Revista de Ciências Sociais — Fortaleza, v. 51, n. 3, nov. 2020/fev. 2021
DOI: 10.36517/rcs.2020.3.d01

 

 

Quando as ciências sociais encontram a educação:
(re)pensando cenários contemporâneos das desigualdades educacionais

 

Sara Esther Dias Zarucki Tabac OrcID
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil
sara.zarucki@gmail.com

Ruth Maria Moraes Oliveira Prado OrcID
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil
ruthprado@ifma.edu.br

 

A proposta deste Dossiê foi privilegiar o diálogo entre as Ciências Sociais e a Educação, mais especificamente os cenários de desigualdades de oportunidades educacionais que as pesquisas atuais têm se debruçado. Os cenários de desigualdades sociais e educacionais estão retratados nos artigos selecionados e trazem diversos elementos ainda relevantes no processo de produção e reprodução dessas desigualdades, como características de origem e características dos indivíduos e grupos pesquisados. O “dilema” entre agência e estrutura ainda se faz bem presente nas pesquisas em educação e ele aparece sob diferentes abordagens teórico-metodológicas.

Os artigos presentes neste dossiê trazem problemáticas que englobam todos os níveis educacionais. As diferentes etapas da educação básica e de nível superior são abordadas pelos autores sob enfoques diversos, trazendo resultados e proposições instigantes. Foi uma tarefa árdua a seleção de cada um dos trabalhos, tendo em vista o grande volume de submissões. Foram submetidos oitenta artigos dos quais, somente seis foram selecionados. Buscamos reunir pesquisas de diferentes estados e universidades tendo como perspectiva respeitar a diversidade de pesquisas regionais e outras mais abrangentes sobre o tema.

Diante disso, prosseguimos à apresentação dos artigos. O primeiro artigo é de um autor convidado, o professor Wilson Mesquita de Almeida. Em Revisitando “USP para Todos?”: desafios permanentes na inclusão dos estudantes de baixa renda no ensino superior público brasileiro revisita sua pesquisa de mestrado realizada em 2006 em que afirma ainda haver “limites no processo de democratização da educação superior no Brasil”. Em sua pesquisa sobre estudantes de baixa renda e oriundos da escola pública no ensino superior brasileiro percebermos que os desafios de acesso se somam aos de permanência na tão renomada USP. O livro de Wilson Mesquita “USP para todos?” observou justamente, em uma pesquisa qualitativa, as experiências construídas pelos estudantes de diversos cursos – estes com baixo capital econômico, cultural e social – quais foram seus desafios e conquistas. A pesquisa que foi um marco para os estudos sobre ensino superior à época teve o convite de ser revisitado alguns anos depois e questionou sobre os avanços e permanências nas políticas de acesso e permanência dos estudantes de baixa renda e oriundos da escola pública no ensino superior público. Seus resultados indicam que mesmo com algumas conquistas temos que garantir essas políticas públicas educacionais para superarmos, mesmo que em partes, as múltiplas desigualdades que ainda perpassam o ensino superior. 

A oferta de bilinguismo está em franco crescimento dentro do mercado das escolas particulares no Brasil. De acordo com o último censo escolar do MEC, de 2018, o país tem cerca de 40 mil escolas privadas, 21% das 184,1 mil unidades brasileiras. A ABEBI, Associação Brasileira do Ensino Bilíngue, estima que, no máximo, 3% das particulares (1,2 mil) tenham hoje algum ensino bilíngue. Os dois textos seguintes, uma pesquisa no Rio de Janeiro e outra em São Luís, são fruto desse fenômeno que provoca não somente uma marca de distinção entre as instituições escolares aproximando grupos sociais privilegiados. 

Em Motivações para a escolarização bilíngue: um estudo com famílias das classes médias e médias-altas no Rio de Janeiro, Marisol Goia e Alexander Vieira apontam as estratégias de grupos sociais privilegiados ao matricularem seus filhos em escolas bilíngues. Além da aprendizagem de uma segunda língua, podemos destacar o processo de imersão na língua inglesa e a possibilidade de se construir um “cidadão global”. O ensino de outra língua vai além da perspectiva somente da fala. Precisa-se da “imersão” para constituir-se assim capital social e cultural. As motivações de pais e mães pela modalidade bilíngue de escolarização são analisadas no artigo a partir de entrevistas em profundidade e em um grupo focal com 15 pesquisados, realizados com mães e pais de alunos de Ensino Fundamental, matriculados em cinco escolas diferentes, situadas em bairros nobres da cidade do Rio de Janeiro que mantêm seus filhos em instituições privadas bilíngues ou que adotam projetos bilíngues.

