Revista de Ciências Sociais — Fortaleza, v. 52, n. 2, jul./out., 2021
DOI: 10.36517/rcs.2021.2.d05
ISSN: 2318-4620

 

 

A agenda de pesquisa sociológica no Brasil:
o caso dos Programas de Pós-Graduação

 

Mariana Siracusa Nascimento OrcID
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil
marisiracusa@hotmail.com

 

Introdução1

Nos últimos trinta anos, a Sociologia, enquanto campo de conhecimento, vem passando por profundas transformações. As mudanças provocadas pelo estreitamento das conexões entre os países nas esferas econômicas, política e social produziram impactos na forma de fazer sociologia, historicamente associada à análise das sociedades nacionais como unidades autônomas (LEPENIES, 1996; COLLINS, 2009; CUIN, GRESLE, 2017a). A denominação das subdivisões das disciplinas em Sociologia francesa, alemã, norte-americana, brasileira, por exemplo, comprova o foco de investigação nos problemas associados a esses países enquanto territórios delimitados. Nesse contexto, a Sociologia procurava mapear a estrutura social da sociedade em questão, a articulação de suas instituições, seus padrões de conflito e mobilidade social, entre outros temas de destaque da disciplina (MARTINS, 2017).

A desintegração simbólica das fronteiras nacionais, consequência do aumento das relações entre os países engendrou novos fenômenos sociais, que não podem mais ser explicados exclusivamente no âmbito das sociedades nacionais. Problemas globais precisam, agora, ser investigados levando em conta a articulação das sociedades nacionais em torno desses novos desafios.

A criação de um espaço transnacional de pesquisa sociológica não exclui a existência das sociologias nacionais, que ainda investigam problemas associados à realidade complexa e mutável de seus países. A coexistência dessas duas perspectivas permitiu, por um lado, a abertura de novas frentes de trabalho, agora focadas nos problemas gerados pela ampliação da conexão entre os países; e por outro, na constituição de novas pesquisas sobre as sociologias que vinham sendo feitas em cada país, situada nos termos de uma sociologia reflexiva ou sociologia da sociologia (MARTINS, 2017).

O presente trabalho se insere na esteira das reflexões sociológicas sobre o campo da Sociologia no Brasil. Dada a centralidade dos programas de pós-graduação em Sociologia para a institucionalização do campo no contexto nacional, o objetivo é apresentar um retrato da Sociologia desenvolvida no país por meio do mapeamento temático dos projetos de pesquisa em curso nos programas de pós-graduação, destacando o tipo de financiamento que eles receberam. Para isso foram selecionados dez programas de pós-graduação em Sociologia no Brasil. As informações sobre os programas e os projetos de pesquisa foram extraídas da Plataforma Sucupira da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), que reúne informações sobre a avaliação dos programas de pós-graduação no Brasil, além de dados estatísticas sistematizados sobre a quantidade de programas e cursos existentes, alunos matriculados, bolsas nacionais e internacionais concedidas, entre outras informações. Os critérios para a seleção desses programas levaram em conta: a distribuição regional, o conceito de avaliação da CAPES e o ano de criação. Os programas mais antigos e melhores avaliados tiveram preferência de escolha porque acreditamos que seria possível verificar com mais consistência os movimentos teóricos da Sociologia no desenvolvimento deles. Acompanhando a distribuição regional e observando os critérios acima foram escolhidos os seguintes programas.

Quadro 1: Programas de Pós-Graduação em Sociologia selecionados

Região Estado Programa de Pós-Graduação Universidade
Sudeste RJ Sociologia e Antropologia UFRJ
Sudeste SP Sociologia USP
Sudeste SP Sociologia Unicamp
Sudeste MG Sociologia UFMG
Nordeste PE Sociologia UFPE
Nordeste CE Sociologia UFC
Sul RS Sociologia UFRGS
Sul SC Sociologia e Política UFSC
Centro-Oeste DF Sociologia UnB
Norte PA Sociologia e Antropologia UFPA
Fonte: Plataforma Sucupira, CAPES. Elaboração própria, 2018.

Dentro dos programas foram selecionados todos os projetos de pesquisa vigentes em 2018, perfazendo um total de 538 projetos. A partir da contagem das palavras mais frequentes nos resumos ou no título, quando aqueles estavam ausentes, os projetos foram classificados em 19 categorias temáticas, detalhadas mais à frente.

O artigo está estruturado em três partes. Na primeira apresento um quadro recente da produção sociológica brasileira, com foco na mudança da agenda de pesquisa; em seguida discutimos os principais marcos do desenvolvimento dos programas de pós-graduação no Brasil, em especial, os da área de Sociologia para finalmente analisar os projetos de pesquisas dos programas de pós-graduação que compõem a amostra.

