Revista de Ciências Sociais — Fortaleza, v. 53, n. 3, nov. 2022/fev. 2023
DOI: 10.36517/rcs.2022.3.a02
ISSN: 2318-4620

 

 

Geografias de oportunidades ou efeitos de exclusão?
Analisando o impacto do efeito-território em distintos contextos de pobreza e segregação em Salvador, Brasil

 

Stephan Treuke OrcID
Universidade Federal da Bahia, Brasil
StephanTreuke@hotmail.de

 

Introdução

O campo de investigações versando sobre a reprodução das desigualdades sociais no Brasil tem se concentrado nos últimos anos no desenvolvimento de distintos modelos explicativos que buscam analisar o impacto da reestruturação do mercado de trabalho, da residualização das políticas sociais e do esgarçamento do sistema de suporte intrafamiliar nas condições de vida do indivíduo (KAZTMAN, 1999; KOWARICK, 2009). Entretanto, nos Estados Unidos, as relações causais entre a segregação residencial racial e a reprodução das desigualdades sociais, desde a década de 1990, vêm sendo abordadas à luz do conceito de efeito-território. Este conceito se define como as desvantagens socioeconômicas que impactam nas condições de vida do indivíduo em função da sua inserção em determinados contextos sociorresidenciais.

Neste caso, Wilson (1996) postulou que a população afro-americana habitando os guetos segregados de Chicago correria um maior risco de cair nos circuitos de reprodução da pobreza em função do efeito da concentração espacial de desvantagens estruturais na escala do bairro, englobando altos níveis de desemprego e de violência, escolas dilapidadas, mas também, a falta de modelos de referência positivos e o enfraquecimento da infraestrutura social.

Enquanto isso, nos estudos realizados nas metrópoles brasileiras, o contexto sociorresidencial do bairro, considerado como fator de reprodução da pobreza, não se constituiu em categoria analítica autônoma (ANDRADE; SILVEIRA, 2013). No entanto, desde a década de 2010, delineia-se um crescente interesse em examinar o impacto da concentração espacial de desvantagens estruturais nas condições de vida do indivíduo. Tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil observa-se a prevalência de pesquisas que investigam a incidência quantitativa de determinados fatores intervenientes — como pobreza, desemprego e segregação — nos níveis de renda e de escolaridade ou na estrutura das redes sociais (MARQUES, 2016). Entretanto, poucos estudos brasileiros têm abordado o impacto do efeito-território à base de métodos qualitativos. Conforme Small (2004), uma das vantagens desta aproximação reside na sua utilidade de identificar os mecanismos pelos quais “opera” o efeito-território em um determinado bairro.

O presente trabalho pretende atentar a este desideratum a partir de um estudo qualitativo conduzido em cinco diferentes bairros populares da cidade de Salvador, Brasil. Neste sentido, busca-se, em primeiro lugar, examinar o impacto do efeito-território na integração socioeconômica e nas condições de vida dos moradores dos bairros periféricos São João de Cabrito e Fazenda Grande II/Jaguaripe I, assim como dos moradores dos bairros Calabar, Bate Facho e Vila Verde, localizados em proximidade a bairros das classes média e alta. Em segundo lugar, objetiva-se investigar como e sob quais condições esta relação de proximidade espacial a grupos sociais de maior status econômico mitiga o efeito-território. Para explorar esta temática, revisam-se na primeira seção os principais desenvolvimentos teóricos dentro da abordagem do efeito-território. A segunda seção introduz a metodologia utilizada no estudo de caso, enquanto a terceira seção apresenta os resultados auferidos no estudo comparativo, que serão objeto de discussão na quarta seção.

A abordagem da pobreza a partir do conceito de efeito-território

A discussão em torno do efeito-território foi instigada a partir da aproximação estruturalista às desigualdades sociais de Wilson (1996), que elucidava sobre as consequências da pobreza e segregação para a vida dos afro-americanos habitando os guetos de Chicago. Sua argumentação se norteia no conceito de isolamento social, definido como a dissociação do indivíduo pobre vis-à-vis pessoas e instituições representando a sociedade dominante. Seguindo este raciocínio, o seu confinamento ao contexto social local também dificultaria sua integração econômica em decorrência da falta de acesso a informações sobre vagas de emprego. Neste contexto, Briggs (1998) distingue duas dimensões do capital social que incidem sobre as chances de mobilidade socioeconômica ascendente do indivíduo. Por um lado, os bonding ties, organizados a partir de vínculos entre indivíduos do mesmo grupo social proporcionando a solidariedade intragrupal e a estabilização da situação econômica ao curto prazo. Por outro lado, os bridging ties, suscetíveis de promover “pontes” entre indivíduos socialmente dissimilares que alavancam a mobilidade socioeconômica. Uma série de autores tem comprovado a predominância de bonding ties em contextos de maior pobreza e segregação, apontando suas consequências negativas para a integração no mercado laboral formal (BRIGGS, 1998; SAMPSON, 2012; SMITH, 2007).

Outrossim, Wilson (1996) asseverava que a saída da classe média afro-americana dos guetos teria enfraquecido a capacidade de integração social vertical da população local, considerando-se seu papel de assegurar a viabilidade econômica da infraestrutura social e de transmitir referências sociais positivas. Contribuindo a esta discussão a partir de uma perspectiva criminológica, Sampson (2012) demonstrou que o impacto negativo do contexto sociorresidencial se vê atenuado pela capacidade de controle social informal na escala da comunidade. Vice-versa, a erosão da eficácia coletiva (collective efficacy1) favoreceria a infiltração de estruturas criminosas na sua organização social.

Small e Feldman (2012) destacam três linhas temáticas que sintetizam os principais desenvolvimentos teórico-metodológicos dentro da abordagem do efeito-território nos Estados Unidos, quais sejam: 1) Uma primeira vertente que se debruçou sobre o viés de seleção dentro do efeito-território, argumentando-se que os modelos de regressão estatística seguindo um desenho não-experimental tendiam a omitir determinados fatores intervenientes que causam o deslocamento seletivo do indivíduo para um bairro específico. 2) Uma segunda vertente que criticou a omissão de variáveis extra-locais dentro dos modelos explicativos. 3) Uma terceira vertente que buscou desvendar os mecanismos pelos quais o efeito-território “opera” em um determinado bairro. Como denominador comum, as pesquisas inseridas nestas três vertentes criticam a assunção inicial de Wilson (1987) de um impacto “linear” e “homogêneo” do efeito-território nas condições de vida do indivíduo; particularmente o conceito de isolamento social se tornou crescentemente objeto de críticas que questionaram a concepção do bairro como “contêiner”, onde o espaço social coincide estreitamente com o espaço geográfico.

Para atentar à heterogeneidade do efeito-território, Small (2004) pleiteia por uma leitura “condicional” do impacto da concentração de desvantagens estruturais nas condições de vida do indivíduo, que busca identificar os mecanismos pelos quais “opera” o efeito-território em distintos bairros sem, no entanto, inferir a generalização dos resultados auferidos em um determinado estudo de caso. Esta perspectiva se distancia, por um lado, de uma aproximação “universalista” (universalistic approach) ao efeito-território — conforme inicialmente postulado por Wilson (1996) — que partem da pressuposição de que as relações causais inferidas à base de exemplos de estudos de caso isolados se comprovam na totalidade dos bairros, Por outro lado, a proposta se afasta da leitura “particularista” (particularistic approach) do efeito-território, cujo alcance se esgota na explicação de fatores intervenientes que se verificam apenas em um determinado estudo de caso (SMALL, 2004).

Nos Estados Unidos, o debate em torno do efeito-território impulsionou a implementação de distintas políticas de dessegregação que se norteiam na assunção de “geografias de oportunidades” (GALSTER, 2007). Estas pressupõem que a proximidade de grupos minoritários pobres a uma população de maior status econômico (1) estimula as articulações interclasse; (2) favorece o acesso a informações sobre vagas de emprego, (3) fortalece o controle social informal da comunidade, (4) amplia a exposição a modelos de referência social da classe média e (5) proporciona um melhor acesso a serviços urbanos de alta qualidade. Todavia, uma série de estudos tem demonstrado que não se evidenciaram melhorias substanciais nas áreas de educação e emprego; entretanto, efeitos positivos foram registrados nos indicadores percepção de segurança e saúde física/mental do grupo experimental feminino (CLAMPET-LUNDQUIST; MASSEY, 2008).

Small (2004) constata que os habitantes pobres do bairro Villa Victoria, um enclave étnico porto-riquenho localizado em proximidade ao bairro da classe alta de South-End, Boston, entretêm poucos vínculos sociais com seus vizinhos em virtude da sua estigmatização territorial. Ademais, o autor observa que o fato de o bairro abrigar todas as funções necessárias para a reprodução social da população local, como escolas, creches, supermercados, espaços de lazer e centros comunitários — excetuando-se os postos de emprego — produz seu confinamento ao contexto social local.

