Revista de Ciências Sociais — Fortaleza, v. 52, n. 1, mar./jun., 2021
DOI: 10.36517/rcs.2021.1.d06
ISSN: 2318-4620

 

 

Mundo em desencanto em tempos de guerra civil:
uma leitura de Antes de nascer o mundo, de Mia Couto

 

Claudia Letícia Moraes OrcID
Universidade Federal do Maranhão, Brasil
claudiamoraes27@gmail.com

 

Introdução

A literatura do moçambicano Mia Couto é parte bastante representativa da criação literária de um dos maiores países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), sobretudo pensando no contexto dos países africanos. Considerado como um dos escritores mais aclamados da nova leva africana, Couto é capaz de nos proporcionar possibilidades múltiplas ao longo de seus romances, tanto no plano linguístico como na releitura e recriação do contexto sócio-histórico.

Um de seus romances, escrito em fins da primeira década do século 21, Antes de nascer o mundo (2009), narra a história de um homem que, depois de perder a esposa, mãe de seus filhos, se muda com as crianças e um empregado para um acampamento no interior do país, em contexto de completo isolamento, a fim de criar um novo mundo chamado Jesusalém, onde Jesus haveria de se descrucificar.

Na leitura que aqui se propõe, temos como objetivo pontuar sobre as mudanças ocorridas em Moçambique nos anos da guerra civil que se fazem perceptíveis no romance e que dizem respeito ao período pós-colonial, bem como também analisar como essa guerra gerou traumas na população que, na representação do romance baseada em contexto factual de guerra, se deslocava das cidades grandes para o interior do país a fim de não serem vitimados pelos conflitos que grassavam pelo território.

Para tanto, é necessário que tangenciemos outras áreas das Ciências Humanas e Sociais também de suma importância na elaboração de nossa análise e sem as quais não poderíamos ter uma visão completa acerca do tema a ser estudado, tais como as perspectivas antropológica e filosófica a respeito das representações da África como um todo. Nesse caso, foi interessante, para a elaboração do texto, leituras que passaram por autores que trabalham com a África e com Moçambique numa perspectiva crítica, como Achile Mbembe e Kwame Anthony Appiah, bem como autores que analisam criticamente as literaturas produzidas em Moçambique e o projeto literário de Mia Couto, como Nazir Can (2020), Elena Brugioni (2019, 2012) e Jane Tutikian (2006).

Buscaremos compreender como esses elementos se refletem na visão literária de Mia Couto, destacando, na obra a ser investigada, as construções linguísticas próprias do autor, as consequências da independência no país em questão e o problema da guerra civil representada em sua narrativa, bem como de que maneira as instâncias da memória atuam em contextos de conflito. Para tanto é necessário atentar para o recorte temporal feito pelo autor como de importância fundamental para uma leitura mais aprofundada a partir da perspectiva teórica escolhida, levando em consideração tanto o momento histórico em que se passa o romance quanto a construção de suas personagens visivelmente traumatizadas pela guerra civil.

Mia Couto: da crítica política à realização estética

No que concerne à literatura de Mia Couto, considerando seu engajamento político e estético, sua arte não tenciona apenas representar um país em dilema, ou buscando uma superação, do jugo colonial, mas também entender até que ponto a cultura do colonizador se imbrica na cultura dita tradicionalmente africana. Este contato forma uma cultura nova, contemporânea e intimamente conectada aos dias atuais, mesmo que em diálogo constante com a tradição. Importa notar também como o crivo do olhar do autor não deixa de contemplar o passado colonial de maneira crítica: basta que atentemos para a extrema humanização com que Couto privilegia suas personagens — que são tanto moçambicanos como portugueses e indianos, dentre outros —, sempre tratadas como carregadas de conflitos e subjetividade.

O fato de Moçambique ser uma ex-colônia do grande império português também é compreendido, na literatura do autor, de maneira ampla, ainda como forma de fazer uma revisão do passado através de uma linguagem que se apresenta como mutável, agregando modulações advindas da oralidade e das outras línguas que compõem o painel linguístico moçambicano amalgamadas às criações próprias de sua dicção literária. Isso faz com que o autor utilize as palavras, que vêm tanto da língua do colonizador quanto das línguas utilizadas pela maioria da população, de forma a ressaltar seu aspecto lúdico e criativo. Assim, o autor revê e agrega à sua prosa alguns elementos que são semanticamente críticos, como nos esclarece Jane Tutikian em Questões de identidade: a África de língua portuguesa (2006, p. 41):

A cultura moçambicana se impõe sobre a racional, dentro do projeto de Mia Couto de resgatar e afirmar suas tradições culturais e, ao mesmo tempo, recontar a história moçambicana reprimida, permitindo sua releitura sob um novo prisma, que não o ocidental, mas através de uma forma ocidental, pela reapropriação subversiva da língua. Assim, Mia Couto desconstrói a realidade colonial linguisticamente, denunciando-a tematicamente.

