entrevistadas. Ainda na fase de contato, alguns dos alunos não quiseram ou puderam participar da pesquisa, alegando falta de tempo, o que já nos dizia muito sobre desigualdades e obstáculos vários que iam além de conseguir a vaga. Assim, o universo empírico da pesquisa foi constituído por dezessete pessoas, com onze homens e seis mulheres. A cor branca foi predominante, perfazendo dez pessoas; seguida de parda6 com quatro; negra com duas; e, por fim, um indivíduo que se declarou índio.

A Tabela abaixo apresenta uma síntese de algumas características sociais dos pesquisados:

Nome Curso Idade Bairro Estado Civil Cor (Auto-Declaração) Tipo de Escola Escolaridade do Pai Escolaridade da Mãe Função Exercida/Profissão
Lúcia Letras 29 Vila Butantã Solteira Parda Pública Primário Primário Supervisora Administrativa
Ana Letras 27 Canindé Solteira Branca Pública Fundamental Fund. Incompleto Secretária
Rose Letras 34 Vila Clélia, Osasco Divorciada Branca Pública Fundamental Cursando Ensino Médio Desenhista Gráfico
Adauto Letras 26 Interlagos (Jd. Cruzeiro) Solteiro Branca Pública Primário Incompleto Primário Incompleto Meio Oficial de Marceneiro
Gilberto Letras 22 CRUSP Solteiro Parda Pública Fund. Incompleto, 6ª Fund. Incompleto, 5ª Estagiário em EJA
Antônio Geografia 27 Jd. Sinob, Fco Morato Casado, 1 filha Negra Pública Primário Primário Incompleto Secretário de Escola
Marcos Geografia 27 CRUSP Solteiro Parda Pública Primário Primário Incompleto-2ª Técnico em Mecânica
Mário Geografia 33 Lauzane Paulista Solteiro Branca Pública Primário Completo Primário Incompleto Atendente Bancário
Jonas Geografia 25 Jd. Paraíso, I. da Serra Solteiro Negra Pública Primário Incompleto Primário Incompleto Assistente Depto. Pessoal.
Otávio C. Cont. 23 Campo Limpo -Jd. Rosana Solteiro Parda Pública Primário Primário Analista Contábil
Isabela C. Cont. 30 Bela Vista Solteira Caucasiano Pública Primário Ensino Médio Analista Econômico-Financeira
Carlos C. Cont. 21 Vila Augusta, Guarulhos Solteiro Branca Pública Primário Primário Analista Contábil
Mauro Física Licenc. 27 Cidade Júlia Solteiro Índio Pública Primário Primário Técnico em Processos, área de Engenharia Mecânica
Eduardo Física Licenc. 31 Vl. Vogueira, Diadema Solteiro Caucasiano Pública Fundamental incompleto, 2ª série Fundamental Professor de Cursinho (Física/Matemática)
Clara História 23 Butantã Solteira Branca Pública Primário Começou o primário há dois anos (era analfabeta) Analista Contábil
Robson História 42 Jd. Celeste Solteiro Branca Pública Ensino Médio Primário Auxiliar de Necropsia
Carolina História 33 Jd. Prudência Solteira Branca Pública Primário Primário Comerciária

A pesquisa efetuada possibilitou algumas contribuições ao campo de análise de estudos sobre acesso e permanência no ensino superior. Uma primeira inovação foi problematizar o percurso acadêmico do aluno de mais baixa renda que adentrava o espaço universitário de prestígio. Para fazê-lo, refletiu sobre o que aqueles estudantes aproveitavam dos espaços e recursos da Universidade de São Paulo. O problema de investigação interrogava sobre como se processava o uso efetivo da USP por um grupo de alunos oriundos da escola pública, trabalhadores e de origem social modesta. Um olhar sobre a “ressocialização” que tais estudantes — de origem diversa do típico ingressante de classe média — têm de realizar quando entram em um universo acadêmico de prestígio social.