A agenda de pesquisa sociológica no Brasil

A redemocratização da sociedade brasileira produziu uma alteração na agenda de pesquisa das Ciências Sociais, no que se refere ao lugar ocupado pela sociedade civil. Nesse contexto, os estudos sobre movimentos sociais e identitários ganharam destaque na produção nacional (LIEDKE FILHO, 2005). Seguindo a tendência de desenvolvimento da Sociologia em outros países, no Brasil havia, nesse contexto, um predomínio das perspectivas microssociológicas, nas quais a agência assume centralidade em relação a análises estruturais majoritária nas décadas anteriores.

A Sociologia no Brasil, no período dos anos 60 e 70 para os anos 90, vivenciou uma passagem de análises macrossociológicas de crítica ao modelo econômico-excludente do ‘milagre’ e de crítica ao modelo autoritário para uma microssociologização dos estudos. Em grandes linhas, verificou-se uma evolução temática da Sociologia brasileira nos seguintes termos: de grandes interpretações macroestruturais do modelo econômico-político-cultural do regime anterior, passou-se para a análise dos agentes e características da transição democrática, seguida dos temas da democratização necessária, dos movimentos sociais e da estratégia de reativação da sociedade civil. Rapidamente, ocorreu uma dissociação da questão dos movimentos sociais em relações a condições macroestruturais, passando a Sociologia a dedicar-se massivamente a enfocar as identidades e representações sociais dos movimentos urbanos e rurais, do movimento sindical, dos movimentos feministas e gay, do movimento negro e dos movimentos ecológicos (LIEDKE FILHO, 2005, p. 425-426).

Houve uma mudança na análise de questões que sempre fizeram parte da Sociologia no Brasil, como as relações raciais e o do movimento sindical. Esses temas deixaram de ser estudados através de grandes estruturas explicativas, e passaram a compreendidos a partir de processos microssociológicos de formação de identidade e representação social. Outra alteração na agenda de pesquisa diz respeito à incorporação de novos temas como os processos identitários, estudos de gênero, população LGBT, Meio Ambiente, entre outros.

Concomitante ao retorno à democracia e as implicações sociais e políticas associadas a ela, houve também a inauguração, na Sociologia brasileira, de um período, ainda em aberto, de busca por uma nova identidade, marcado pela expansão de novos temas de pesquisa e abordagens teóricas. Esse movimento pode ser mensurado pelo crescimento no número de grupos de pesquisa no Diretório do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), com uma maior dispersão e fragmentação temática e teórica (LIEDKE FILHO, 2005). A década de 1990 marcou o início da reconfiguração da disciplina a partir da expansão dos cursos de graduação e pós-graduação, que representaram um aumento tanto na quantidade de formados, quanto na quantidade de pesquisas desenvolvidas (LIMA, 2019).

A centralidade da perspectiva da ação social em detrimento das explicações estruturais é um movimento que ganhou força não apenas na Sociologia brasileira, mas na Sociologia desenvolvida nos EUA e na França. Entre as décadas de 1970 e 1980 há o surgimento de uma tendência nesses países, que influenciaram as décadas seguintes: o declínio da hegemonia das teorias de caráter funcionalista e holista, na qual há uma separação bem delimitada da estrutura social e ação individual. Essas décadas viram florescer, com mais força, a ênfase no papel do agente na produção e reprodução das estruturas, numa tentativa de aumentar a integração entre indivíduo e sociedade (CUIN; GRESLE, 2017b).

Uma característica da Sociologia enquanto campo científico é sua constante transformação, provocada entre outras coisas, pelo seu caráter multiparadigmático (ALEXANDER, 1987) e sua vinculação com os fenômenos sociais, que também estão em transformação. Por ser uma ciência em eterna mudança e permanentemente em crise, a Sociologia se coloca a tarefa de construir balanços de sua produção científica, no esforço de sistematizar as principais contribuições teóricas, metodológicas e conceituais de determinado período histórico. A Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS), principal associação científica da área no país, produz periodicamente balanços sobre o ‘estado da arte’ das Ciências Sociais no Brasil. Como exemplo é possível citar: “O que ler nas Ciências Sociais”, publicação em três volumes organizada por Sergio Miceli em 1999, e “Horizontes das Ciências Sociais no Brasil”, também em três volumes organizada por Carlos Benedito Martins em 2010. Essas obras foram divididas nas áreas Sociologia, Antropologia e Ciência Política, com a seleção dos campos temáticos que tiveram mais destaque na produção científica nacional nos últimos anos. No caso específico da Sociologia, a coletânea congrega campos temáticos mais consolidados, presentes desde a origem da Ciências Sociais no Brasil e campos novos, de formação mais recente. No primeiro estão as áreas: Trabalho, Educação, Religião, Cultura, Classes e Estratificação, Desigualdade Social, Relações Raciais, Ações Coletivas, Campo, Cidade, Violência e Pensamento Social. Entre os temas incorporados recentemente na agenda de pesquisa é possível citar Ciência e Tecnologia, Meio Ambiente em associação com os debates da Sociologia Rural (MARTINS, 2010).