Sempre houve discussões acerca da influência da literatura em seus contextos sociais e, como destaca a autora, a intenção de Couto é procurar entender e recontar a história de seu país a partir de um novo olhar, que pretende revelar as instâncias reprimidas dessa história utilizando-se de uma linguagem própria, um artifício que unisse tanto a língua oral moçambicana ao mesmo tempo em que intentasse subverter essa mesma língua. Com isso, o autor não só faz uma reapropriação linguística, mas também uma ressignificação da realidade representada em seus romances. Elena Brugioni (2019) segue fazendo uma análise acurada do processo de escrita do autor em questão:

Desse modo, a feição diferencial que caracteriza a escrita de Mia Couto, uma vez observada na sua relação com o contexto em que se inscreve, reveste-se de um sentido ulterior, apontando simultaneamente para dinâmicas de ruptura e continuidade no que diz respeito às práticas de intervenção cultural na chamada colonialidade e, ao mesmo tempo, à urgência de pluralidade que se situa como um dos imperativos culturais na construção de uma “moçambicanidade” literária e, logo, de uma modernidade cultural. (BRUGIONI, 2019, p. 176).

Desta forma, o fato do autor ser um dos artífices da construção do conceito de “moçambicanidade”, em contraposição ao colonialismo e à colonialidade que se põem sempre em embate, as questões de uma nação em estado de (re)construção tanto material quanto imaginária e linguística, coloca Mia Couto numa posição de responsabilidade em relação ao seu trabalho como escritor, o que une, neste ínterim, estética e política na urdidura do seu projeto literário.

Outro tema político que está na agenda das discussões sobre a literatura produzida em Moçambique é aquele que apresenta problematizações importantes que se refletem nas discussões literárias de Couto e de outros autores: faz-se necessário repensar criticamente o tipo de gestão que os estados africanos impõem a cada um de seus países. É válido frisarmos, com o aval de autores como Mia Couto na literatura e Achille Mbembe (2017) e Kwame Anthony Appiah (2008) na Filosofia e nas Ciências Sociais, que de fato a África padecia, e ainda padece, com uma elite predatória que incita conflitos internos e que chegou mesmo a participar tanto do tráfico de escravos quanto da colonização de seus pares — o que por si só já implode a ideia de uma África unida e coesa acima de tudo, explicitando conflitos de interesses diversos.

No entanto, é de suma importância frisar o papel dos países europeus em processos como a colonização e a neocolonização no início do século 20. Essa ânsia predatória de outros países em situação bélica superior que, em nome da exploração e da expansão capitalista disfarçadas de missão civilizatória (MBEMBE, 2017), se consideraram no direito de gerir, explorar e violentar de diversas formas um povo que, segundo o discurso colonizador, não conseguia administrar a si próprio, foi e continua sendo uma das grandes questões a serem debatidas e, num espectro maior, reparadas historicamente. Essa questão, tão amplamente difundida discursivamente pelos europeus, transformada num dispositivo de dominação de imaginários (SAID, 2007), se tornou o mote para os processos tanto de colonização quanto de neocolonização em períodos históricos diferentes.

Nesse ínterim, é interessante notar como o Couto utiliza como matéria-prima para sua literatura o embate entre tradição e modernidade, temática recorrente também nas outras literaturas africanas dos PALOP, e antes de tentar negar o legado deixado pelo regime colonial que vigorou durante tantos séculos em seu país. Desse modo, o autor procura meios para imbricar tanto esse legado quanto as características indeléveis da modernidade, das quais também não há como escapar. José Pires Laranjeira (2001) faz a seguinte observação acerca do tema:

A superação dos traumas políticos, ideológicos e literários tornou-se possível somente após a primeira década de independência política (recorde-se a questão, empolada ou não, com ou sem adequação teórica, da subserviência das literaturas africanas perante modelos alienígenas, europeus ou não) [...] se trata, finalmente, de exorcizar os derradeiros fantasmas e medos de cruentas guerras e ameaças de perda de independência, para partir em busca de discursos originalíssimos no contexto dessas literaturas. (LARANJEIRA, 2001, p. 192).

Assim, Mia Couto, em sua verve literária, torna-se um dos representantes do exemplo supracitado por Laranjeira: o exercício de exorcizar fantasmas e traumas de guerra. A partir desse ponto compreendemos o engajamento do autor na criação de uma literatura que apresenta, de maneira lírica, esse grande número de influências procedentes de um contexto muito próprio: as dicotomias formadas por pares como tradição/modernidade e escrita/oralidade conseguem, na literatura de Couto, passar do conflito para o amálgama criativo e gerador de contextos ricos em situações de troca cultural.