O estudo desenvolvido por Villas Bôas (2001) ao discutir bolsas de iniciação científica voltadas para estudantes de mais baixa renda na Universidade Federal do Rio de Janeiro, já alertara para as desigualdades internas à universidade; apresentando, com isso, indicativos para pensarmos que, para além de eventos como restrições ao acesso à universidade pública e hierarquia interna de carreiras — conforme vimos acima, com todos os avanços obtidos nas últimas décadas, ainda existentes — também era relevante olhar para os processos desiguais em termos de distintas vivências universitárias de acordo com as classes sociais às quais os indivíduos pertenciam. Ou seja, o passo fundamental era também eleger como foco de compreensão como se dava a dinâmica da permanência dos estudantes com desvantagens sociais, procurando refletir, mais detidamente, sobre como foram seus trânsitos durante a realização do curso. Prover uma consideração mais apurada sobre o aproveitamento das oportunidades pelos estudantes com desvantagens socioeconômicas.

Alguns estudos quando falavam em permanência entendiam-na no sentido de propiciar condições para que o estudante pudesse frequentar o curso superior, não evadir, sem colocar em discussão o que esse mesmo aluno extraiu de sua passagem por uma universidade pública de qualidade, deixando de fora muitas questões caras à sociologia da educação. Mergulhar nesse nível de análise possibilitou-nos matizar termos como “democratização”, “inclusão” e, “sucesso escolar”, pensados no sentido de que o aluno conseguiu ingressar e terminou o curso. Assim, pudemos verificar que, mesmos em cursos de baixa concorrência, existiam diferenciações entre os “alunos populares”, produzidas mediante distintos modos de aproveitamento do curso ligados a trajetos particulares de socialização familiar, trajetória escolar, tempo de trabalho e distância da universidade, dentre outras clivagens que também foram analisadas nos três grupos focais. Captar essas nuances foi inovador, diferencial em relação às pesquisas existentes na época. Como exemplo, um subgrupo de alunos formado por Adauto, Gilberto e Marcos7 teve a possibilidade de uma maior fruição da universidade quando contrapostos aos que trabalham em tempo integral e não moravam na USP. Nesse caso, tempo e distância aparecem como elementos importantes para apreender a dinâmica do uso do espaço universitário pelos pesquisados. Portanto, há dois momentos que convivem contraditoriamente, marcando uma situação dialética por excelência: de um lado é privilegiado entre os desprivilegiados; de outro, também é um desprivilegiado por não possuir tempo livre para participar das atividades oferecidas pela USP em determinados horários:

... eu tenho o privilégio de morar aqui, eu moro no CRUSP né? Então, aos poucos eu fui conhecendo tudo o que a USP oferecia (...) eu uso regularmente. Tem tudo o que você queira fazer (...) tenho grandes críticas, porque eles só fazem nos horários que a gente não pode frequentar. Os simpósios ocorrem durante o dia, horário em que eu trabalho (Marcos — Geografia).

A maioria dos estudantes residia em bairros distantes do campus, situado na zona oeste paulistana. Alguns deles moravam em outros municípios da Grande São Paulo ou em bairros limítrofes com a capital. Essa situação forçou Clara — estudante de História — e Lúcia — estudante de Letras — a alugar moradias no bairro do Butantã8 para que conseguissem continuar estudando. Esse dado constitui um dos aspectos relevantes para marcar a condição social desses estudantes conforme apontaram pesquisas desenvolvidas. Bourdieu (1988) registrou a importância da distância geográfica e sua relação com as distâncias culturais entre os indivíduos. Dauster (2003, p. 7) também constatou a “realidade geográfica e social diferente” de alunos dos setores populares originários de bairros afastados da zona sul carioca.

As dificuldades de deslocamento dos estudantes para irem à universidade assim revelavam muito. Cumpre ressaltar que na fase de campo quando do contato com as pessoas selecionadas na amostra para participarem dos grupos focais, algumas tinham abandonado o curso devido à grande dificuldade de deslocamento até à USP, não lhes permitindo conciliar trabalho, estudo e moradia. Ou seja, a desistência do curso encontra na longa distância um aliado de peso conforme relatou Eduardo9 quando inquirido sobre se em algum momento pensou em abandonar o curso “... Já, algumas vezes por ano isso acontece (...) é longe, é cansativo, perco muito tempo vindo para cá”. Carolina expressa indignação “...é longe demais. Parece que é de propósito: esse campus afastado, as unidades dentro do campus todas afastadas”. Há dificuldades enfrentadas em relação aos meios de transporte que levam até o campus, além dos ônibus circulares internos. Uma discussão sobre a logística do transporte expressando como fácil era fazer ligações rápidas na malha de transporte paulistana para favorecer a chegada rápida ao campus Butantã foi realizada em um dos grupos focais. Há muitos anos foi criada uma estação de metrô Butantã, localizada em uma avenida nas imediações do campus. Por alguma razão, ela não “entrou na USP”.