No Brasil, o conceito de marginalidade emergiu como conceito central para explicar a re-produção das desigualdades sociais nas décadas de 1950 e 1960 e apontava às deficiências da integração da mão de obra não-qualificada dentro do modelo de substituição de importações (KOWARICK, 2009). Estas desigualdades também se refletiam na organização socioespacial das grandes cidades: Desde o início do século XX, as favelas foram consideradas como representantes espaciais de outro mundo social e cultural, abrigando uma população potencialmente perigosa. Naquela época, uma das questões urbanas mais discutidas remetia ao aparente antagonismo favela e bairro, que impulsionou a realização de uma série de estudos que adotaram um recorte racionalista, higienista ou sanitário e que propunham uma visão moralista dos aglomerados populares que posteriormente iriam legitimar as políticas de remoção das favelas (VALLADARES, 2005).

Em analogia ao contexto estadunidense dos anos 1960, surgiram vozes críticas procurando demonstrar empiricamente o alto grau de organização social-institucional que prevalecia nas favelas e desafiando a hipótese da cultura da pobreza (PERLMAN, 2010). Particularmente, a análise de redes sociais (migratórias) e de organizações locais comunitárias revelava o alto grau de organização social e a existência de um sistema de proteção informal estabelecido dentro dos bairros pobres à base de vínculos de reciprocidade e de solidariedade, tecidos no âmago da família, dos movimentos sociais locais, da Igreja Católica e das associações comunitárias voluntárias (KOWARICK, 2009).

Apesar dos esforços acadêmicos de desconstruir a imagem da favela negativa, a representação dualista favela–bairro retornou ao debate público na década de 1990, mirando particularmente as favelas do Rio de Janeiro, de Salvador, de Fortaleza e de outras grandes metrópoles localizadas no Nordeste brasileiro, onde as taxas de crimes violentos conheceram um aumento considerável (VILLAREAL; DA SILVA, 2006). Machado da Silva e Leite (2007), examinando a relação entre a percepção de risco do indivíduo e a sociabilidade violenta, assinalam a persistência de uma imagem essencialmente negativa da favela, constantemente reproduzida pela mídia televisiva. Nesta representação, as famílias pobres frequentemente são retratadas como coniventes ou envolvidas com o tráfico de drogas. Além do risco de se tornar vítima dos conflitos armados entre os traficantes ou das incursões violentas da polícia, Machado da Silva e Leite (2007) apontam a perturbação das suas rotinas diárias, por exemplo, nas suas trajetórias casa-escola, casa-trabalho, casa-lazer. Enquanto esta percepção de insegurança domina a vida cotidiana de muitos moradores das favelas brasileiras, um dos principais fatores responsáveis pela reprodução do antagonismo favela–bairro remete à própria estigmatização territorial da população local, que dificulta sua integração socioeconômica (KOWARICK, 2009; ZALUAR; RIBEIRO, 2005).

No que tange a análise do efeito-território no Brasil, uma série de estudos quantitativos confirmam um impacto negativo no nível de renda, no acesso ao mercado de trabalho e na modalidade formal/informal do emprego, que acomete particularmente as populações pobres vivendo em bairros periféricos (RIBEIRO, 2005). Já Ribeiro et al. (2010) asseveram que a falta de investimentos públicos em instituições de educação nestes locais se traduz em uma maior distorção idade-série, em um baixo desempenho escolar e em um frequente abandono da escola. Os autores apontam a ausência de modelos de referência social suscetíveis de valorizar a educação como caminho formal para a integração econômica, fato que estimula a adesão a modelos criminosos de provisão de renda. Existem poucos contatos com pessoas e instituições da classe média, situação que prejudica seu acesso a informações sobre empregos. Enquanto estes resultados corroboram em grandes linhas com hipótese do isolamento social postulado por Wilson (1996), Marques (2016) demonstra, à base de um estudo quantitativo conduzido em diferentes bairros pobres e periféricos de São Paulo e Salvador, que o efeito da segregação pode tornar a sociabilidade do indivíduo mais dispersa e diversificada, dado o imperativo de acessar recursos extra-locais. Entretanto, o autor destaca a escassez de articulações extrapolando a própria classe social, como consequência direta da segregação territorial. Contudo, o autor ressalva que esta situação não dificulta necessariamente a integração do indivíduo pobre no mercado laboral formal.

Outro grupo de estudos se debruça sobre a relação de proximidade geográfica entre grupos socialmente distantes e as oportunidades de integração socioeconômica das camadas baixas, destacando-se três vertentes de pesquisas. A primeira vertente enfoca as favelas inseridas nas regiões centrais da cidade — o que corresponde a uma configuração consolidada de vizinhança entre pobres e ricos — e assinala as vantagens locais beneficiando a integração socioeconômica da população pobre, particularmente no setor da construção civil e dos serviços pessoais (como jardineiro, vigilante, cozinheira, faxineira etc.). Nestas configurações espaciais, as articulações entre os grupos socialmente distantes se viam estimulados pelo uso compartilhado dos serviços urbanos locais. Ademais, o espaço público muitas vezes foi utilizado como lugar de venda informal de produtos, como frutas, verduras, comida rápida e bebidas, atentando à demanda dos moradores vizinhos da classe média e alta (KOWARICK, 2009).

A segunda vertente de pesquisas focaliza as configurações de proximidade entre grupos socialmente distantes que emergiam nos vetores de expansão da classe média e alta. Estas correspondem a uma configuração semi-consolidada de vizinhança. Nestes locais, observa-se um enfraquecimento da transmissão de modelos de rol da classe média e o declínio das articulações não-empregatícias entre os grupos socialmente distantes em função da bifurcação entre um sistema público e privado de serviços urbanos e da evitação do espaço público pelas classes média e alta. Esta dinâmica foi acompanhada pela privatização do espaço público e pelo crescente isolamento das classes média e alta em condomínios fechados altamente protegidos (CALDEIRA, 2000). Não obstante, a alta demanda em mão de obra no setor da construção civil atraia ainda muitas famílias pobres que se assentavam em proximidade aos condomínios fechados.

Entretanto, os espaços públicos localizados nas imediações dos condomínios fechados estão crescentemente sendo controlados por vigilantes privados ou agentes policiais; esta tendência reduziu drasticamente as possibilidades de integração econômica das classes baixas a partir do mercado informal (BORSDORF; HIDALGO; VIDAL-KOPPMANN, 2015). Nestas configurações espaciais, as clivagens socioeconômicas se traduziram em conflitos e tensões entre os moradores de condomínios fechados e as populações pobres circunferentes, considerando-se também que, nestas regiões já menos centrais, prevalecem níveis mais altos de violência e de crime (CALDEIRA, 2000). Por exemplo Ribeiro (2005), analisando as articulações sociais em espaços públicos entre os grupos sociais de alta renda e as populações pobres das favelas cariocas, aponta a dialética entre integração econômica e evitamento social. Este evitamento resulta, em grandes medidas, da sua associação com o tráfico de drogas e com um “parasitismo social” que constrange sua integração no mercado laboral formal, dificulta suas articulações com pessoas extra-locais e influencia sua percepção sobre segregação.

Já a terceira vertente de pesquisas focaliza nas configurações espaciais de vizinhança entre grupos socialmente distantes que emergiram como resultado da construção de condomínios fechados das classes média e alta nas franjas urbanas das grandes cidades brasileiras desde a década de 1990. Estas configurações emergentes de vizinhança podem ser encontradas nas áreas periféricas das grandes cidades, majoritariamente habitadas pelas classes (média-)baixas mas também em áreas periféricas onde predominam as moradias da habitação social da classe baixa (BORSDORF; HIDALGO; VIDAL-KOPPMANN, 2015). Neste contexto, a maioria das pesquisas foi realizada no Chile, no México e na Argentina, enquanto poucos estudos foram realizados no Brasil. Em alinhamento com Sabatini e Salcedo (2007), a construção de condomínios fechados de alto padrão nestas regiões induziu a dispersão das classes baixas dentro do espaço e contribuiu à diminuição da escala de segregação na Região Metropolitana de Santiago. Os autores afirmam que a construção de condomínios de luxo nas franjas urbanas aumentou as oportunidades de emprego para as classes baixas e também atraiu investimentos públicos e privados em serviços urbanos locais. Este processo se traduziu em uma maior valorização dos bairros pobres circunferentes, tanto em termos de valor de terra quanto em termos de percepção da população pobre de estar socialmente integrada. Por outro lado, os estudos de Ruiz-Tagle (2016), conduzidos também em Santiago do Chile, demonstram que as chances de integração econômica a partir do setor de serviços diminuíram drasticamente, em função da estigmatização territorial. Os moradores dos condomínios fechados vizinhos prefeririam contratar seus funcionários dos bairros pobres mais distantes, fato que anula as vantagens locais para a população pobre.