Outro esforço de mapeamento da produção científica da Sociologia brasileira encontra-se no trabalho de Tatiana Maranhão (2010) sobre a autonomia do campo científico da Sociologia. Neste trabalho, a autora analisou, do ponto de vista temático, 1.571 livros lançados pelos programas de pós-graduação de Sociologia e Ciências Sociais no país entre 1999 e 2006, além de 2.642 artigos publicados, no mesmo recorte temporal, em nove periódicos classificados como Qualis A Internacional, no sistema de classificação da Qualis de 2006.2 Soma-se a isso a análise de 473 projetos de pesquisa aprovados pelo CNPq entre 1999 e 2008. Livros e artigos3 foram reunidos na agenda da produção sociológica, endógena ao campo da Sociologia. Os projetos, por sua vez, em conjunto com as políticas de Ciência e Tecnologia, faziam parte da agenda política de fomento à pesquisa sociológica, já que dependia, pelo menos em parte, dos interesses estatais. O objetivo era comparar as duas agendas, no que se refere à frequência temática, para verificar a autonomia da produção sociológica no Brasil.

Como principal resultado da pesquisa, Maranhão (2010) afirma que o campo da Sociologia brasileira é marcado pela autonomia reflexiva em relação às demandas internas e externas ao campo científico, indicando certo equilíbrio entre as decisões internas e o ‘atendimento’ às demandas externas, sintetizado na transformação dos problemas sociais em problemas sociológicos, como corroborado em outros trabalhos (WEBER; MARTINS, 2010 apud MARTINS, 2010).

Do ponto de vista da produção científica, a autora chama atenção para a existência de lógicas específicas que orientam a produção de livros, artigos e projetos com impacto direto na temática desenvolvida em cada um desses tipos de produção (MARANHÃO, 2010). Entre os livros e artigos há um forte predomínio das questões nacionais, indicado pela menção às palavras “Brasil” e “brasileiro” nos títulos e resumos. Em contrapartida, são raros os trabalhos com foco na comparação internacional e questões de âmbito global, o que sugere que a produção sociológica brasileira vai na contramão dos esforços internacionais da Sociologia de promover maior interação entre os países e formar uma área transnacional na disciplina.

Entre os projetos de pesquisa, os temas mais frequentes são: “Cidadania e Movimentos Sociais”; “Economia”; “Política e Governo”; “Meio Ambiente” e “Ciência e Tecnologia”. Os menos frequentes são: “Tecnologia da Informação e Comunicação”; “Democracia e Eleições”; “Infância e Juventude”; “Desenvolvimento; Trabalho e Sindicato”. Importante destacar a área de “Trabalho e Sindicato”, que aparece em primeiro lugar na análise dos livros e artigos, mas está entre as últimas categorias dos projetos de pesquisa. Situação oposta a área de “Meio Ambiente” que se encontra entre as menos frequentes em livros e artigos, mas tem destaque nos projetos de pesquisa. A despeito de muitas congruências, as diferenças encontradas entre as áreas temáticas mais recorrentes dos projetos de pesquisa e dos livros e artigos pode ser atribuída à lógica do mercado editorial brasileiro e aos padrões de publicação dos periódicos internacionais, que têm suas predileções temáticas específicas.

O desenvolvimento dos Programas de Pós-Graduação em Sociologia

Um dos marcos na institucionalização das Ciências Sociais no Brasil foi a criação dos programas de pós-graduação na década de 1960. Alguns intelectuais que se dedicaram à história das Ciências Sociais no país dividem o seu processo desenvolvimento em antes e depois de 1964: ano do início do regime militar, período de maior desenvolvimento da pesquisa no Brasil, no que se refere aos investimentos para a pesquisa (ORTIZ, 1990). Numa primeira análise, parece um paradoxo que o período de maior crescimento e desenvolvimento das Ciências Sociais seja o de maior repressão política da ditadura militar durante o governo Ernesto Geisel (1974-1979). Contudo, uma análise mais cuidadosa deste momento histórico revela a complexidade dos mecanismos de ‘repressão seletiva’ aos produtos da indústria cultural e não à cultura em si.

[...] Entre 1964 e 1980 a contradição entre censura e cultura não era na verdade estrutural, mas conjuntural, e se definia em termos táticos. O ato censor não se caracterizava exclusivamente pelo veto, atuava como repressão seletiva que impossibilitava o florescimento de determinados pensamentos ou obras artísticas. São censuradas as peças teatrais, os filmes, os livros, mas não o teatro, o cinema, ou a indústria editorial, que crescem vertiginosamente neste período. O Estado repressor é também incentivador de uma política cultural: Embratel (1965), Conselho Federal de Cultura (1966), Instituto Nacional de Cinema (1966), Embrafilme (1969), Funarte (1975), Concine (1976), Fundação Pró-memória (1979). Algo semelhante se passa com a universidade; paralelamente às cassações temos o desenvolvimento da pós-graduação (ORTIZ, 1990, p. 171).