A falta de tempo interfere de modo profundo na consecução de um curso mais pleno, na dedicação para conta das tarefas exigidas, rebatendo fortemente na fruição, no uso diferente que os mesmos fazem desse espaço, o que enseja fortes constrangimentos:

... a faculdade, ela é feita pra quem não precisa trabalhar. A faculdade te oferece muita coisa (...) quando a faculdade oferece esse tipo de coisa e você não pode participar, te deixa muito chateada (...) essa menina, que é estudante de História no vespertino e também assiste aulas à noite, por exemplo, ela já fez Iniciação Científica, estava num grupo de um professor. Tem outro, que também faz parte do grupo dela, um garoto magrinho alto, tá no grupo desse professor, fazendo pesquisa. São pessoas privilegiadas, elas têm uma possibilidade, eles estudam no vespertino, eles têm a noite inteira para poder desenvolver os grupos, as leituras, pra tudo, porque são pessoas que não precisam trabalhar — não estou falando que as coisas são fáceis por esse motivo, não sei da vida particular de cada um, mas a partir do momento que você não tem esse compromisso de ter que trabalhar para se manter. (Carolina — História)

... no meu caso a dificuldade é o tempo e os professores dão além de xerox, lista de livros que você tem que ler (...). Às vezes, tem leituras tão complexas que não dá para ler no ônibus. Graças a Deus não passo mal quando leio no ônibus, mas tem leitura que você tem que parar, pensar, enfim, eu fico frustrada de não poder ler tantos livros. (Ana — Letras/Espanhol)

... Dificuldades de tempo (...) eu não tenho tempo para ler, pesquisar. Eu não tenho tempo para vir aqui e ficar na biblioteca (...) não tenho aquele tempo necessário realmente. (Carlos — Ciências Contábeis).

... a dificuldade aqui mesmo é tempo. Eu trabalho doze horas por dia, sabe? (...) então para você dar conta de leitura, que a carga de leitura é muito grande e, além da leitura, a gente viaja muito — trabalho de campo. Então, é complicado pra gente operacionalizar tudo isso. (Marcos — Geografia).

... o meu maior problema para conseguir fazer o meu curso é porque eu trabalho. É um curso que exige muita leitura. Ninguém está preocupado se você vai ter tempo de ler ou não. Então, a minha maior dificuldade é não conseguir dar conta das exigências por causa do trabalho. (Clara — História).

“... a professora falou ‘gente, se vocês querem fazer um curso bom de Letras, vocês não podem trabalhar’. A sala toda quase vaiou a professora, porque quase todo mundo, à noite, trabalha”. (Ana — Letras).

Portanto, o tempo adquire dimensão fundamental na análise, sinalizando como aspectos culturais se fundem, inextricavelmente, com traços ligados à origem social. Em outros termos, para uma análise sociológica mais precisa, é preciso tomar cuidado com certas interpretações que dão muito peso explicativo à autonomia do capital cultural quando se pensa ensino superior. Sem articular classe social, capital cultural torna-se uma categoria inconsistente. Seu criador sabia disso, pois Pierre Bourdieu em suas reflexões sobre as ligações entre capital econômico e capital cultural fornece elementos essenciais para a compreensão da fruição dos estudantes dos segmentos desprivilegiados ao marcar as desigualdades dos indivíduos que necessitam, inescapavelmente, trabalhar:

... condição de toda aprendizagem da cultura legítima, seja implícita ou difusa como é, quase sempre, a aprendizagem familiar ou explícita e específica como a escolar, estas condições de existência se caracterizam por uma suspensão e afastamento da necessidade econômica e pela distância objetiva e subjetiva da urgência prática, fundamento da distância objetiva e subjetiva dos grupos submetidos a esses determinismos.

... é por intermédio do tempo necessário à aquisição que se estabelece a ligação entre capital econômico e o capital cultural (...) o tempo durante o qual determinado indivíduo pode prolongar o seu empreendimento de aquisição depende do tempo livre que sua família pode lhe assegurar, ou seja, do tempo liberado da necessidade econômica que é a condição de acumulação inicial". (BOURDIEU, 1988, p. 51; 1999, p. 76).