Neste estudo, propõe-se examinar tanto o efeito-território, quanto as articulações não-empregatícias entre os grupos socialmente distantes vivendo em proximidade espacial nas três acima delineadas configurações de vizinhança. Para este propósito, recorre-se à aproximação metodológica de Häußermann (2003) que, em diferença aos estudos que enfocam os parâmetros nível de renda, status ocupacional e nível de escolaridade, parte de uma análise multidimensional do efeito-território: Häußermann (2003) sugere que o efeito-território não interfere apenas no acesso ao mercado de trabalho e no desempenho escolar, mas também influencia as articulações sociais (particularmente com pessoas não-locais), o controle social informal e a percepção subjetiva sobre a segregação.

Considerações metodológicas e áreas de estudo

No plano metodológico, recorre-se ao arcabouço proposto pelo sociólogo alemão Häußermann (2003). Esta aproximação analítica possui a vantagem de evitar uma análise unilateralmente deficitária do contexto sociorresidencial à medida que considera tanto os mecanismos reprodutores da pobreza, quanto os mecanismos e processos “compensatórios”, suscetíveis de mitigar situações de vulnerabilidade social, como redes de apoio e de suporte. O autor distingue três dimensões: a dimensão material, a dimensão social e a dimensão simbólica, conforme demonstrado pela Tabela 1.

Tabela 1: As três dimensões do efeito-território.

Dimensões Fatores intervenientes Efeitos potenciais (negativos / positivos)
Dimensão Material

- localização do bairro dentro da estrutura espacial da cidade;

- acesso ao mercado de trabalho;

- acesso à infraestrutura local (social, cultural, comercial);

- acesso ao espaço público e de lazer;

- acesso ao transporte público;

- qualidade física do habitat;

- dificuldades de acessar postos de emprego;

- deficiências qualitativas e quantitativas na infraestrutura local (por exemplo: escolas e hospitais);

- ausência de espaço público e de lazer;

- ausência de vínculos tecidos em associações e instituições comunitárias;

- ausência de mobilização política dentro da comunidade;

- riscos de inundação, desabamento, etc.;

- maior risco de exposição à violência física;

Dimensão Social

- capital social: bonding e bridging ties;

- mobilização dos recursos sociais para acessar; recursos não-materiais;

- acesso a modelos de referência social e grupos de pares;

- eficácia coletiva;

- dificuldades de articular-se com indivíduos extra-locais;

- dificuldades de entrar em contato com pessoas da classe média (fora do contexto de trabalho);

- dificuldades de obter informações sobre vagas de emprego;

- dificuldades de acessar recursos não-materiais;

- falta de contato com modelos de referência e grupos de pares da classe média;

- risco de exposição a indivíduos envolvidos no tráfico de drogas;

- enfraquecimento das normas sociais e da capacidade de controle social informal;

- enfraquecimento da confiança e coesão social;

Dimensão Simbólica

- discriminação / estigmatização territorial;

- discriminação institucional;

- dificuldades no processo de procura de emprego;

- dificuldades de articular-se com pessoas extra-locais;

- discriminação (por exemplo na escola, nas abordagens policiais, no hospital);

- percepção de estar excluído/a dentro da região circunferente e em relação à sociedade;

- falta de identificação territorial.

Fonte: Elaboração própria.

A dimensão material remete à localização geográfica do bairro em relação ao conjunto da cidade abordando-se aspectos atinentes ao acesso do indivíduo ao mercado de trabalho, transporte público, serviços urbanos e à infraestrutura comercial, social e cultural, entre outros. A dimensão social abrange três componentes analíticos, quais sejam: a estrutura das redes sociais; a capacidade de eficácia coletiva; assim como a influência de grupos de pares e dos modelos de referência locais em processos de socialização. Já na dimensão simbólica, indaga-se acerca do impacto negativo provocado na mobilidade socioeconômica e nas condições de vida do indivíduo através da estigmatização territorial, que pode produzir diversas experiências de desintegração nos indivíduos, como por exemplo na procura de emprego e na articulação com pessoas extra-locais.

Convém ressaltar que, em nossa pesquisa, enfatiza-se a forte relevância das redes sociais e institucionais na sua função de mitigar as situações de vulnerabilidade social. Esta premissa se fundamenta no argumento de que, em virtude da reduzida capacidade de absorção de grandes contingentes populacionais no mercado de trabalho formal e da ausência de um sistema de bem-estar social, a reprodução social das camadas baixas no Brasil esteve historicamente assentada na combinação entre mercado (informal), família e comunidade (KOWARICK, 2009).

Para o nosso objetivo, examina-se, em primeiro lugar, a participação do indivíduo nas diferentes esferas de sociabilidade no intuito de avaliar se este recorre nas suas interações cotidianas a vínculos sociais locais ou extra-locais (MARQUES, 2016). Em nosso caso, distingue-se entre, por um lado, as esferas de sociabilidade primárias, quais sejam: a família, amigos e os vizinhos, caraterizadas por um alto grau de homofilia e localismo e, por outro lado, as esferas de sociabilidade secundárias, quais sejam: o trabalho, os estudos, as associações (não-leigas) e o lazer. Pressupõe-se que estas últimas ampliam o espectro e a diversidade dos vínculos sociais dos entrevistados, com importantes implicações para sua integração econômica. Em segundo lugar, busca-se explorar como os entrevistados encontram oportunidades empregatícias, tanto no seu próprio bairro, quanto nos condomínios vizinhos da classe média alta, examinando-se particularmente a importância de pessoas-chave dentro de determinadas redes sociais que possam intermediar o acesso a trabalhos desempenhados nos condomínios. Em terceiro lugar, procura-se examinar se os habitantes recorrem preponderantemente a bonding ties ou bridging ties para obter suporte material e não-material.

Levou-se em consideração a abordagem de grupos semelhantes e modelos de referência social em processos de socialização, que se justifica em atendimento à hipótese central de Wilson (1987) do isolamento social. Neste sentido, pressupõe-se um enfraquecimento da legitimidade dos canais “formais” de mobilidade social, como a frequência à escola, a obediência às normas legais vigentes, o respeito à vida dos outros moradores, atentando-se particularmente à influência de jovens e adultos afiliados ao tráfico de drogas nos locais analisados. Também, adotou-se o conceito de eficácia coletiva no nosso arcabouço metodológico, dado que se pressupõe um impacto significativo da criminalidade e da violência na organização social da comunidade e nas condições de vida do indivíduo. Neste sentido, recorre-se ao índice composto de eficácia coletiva, elaborado por Sampson (2012), para avaliar a capacidade do indivíduo de controle social informal.

Para explorar as distintas formas de articulação entre os grupos socialmente distantes à luz do seu potencial de mitigar este efeito, a pesquisa se orienta nas reflexões de Small (2004) acerca das funções que o bairro de residência cumpre na reprodução social do indivíduo, quais sejam: a família; a provisão de recursos materiais, sociais e culturais; o lazer; a vizinhança; o transporte. A distribuição destas funções — analisada neste trabalho a partir da variável “grau de autonomia funcional do bairro” — incide sobre o grau de abertura ou de isolamento social que o local de residência promove nas articulações cotidianas do indivíduo. Pressupõe-se uma variabilidade entre, por um lado, o preenchimento de todas as supracitadas funções no bairro e, por outro lado, a ausência destas funções — abstraindo-se dos fatores “família” e “vizinhança” que possuem um caráter essencialmente local.

Já o “grau de imbricação funcional” da população vis-à-vis os bairros circunferentes de elite levam em consideração as articulações econômicas (relações empregatícias), sociais (trocas de sociabilidade) e simbólicas (percepção do “outro”) entre os grupos socialmente distantes. Este indicador é estreitamente vinculado ao “grau de autonomia funcional do bairro” já que indaga sobre as efetivas possibilidades de participação socioeconômica do indivíduo no seu entorno geográfico.

Nos cincos bairros onde foram conduzidas as entrevistas, observa-se a superposição de uma série de desvantagens estruturais, neste caso: baixos níveis de renda e de escolaridade e uma alta taxa de homicídios. A concentração espacial destas desvantagens pode ser visualizada na Figura 12 que retrata as fortes disparidades com respeito ao nível médio de renda familiar e à incidência de homicídios. Estas se manifestam na escala macrourbana no antagonismo entre “centro” — abrangendo o Centro e a Orla Atlântica, localizados no sul e no sudoeste da cidade — e a “periferia” — englobando o Subúrbio Ferroviário/Ilhas e o “Miolo Urbano”, localizados no nordeste e no noroeste de Salvador. Já na escala microurbana, o município se caracteriza por uma organização socioespacial mais fragmentada, marcada pela contiguidade entre bairros abrigando uma população de alto status socioeconômico e bairros populares.

Figura 1: Nível de renda e taxa de homicídios nos cinco bairros analisados
Fonte: Elaboração própria

Considerando-se a concentração de desvantagens estruturais na escala do bairro assim como o grau de vulnerabilidade social das populações dos cinco bairros — conforme apresentado pela Tabela 2 — levanta-se a hipótese de que existe um maior impacto negativo do efeito-território nas condições de vida dos moradores dos bairros periféricos São João do Cabrito e Fazenda Grande II/Jaguaripe.