Juarez Filho e Leandro Costa em Sociologia de um grupo familiar administrador de uma escola de elite em São Luís do Maranhão buscam reconstituir a história social e a trajetória de escolarização de um grupo familiar que detém uma escola privada “de elite”, em São Luís, no Maranhão. De que maneira esse grupo escolar buscava se distinguir das demais instituições para se caracterizar como uma “escola de elite”? Ao longo do artigo este e outros pontos vão sendo apresentados, o que nos provoca a pensarmos quais elementos escolares chamam a atenção de grupos sociais de alto capital econômico. A leitura do artigo nos abre caminhos para pensarmos elementos essenciais da Sociologia da Educação, pois envolve objetivar as estratégias de reprodução das famílias ligadas a “escolas de elite” e assim compreender as razões e estratégias de escolhas dos estabelecimentos de ensino por um determinado grupo social.

Os autores de “Uma janelinha, uma luzinha lá no final do túnel”: significados de estar na universidade para estudantes cotistas negros/as apresentam uma análise das representações sociais de cotistas negros da Universidade Federal de Viçosa. Matheus Freitas e Fabrício Oliveira trazem um estudo de trajetórias com elementos referentes aos percursos escolares desses estudantes, motivações de ingresso no ensino superior e suas vivências universitárias. O ingresso no ensino superior por estes estudantes de primeira geração aponta para a criação de referências em meios sociais em que o ensino superior ainda é uma raridade. A universidade aparece em suas falas como espaço de possibilidades e construção de novos percursos e perspectivas desses novos estudantes. Outro ponto interessante está na conexão entre expectativas individuais e familiares quanto ao ingresso no ensino superior. As percepções a respeito da universidade são variadas, porém, ainda prevalece a visão da universidade como um espaço de formação profissional [somente], sem nenhuma ou pouca conexão com a sociedade.

Pra onde pende a balança? Incentivo parental e gênero do aluno associados ao seu desempenho é o artigo de Regina Albuquerque que contribui com a discussão que relaciona rendimento escolar com práticas parentais de acompanhamento. A autora propõe a criação de um indicador de incentivo parental a partir dos dados do SAEB 2015 para alunos do 9º ano de escolas públicas bem como a sua relação com a proficiência em Língua Portuguesa. Foram consideradas características de origem, como nível socioeconômico familiar e sexo dos alunos. Os resultados apontam que as meninas apresentam melhor desempenho nesse tipo de avaliação se comparadas aos meninos.

Por fim, o artigo de Pedro Barboza Machado, Entremeio: resultados de uma pesquisa sobre jovens bolsistas em escolas privadas. O autor apresenta dados interessantes sobre trajetórias de alunos bolsistas do ensino médio em escolas privadas do Rio de Janeiro. A inserção de jovens das camadas populares em escolas privadas frequentadas pela classe média apresenta diversos desafios aos bolsistas, interpretados pelo autor como barreiras materiais e simbólicas. Nos relatos dos estudantes percebe-se, entretanto, que essa nova experiência escolar é permeada de uma significação positiva. Esse ponto na trajetória dos estudantes bolsistas representa uma mudança de perspectiva quanto ao ingresso no ensino superior e ao mesmo tempo uma tensão entre o espaço e vivências que se tornaram possíveis a partir da nova escola e seus espaços domésticos e de vizinhança.

Resumo:
A proposta deste dossiê foi privilegiar o diálogo entre as ciências sociais e a educação, mais especificamente os cenários de desigualdades de oportunidades educacionais que as pesquisas atuais têm se debruçado. Os cenários de desigualdades sociais e educacionais estão retratados nos artigos selecionados e trazem diversos elementos ainda relevantes no processo de produção e reprodução dessas desigualdades, como características de origem e características dos indivíduos e grupos pesquisados. Por fim, o presente trabalho apontará caminhos para pensarmos as que mesmo com avanços no âmbito das políticas educacionais ainda há arestas sociais que precisam ser superadas a fim de haver uma sociedade mais justa e democrática.

Palavras-chave:
Sociologia da educação; desigualdades sociais e educacionais

 

Abstract:
The purpose of this dossier was to privilege the dialogue between the social sciences and education, more specifically the scenarios of inequalities in educational opportunities that current research has been looking at. The scenarios of social and educational inequalities are portrayed in the selected articles and bring several elements still relevant in the process of production and reproduction of these inequalities, such as characteristics of origin and characteristics of the individuals and groups surveyed. Finally, the present work will point out ways to think about those that, even with advances in the scope of educational policies, there are still social edges that need to be overcome in order to have a more just and democratic society.

Keywords:
Sociology of education; social and educational inequalities.