Por outro lado, cabe registrar, essa mesma dimensão temporal poderia ter sido ainda mais enriquecida se trabalhada, conceitualmente, com a categoria gênero, pois as estudantes pesquisadas poderiam incorrer em uma tripla jornada (trabalho, estudo e trabalho doméstico). Restou uma exploração nos grupos sobre esse aspecto, hoje, bem presente no debate das Ciências Sociais.

Paralelamente a esse recorte específico do objeto, mais centrado em analisar a permanência efetiva, a inovação se dava também em termos da literatura utilizada. No Brasil, àquela altura, já havia alguns trabalhos, especialmente calcados na sociologia da educação de linha francesa, marcados, sobretudo, pelos aportes conceituais de Pierre Bourdieu e alguns de seus colaboradores; depois, por outros que mesmo influenciados inicialmente, tomaram caminho próprio como Bernard Lahire (1997). A coletânea organizada por Maria Alice Nogueira era expressão de tais linhas de estudos e pesquisas, congregando vários pesquisadores que voltavam sua atenção para as relações entre família e o espaço escolar. (NOGUEIRA; ROMANELLI; ZAGO, 2000). Nesta linha, procuravam entender, por meio da análise dos modelos de socialização, as “razões do improvável” e a “longevidade escolar” de estudantes de mais baixa renda que tinha acesso ao ensino superior (VIANNA, 1998).

Linha que também encontrará ressonância nos trabalhos voltados para a presença desse tipo específico de estudante nos cursos de alto prestígio como se verifica nos trabalhos de LACERDA (2006) e de PIOTTO (2007). Nesse bojo, trabalhos como o de PORTES (1993; 2001) e ZAGO (2005), também consideraram alguns aspectos da permanência de tais estudantes. No Rio de Janeiro, havia alguns trabalhos sobre o acesso de jovens pobres (SOUSA E SILVA, 2003) e segmentos de baixa renda que passaram a frequentar instituições privadas de prestígio como a Pontifícia Universidade Católica (DAUSTER, 2003). Entretanto, embora autores como Bourdieu e Lahire fossem referências centrais no campo de estudos; na própria França já havia uma série de pesquisadores e pesquisadoras atentas à trajetória de indivíduos dos segmentos sociais desprovidos até o ensino superior. Destacava-se o trabalho de Erlich sobre o “novo estudante” francês (ERLICH, 1998; 2004).

Esses estudos estavam preocupados em entender de modo mais profundo a vida cotidiana dos estudantes como suas jornadas; seu modo de vida; sua relação com o trabalho universitário, maneiras de estudar. Assim, trouxeram novas discussões e perspectivas mais ligadas ao trajeto universitário ao voltar o foco para a formação cultural valorizada pelo ambiente universitário; a confrontação com métodos de ensino diferenciados onde podem ocorrer tensões, o aumento das tarefas escolares que exigem uma postura mais independente do aluno/a; os constrangimentos emocionais ao marcar uma entrada em um universo distinto, tecido por intensas mudanças — um novo espaço que rompe com relacionamentos mais sólidos até então existentes em níveis escolares anteriores, uma sociabilidade mais fragmentada com os colegas. Enfim, procurava-se compreender os novos arranjos que ocorrem na vida desse estudante, principalmente aquele oriundo de meios socialmente desfavorecidos quando da entrada na universidade (BONNET; CLERC; 2001). Além dessa nova literatura francesa, não muito discutida aqui e que tivemos acesso, outro aspecto novo foi a utilização de estudos e pesquisas de língua inglesa, também praticamente não explorados por aqui. (BOWL, 2001; ROSS ET AL., 2003).

Foi justamente esse esforço intelectual de revisão teórica reflexiva sobre trabalhos nacionais e da língua inglesa e francesa, somado a uma pesquisa empírica meticulosa, que nos permitiu aprofundar o processo de experiência universitária desenvolvido por esse estudante com desvantagens sociais. Como resultante, pudemos reconstruir os tipos de dificuldades tanto de ordem material quanto de ordem simbólica que os estudantes vivenciavam na USP. Tais dificuldades estavam íntima e complexamente relacionadas, pois cruzava aspectos como a socialização primária no ambiente familiar e a trajetória particular do indivíduo. Assim, as dificuldades materiais contemplavam dimensões como a distância do campus da USP, o dinheiro para alimentação, a importância do restaurante universitário, vulgo “Bandejão”, cópias de textos, aquisição de livros, importância do uso de computador na própria universidade (Sala Pró-Aluno, onde ficam disponíveis computadores para uso dos graduandos), necessidade inadiável de trabalhar; todas marcando a condição social desfavorável desse tipo de aluno. E aqui podemos articular com desdobramentos contemporâneos nesse tempo que se passou. Mesmo antes das políticas públicas de assistência estudantil, USP para Todos? (ALMEIDA, 2009) já chamava atenção para a necessidade das universidades de olharem mais atentamente para esta questão, pois discutia a fundo a importância dos auxílios existentes nas universidades públicas para a permanência do estudante de baixa renda.