Tabela 2: Perfil sociodemográfico e situação de vulnerabilidade das populações dos cinco bairros

Fonte: Elaboração própria.

No total, foram conduzidas cem entrevistas semiestruturadas no período de julho a outubro de 2018 com aproximadamente uma hora de duração, em distintos locais dos bairros e em diferentes horários, abordando-se as pessoas na rua ou visitando as pessoas nas suas respetivas casas através da intermediação pelos líderes comunitários. Procurava-se selecionar um número equânime de entrevistados representando as três faixas etárias: — menos que 18 anos, 18 a 65 anos e maior que 65 anos, no intuito de facilitar a comparação entre os cinco locais (cf. Tabela 3).

Tabela 3: Perfil socioeconômico dos entrevistados

Fonte: Elaboração própria.

Fonte: Elaboração própria.

A escolha intencional de uma maior proporção de entrevistados da faixa de “entre 18 e 65 anos” dentro da amostra se justifica à luz da assunção que estes já se encontram inseridos no mercado de trabalho formal/informal. Pressupõe-se que estes podem fornecer importantes informações sobre suas relações empregatícias com os condomínios fechados vizinhos, um dos aspectos-chave deste estudo.

Realizou-se uma primeira rodada de dez entrevistas que seguia uma estrutura de questões mais aberta e que já oferecia primeiros insights sobre o contexto sócio-residencial dos entrevistados. Este procedimento facilitou a elaboração do questionário final3 que serviu como ponto de partida para a segunda rodada de entrevistas, enfatizando-se os aspectos considerados como mais relevantes. A estrutura semiaberta das entrevistas nos permitia cobrir um maior espectro de assuntos relacionados ao efeito-território, que variavam principalmente em função do ciclo de vida do entrevistado, e de identificar as estruturas comuns dentro da construção social da sua realidade (LUCKMANN; BERGER, 1991).

Examinando o efeito-território em cinco bairros pobres de Salvador: Dimensão material

O estudo revela que em todos os cinco bairros prevalecem as dificuldades em termos de acesso a escolas, creches, postos de saúde e espaços de lazer. Outrossim, atesta-se a escassez de oportunidades de emprego dentro do bairro, com a exceção da Fazenda Grande II/Jaguaripe I, que abriga um amplo comércio local. Dadas estas circunstâncias, virtualmente todos os entrevistados afirmam que precisam se deslocar para outros bairros para trabalhar, estudar e acessar determinados serviços não-materiais. Desta forma, corroboram-se diferentes (des)vantagens locacionais que se reportam à distância dos bairros às regiões agregando a maior oferta de postos de emprego e de serviços públicos de alta qualidade, quais sejam: o Centro e a Orla Atlântica. Entre os três bairros localizados em proximidade a condomínios da classe média e alta, observa-se uma nítida diferença entre o Calabar — cujo entorno geográfico oferece as maiores oportunidades de participação socioeconômica da sua população — nomeadamente no setor dos serviços pessoais e a partir da apropriação dos espaços públicos para a mercantilização de produtos não-duráveis — e o Bate Facho, que se localiza nas imediações do centro comercial-financeiro da região Iguatemi-Tancredo Neves. Neste último caso, a proximidade a uma das principais bacias de emprego da cidade não beneficia sua integração econômica, já que a maioria das atividades profissionais, como funcionários de loja, técnicos, operadores de caixa e recepcionistas, requer maiores níveis de formação educacional e profissional.

Contrastando com a relação estável entre demanda e oferta que se delineia no caso do Calabar e seus condomínios vizinhos da classe média e alta, os entrevistados do Bate Facho apontaram que o “grau de imbricação funcional” vis-à-vis o bairro Imbuí vem apresentando sinais de enfraquecimento desde alguns anos devido (1) ao declínio da demanda em serviços pessoais atribuído à perda do poder econômico da classe média; (2) à priorização do fator “imagem externa e segurança do bairro” dentro do recrutamento dos funcionários dos condomínios. Neste caso, o bairro é considerado violento e, por isso, seus moradores não são contratados. Vale ressaltar que a proximidade geográfica durante muitos anos era considerada pelos moradores do Bate Facho como a principal garantia de ser contratado, já que isentava os empregadores de arcar com as despesas de deslocamento; (3) o aumento dos gastos salariais dos funcionários que dificulta particularmente a contratação da empregada doméstica com carteira assinada.

Os resultados auferidos nesta localidade também exemplificam que, ao contrário do Calabar, a proximidade a grupos sociais de maior status econômico não promove automaticamente “externalidades positivas” para a integração econômica dos entrevistados — como a possibilidade de vender determinados produtos não-duráveis nos espaços públicos — em virtude da forte presença de dispositivos de segurança que impedem a realização de atividades comerciais em frente aos condomínios vizinhos. O declínio do “grau de imbricação funcional” também é frequentemente visualizado como resultado da revitalização urbana da Praça do Imbuí, um espaço que antigamente era utilizado pelos entrevistados para a mercantilização de lanches e bebidas. No transcorrer dos últimos anos, esta localidade se converteu em um espaço de bares voltado para os grupos sociais com maior poder aquisitivo dos bairros vizinhos Imbuí, Piatã e Patamares, uma dinâmica que excluiu os moradores do Bate Facho de frequentar este espaço:

Sim, as pessoas daqui sempre conversavam bastante com os moradores do Imbuí e arredores, sobretudo nesta Praça do Imbuí onde tomávamos cerveja e vendíamos nossos produtos. Hoje em dia, acabou isso, é caro demais e tem muita segurança que nos impede a vender (Ana, 64 anos, desempregada).4

Inferindo a partir das observações de Ana, a antiga Praça do Imbuí assumia um papel central na intermediação para empregos no mercado laboral informal e inclusive para uma vaga de porteiro, jardineiro ou doméstica através das conversas informais com os moradores dos condomínios vizinhos; esta função se perdeu ao longo dos últimos anos e reflete o aumento dos conflitos com os moradores do Imbuí que, conforme Pedro, um carpinteiro de 43 anos, visualizam o Bate Facho como enclave pobre em meio de uma região altamente valorizada de Salvador.

Entretanto, no bairro de Vila Verde, os entrevistados declararam se sentir explorados como mão de obra barata pelas empresas localizadas no seu entorno geográfico, entre outras o Salvador Norte Shopping e vários supermercados e lojas de construção de atacadão. Segundo Marcos, um vigilante do Hotel Ibis Hangar Business, de 23 anos, os empregadores aproveitam das suas precárias condições financeiras para justificar os baixos salários, uma prática que frequentemente coaduna com distintas formas de discriminação registradas no setor hoteleiro. No contexto de uma generalizada valorização dos bairros margeando a Avenida Paralela, são principalmente os entrevistados mais idosos que reclamam do aumento contínuo das despesas diárias para água, luz, transporte e aluguel. Enquanto considerada como benéfica para a identificação territorial da população dos bairros periféricos de Santiago por Salcedo e Torres (2004), esta tendência se revela como detrimental no caso do Vila Verde já que os investimentos públicos em infraestrutura urbana e serviços de saneamento básico contribuíram à expulsão dos moradores mais pobres vivendo de aluguel. Conforme o depoimento de Moisés, líder comunitário de 58 anos, estas famílias se veem obrigadas a mudar-se para as regiões mais recuadas do “Miolo Urbano”, onde enfrentam maiores dificuldades de encontrar um emprego.

Contrastando com os resultados auferidos nos estudos que frisam as amplas oportunidades de integração econômica em situações de proximidade aos grupos de maior status econômico (SABATINI; SALCEDO, 2007), chama a atenção que nenhum dos entrevistados do bairro Vila Verde declara estar trabalhando atualmente dentro dos condomínios do Alphaville II. Segundo Eduardo, no início da construção deste condomínio, a população do Vila Verde criava grandes expectativas com a chegada de famílias de maior poder aquisitivo e apostava em amplas oportunidades de trabalhar no setor de serviços pessoais. Em vários relatos, aparecem as tentativas frustradas de oferecer sua mão de obra na construção civil; contrariando as expectativas iniciais, as empresas imobiliárias responsáveis recrutaram os operários de bairros mais distantes, alegando que não havia mais vaga para a população do Vila Verde, uma afirmação percebida como discriminatória pela maioria dos entrevistados. Conforme os depoimentos, os moradores nem conseguiam ter acesso ao condomínio, sendo sua entrada barrada pelos porteiros do condomínio. Esta falta de acesso ao condomínio ainda se vê agravada pela ausência de espaços públicos suscetíveis de facilitar a instalação de pequenos estabelecimentos comerciais para a venda de produtos não-duráveis em proximidade à Alphaville II.