Além dos incentivos do governo para o desenvolvimento de programas de pós-graduação através do CNPq, da CAPES e da Financiadora de Estudos e Pesquisas (FINEP), organizações privadas tiveram papel fundamental no crescimento da pós-graduação com destaque para a Fundação Ford. Muitos dos primeiros programas de pós-graduação, como o de Antropologia Social do Museu Nacional (1968) e o de Sociologia e Ciência Política do IUPERJ (1969), por exemplo, contaram com o financiamento da Fundação Ford. A instituição investia, também, na formação de recursos humanos por meio da concessão de bolsas de doutorado no exterior.

A primeira iniciativa apoiada pela Ford nas Ciências Sociais ocorreu em 1966 na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) junto à área de Ciência Política, que se tornou referência no país. De 1966 até meados da década de 1970, os investimentos da Ford nas Ciências Sociais são altos e praticamente únicos.4 A partir de 1974 até 1985, contudo, o investimento da Fundação na área cai progressivamente. Esse declínio é acompanhado pelo início de investimentos mais contundentes na área feitos por agências públicas como o CNPq e a CAPES. Apesar da diminuição dos investimentos, entre os anos de 1966 e 1985, 32% das operações da Fundação Ford foram dirigidos para a área de Ciências Sociais, indicando a centralidade do campo na atuação da instituição (FIGUEIREDO, 1988).

Diferente das agências de fomento públicas, o perfil de investimento da Fundação Ford era institucional. Grandes aportes financeiros eram investidos em algumas instituições por um longo prazo para possibilitar a criação dos programas. As agências de fomento, por sua vez, fazem investimentos em pesquisas, geralmente de curta duração e em apoio a vários pesquisadores individualmente.

Os primeiros Programas de Pós-Graduação de Sociologia no Brasil foram criados nas décadas de 1930 e 1940, vinculados aos nascentes cursos de graduação. São eles: o Programa de Pós-Graduação em Sociologia da USP de 1934 e o Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Política de Escola Livre de Sociologia e Política (ELSP) de 1943. Ambos eram organizados segundo o modelo europeu, baseado em seminários, organizado em estudos e pesquisas individualizadas marcadas pela relação de tutela entre orientador e orientando. A USP manteve esse modelo até 1971; e a ELSP até 1986, quando o programa foi desativado (LIMA, 2019).

A década de 1960 introduziu grandes mudanças na organização universitária e na estrutura das pós-graduação, em particular. O parecer 977/65 do Conselho Federal de Educação, que ficou conhecido pelo nome de seu relator Newton Sucupira, é reflexo dessas mudanças. Inspirado no modelo norte-americano de pós-graduação, o parecer estabelece, entre outras coisas, a distinção entre os tipos de pós-graduação, divididas entre cursos stricto sensu e lato sensu. Nos primeiros estão incluídos os cursos de mestrado e doutorado de natureza acadêmica para formação de docentes e provimento de cargos no ensino superior. Os segundos cursos, por sua vez, têm um caráter prático, de formação voltada para a atuação no mercado de trabalho (BOMENY, 2001). Com esse parecer, a pós-graduação adquiriu o formato atual baseado no sistema de crédito das disciplinas, com maior autonomia do orientando na relação com o orientador.

Após a institucionalização da pós-graduação no formato atual vários programas foram criados. O primeiro programa de pós-graduação em Sociologia instituído sob o novo modelo de pós-graduação vigente no país surgiu em 1967 na Universidade Federal de Pernambuco, sendo seguido pelo programa de pós-graduação de Sociologia da Universidade de Brasília de 1970. O crescimento dos programas de Sociologia, que na subárea de avaliação da CAPES engloba também os programas de Ciências Sociais, acompanhou o desenvolvimento dos programas das demais áreas, com uma expansão considerável a partir dos anos 2000 (CORDEIRO, 2013).

Tabela 1: Número de programas de pós-graduação em sociologia criados no Brasil por período (1976-2016)

Período Quantidade Percentual
1967 a 1995 17 32,1
1996 a 2004 11 20,8
2005 a 2016 25 47,2
Total 53 100,0
Fonte: Banco de metadados da CAPES, 2017. (Elaboração própria).