Hoje a insuficiência de tais políticas públicas é questão que se põe ainda de modo mais premente. Apesar da criação do PNAES, em 2010, foi importante para preencher lacunas nessa seara, há muito a evoluir para se adequar às necessidades dos estudantes que foram beneficiários das políticas inclusivas do período. Os dados são evidentes. Anos atrás fui convidado para o encontro anual da Andifes para debater os dados da pesquisa socioeconômica dos graduandos das IFES feita pela FONAPRACE. Na época, todo o PNAES requeria R$ 1 bilhão e o orçamento para o ano era de R$ 500 milhões, ou seja, metade!

Em paralelo, as dificuldades simbólicas ou culturais mais sutis e menos explícitas, as quais lidam diretamente com a inserção acadêmica em termos de novas tarefas a serem feitas: seminários, trabalhos científicos, leitura de textos acadêmicos quer requerem base conceitual e contato com teorias científicas para compreensão e leitura com as variações inerentes aos cursos e a leitura de textos em línguas estrangeiras, sobretudo inglesa e francesa, recursos importante no meio acadêmico no qual estavam inseridos:

... eu tive muitas vezes que pegar aquele livro do ensino médio, estudar novamente pra entender alguma proposta, alguns exercícios de Cartografia, daquilo que, aparentemente, é básico no curso. Eu tive que volta e analisar, porque eu não estava acompanhando, faltava, então, um pouco de base. (Antônio — Geografia).

... a leitura não é aquela que você faz corrida, são teorias e, às vezes, você tem dificuldade para entender em português, ainda mais uma língua que você não conhece (...) os valores embutidos numa palavra você desconhece. (Clara — História).

... você vai fazer literatura brasileira ou portuguesa (...) você vai passar pelo Simbolismo e o Simbolismo remete direto ao francês. Um Mallarmé, um Baudelaire, um Rimbaud, todos franceses traduzidos para o português (...) só que a gente sabe que para um melhor rendimento do curso, seria você ler em francês, certo? (...) você entenderia melhor as coisas que estão em jogo quando o professor está explicando aquele poema (...) o professor mostrou isso para a gente na classe. Ele falou ‘olha, isso daqui em francês não tem nada a ver com o que é traduzido, a ideia que o cara tá querendo passar aqui é totalmente outra’, então pra quem sabe o francês vai se dar melhor, vai fazer diferença. (Adauto — Letras) [grifos nossos].

... literatura portuguesa usa muito francês. Agora a gente está no Simbolismo, tem muito Mallarmé, tudo em francês. Então o professor estava dizendo ‘gente, vocês já deveriam saber francês’ e a gente achou um absurdo, porque eles acham pelo fato da gente estar na USP, supõe que você sabe inglês, francês, espanhol e tudo. (Ana — Letras).

... tem professor que fala assim: ‘tenho um livrinho que é bibliografia básica, só que tem um probleminha, é em francês’. Então é uma dificuldade muito grande porque espanhol nós lemos muito, dá pra levar, mas francês, inglês, eu tenho uma dificuldade enorme. (Jonas — Geografia).

... Wilson: E como é que foi isso para você, o domínio de línguas para ler textos? Carolina: Quem falou que eu tenho? Cê se vira. Wilson: Como é que você se vira? Carolina: Espanhol não tem problema. Tem que tomar cuidado porque as palavras te enganam, tem que estar com um bom dicionário do lado. Wilson: Inglês, francês? Carolina: É complicado. Eu tenho que traduzir. Francês também, porque eu não domino. Eu preciso traduzir texto. Eu preciso que traduzam o texto. Tô pedindo uma amiga. Ela tem um programa tradutor. Ela tá traduzindo esses textos para mim, em uma tradução que fica meio tosca e eu tô me virando. (Carolina — História).