Dimensão social

A análise comparativa das estruturas das redes sociais — visualizada pela Tabela 4 — revela uma preponderante afiliação dos entrevistados do bairro periférico São João do Cabrito e, em dimensões menores, do bairro Vila Verde, às esferas de sociabilidade primárias, mesmo controlando pelos fatores de níveis de renda e de educação, status ocupacional e idade. Nestes dois contextos, destaca-se a existência de amplas redes de suporte tecidas no âmago de famílias extensas dividindo a mesma moradia que promovem o suporte social e a estabilização da situação econômica dos membros mais vulneráveis a partir de bonding ties.

Tabela 4: Tipos de sociabilidade

Fonte: Elaboração própria.

Fonte: Elaboração própria.

A tendência de encapsulamento das redes sociais que decorre da dissociação dos entrevistados com a esfera de sociabilidade secundária “trabalho” se vê agravada pelos elevados níveis de precariedade material da população, uma dinâmica que também enfraquece substancialmente as estruturas de suporte entre os vizinhos e que arrisca de desmantelar a infraestrutura social e cultural do bairro. Neste caso, a agregação de redes altamente fragmentadas com poucas conexões intergrupais cria obstáculos a sua integração econômica dada a redundância da informação transmitida.

O baixo grau de diversidade interna das suas redes também decorre do fato que os entrevistados se articulam preponderantemente com amigos e parentes habitando os bairros vizinhos do Subúrbio Ferroviário e acessam os recursos necessários para sua reprodução social — como escolas, creches, postos de saúde, espaços de lazer — dentro desta mesma região. Este maior grau de “autonomia funcional” da região — considerando-se os bairros vizinhos do Lobato, Alto do Cabrito, Pirajá e Plataforma em conjunto — deixa o contato para fora mais indispensável, uma situação que também diminui as chances de exposição dos seus moradores a modelos de referência da classe média no âmbito da escola e da vizinhança (SMALL, 2004; WILSON, 1996). Entretanto, a frequente mobilização de uma densa rede de suporte entre vizinhos pode ser atestada no caso do Bate Facho, conforme demonstra a seguinte citação:

Quando tivemos estes alagamentos, todo mundo saiu da casa para oferecer ajuda ao vizinho a quem perdeu seus móveis. Alguns perderam tudo. Eu acho que isso é uma das vantagens aqui. Já que somos uma comunidade muito pobre, todo mundo se ajuda (Michelle, 26 anos, desempregada).

Esta observação, confirmada por muitos outros entrevistados que comentaram sobre os alagamentos de 2008, ilustra como a comunidade pobre de Bate Facho, onde a maioria dos moradores sobrevive com poucos recursos, consegue mobilizar uma ampla estrutura de suporte entre os vizinhos em situações de emergência, mas também no dia a dia, como por exemplo no empréstimo de alimentos, na construção da casa própria e no suporte em casos de doença. Esta grande vitalidade do sistema primário de suporte não se comprova nos bairros mais consolidados do Calabar e Fazenda Grande II/Jaguaripe, onde a solidariedade entre os vizinhos enfraqueceu substancialmente, uma vez que a população ganhou acesso aos principais serviços urbanos.

Nestes dois bairros, que abrigam uma população menos pobre e socioeconomicamente mais heterogênea, ganham maior relevância as esferas de sociabilidade secundárias — particularmente o lugar de trabalho, os estudos no ensino superior e as associações não-leigas — dentro da estrutura das redes sociais dos entrevistados, que proporcionam um maior contato com pessoas socialmente dissimilares. No Calabar, chama a atenção a expressiva orientação das relações sociais para os bairros vizinhos, fato que se traduz em um menor grau de localismo e homofilia caracterizando suas redes sociais, conforme já observado por Marques (2016) em contextos de segregação similares de São Paulo. No entanto, trata-se de uma causalidade que não se comprova nos demais bairros compartilhando a mesma situação de proximidade a grupos sociais de maior status econômico: no Bate Facho — bairro apresentando as maiores deficiências em termos de acesso a escolas, postos de saúde e espaços de lazer — as oportunidades de integração socioeconômica vis-à-vis seu entorno geográfico se veem reduzidas em função da estigmatização territorial da sua população e da predominância da função residencial do bairro vizinho Imbuí. Enquanto isso, no Calabar, o acesso a informações sobre vagas de emprego se vê beneficiado tanto pela intermediação através de pessoas-chave já trabalhando nos condomínios vizinhos, quanto pelas redes tecidas nas esferas primárias de sociabilidade promovendo o acesso ao mercado laboral informal.

Chama a atenção que, apesar da proximidade dos bairros Calabar, Bate Facho e Vila Verde aos vizinhos da classe média e alta, os padrões de distância social são mantidos em todas as esferas de vida, com exceção das relações empregatícias. Conforme já evidenciado no caso de Vila Verde, estas relações frequentemente assumem um caráter servil que mantém inalteradas as hierarquias sociais entre empregado e empregador, uma situação que se manifesta particularmente no setor dos serviços pessoais. Esta dinâmica pode ser explicada à luz da crescente estigmatização territorial da população e do acesso segmentado aos serviços urbanos locais concentrados nos arredores, conforme já amplamente documentado na literatura pertinente (RIBEIRO, 2005; RUIZ-TAGLE, 2016).

No que tange à mobilização das redes sociais para acessar recursos não-materiais, apontam-se alterações nos sistemas primários de suporte, uma dinâmica frequentemente atribuída à perda de confiança entre os vizinhos e à emergência de um estilo de vida mais individualista. O declínio da estrutura de suporte entre os vizinhos foi parcialmente compensado pela afiliação a redes associativas tecidas entre os membros das igrejas evangélicas — no caso do bairro mais pobre de São João do Cabrito — e no âmago das associações de moradores, nos demais bairros analisados. Ambos promovem uma ampla gama de recursos não-materiais, como a distribuição de comida, pequenos empréstimos, doação de roupa, conquanto o acesso à estrutura de suporte montada pelas igrejas evangélicas se restrinja aos seus próprios membros.

Convém ressaltar que a afiliação às igrejas evangélicas não promove automaticamente a integração econômica do indivíduo, senão varia em função da sua articulação com as demais igrejas da mesma denominação espalhadas pela cidade e da sua capacidade de mobilização de contatos com políticos locais. Sendo assim, a afiliação às igrejas evangélicas na Fazenda Grande II/Jaguaripe em virtualmente todos os casos se traduz em um maior acesso a recursos e informações sobre vagas de emprego, enquanto tanto no bairro São João do Cabrito e Bate Facho, esta função alavancadora não se comprova, já que as igrejas possuem escassas articulações com recursos extra-locais.

Observam-se substanciais variações no que tange a afiliação e ativa participação dos entrevistados nas associações de moradores e ONGs, duas instituições que tradicionalmente vêm promovendo uma ampla gama de suporte não-material para as famílias mais vulneráveis no bairro. Enquanto o Calabar e a Fazenda Grande II/Jaguaripe I possuem uma trajetória já consolidada de mobilização coletiva que se articula através das associações de moradores e dos líderes comunitários, nos outros três bairros, observa-se uma certa erosão desta estrutura de suporte institucional.

Similar ao contexto estadunidense (SAMPSON, 2012), esta tendência deve ser explicada à luz da seletiva migração dos grupos sociais de maior status econômico para bairros considerados mais “seguros” e mais próximos aos principais mercados de trabalho. Ao mesmo tempo, os entrevistados apontam um generalizado declínio da mobilização coletiva através de associações em prol do bem-estar da comunidade. Devido à fragmentação dos interesses, ao aumento dos litígios entre os vizinhos e ao medo dos traficantes de drogas, a geração mais nova dos moradores não consegue articular-se através dessas redes associativas, uma situação que, segundo Mateus, líder comunitário do Bate Facho, favoreceu a infiltração de grupos criminosos na organização social do bairro. Esta dinâmica se comprova principalmente no caso de São João do Cabrito, onde a ausência de organizações filantrópicas e associações de bairro capazes de promover referências sociais positivas — em conjunção com a escassez de oportunidades de emprego e baixos níveis de educação — são considerados como fatores que estimulam o envolvimento dos moradores em atividades ilícitas como a venda de drogas.

Com respeito à capacidade de eficácia coletiva nos cinco bairros, corrobora-se o argumento de Sampson (2012) de que a alta incidência de atividades criminosas e de homicídios tende a enfraquecer os mecanismos de controle social informal como resultado do medo de ser vitimizado e da desconfiança dos entrevistados vis-à-vis residentes desconhecidos. Destaca-se a alta disposição de intervir no controle social informal no Calabar e na Fazenda Grande II/Jaguaripe I, bairros habitados por pessoas com maior renda per capita e que abrigam uma forte infraestrutura social e cultural.