Na tabela acima o ano de criação dos programas de pós-graduação em Sociologia estão divididos em faixas de acordo com a data de lançamento dos Planos Nacionais de Pós-Graduação. É importante destacar o número expressivo de programas criados a partir de 2005, superando àqueles desenvolvidos entre 1967 e 1995. Uma hipótese para esse crescimento, que ainda deve ser testada em outras pesquisa, é o estabelecimento, em 2007, do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), uma política do governo federal que tinha como objetivo ampliar o número de estudantes em universidades federais. Isso se materializou na criação de 18 novas universidades federais e 173 campi de universidades já existentes em cidades do interior (LIMA, 2019). O aumento na quantidade de cursos de graduação no país e o consequente deslocamento de docentes para ocupar as novas vagas, pode ter impulsionado a abertura de novos cursos de pós-graduação.

De acordo com dados disponibilizados pela CAPES, o Brasil contava em 2018 com 53 programas de Sociologia e Ciências Sociais presentes em 22 estados brasileiros, distribuídos por 48 instituições de ensino e pesquisa. A maioria deles está situada em universidades públicas (75,5%). Isso é um indicador do desenvolvimento da pós-graduação brasileira atrelado à uma política de Estado. O caráter acadêmico dos programas de pós-graduação orientados à formação de docentes com atuação no ensino superior é apontado por diversos autores (WERNECK; CARVALHO; MELO, 1995; DURHAM, 2005) como uma limitação da expansão dos programas reforçada pelos dados: 92,6% são acadêmicos e 3,8% são profissionais, num total de dois programas.

A distribuição regional dos programas de pós-graduação em Sociologia segue o padrão das outras áreas de conhecimento: 62,3% estão localizados nas regiões Sul e Sudeste do país, como podemos ver no gráfico 1. No que se refere à quantidade de programas de Sociologia por estado, o Rio de Janeiro aparece na frente com nove programas, representando 17% do total, contra São Paulo com oito programas, 15,1% do total (Gráfico 2). Apesar da persistente concentração dos programas na região Sudeste, com destaque para São Paulo e Rio de Janeiro, houve uma nacionalização da disciplina, que hoje está presente em praticamente todos os estados do país, com cursos de graduação e pós-graduação com qualidade reconhecida. Isso teve como consequência a ampliação de uma cultura acadêmica para além dos centros históricos de desenvolvimento da disciplina (LIMA, 2019).

Gráfico 1: Distribuição percentual dos Programas de Pós-Graduação em Sociologia por região, 2016
Fonte: Banco de metadados da CAPES, 2017. (Elaboração própria).
Gráfico 2: Distribuição percentual dos programas de Pós-Graduação em Sociologia por estado, 2016
Fonte: Banco de metadados da CAPES, 2017. (Elaboração própria).

No que se refere à avaliação dos programas feita de quatro em quatro anos pela CAPES, há uma concentração dos programas avaliados com os conceitos 4 e 5 (60,4%). Isso indica, de acordo com o documento de área elaborado pela comissão de avaliação dos programas, que a Sociologia alcançou um bom nível de profissionalização e amadurecimento. Apesar disso, alguns aspectos precisam ser aprimorados como a integração dos docentes e discentes em grupos de pesquisa para promover a produção coletiva de conhecimento; intercâmbios de docentes e discentes em centros de pesquisa e ensino no exterior e entre os programas de pós-graduação no Brasil, para que os melhores avaliados auxiliem os recém-criados com a transmissão de experiência e conhecimentos (CAPES, 2017).

Projetos de pesquisa dos Programas de Pós-Graduação: um mapeamento temático

A análise dos projetos de pesquisa em vigência no país em 2018 foi feita a partir dos resumos ou dos títulos quando os resumos estavam ausentes, com o auxílio do software Textalyser5 para a contagem das palavras mais frequentes. Isso possibilitou a criação de um dicionário de categorias, agrupando palavras ou frases com duas palavras, com o mesmo significado e excluindo aquelas não significativas, como artigos e preposições, técnica usada em outra pesquisa para análise temática dos projetos (MARANHÃO, 2010). Dessa forma, as categorias temáticas derivam diretamente das palavras mais frequentes dos resumos dos projetos (ou dos títulos, quando os resumos não foram disponibilizados), sendo uma criação a posteriori, o que permite uma melhor avaliação e classificação dos mesmos. Foram elaboradas dezenove categorias. Cada projeto foi classificado em uma categoria.

O desenvolvimento de um sistema próprio de classificação dos projetos de pesquisa foi motivado pela ineficiência do sistema de classificação utilizado pelo CNPq para mapear a produção sociológica do ponto de vista temático (FIGUEIREDO, 1988; MARANHÃO, 2010; LIEDKE FILHO, 2005). A árvore do conhecimento do CNPq6 subdivide a Sociologia em sete grandes áreas: “Fundamentos da Sociologia” (estruturada em “Teoria Sociológica” e “História da Sociologia”), “Sociologia do Conhecimento”, “Sociologia do Desenvolvimento”, “Sociologia Urbana”, “Sociologia Rural”, “Sociologia da Saúde” e “Outras Sociologias Específicas”. A tentativa de utilização desta classificação se mostrou incapaz de fornecer um retrato correto da atual produção sociológica no Brasil porque mais da metade dos projetos se encontra na categoria “Outras Sociologias Específicas”, demonstrando a diversificação da produção sociológica.