Assim, o mergulho sociológico nas distintas vivências dos alunos, tomando-os nas suas semelhanças e nas suas particularidades, permitiu-nos explorar aspectos que no máximo eram indicados ou tangenciados à época, mesmo nos poucos trabalhos existentes na própria USP. Como resultado, possibilitou-nos subsídios para avançarmos em questionamentos centrais: até que ponto a universidade também poderia interferir no sentido de atenuar desigualdades existentes entre os alunos? Se as desigualdades educacionais são produzidas, substancialmente, em outros âmbitos, até que ponto a universidade pode intervir? Quais os seus reais limites?

Retomamos problematizações caras à sociologia educacional, talvez a maior delas, qual seja, a clássica — e por vezes, mal compreendida — questão do papel da educação na reprodução social da desigualdade. Ficou claro que se a universidade não pode ser considerada uma instância que resolverá sozinha diferenças sociais; os fatos repudiavam a visão que a queria neutra — visão ainda presente em muitos professores e gestores universitários — já que quando ela não olha de modo mais interessado para as desigualdades que estão sob seu terreno, acaba intensificando as disparidades previamente existentes, conforme várias pesquisas clássicas e contemporâneas apontaram (BOURDIEU; PASSERON, 1964, 1965; VILLAS BOAS, 2001; THOMAS; YORKE, 2003).

Com efeito, exploramos também na discussão o papel da universidade. Possíveis respostas que ela poderia dar, logicamente, dentro de suas limitações, na direção de contemplar práticas universitárias mais democráticas no que tange à permanência na universidade pública dos estudantes socialmente menos favorecidos. Na parte final de USP para Todos (ALMEIDA, 2009), já alertávamos para o fato de que a universidade pública poderia ter um papel mais ativo, um “olhar mais interessado” para suas desigualdades internas, seja na recepção do aluno ingressante, em uma melhor comunicação, integração e fornecimento de informações sobre os serviços existentes de auxílio, bem como em inovações curriculares que poderiam auxiliar os estudantes com desvantagens em algumas de suas dificuldades simbólicas.

Hoje, algumas universidades estão despertando, ainda que tardiamente e de modo ainda parcial, para o fato de que acesso e permanência para esse segmento social devem ser pensados de forma orgânica. A USP criou algumas iniciativas neste sentido, como um curso de Prática de Leitura e Escrita Acadêmica na sua Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Porém, são iniciativas pensadas de forma fragmentada, por unidades, sem vínculo orgânico com uma política universitária de toda a universidade. Além disso, cumpre dizer que, contemporaneamente, surgiram outros problemas estudantis que antes não tinham escala tão grande como transtornos de depressão, desalento, ansiedade — e até mesmo suicídio em alguns casos — os quais leva parte importante de estudantes ao sofrimento psíquico e para os quais precisamos dar respostas.

Por fim, soldando essas contribuições teóricas e empíricas, além do uso de entrevistas semiestruturadas — mais comum — utilizamos grupos focais como técnica de pesquisa, os quais permitiram explorar, densamente, por meio da interação grupal, várias questões de investigação, propiciando ganhos heurísticos por meio de diálogos travados entre os participantes, com uns elaborando perguntas aos outros; discordância e concordância entre eles; pontos não previstos no roteiro, dentre outros aspectos dessa metodologia operacional. (MORGAN, 1988; KRUEGER, 1998).

Após uma dura e difícil fase da transcrição, um volume imenso de dados foi gerado. O passo seguinte foi fazer a interpretação. Esta contemplou aspectos sintáticos, semânticos e aqueles ligados à linguagem corporal dos pesquisados durante os encontros. Foram decompostos, reordenados e articulados, obtendo relatos de histórias singulares por meio de uma combinação das falas e opiniões emitidas sobre as questões de pesquisa e as características pessoais de suas trajetórias. Isso permitiu, já nesse momento, realizar comparações entre os pesquisados, obtendo pontos de aproximação e aspectos diferenciadores. Assim, os dezessete estudantes se aproximaram em muitos pontos e podem ser caracterizados como um grupo; porém, também guardam singularidades que não nos permitiu tomá-los como um grupo homogêneo. Com essa forma de análise, vários insights interpretativos puderam florescer, permitindo-nos ter, nas confluências e diferenciações entre os entrevistados, uma compreensão mais afinada da fruição da USP pelos estudantes com desvantagens socioeconômicas e educacionais. Assim, o caminho metodológico que seguimos foi uma amostra qualitativa de casos múltiplos, marcada pela diversidade intragrupal.