A literatura de Couto, afinal, destaca sua função como amostragem cultural da coletividade que intenta representar, qual seja: a Moçambique que retrata as implicações da declaração da independência em 1975, as guerras civis que assolaram o país em contexto pós-colonial durante décadas e que desestabilizaram a instauração de um regime democrático e, mais recentemente, as vivências do país nos dias atuais em relação direta com as antigas tradições africanas. Todas estas concepções sempre sendo trabalhadas de forma semanticamente distinta, procurando, através de uma prosa poética muito peculiar que compreende a oralidade e a criação de neologismos como lugar de pertencimento, como forma de resistência e até como afirmação das várias identidades que circulam pela Moçambique retratada por Couto. No papel de crítico e reconstrutor da realidade através da linguagem — da burilação, do trabalho ao mesmo tempo árduo e lúdico sobre essa linguagem, Mia Couto vê na representação pela literatura uma oportunidade de voltar os olhos para o passado, aproveitando para transcorrer sobre aspectos culturais a partir de uma visão que não deixa de contemplar a modernidade que também é parte constituinte dessa sociedade.

Trauma, escrita e memória no pós-independência de Antes de nascer o mundo

Antes de nascer o mundo, romance de Mia Couto lançado no Brasil em 2009, nos traz a história de cinco personagens, todos homens, supostos últimos habitantes de uma cidade denominada Jesusalém. Entende-se que o romance se desenvolve como uma interessante representação dos tipos de traumas e fragmentações que a guerra é capaz de proporcionar, retratando a rotina de uma família moçambicana que vive isolada em tempos de guerra civil e mostrando de que maneira ainda é possível achar saídas para a vida repleta de adversidades das personagens. Trata-se, portanto, de uma história de solidão, luto, trauma e redenção sobre a vida de personagens que não tem como escapar do contexto em que vivem. Para Márcio Seligmann-Silva:

Se o trauma é um conceito central na psicanálise, e se, por outro lado, ele não pode ser pensado independentemente da noção de realidade traumática [...] também aquele que se debruça sobre a literatura não pode crer — inocentemente — que tanto subjetivamente quanto objetivamente falando, o trauma não esteja presente de antemão [...] o elemento traumático do movimento histórico penetra nosso presente tanto quanto serve de cimento para nosso passado. (SELIGMANN-SILVA, 2002, p. 137).

Nesse romance, Couto se foca em um trauma de cariz tão profundo que rompeu os laços do protagonista Silvestre Vitalício com a realidade de uma Moçambique ardendo nos interstícios de uma intensa guerra civil e que, portanto, desmebra famílias, assassina civis e destrói sonhos de vida. É neste contexto de intensa desesperança que Vitalício parte rumo ao interior do país e funda a cidade de Jesusalém, em que os únicos habitantes se constituem em membros de sua própria família.

Em se tratando dos irmãos, filhos de Vitalício, a narrativa se foca no desenvolvimento das lembranças e memórias de ambos: Ntunzi e Mwanito, o caçula da família, que na verdade carece dessas memórias por ter saído da cidade muito jovem. Este último, aliás, é o narrador da história, sendo assim, é através de sua ótica que podemos perceber sensações e angústias que atingem todas as personagens habitantes de Jesusalém. Mwanito está sempre aprendendo através das parcas experiências oferecidas por seu entorno, que se baseia apenas no rio, na casa e no ermo que a cerca. Essas experiências, entretanto, vão se adensando no decorrer do romance e fatos como a aquisição da escrita/leitura, assim como ter contato pela primeira vez com uma mulher, vão moldando o caráter desse jovem protagonista.

A cidade de Jesusalém, em sua referência bíblica, é assim batizada por ser supostamente, segundo os delírios de Silvestre, a cidade em que Jesus será descrucificado. Também a noção de fundação está intimamente ligada a essa obra de Couto, já que Jesusalém não passa de uma casa grande abandonada no meio rural. É lá que este complexo protagonista pretende resgatar seus sonhos de paz, fugindo da violência da cidade para poder criar seus filhos. Para Russel G. Hamilton:

Re-escrever e re-mitificar o passado é, de certo modo, uma estratégia estético-ideológica que tem em vista protestar contra as distorções, mistificações e exotismos executados pelos inventores colonialistas da África. Além do mais, a re-mitificação é componente do neo-tradicionalismo que caracteriza aspectos importantes da condição pós-colonial. (HAMILTON, 1999, p. 18).

Essa citação é válida na medida em que nos ajuda a compreender as nuances de um pai que projetou outra realidade para criar seus filhos em relativa paz. É notório, em Silvestre Vitalício, o desejo de recriar um espaço que seja exatamente, em todos os detalhes, como ele quer que seja, re-mitificando um mundo em desencanto, em plena guerra civil, que oferece mais perigos do que perspectivas de vida. O chamado lado-de-lá, o mundo externo do qual ele gostaria tanto de esquecer, continua existindo e se impondo sobre sua existência e a de seus filhos. É através de personagens como Zacaria Kalash e tio Aproximado, além da aparição de uma portuguesa em busca de seu marido, que os dois irmãos constroem seu imaginário a respeito do mundo que não conhecem.