O quadro abaixo traz a distribuição da quantidade de palavras em cada categoria do dicionário. A partir dele, podemos verificar a diversificação das áreas. Quanto maior a quantidade de palavras, maior a diversificação, indicando que as pesquisas têm objetos variados. De maneira geral, as áreas com as maiores quantidades de palavras são as mais abrangentes, que englobam várias subáreas, como é o caso de “Política” e “Cultura”, ambas com mais de 90 palavras cada uma. As áreas que englobam objetos mais específicos como “Família e Geração”, “Ação Coletiva/Movimentos Sociais” e “Desigualdade e Estratificação Social”, têm menos palavras associadas. “Ciência e Tecnologia” é uma exceção porque é uma área específica, mas com muitas palavras associadas, o que revela a variação nas pesquisas dessa área que vem crescendo em relevância no cenário da Sociologia brasileira (MARTINS, 2010).

Quadro 2: Distribuição da quantidade de palavras em cada categoria

Categorias Quantidade de palavras
Política 94
Cultura 92
Violência 84
Teoria Social 75
Estudos Rurais 62
Estudos Urbanos 61
Ciência e Tecnologia 55
Saúde 54
Educação 49
Trabalho 47
Meio Ambiente 38
Raça e Etnia 36
Gênero e Sexualidade 36
Religião 34
Desenvolvimento 24
Economia 20
Desigualdade e Estratificação Social 18
Ação Coletiva/ Movimentos Sociais 14
Família e Geração 13
Total 906
Fonte: Plataforma Sucupira, CAPES. Elaboração própria, 2018.

As pesquisas incluídas na categoria “Política” são tributárias da Sociologia Política e da Ciência Política e têm como temas principais: democracia, eleições (participação eleitoral e financiamento), avaliação e análise de políticas públicas, participação política (participação cidadã e orçamento participativo), representação política, entre outros.

A “Cultura” engloba trabalhos tanto da Sociologia da Cultura e da Arte como a maioria das pesquisas de Antropologia, já que dois programas de pós-graduação da amostra têm essa área de concentração além da Sociologia. Dentre os temas de pesquisa é possível citar: expressões artísticas como a música, o cinema; trabalhos sobre indústria cultural; manifestações culturais como o folclore e o carnaval; estudos sobre literatura e cordel; patrimônio cultural e memória coletiva; grupos indígenas e quilombolas.

Na categoria “Violência”, as pesquisas giram em torno dos temas: crimes, em especial os associados ao tráfico de drogas e a violência sexual; segurança pública e outros modelos de segurança como a cidadã; sistema penitenciário; vitimização, percepção de segurança e modelos de policiamento, com estudos sobre a polícia militar e o policiamento comunitário.

A “Teoria Social” reúne pesquisas das áreas de Pensamento Social e Político Brasileiro, Metodologia de Pesquisa, além dos trabalhos da própria Teoria Social. As pesquisas têm como objeto os intelectuais; Sociologia brasileira; Teoria Social e Teoria Clássica, e pesquisas sobre autores específicos, bem como aquelas que se debruçam na reflexão de um conceito particular.

Tendo no campo seu objeto privilegiado, as pesquisas da categoria “Estudos Rurais” desenvolvem temáticas como conflitos ambientais, movimentos rurais, impacto socioambiental, modelos de desenvolvimento econômico do campo como o agronegócio e a agroindústria e modelos alternativos como a agricultura familiar; agroecologia e as cooperativas agrícolas, com destaque para a produção de alimentos orgânicos. Em contraposição, as pesquisas da área de “Estudos Urbanos” têm as cidades como objeto de estudo, com o desenvolvimento de pesquisas sobre mobilidade urbana (transporte público), intervenções urbanas, migrações, moradia, urbanização, planejamento urbano, entre outros temas.

A “Ciência e Tecnologia” congrega pesquisas sobre a divulgação e colaboração científica, internet, cibernética, Tecnologia da Informação e Comunicação, dentre outros temas. A “Saúde” apresenta boa diversificação temática, a despeito da quantidade de palavras na categoria. Dentre os temas de pesquisas encontramos: políticas do Sistema Único de Saúde como a Estratégia de Saúde da Família, pesquisas sobre diversas doenças como HIV/AIDS, Hepatites, Sífilis, Alzheimer; saúde mental, psiquiatria, epidemiologia, vigilância, saúde sexual e reprodutiva.