Se o acesso ao ensino superior é hoje possível para muitos estudantes negros, oriundos das classes sociais de baixa renda e das escolas públicas, a permanência se põe ainda como desafio. Para muitos outros, nem mesmo o ingresso ainda está garantido. Hoje, revisitando este trabalho, o qual se debruçou sobre a trajetória de trabalhadores-estudantes (em geral, possuindo uma dupla condição ao combinar jornada longa de trabalho e estudo à noite); que enfrentaram dificuldades cotidianas de muito esforço — um “esforço descomunal”, marcado por sacrifícios diversos para ter acesso à USP, como conciliar trabalho e estudos, estudar nas férias, aos sábados, fazer cursinho após jornada de trabalho integral, ler no ônibus, aproveitar o pouco tempo que sobra para estudar, “não ter vida social” no dizer de Ana para fazer trabalhos da faculdade no fim de semana, dentre outros que apareceram nos vários relatos; provenientes de família com pouca ou inexistente tradição familiar no ensino superior, tendo pais e mães com baixa escolaridade e trajetórias ocupacionais com status social relativamente baixo; tendo pouco “capital de informações” sobre o mundo universitário ao ponto do mesmo aparecer como algo mágico, inatingível; que, duramente, também com muito esforço levam a cabo sua permanência na universidade brasileira visando à conclusão do seu curso; julgamos que ele continua atual e ainda pode ter algo relevante para contribuir com os estudos que se concentram sobre acesso e permanência no ensino superior porque, como todo trabalho das Ciências Humanas que se quer consistente, ele foi a fundo, bebeu e digeriu pesquisas e teorias do seu campo para compreender profundamente as experiências de vida daqueles estudantes que, não obstante o contexto pesquisado, continuam hoje nas trajetórias de outros alunos presentes no ensino superior público, visto que muitas questões e desafios lá problematizados, continuam vivos.

Referências

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  1. Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério.

  2. Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação.

  3. Para garantia de anonimato são pseudônimos.

  4. Dispõe que 50% das vagas dos cursos das universidades federais serão destinadas a alunos de baixa renda, oriundos da escola pública e, entre elas, vagas para estudantes negros e indígenas, proporcionais à sua presença na população de cada estado.

  5. Termo utilizado por Bourdieu em sua discussão sobre a noção de habitus para denotar a compreensão mais apurada que alguns grupos sociais possuem em relação a outros nas disputas travadas em alguns espaços sociais.

  6. O IBGE agrega pretos e pardos, classificando-os como negros. Mantivemos as denominações nativas.

  7. Gilberto e Marcos moravam no CRUSP — Conjunto Residencial da USP. Situa-se no campus da USP.

  8. Bairro onde se localiza a Cidade Universitária — campus da na zona oeste. O outro campus, o da USP Leste, ainda estava sendo finalizado quando a pesquisa foi realizada.

  9. O entrevistado morava em Diadema, município da Grande São Paulo.

Resumo:
O artigo retoma o contexto, problemáticas e desafios teóricos e metodológicos da pesquisa empírica qualitativa que culminou no livro “USP para Todos?”, a partir de um diálogo com mudanças ocorridas desde então no acesso e permanência de estudantes de baixa renda e oriundos da escola pública no ensino superior brasileiro, especialmente no público. Ao fazê-lo, discute elementos que julgamos ainda relevantes para a reflexão crítica nesse campo do conhecimento.

Palavras-chave:
Ensino superior; acesso e permanência na universidade pública; estudantes de baixa renda; desigualdades educacionais; inclusão social

 

Abstract:
The article takes up the context, problems and theoretical and methodological challenges of the qualitative empirical research that culminated in the book “USP para Todos?”, From a dialogue with changes that have occurred since then in the access and permanence of low-income students and those coming from school public in Brazilian higher education — especially, public. In doing so, it discusses elements that we still consider relevant for critical reflection in this field of knowledge.

Keywords:
Higher education; access and permanence in the State University; low-income students; educational inequalities; social inclusion.

 

Recebido para publicação em 29/06/2020
Aceito em 06/10/2006