Dessa forma, no romance, o que assombra as personagens, principalmente o pai, é o contato com o mundo exterior e suas muitas aproximações com o passado sombrio da família, já que, apesar do exílio e da vontade de Silvestre de cortar relações com o mundo exterior, este ainda se manifesta através das recordações, das viagens de tio Aproximado para a busca de mantimentos e, afinal, através da chegada de uma mulher, ser nunca antes visto em Jesusalém. Assim, este passado sempre conflituoso apresenta-se a partir do entendimento de que a memória, que assalta por vezes tanto o pai quanto os dois filhos, se trata de uma instância em constante disputa simbólica, em um jogo de significados que dialogam e duelam entre si.

Outro ponto a ser ressaltado é o da escrita que se reflete duplamente no seu romance: para Couto, a proposta de uma literatura moçambicana torna-se mais interessante na medida em que sua escrita proponha-se a representar esta realidade do país como uma tarefa de amálgama de identidades, de línguas, de influências que se encontram e que podem proporcionar um número infinito de histórias a serem contadas. É assim que, ao mesmo tempo em que escreve e representa, o autor também acaba forjando uma nova realidade que pode ser compartilhada com o resto do mundo — uma visão muito particular, sendo, ao mesmo tempo, universal e rica, da Moçambique pós-colonial em todas as suas nuances. Subjetivar uma experiência tão traumática quanto a guerra civil que grassou pelo país durante muitos anos após a declaração da independência, narrando experiências as mais diversas e sob a perspectiva de personagens de nacionalidades diversas, é uma das tarefas a que o autor se propõe. Segundo Elena Brugioni:

Um dos aspectos mais singulares da proposta literária de Mia Couto, prende-se com um conjunto de dinâmicas linguísticas inéditas que se realizam em diferentes níveis e regimes de escrita e que configuram variados aspectos do idioma português na sua condição de médium literário e, simultaneamente, de elemento de edificação do que o próprio Mia Couto define como projecto nacional moçambicano (Couto, 2007c). O que por norma é definido como um amplo recurso ao neologismo [...] tornou-se uma marca relevante da escrita deste autor. (BRUGIONI, 2012, p. 21).

Portanto, é necessário compreender como Couto trabalha sempre na busca do que Appiah denominou de “construção de um estilo próprio” (APPIAH, 2008, p. 175). Um estilo que represente o que poderíamos chamar de peculiaridades culturais de seu entorno social ao mesmo tempo em que também procura deixar as marcas do autor não apenas como crítico da sociedade, mas ainda no que ele possui de poético no olhar que se inclina para essa cultura, em suma, no que faz dele um autor literário e que está interessado nesta construção que se apresenta como marca indelével de sua escrita* *– nesse aspecto, as construções linguísticas do autor são tão importantes quanto a sua perspectiva de realidade.

Uma das forças que movimentam o romance é a curiosidade de Mwanito em relação ao que se passa além das fronteiras restritas e sombrias de Jesusalém. Apesar da suposta cidade ter sido escolhida como o lugar do recomeço e da distância, os irmãos Mwanito e Ntunzi não se conformam em habitar essa terra tão estéril. É por conta disso que a escrita vai ter um papel relevante para o jovem Mwanito — que aprende a escrever e o faz nos lugares mais insólitos, tais como cartas de baralho e mesmo o dinheiro que seu irmão consegue só para que ele pratique a escrita. É nessa perspectiva, no registro da história que é feito por Mwanito, que encontramos o contraponto perfeito a seu pai, que não é capaz de compreender que, apesar de todo isolamento que impõe aos que estão ao seu redor, as fronteiras inevitavelmente se abrem, a comunicação entre os habitantes de seu país existe e se mostra cada vez mais forte. Assim é o fim de um mundo e a invenção de outro por Silvestre Vitalício:

[...] Meu velho, Silvestre Vitalício, nos explicara que o mundo terminara e nós éramos os últimos viventes. [...] Em poucas palavras, o inteiro planeta se resumia assim: despido de gente, sem estradas e sem pegada de bicho. Nessas longínquas paragens, até as almas penadas já se haviam extinto. Em contrapartida, em Jesusalém, não havia senão vivos. Desconhecedores do que fosse saudade ou esperança, mas gente vivente. Ali existíamos tão sós que nem doença sofríamos e eu acreditava que éramos imortais (COUTO, 2009, p. 11).

É assim que é apresentada Jesusalém, cidade dos últimos viventes de um país em constante conflito causado pela guerra civil. É nesse velho casarão, longínqua paragem conforme diz o autor, que as personagens vão se instalar sem saudade ou esperança. Segundo a mentalidade do patriarca, esta nova cidade fundada por ele mesmo representa a salvação de sua família, o recomeço de vidas traumatizadas por perdas e mortes trágicas — mas no fundo é também o espaço catalizador de uma guinada que a todos irá atingir, inevitavelmente.