No Calabar, os entrevistados destacam a importância das iniciativas de prevenção ao crime, partindo, por um lado, da própria BCS, das igrejas evangélicas e da biblioteca comunitária e, por outro lado, dos líderes comunitários. Já no caso de Bate Facho, o alto grau de coesão e de solidariedade entre os moradores fortalece a capacidade de eficácia coletiva, sendo que a grande maioria dos entrevistados declarou intervir regularmente quando se instala uma briga em frente da sua casa ou quando adolescentes desrespeitam pessoas idosas na via pública. Na Fazenda Grande II/Jaguaripe verifica-se uma alta disposição de se entreajudar no caso dos vizinhos, amigos e parentes, particularmente no que tange os cuidados das crianças, vigiar a casa do outro e levar o vizinho ao hospital, fato que também se atrela à maior presença de mulheres em casa durante o dia — conforme também observado no Bate Facho. Segundo José, líder comunitário do Jaguaripe I, de 52 anos, existe um consenso com respeito ao reconhecimento da importância de participar ativamente em processos decisórios das políticas urbanas e de elaborar estratégias de prevenção do crime, como a criação de um grupo de monitoramento de adolescentes na rua, escoltas para a escola e um “rodízio” de atividades de lazer para crianças partindo da iniciativa de algumas famílias moradores dos condomínios.

Já no caso do Vila Verde, as atividades ilícitas vinculadas ao tráfico de drogas criaram estruturas paralelas de organização social do bairro. Conforme os entrevistados, suas rotinas diárias se veem constrangidas pelas disputas violentes sobre o controle do tráfico de drogas que ameaçam encerrar as atividades comerciais e suspender o transporte público e as aulas nas escolas. Tanto no bairro de Vila Verde quanto em São João do Cabrito, registra-se uma significante desestabilização da organização comunitária em decorrência da violência que contribui à erosão da capacidade dos entrevistados de vigiar pela ordem social e de se engajar pelo bem coletivo da comunidade em um sentido mais amplo. Estas dificuldades de enfrentamento dos grupos criminosos no local tiveram como consequência uma intervenção mais repressiva da polícia comunitária. Prevalece um receio generalizado dentro da população em intervir em situações em que a criança e o adolescente se encontram “à toa” na rua ou onde uma pessoa adulta é desrespeitada nos espaços públicos, dado o menor poder de controle e de correção sobre o comportamento e o risco de sofrer represálias.

Dimensão Simbólica

Na dimensão simbólica, identificam-se as maiores convergências entre os cinco bairros, nomeadamente no que tange o impacto da estigmatização territorial na procura de emprego e na articulação com pessoas extra-locais. No Calabar, vários depoimentos demonstram que o empregador reage com receio quando este chega a ser informado sobre o local de residência do potencial funcionário, frequentemente associado com a imagem anterior do bairro, por longo tempo considerado como bastião do tráfico de drogas:

Aqui até que tem muitas oportunidades de emprego, dentro dos condomínios. Quando fui pra entrevista, já olhavam estranho para mim, que fiquei desconfiada. Mas tinha que ver a reação quando eu falei que moro no Calabar. Ohh, o Calabar, sim, vamos ligar depois. Um dia depois me ligaram e falaram que a vaga já foi preenchida (Eliane, 23 anos, dona de casa).

A reprodução desta imagem pela mídia e o fato que poucos não-residentes visitam o Calabar reduzem as chances de interação com pessoas extra-locais; esta dinâmica pode ser interpretada à luz do isolamento espacial do bairro, contando com apenas duas entradas carroçáveis, uma situação que se comprova também no caso de Bate Facho. Contudo, chama a atenção o fato que a imagem atribuída pelo exterior não corresponde à realidade vivenciada dentro do bairro, segundo a percepção dos entrevistados do Calabar. Para desassociar-se do estigma territorial, as estratégias discursivas se centram na imagem de uma comunidade “engajada” com uma longa história de mobilização coletiva e política, enquanto se discerne uma nítida diferenciação interna entre os “trabalhadores honestos” e aqueles moradores considerados como “ociosos, traficantes e beneficiários da Bolsa Família”, conforme afirma Miguel, um estudante de segundo grau de 18 anos.

No Vila Verde, os estigmas que acometem a população residente resultam da associação do bairro com os locais vizinhos Mussurunga e São Cristóvão, com uma forte presença de facções criminosas rivalizando pelo controle da venda de drogas nas regiões. Neste caso, destacam-se os constrangimentos na procura de um emprego, a abordagem institucional enviesada pela polícia e as dificuldades de se relacionar com não-residentes. Além disso, os entrevistados declararam não poder acessar determinados serviços privados, como o sistema de transporte privado ou planos de internet, já que os funcionários das empresas e até a ambulância evitam entrar no bairro diante dos altos níveis de homicídios. No caso de Bate Facho, além do sentimento de estarem excluídos de frequentar a Praça do Imbuí, os entrevistados apontam práticas discriminatórias no uso compartilhado do playground para crianças localizado na área fronteiriça com o Imbuí. Este espaço se tornou objeto de constantes conflitos, instigados pela tentativa dos moradores dos condomínios de impedir o acesso dos moradores do Bate Facho através do encercamento do local. No que tange a percepção dos entrevistados dos três bairros localizados próximos a condomínios de elite acerca da segregação residencial, seu sentido de “pertencer” ou de estar “excluído” de uma região predominantemente habitada pelas classes média e alta está diretamente correlacionada às suas chances de participação socioeconômica no seu entorno geográfico: os entrevistados do Calabar apresentam o grau mais elevado de identificação territorial, onde “ninguém sai sem um bom motivo” — conforme atesta Ana, uma garçonete de 18 anos, dada a proximidade estratégica ao centro da cidade e aos principais mercados de trabalho formal e informal. Esta percepção de oportunidades mais amplas declina nos bairros menos centrais que se inserem em uma região onde predomina o uso residencial do espaço e onde os habitantes gradativamente foram excluídos do espaço público ou ameaçados de sair diante do aumento das despesas de vida.

Convém salientar que em todos os três bairros localizados em proximidade à classe média e à alta, as fronteiras físicas e simbólicas foram internalizadas por um discurso similar nas entrevistas, que distingue diferentes “mundos de vida” e desiguais oportunidades de ascensão socioeconômica, particularmente no que tange o acesso a escolas públicas e segurança comunitária. Práticas de distinção deflagradas no uso do espaço público, como no uso dos equipamentos esportivos e pistas de caminhada, corroboram o argumento que a desigual distribuição dos capitais econômico, social e cultural cria obstáculos às trocas de sociabilidade entre os grupos socialmente distantes vivendo em proximidade geográfica, com a exceção das praias localizadas em proximidade do Calabar, onde se produzem frequentes contatos com os moradores da Barra e Ondina.

Conforme acima delineado, a construção do Alphaville II despertou a esperança dos moradores do bairro Vila Verde de que haveria mais oportunidades de integração econômica através do setor de serviços pessoais. Como estas expectativas foram frustradas, a construção deste condomínio fechado altamente protegido se tornou em objeto de constantes conflitos, dado o aumento das atividades policiais e do tráfico de drogas na região. Apesar da separação física dos dois bairros através de uma área de encrave de Mata Atlântica, as clivagens socioeconômicas provocaram sentimentos de inveja na população, conforme atestam vários depoimentos. Para a metade dos entrevistados, a chegada de famílias com alto poder econômico antecipa uma tendência de expulsão dos moradores do Vila Verde de uma região em pleno processo de valorização acelerada pela especulação imobiliária e pelos investimentos do governo local em infraestrutura urbana nas margens da Avenida Paralela.

Os efeitos de estigmatização se tornam particularmente prejudicais para os entrevistados do bairro São João do Cabrito, dada sua localização periférica e sua associação com o Subúrbio Ferroviário onde prevalecem as taxas de homicídios mais elevadas da cidade. A identificação coletiva do local com os antigos Novos Alagados — conjunto de palafitas construídas em cima da maré — ainda se faz presente na memória coletiva da população. Segundo Francisco, um motorista de ônibus aposentado, de 67 anos, é uma situação que continua dificultando a procura de trabalho da população. Essa circunstância também se vê agravada pela ausência de contatos com pessoas não-locais que pudessem contribuir a desconstruir os estigmas já consolidados vis-à-vis este bairro.

Entretanto, no caso da Fazenda Grande II/Jaguaripe, registram-se uma série de efeitos positivos atribuídos à recente valorização desta região do “Miolo Urbano” para a identificação territorial dos seus moradores, que se manifesta nos investimentos públicos em obras infraestruturais, nas melhorias dos serviços urbanos, assim como na construção do Shopping Cajazeiras e de complexos residenciais das camadas média-baixa. Segundo Ana, uma cozinheira de 34 anos, as baixas taxas de homicídio explicam a preferência dos moradores dos condomínios de elite distribuídos ao longo da Av. Paralela em contratar pessoas vivendo em Fazenda Grande II/Jaguaripe, já que este bairro passa a imagem “de uma comunidade engajada onde vive muita gente honesta e trabalhadora”.