Na área de “Educação”, a maioria das pesquisas têm o ensino superior como objeto. Vários aspectos são abordados como formação, currículo, estudantes egressos, entre outros. Apesar disso, encontramos pesquisas sobre a educação básica, sobretudo com foco no ensino médio e profissional, livro didático, políticas educacionais, indicadores de avaliação e mobilidade acadêmica. A concentração de pesquisas no ensino superior reflete o interesse dos professores universitários em compreender processos que fazem parte da sua realidade e universo de trabalho, ponto já ressaltado em outros estudos (SILVA; LOPES; OLIVEIRA, 2020).

A categoria “Trabalho” apresenta boa diversificação temática, com uma concentração de estudos sobre os trabalhadores e processos de trabalho em comparação com empresas. Temas como sindicalismo, greves, trabalho doméstico, trabalho escravo, informalidade, precarização, jornada de trabalho, mercado de trabalho, flexibilização e empreendedorismo têm destaque nas pesquisas.

O “Meio Ambiente” é um dos temas de entrada e desenvolvimento tardio na Sociologia brasileira. Data de 1988 o primeiro grupo de trabalho da ANPOCS, Ecologia e Sociedade, considerado uns dos marcos do reconhecimento das questões ambientais no debate sociológico (GUIVANT, 2010). Na análise dos projetos de pesquisa a categoria apresenta baixa diversidade temática. As pesquisas giram em torno das mudanças climáticas e ambientais e da sustentabilidade e desenvolvimento sustentável. Além delas podemos citar pesquisas sobre biodiversidade, ecologia humana, recursos naturais, hidroelétricas e impactos ambientais.

Em “Raça e Etnia”, o destaque fica por conta das ações afirmativas e sistema de reserva de vagas, tema da maioria das pesquisas. Outras pesquisas tiveram como objeto as desigualdades e discriminações raciais, racismo, escravidão, identidades étnicas e intelectuais negros.

A área de “Gênero e Sexualidade” apresenta grande diversificação temática, com pesquisas sobre papéis de gênero, prostituição, masculinidades, paternidade, população LGBT, sexualidade, direitos sexuais, corpo, feminismo, feminicídio, aborto, violência doméstica, entre outros.

Na categoria “Religião” encontramos pesquisas sobre as diversas denominações religiosas como o catolicismo, protestantismo, islamismos, religiões de matriz africana, além de trabalhos sobre secularização, laicidade, festas religiosas, procissões, santos, entre outras.

“Desenvolvimento” traz pesquisas sobre o capitalismo, globalização, desenvolvimento econômico e industrial, projetos de infraestrutura, políticas desenvolvimentistas, entre outras. Essa área que já foi central para a Sociologia brasileira, hoje perdeu espaço, como veremos adiante.

A “Economia” é uma área recente no desenvolvimento da Sociologia brasileira e que possui um baixo grau de autonomia em relação às áreas mais consolidadas como o “Trabalho” e o “Desenvolvimento”. Isso cria dificuldades no mapeamento temático dessa área definida pela aplicação da perspectiva sociológica aos fenômenos econômicos (NAHOUM, 2017). Os principais temas classificados nessa área foram: organizações, mercados, empresas, grupos financeiros, microcrédito, circulação econômica, corporações transnacionais, entre outros temas.

A área de “Desigualdade e Estratificação Social” traz pesquisas sobre classes sociais, desigualdade e estratificação social, pobreza, exclusão, concentração de renda, entre outros temas.

Em função da sua especificidade, a área “Ação Coletiva/ Movimentos Sociais” traz um número reduzido de temas, com destaque para os protestos e manifestações, conflitos sociais, movimentos sociais e ações coletivas. O mesmo acontece com a área “Família e Geração” com pesquisas que têm como objeto crianças, jovens, idosos, socialização juvenil, adoção, configurações e arranjos familiares.

Os dez programas de pós-graduação que fazem parte desta análise contavam em 2018 com 538 projetos de pesquisa vigentes sob a coordenação de 274 docentes, distribuídos em 54 linhas de pesquisa. Existem muitas diferenças e desigualdades entre os programas, seja na quantidade de projetos, no enfoque temático e no tipo de financiamento, demonstrando a diversificação e pluralidade de Sociologia brasileira.

A primeira dessas diferenças é a distribuição dos projetos pelos programas: quatro programas são responsáveis por 51,7% dos projetos de pesquisas em vigência: PPGSA/UFRJ, PPGS/UFRGS, PPGSP/UFSC e PGSOL/UnB (Gráfico 3). Com exceção do programa da UFSC, esses são os únicos com nota máxima na avaliação da CAPES 2017, revelando que a produção científica é um critério importante para a avaliação dos programas de pós-graduação. Esse aspecto parece mais relevante do que a quantidade de docentes em cada programa para determinar o volume da produção científica. Os três programas que concentram a maior quantidade de projetos de pesquisa detêm, também, os maiores corpo docente. O programa da UFRJ tem 36 docentes, incluindo permanentes, colaboradores e visitantes; o programa da UFRGS tem 32 e o da UFSC tem 33. Mas há exceções que colocam em xeque essa associação: o programa da UnB é o quarto na distribuição dos projetos de pesquisa, mas tem apenas 27 docentes, número menor que a média de docentes nos programas que compõem a amostra (28,6 docentes por programa). O programa de pós-graduação da USP possui o maior número de docentes (39), mas ocupa a 7ª posição na distribuição dos projetos de pesquisa.