Jesusalém ou a invenção de um novo começo

Uma cidade nascida dos desvarios de um homem: esta é Jesusalém. Advinda do desejo de Silvestre Vitalício de recriar o mundo, a cidade se propõe a ser o recomeço daqueles que tiveram a vida de certa forma destruída, seja pela guerra, pela morte de um ente querido ou simplesmente pela inércia de suas existências. A cidade é palco de complexos sentimentos no que diz respeito à família formada pelo pai e pelos dois filhos que parecem ser o oposto um do outro, mas que, na verdade, se complementam nas suas frustrações pela vida incompleta que levam. Esta cidade, por sinal, em sua referência bíblica, é assim batizada por ser supostamente, segundo os delírios de Silvestre, a cidade em que Jesus será descrucificado. Para a criação da cidade, o patriarca fez um ritual específico:

Assim que o Sol poentou, Zacaria começou a tocar um tambor e a apregoar, aos berros, uma incompreensível ladainha. Concentrámo-nos na pequena praceta eu, o Tio e o mano. De pé e em silêncio aguardamos pelo motivo da convocatória. Foi então que Silvestre Vitalício, envolto num lençol, deu entrada na praça. Transportando um pedaço de madeira evoluiu com porte de profeta até junto do crucifixo. Espetou a madeira na terra, e foi possível, então, entender que era uma tabuleta onde, em baixo-relevo, esculpira um nome. Abrindo os braços, meu pai proclamou:
— Este é o país derradeiro e vai-se chamar Jesusalém. (COUTO, 2009, p. 37).

Para melhor sacramentar a materialização de seu delírio, Silvestre Vitalício foi o mentor de uma cerimônia que comprovasse a fundação de Jesusalém: nesse lugar ermo, sem ligação com a verdadeira realidade que o país estava passando, sendo apenas um casarão abandonado, Vitalício instituía uma nova realidade, não só uma cidade, mas um país: o país derradeiro. Ainda nas palavras do pai: “O mundo acabou, meus filhos. Apenas resta Jesusalém” (COUTO, 2009, p. 21). Não era apenas em sua mente que o exílio é imposto: o pai tenta forçar tanto os filhos quanto os outros agregados a crerem na fantasia de que não havia nada para além de sua criação, mesmo que houvesse um constante contato com o lado-de-lá, sempre visitado por tio Aproximado, e depois com a chegada da portuguesa Marta, a primeira mulher que Mwanito viu na vida e que causa impacto profundo na vida dos homens de Jesusalém.

Temos na suposta cidade um espaço que pode ser tomado como estritamente doméstico, já que pertence teoricamente àqueles poucos habitantes, mas que também não deixa de se mostrar como lugar em que se estabelecem relações controversas: nem público nem privado, refúgio e ao mesmo tempo local que evoca lembranças de outros tempos, assim como recebe influências e notícias do chamado lado-de-lá. Assim, Homi Bhabha especifica em seu O local da cultura:

Os recessos do espaço doméstico tornam-se os lugares das invasões mais intrincadas da história. Nesse deslocamento, as fronteiras entre casa e mundo se confundem e, estranhamente, o privado e o público tornam-se parte um do outro, forçando sobre nós uma visão que é tão dividida quanto desnorteadora. (BHABHA, 2007, p. 30).

Se levarmos em consideração a situação do país em que o romance se desenvolve perceberemos como a citação acima se torna pertinente, já que a guerra civil moçambicana tem o poder de nublar as fronteiras entre público e privado, os conflitos não se apresentam de forma separada da vida das personagens, muito pelo contrário: são parte do cotidiano delas. Mesmo que alguns, como Silvestre Vitalício, não queiram essa amálgama não há como evitá-la: a invasão, como o próprio Bhabha (2007) já deixou claro, é intrincada e silenciosa. Jesusalém é, desse modo, um desses pontos fronteiriços, mesmo que a intenção inicial fosse de isolamento, ainda existe um contato com o mundo extremamente vivo e dinâmico, violento e ameaçador, que permeia o país — o mundo imerso na guerra que sempre ameaça despontar às portas de Jesusalém, para desespero do patriarca que quer ver a si e aos seus o mais distante possível daquela realidade devastadora. Para Nazir Can, em sua obra denominada O campo literário moçambicano:

Nos romances de Mia Couto [...] é já quase um lugar-comum a existência de uma ou mais personagens que se retiram ou são retirados do mundo em que viviam para conhecer a experiência da clausura em outro lugar. A principal característica dos lugares de insílio de Mia Couto é a pequenez, além da identificação entre os protagonistas e os seus novos espaços de afetividade. Outro traço habitual em suas narrativas é o posicionamento ambíguo dos narradores, que ora homologam ora se afastam do imaginário veiculado por suas personagens. (CAN, 2020, p. 37).