Discussão: Mecanismos a partir dos quais opera o efeito-território

O estudo corrobora que o impacto negativo do efeito-território nas condições de vida dos entrevistados varia em função dos fatores: distância geográfica ao mercado de trabalho, índice de vulnerabilidade social da população (cf. Tabela 2) e concentração de desvantagens estruturais (cf. Figura 1) na escala do bairro, observando-se uma maior incidência nos bairros periféricos São João do Cabrito e Vila Verde. Evidenciam-se estreitas causalidades entre as dimensões material, social e simbólica do efeito-território sendo que, por exemplo, deficiências em termos de segurança pública impactam negativamente na procura de emprego, nos padrões de sociabilidade, na capacidade de eficácia coletiva e na percepção dos entrevistados acerca do seu bairro de residência. Inferindo a partir dos resultados empíricos, serão discutidos a seguir três mecanismos que podem explicar a variabilidade do impacto do efeito-território nas cinco localidades analisadas, quais sejam: (1) as alterações no sistema primário de suporte, (2) o impacto do crime e (3) a estigmatização da população.

O primeiro mecanismo se atrela tanto a fatores espaciais, abrangendo a concentração de altos níveis de desemprego e a deprivação de recursos institucionais, quanto a transformações macrossociais, englobando as mudanças na composição da família e um generalizado declínio da mobilização coletiva dos moradores em favor de um etos mais individualista. Com a exceção do Bate Facho e da Fazenda Grande II/Jaguaripe, os entrevistados afirmam que os vizinhos raramente prestam algum tipo de suporte material e social, apontando-se a quebra de confiança com pessoas que se envolveram com o tráfico de drogas.

O enfraquecimento do sistema primário de suporte e reciprocidade também deve ser explicado à luz do aumento da participação da força de trabalho feminino no mercado de trabalho (CARR, 2003). Obteve-se uma avaliação mais positiva acerca da vitalidade do sistema primário de suporte no Bate Facho — apresentando altos níveis de desemprego e onde uma grande parte das mães se encontra em casa durante o dia — que contrasta com o enfraquecimento desta estrutura de suporte no caso de São João do Cabrito, bairro que acusa maiores taxas de ocupação profissional do segmento feminino.

Evidenciando maiores convergências com o contexto urbano estadunidense (SAMPSON, 2012), o Bate Facho demonstra que a baixa capacidade de mobilização política — de crucial importância para a reinvindicação de investimentos públicos em infraestrutura e serviços públicos locais — prejudica a integração socioeconômica da população, principalmente considerando a falta de escolas e creches locais. Particularmente no caso de São João do Cabrito se confirma o efeito negativo da deprivação dos recursos institucionais. Por um lado, este vacuum institucional deixado pelo Estado foi sendo preenchido pelas igrejas, que promovem uma série de recursos não-materiais aos seus membros. Contudo, as igrejas evangélicas falham em fortalecer a capacidade de coesão interna da comunidade dada à forte concorrência entre as distintas congregações. Por outro lado, a ausência do Estado foi preenchida por estruturas criminosas que se infiltraram na organização social da comunidade. Esta situação se comprova também no caso de Vila Verde, enquanto a grande vitalidade do sistema primário de suporte observado no Bate Facho beneficia o acesso a recursos não-materiais em situações de emergência e fortalece a capacidade de eficácia coletiva da comunidade.

O segundo mecanismo remete ao impacto do crime na integração econômica do indivíduo, nos seus padrões de sociabilidade, nas formas de organização social da comunidade e na imagem territorial do bairro. Virtualmente todos os entrevistados — excetuando-se os moradores do bairro Fazenda Grande II/Jaguaripe — declaram estar sofrendo do impacto do crime nas suas rotinas diárias. Sendo assim, a violência estrutura o quotidiano de uma parte da população moradora destes bairros, onde dominam os grupos armados no controle social do bairro. A exposição a grupos de pares afiliados ao tráfico de drogas afeta principalmente os segmentos mais jovens do bairro Vila Verde e São João, enquanto, no Calabar, as instituições públicas e privadas e, no Bate Facho, o sistema de suporte entre os vizinhos, logram mitigar este efeito.

Esta primeira observação se alinha ao argumento de Carr (2003), postulando que o controle social informal também pode ser eficiente em bairros que não são caracterizadas por densos vínculos sociais, mas onde organizações comunitárias facilitam a ação do controle do crime. Estes resultados frisam a importância da esfera paroquial do controle social informal na prevenção do crime no bairro, considerando-se que a variabilidade entre os cinco bairros analisados se atrela à existência e à atuação de associações filantrópicas locais; já a segunda observação aponta a grande relevância dos vínculos primários tecidos no âmago da família e vizinhança em bairros que apresentam deficiências em termos de acesso a serviços urbanos e onde carece de infraestrutura social e cultural, se estes fatores se conjugam com baixos níveis de violência, como observado no Bate Facho. No entanto, a esfera privada do controle social informal se vê substancialmente enfraquecida no bairro de São João do Cabrito, acusando altos níveis de violência; esta dinâmica se vê agravada pela falta de associações filantrópicas e um baixo grau de mobilização política da comunidade.

Conforme Skogan (2012) a participação em grupos de prevenção ao crime está correlacionada ao reconhecimento consensual de problemas locais e varia em função do status socioeconômico da população. Em outras palavras, o controle social informal assentado na esfera paroquial pode ser eficiente em comunidades menos pobres onde os segmentos com maior poder aquisitivo também contribuem na manutenção das instituições locais, conforme demonstram os casos de Fazenda Grande II e Calabar. Em diferença ao contexto urbano estadunidense, iniciativas de prevenção ao crime partindo da esfera pública do controle social informal não desempenham um papel de destaque no combate ao crime nas comunidades mais pobres. Neste caso, o crime e o medo disseminado pelos traficantes minam a cooperação com a polícia local e produzem o retraimento do indivíduo da vida comunitária, ao mesmo tempo em que favorecem ações individualistas de autoproteção, como a instalação de dispositivos de proteção na casa e o evitamento de determinadas localidades disputadas pelo tráfico de drogas. Esta falta da capacidade de desenvolver estratégias junto aos órgãos públicos — neste caso com a polícia — se revela particularmente no bairro São João do Cabrito, onde foram registrados os indicadores mais elevados de reprovação das ações de intervenção da polícia.

O terceiro mecanismo se atrela à estigmatização territorial da população. A forte associação entre atributos sociais e espaciais na avaliação do “outro” favorece a reprodução de distintas práticas de discriminação territorial, uma situação que afeta negativamente a procura de emprego e a interação com indivíduos não-residentes do bairro.

“Geografias de oportunidades” ou efeitos de exclusão?

O segundo aspecto abordado pelo estudo qualitativo gravitou em torno da questão sob quais condições a proximidade espacial a grupos sociais de maior status econômico favorece a integração socioeconômica das camadas baixas (GALSTER; KILLEN, 1995). Neste sentido, o fator de proximidade espacial a bairros da classe média e alta foi tratado como variável condicional (SMALL, 2004), que pode sofrer alterações ao longo do tempo de “convivência”, como ilustra o caso do Bate Facho. Por um lado, o estudo evidenciou que, apesar da proximidade a serviços urbanos de alta qualidade, prevalecem as estruturas de segmentação social, particularmente evidentes na bifurcação entre um sistema público e privado com respeito aos cuidados de saúde, educação e segurança, conforme já amplamente discutido na literatura pertinente (KAZTMAN, 1999; KOWARICK, 2009). Neste sentido, o potencial mitigador que emana da proximidade a bairros da classe média e alta varia em função das possibilidades do uso compartilhado do espaço urbano e do grau de isolamento físico dos condomínios fechados. Apenas no Calabar se comprova a hipótese das “geografias de oportunidades” (JOSEPH; CHASKIN, 2010). Estas oportunidades se limitam essencialmente à dinamização das articulações interclasse — através do uso compartilhado de determinados espaços de lazer e áreas públicas — que beneficia a integração econômica dos seus moradores nomeadamente através da venda informal de bens não-duráveis.

O Calabar também é o único bairro cuja população usufrui da proximidade a serviços urbanos de maior qualidade, como escolas, universidades, creches e hospitais da rede pública; todavia, esta vantagem locacional está mais atrelada à localização estratégica do bairro em proximidade ao centro da cidade, que recebe maiores investimentos em serviços públicos, do que ao uso destes serviços junto com os estratos sociais mais altos — que recorrem a serviços privados. Entretanto, não se comprovaram as “geografias de oportunidades” com respeito ao fortalecimento do controle social informal da comunidade e à exposição a modelos de referência social da classe média devido à escassez de trocas de sociabilidade abstraindo da esfera empregatícia.