Também a noção de fundação está intimamente ligada a essa obra de Couto, já que Jesusalém, a sonhada cidade de redenção por tanto tempo imaginada e mesmo estabelecida como tal por Vitalício, não passa de uma casa grande abandonada no meio rural, sem mais habitantes que não sua própria família que, por sua vez, sonha com o fim do isolamento, já que para eles Jesusalém não passa de uma prisão. Podemos notar como esse espaço é, acima de tudo, um espaço catalizador de conflitos, já que os protagonistas do romance não se movimentam além dele e ele concentra, dessa maneira, as tensões familiares num crescendo que atinge seu clímax ao fim da narrativa de Couto. É lá que este complexo protagonista pretende resgatar seus sonhos de paz, fugindo da violência da cidade para poder criar seus filhos à distância dos conflitos da guerra civil que permeia a realidade de seu país. O que pretende Vitalício, personagem ditatorial e ambíguo, é apartar seus filhos do mundo corrupto, e então compreendemos o sentido bíblico e ao mesmo tempo subversivo do nome da cidade, onde Jesus seria descrucificado.

Conflitos de guerra civil e desenraizamento

O romance Antes de nascer o mundo põe em relevo uma relação curiosa: os irmãos protagonistas, Mwanito, o mais jovem, e Ntunzi, o primogênito, estabelecem dois tipos interessantes de ligação. Primeiro, a ligação fraterna entre eles, que de fato é curiosa se percebermos o tratamento altamente diferenciado que o pai dispensa aos dois. Silvestre Vitalício tem uma clara preferência pelo caçula, que inclusive considera como um “afinador de silêncios” (COUTO, 2009, p. 13). Isso, para o pai, é uma qualidade incomparável, com a qual o jovem Ntunzi não pode competir: alguém que, tanto quanto ele, seja capaz de compartilhar e usufruir das benesses que o silêncio traz. A respeito disso Mwanito, que é o narrador da história contada, relata o seguinte:

A família, a escola, os outros, todos elegem em nós uma centelha promissora, um território em que podemos brilhar. Uns nascem para cantar, outros para dançar, outros nasceram simplesmente para serem outros. Eu nasci para estar calado. Minha única vocação é o silêncio. Foi meu pai que me explicou: tenho inclinação para não falar, um talento para apurar silêncios. Escrevo bem, silêncios, no plural. Sim, porque não há um único silêncio. E todo silêncio é música em estado de gravidez. (COUTO, 2009, p. 13).

Mwanito foi eleito, segundo o pai, para ser alguém que tem um poder especial, o poder de afinar os silêncios. Os papéis convencionais, aos quais o garoto se refere como “a centelha em que podemos brilhar”, não cabem a ele: o miúdo não tem uma vida normal, logo porque seu contexto não está inscrito dentro da normalidade. Para Silvestre Vitalício, esse suposto dom do filho caçula é uma qualidade sem par, já que ele é um homem minimalista: quanto mais puder subtrair do mundo, melhor. Em contraposição, a relação com Ntuzi é altamente conflituosa, permeada de tensões.

Não por acaso essa preferência pelo filho mais novo, já que Mwanito não possui lembranças da vida anterior a Jesusalém, justamente o que Silvestre mais intenta esquecer. Mesmo com isto posto, o fato de o pai preferir um filho a outro não influencia na relação dos dois, pelo contrário, parece inclusive entusiasmar e fortalecer o laço entre irmãos: Ntunzi toma o irmão mais novo, inexperiente tanto pela pouca idade quanto pelas poucas possibilidades que o ambiente oferece, como alguém que precisa ser guiado. Esse contexto familiar em deteriorização entre pais e filhos também se apresenta como um reflexo profundo dos possíveis traumas que a guerra pode trazer para suas vítimas. José Pires Laranjeira, em texto denominado Mia Couto e as literaturas africanas de língua portuguesa, faz a seguinte observação:

A superação dos traumas políticos, ideológicos e literários tornou-se possível somente após a primeira década de independência política [...] se trata, finalmente, de exorcizar os derradeiros fantasmas e medos de cruentas guerras e ameaças de perda de independência, para partir em busca de discursos originalíssimos no contexto dessas literaturas. (LARANJEIRA, 2001, p. 192).

Conforme também afirma Márcio Seligmann-Silva a respeito da relação entre literatura e trauma: “a literatura no século XX foi em grande parte uma literatura marcada pelo seu presente traumático” (SELIGMANN-SILVA, 2002, p. 148). Assim, a narrativa do romance em questão trabalha também no aspecto de exorcizar traumas, trazendo o cenário de guerra subrrepticiamente como um tema que, mesmo que não surja de maneira explícita, permeia toda a história de vida das personagens coutianas em Antes de nascer o mundo. Maria Nazareth Soares Fonseca e Maria Zila Ferreira Cury, em Mia Couto: espaços ficcionais, fazem a inferência a respeito da obra do autor com a seguinte citação:

Num mundo que se fragmenta, palco de guerras e deslocamentos, descaracterização, a palavra escrita assume-se como local privilegiado de conservação e reinvenção da memória. Além disso, ela, escrita, se converte em possibilidade de retomada do espaço de pertença, de um espaço em que o homem possa se reconhecer. (FONSECA; CURY, 2008, p. 25).

Essa concepção da palavra escrita como refúgio é bastante frisada pelo autor, pois, como já dito anteriormente, um dos recursos mais utilizados por ele são os escritos dentro de seus romances — seja em forma de cartas ou diários. No romance em análise, temos a questão da metalinguagem: as personagens que aprendem através das escrituras de outrem. A ideia da escrita como abrigo da memória, como espaço de conservação das lembranças que facilmente resvalam para o esquecimento, num contexto de deslocamentos, fragmentações e também como demarcação de território, como forma de se fazer pertencer a um lugar, é uma das marcas do autor.

O romance também é constituído, inicialmente, pelo deslocamento das personagens, sua ação gira em torno de uma viagem geográfica que tem como intenção um afastamento dos problemas advindos tanto do estado de guerra quanto do cunho subjetivo das personagens, principalmente de Silvestre Vitalício, que crê que esse afastamento do mundo é uma maneira de esquecer a morte da esposa. Essa viagem desperta, inclusive, a curiosidade das outras pessoas que observam, admiradas, aquela família a caminho do campo, como mostra o exemplo:

Nessa odisseia cruzamos com milhares de pessoas que seguiam em rumo inverso: fugindo do campo para a cidade, escapando da guerra rural para se abrigarem na miséria urbana. As pessoas estranhavam: por que motivo a nossa família se embrenhava no interior, onde a nação estava ardendo? (COUTO, 2009, p. 19).

Era, de fato, curioso: em um período tão conturbado, o que motivava aquela família a se distanciar de tudo e de todos, ou pior, a se aproximar daquilo de que todos queriam distância? Sabia-se que o interior do país era mais suscetível aos assédios das guerrilhas. Na concepção do patriarca, no entanto, aquele era o caminho correto a ser feito, o caminho da distância, da proteção de seus filhos.

Assim sendo, podemos entender o pouco significado que Jesusalém possui para aqueles que a habitam, excluindo seu idealizador: os irmãos não conseguem criar um laço forte com aquele pedaço de terra porque ele simplesmente não lhes diz nada, não faz parte de seu passado comum, não lembra boas experiências, não remete à infância. É apenas um lugar onde se abrigam em um período difícil da vida, do país, e que tão logo a guerra termine nada mais significará para aquela família em refúgio. O próprio Mwanito relata: “Na verdade, não nasci em Jesusalém. Sou, digamos, emigrante de um lugar sem nome, sem geografia, sem história” (COUTO, 2009, p. 19). Ele é a demonstração de um caso ainda mais grave: como não possui lembranças de sua vida anterior, não há lugar que Mwanito possa chamar de seu: nem os espaços habitados no passado, nem a atual Jesusalém, que é tão despida de significado e vida própria que só consegue aguçar nas outras personagens as questões relacionadas a deslocamento e desenraizamento. O caso de Ntunzi deixa claro esse sentimento que traz, em si, também algo de indignação:

Meu irmão Ntunzi vivia num só sonho: escapar de Jesusalém. Ele conhecera o mundo, vivera na cidade, lembrava-se da nossa mãe. Tudo isso eu invejava nele. Vezes sem conta lhe pedia que me desse notícias desse universo que eu desconhecia e, de cada vez, ele se demorava em detalhes, cores e iluminações. Os seus olhos brilhavam, crescidos de sonhos. Ntunzi era o meu cinema. (COUTO, 2009, p. 53).

A citação mostra claramente como o conceito de desenraizamento pode ser compreendido, ainda mais em se tratando da personagem Ntunzi: quem vivera outra realidade, como era o caso do irmão mais velho, jamais se habituaria àquela realidade tão pobre, tão morta. Ntunzi não se sentia em casa em Jesusalém, sua verdadeira vida só poderia ser plenamente vivida longe daquele lugar sem expressão, o que aponta para algo que também é visto de maneira recorrente na literatura do autor: o deslocamento de personagens e um sentimento de saudosismo em relação ao passado. Para Nazir Ahmed Can:

Em Mia Couto, o espaço idealizado é, antes de mais, um tempo, situado no passado, de difícil identificação em uma época concreta. Exatamente por expressar um sentido de perda, o desejo de evasão é sempre acompanhado por uma relação problemática com o presente [...] Mais do que o colonialismo e a estrutura armadilhada que o mesmo deixou como legado, a guerra surge como o principal motivo para o isolamento das personagens. (CAN, 2020, p. 40).