Por outro lado, a pesquisa demonstra que a relação de imbricação funcional pelo viés empregatício não deve ser interpretada como resultado “invariável” e “automático” da proximidade geográfica entre grupos socialmente distantes, conforme frequentemente assumido (KAZTMAN, 1999; SABATINI; SALCEDO, 2007). Como denominador comum, os moradores do Calabar e do Bate Facho usufruíam da forte demanda que emergia, em uma primeira fase, na construção civil dos prédios de condomínios da classe média e alta, e, em uma segunda fase, a partir dos serviços pessoais desempenhados dentro dos condomínios. Contudo, registra-se um declínio desta relação “simbiótica” que — em diferença aos contextos estadunidense e europeu — havia viabilizado a integração de grandes contingentes populacionais de baixa renda tradicionalmente excluídos do mercado laboral formal. Tanto o aumento do crime violento quanto a exclusão dos moradores pobres dos espaços públicos — suscetíveis de promover um maior contato com os vizinhos da classe média e alta — podem explicar esse declínio. A justaposição entre os bairros Vila Verde e Fazenda Grande II/Jaguaripe I — ambos localizados no “Miolo Urbano” e separados por uma distância de apenas dois quilômetros — oferece valiosos insights sobre os fatores que condicionam o acesso a oportunidades de integração socioeconômica do indivíduo no seu entorno geográfico. Inferindo a partir dos resultados, o caso de Fazenda Grande II demonstra que as articulações econômicas, sociais e simbólicas entre os grupos socialmente distantes se veem estimuladas (1) pelo compartilhamento da infraestrutura comercial, social e cultural do bairro, (2) pela identificação territorial comum, (3) pela mobilização coletiva em prol do bem estar da comunidade, (4) pelas percepções compartilhadas sobre a solidariedade intracomunitária; (5) pelas baixas disparidades de renda e (6) pelo baixo grau de isolamento espacial dos grupos com maior status econômico. Neste sentido, os habitantes da parte mais pobre do bairro — Jaguaripe I — beneficiam das “geografias de oportunidades” em uma série de aspectos, como a exposição a modelos de referência social da classe média, o fortalecimento do controle social informal e o acesso a serviços urbanos de melhor qualidade. Entretanto, o caso de Vila Verde ilustra que a construção de condomínios fechados em regiões periféricas não favorece automaticamente a integração econômica da população pobre do seu entorno geográfico, como demonstrado no Calabar, em virtude da prevalência de elevados níveis de desconfiança e de crime, da ausência de espaços públicos de uso compartilhado e do forte grau de isolamento espacial das camadas altas.

Considerações finais

O estudo objetivou examinar o impacto do efeito-território na integração socioeconômica dos moradores de cinco bairros populares de Salvador, atentando-se particularmente à questão sob quais condições a proximidade a grupos sociais de maior status econômico mitiga este efeito. Baseado em uma metodologia qualitativa, neste estudo, advogou-se por uma perspectiva condicional que busca desvendar os mecanismos pelos quais operam o efeito-território em distintos bairros sem, no entanto, inferir uma generalização destes efeitos. Por exemplo, o crime organizado interfere a princípio em todos os cinco bairros e pode ser considerado como um dos mecanismos operacionais do efeito-território. No entanto, seu impacto se vê condicionado pela prevalência de recursos institucionais (Calabar), pela presença de redes densas e coesas de vizinhança (Bate Facho e Fazenda Grande II/Jaguaripe I) ou bem pela ausência destes dois elementos atenuantes (Vila Verde e São João do Cabrito). A aproximação condicional à pobreza estipula que bairros comportando uma população de perfil socioeconômico baixo não são internamente homogêneos; do mesmo modo, os indivíduos não se veem afetados igualmente pelo contexto sociorresidencial no qual eles se inserem.

Conclui-se que o grau de acesso às “geografias de oportunidades” varia em função (1) do tipo de uso do solo — residencial, comercial, público ou uma combinação destes tipos —; (2) do grau de uso compartilhado dos serviços urbanos e particularmente do espaço público; (3) do grau de isolamento socioespacial dos condomínios; e (4) da incidência do crime. Destaca-se um enfraquecimento do potencial mitigador do efeito-território que emana da proximidade a grupos sociais de maior status econômico, à medida que os bairros pobres se afastam na região central da cidade. Destarte, as observações auferidas em nosso estudo de caso relativizam o papel explicativo do fator de proximidade espacial de populações de baixa renda a bairros das classes média e alta para sua integração socioeconômica e, ergo, para a atenuação do efeito-território, já que a variabilidade destacada neste aspecto remete às assimetrias inerentes à própria organização socioespacial da cidade, com respeito ao acesso desigual aos mercados de trabalho e serviços urbanos de alta qualidade.

Seguindo este raciocínio, é mister examinar os mecanismos de reprodução das desigualdades sociais em contextos de pobreza e segregação a partir de um modelo explicativo multidimensional que leve em consideração a complexa imbricação causal entre (1) a dimensão microssocial, ou seja: o indivíduo e seus recursos de atuação; (2) a dimensão “meso” social, reportando-se ao contexto sociorresidencial no qual o indivíduo se insere. Esta dimensão abrange os fatores: estruturas do mercado laboral e habitacional local, acesso a infraestrutura e serviços urbanos, formas de organização social e institucional e capacidade de mobilização política da comunidade, entre outros. E, finalmente (3) a dimensão macrossocial, remetendo às configurações socioeconômicas, culturais e político-históricas mais amplas. Neste contexto, a abordagem do efeito-território pode promover valiosos insights a este debate, considerando-se que importantes constrangimentos decorrentes de configurações macroestruturais — como a falta de investimentos em serviços urbanos — se traduzem na escala do bairro em processos microssociais que interferem diretamente nas condições de vida dos seus moradores. Esta engrenagem causal ganha maior relevância nos bairros apresentando um alto “grau de autonomia funcional”, onde o entorno geográfico não promove “geografias de oportunidades” suscetíveis de mitigar o efeito negativo do isolamento social e espacial, conforme demonstrado no caso de São João do Cabrito. A integração de fatores intervenientes macrossociais e macroeconômicas dentro de modelos explicativos possui importantes implicações para a elaboração de políticas visando a integração socioeconômica de famílias pobres.

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  1. Conforme Sampson (2012), o conceito collective efficacy combina a coesão social e a confiança mútua com a expectativa compartilhada de controle social informal.↩︎

  2. Os dados estatísticos utilizados na elaboração das Figuras 1 provêm da Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia e se referem ao censo de 2010; entretanto, o mapeamento da distribuição da taxa de homicídio a partir das Áreas Integradas de Segurança Pública (AISPs) na Figura 2 se baseia nos dados divulgados pela Secretaria de Segurança Pública do Estado da Bahia que se referem aos dados consolidados de 2018.↩︎

  3. Para maiores esclarecimentos sobre os ferramentas metodológicos utilizados na pesquisa qualitativa, compare o questionário-padrão utilizado nas entrevistas, que se encontra no anexo deste artigo.↩︎

  4. Os nomes são fictícios para guardar o anonimato dos entrevistados.↩︎

Resumo:
Examina-se o impacto do efeito-território na integração socioeconômica dos moradores de cinco bairros populares de Salvador, Brasil. À base de entrevistas, comprova-se que nos três bairros inseridos em regiões da classe alta, o acesso a estruturas de oportunidades se atrela ao padrão de uso do solo dos bairros vizinhos, ao uso compartilhado dos serviços urbanos, ao isolamento espacial dos condomínios e ao impacto do crime. No bairro periférico São João do Cabrito, o encapsulamento das redes produz o isolamento social do indivíduo, enquanto em Fazenda Grande II/Jaguaripe I, a maior heterogeneidade socioeconômica da população favorece a integração econômica dos indivíduos pobres. Três mecanismos explicam a variabilidade do efeito-território, quais sejam: as alterações no sistema de suporte, o impacto do crime e a estigmatização da população. Pleiteia-se pela utilização de modelos explicativos multidimensionais que atentam às imbricações causais entre as esferas micro, meso e macro-social.

Palavras-chave:
Pobreza urbana; segregação; efeito-território; estruturas de oportunidades; Salvador.

 

Abstract:
In this research, we will seek to examine the impact of neighborhood effects on the socio-economic integration of the populations of five shanty-towns located in Salvador, Brazil. Based on interviews, we show that, in the case of the three shanty-towns embedded in affluent areas, the individuals’ access to opportunity structures is conditioned upon the surrounding neighborhoods’ functional use of space, the shared use of urban services, the gated communities’ spatial isolation, and the impact of crime. In the peripheral São João do Cabrito, the encapsulation of the individuals’ networks produces their social isolation, whereas the socioeconomic heterogeneity of the population of Fazenda Grande II/Jaguaripe I fosters the lower echelons’ economic integration. Three mechanisms might account for neighborhood effect variability: changes in the support structures, the impact of crime and the populations’ stigmatization. The study pledges for the use of explanatory models which take into consideration the causal interrelatedness of the micro, meso and macro-social dimensions.

Keywords:
Urban Poverty; Segregation; Neighborhood Effects; Opportunity Structures; Salvador.

 

Recebido para publicação em 13/11/2020
Aceito em 01/11/2021

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