Antes de nascer o mundo deixa explícita, em suas inúmeras relações conflituosas entre personagens, contexto social, espaços vivenciados, uma visão de mundo que podemos considerar como sombria, o que se apresenta inclusive como uma novidade dentre as obras de Couto. Apesar da exposição por vezes crua da desagregação pelas quais durante muitos momentos as personagens passam, ainda podemos vislumbrar, mesmo que ocasionalmente, uma réstia de confiança em dias melhores. A última fala de Silvestre Vitalício, o misógino senhor de Jesusalém, ainda intenta mostrar que as esperanças não estão de todo perdidas:

A fronteira entre Jesusalém e a cidade não foi nunca traçada pela distância. O medo e a culpa foram a única fronteira [...] Era isso Jesusalém: não um lugar mas a espera de um Deus que ainda estivesse por nascer. Só esse Deus me aliviaria de um castigo que a mim mesmo havia imposto. Contudo, só agora eu entendi: meus filhos, meus dois filhos, só eles me podem trazer esse perdão. (COUTO, 2009, p. 276).

Considerações finais

Ao longo da análise aqui proposta do romance Antes de nascer o mundo (2009), do moçambicano Mia Couto, investigamos os aspectos concernentes aos conflitos de guerra e aos traumas que estes proporcionam nesta narrativa que é formulada a partir do medo, da culpa e da redenção. Para tanto, primeiramente partimos da observação das características de Couto como autor literário, e sua construção política e estética, para então adentrarmos no romance propriamente dito.

Na narrativa, a guerra civil, apesar de não se apresentar de maneira óbvia, é o mote para toda a movimentação da família do patriarca Silvestre Vitalício. Assim, os traumas causados levam esta complexa personagem a tentar apagar seu passado — e de toda sua família. Este processo de deseraizamento só pode trazer graves consequências às personagens, que também têm suas vidas abaladas com a chegada de uma mulher à fictícia Jesusalém e que proporciona experiências nunca antes vividas aos jovens Ntuzi e Mwanito. As dolorosas feridas deixadas pelo passado só podem ser sanadas a partir da rememoração de Mwanito e da narrativa que este tece — é importante lembrar que ele é o narrador da história que acompanhamos.

As dificuldades enfrentadas pelas personagens, assim, vão sendo transpostas aos poucos ao longo da narrativa, a partir da superação do trauma da perda de Dordalma, esposa de Vitalício, e da compreensão de que é preciso lidar com o passado, e não apenas tentar apagá-lo — o que só ajuda a sublimar o trauma que se apresenta com ainda mais força quando desponta novamente. Assim, o trauma é curado a partir dos resgates da memória familiar, e só a partir deste processo de cura o mundo em desencanto engendrado por Couto em Antes de nascer o mundo pode voltar a apresentar alguma esperança.

Referências

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Resumo:
A presente investigação visa empreender uma leitura do romance Antes de nascer o mundo (2009), do moçambicano Mia Couto, considerando alguns eixos norteadores das representações feitas pelo autor. Assim, por se tratar de uma narrativa que está centrada na vida de personagens que estão escondidos no interior da savana africana a fim de fugir das agruras da guerra, a análise que ora propomos pretende considerar de que maneira a narrativa intenta elaborar e superar determinados traumas causados pela guerra civil moçambicana do pós-independência. Para tanto, serão utilizados como escopo teórico autores como Nazir Can (2020), Elena Brugioni (2019, 2012) e Jane Tutikian (2006) para compreender os mecanismos utilizados pelo autor na intenção de retratar traumas de guerra, esfacelamentos familiares e a própria linguagem elaborada por Couto na representação de uma Moçambique tomada de assalto por conflitos internos.

Palavras-chave:
Antes de nascer o mundo; Guerra civil; Trauma.

 

Abstract:
The present investigation aims to undertake a reading of the novel Antes de nascer o mundo (2009), by the Mozambican Mia Couto, considering some guiding axes of the representations made by the author. Thus, because it is a narrative that is centered on the lives of characters who are hidden inside the African savannah in order to escape the hardships of war, the analysis we now propose intends to consider how the narrative attempts to elaborate and overcome certain traumas caused by the post-independence Mozambican civil war. To this end, authors such as Nazir Can (2020), Elena Brugioni (2019, 2012), and Jane Tutikian (2006) will be used as a theoretical scope to understand the mechanisms used by the author in order to portray war trauma, family breakdowns and the language elaborated by Couto in the representation of a Mozambique assaulted by internal conflicts.

Keywords:
Antes de nascer o mundo; Civil war; Trauma.

 

Recebido para publicação em 31/10/2020
Aceito em 07/01/2020