Gráfico 3: Distribuição percentual dos projetos de pesquisa vigentes em 2018 por Programa de Pós-Graduação
Fonte: Plataforma Sucupira, CAPES. Elaboração própria, 2018.

A maioria dos projetos analisados teve início entre os anos de 2014 e 2018, perfazendo 57,2% do total de projetos; 38,7% tiveram início entre 2005 e 2013 e apenas 4,1% entre 1986 e 2004. A despeito desse trabalho considerar apenas os projetos ativos em 2018, a ramificação da data de início dos projetos nos permite recriar um quadro da produção de conhecimento científico na Sociologia no país de treze anos (2005-2018), período que engloba quase a totalidade dos projetos.

Quando observamos a distribuição temática dos projetos de pesquisa de acordo com a classificação adotada pelo CNPq percebemos que 64,7% deles se encontram na categoria “Outras Sociologias específicas”, indicando, como já foi dito, a insuficiência desse sistema de classificação para mensurar a produção de conhecimento da Sociologia, em sua pluralidade e diversidade. A partir da criação de um novo sistema de classificação temática, com a ampliação na quantidade de categorias, é possível mensurar de forma mais eficiente o desenvolvimento da produção sociológica brasileira.

Gráfico 4: Distribuição percentual dos projetos de pesquisa vigentes em 2018 por área temática
Fonte: Plataforma Sucupira, CAPES. Elaboração própria, 2018.

O gráfico acima evidencia o equilíbrio na distribuição entre as áreas, com o predomínio da “Cultura” (11,3%), seguida por “Teoria Social” (10,4%), “Política” (8,0%) e “Violência” (8,0%). Considerando ainda as áreas “Trabalho” (6,9%) e “Educação” (6,7%), temos 51,3% dos projetos. Essas temáticas também aparecem, embora em outra ordem, entre as mais trabalhadas por sociólogos filiados a Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS) em 2009 (DWYER; BARBOSA; BRAGA, 2013) relevando a importância dessas áreas nas pesquisas sociológicas brasileiras.

O destaque das áreas “Política” e “Cultura” entre as temáticas mais frequentes, mostra a estreita influência que a Antropologia e a Ciência Política exerceram e ainda exercem na formação e no desenvolvimento da Sociologia brasileira, considerando que elas são os objetos de investigação por excelência desses campos. O peso da “Teoria Social” entre os projetos pode indicar: a preocupação em estudar a sociedade brasileira, já que esta área inclui também as pesquisas sobre Pensamento Social e Político brasileiro e o desenvolvimento de pesquisas que têm como objeto a Sociologia, seus autores clássicos e contemporâneos. Entretanto, o impacto dessa área deve ser relativizado. Sua colocação entre os primeiros temas é impulsionada pela relevância que essa área tem nas pesquisas desenvolvidas nos programas de pós-graduação do Sudeste, assumindo a liderança entre os temas das pesquisas no PPGS/USP, PPGS/UNICAMP e com forte destaque no PPGSA/UFRJ, programa que concentra a maior quantidade de projetos vigentes.

O predomínio de pesquisas sobre Teoria Social nos programas de pós-graduação também tem reflexo na produção discente. Analisando 282 teses produzidas em 13 programas de pós-graduação em Sociologia no Brasil entre 2012 e 2014, Marina Melo, Ana Cláudia Bernardo e Selefe Gomes (2018) afirmaram que a maioria delas tem como tema principal “Intelectualidades/Pensamento Social/Teses Teóricas” com 15% do total, seguidas por “Participação Política” (8,5%), “Arte e Cultura” (8,1%) e Criminalidade, (7,7%). A despeito da diferença entre as categorias e da ordem em que elas aparecem, os quatro primeiros temas são os mesmos dos projetos de pesquisa apresentados acima.

A preocupação com os problemas sociais que são retraduzidos em problemas sociológicos se configura observando a posição das temáticas “Educação”, “Violência” e “Trabalho”, revelando uma forte correlação entre produção de conhecimento científico e o contexto histórico e social onde essa produção acontece. Por lado outro, questões de pesquisa basilares na constituição da Sociologia brasileira como “Desigualdade e Estratificação Social”, “Raça e Etnia” e “Desenvolvimento” estão entre os últimos temas de pesquisa. A exceção fica por conta dos “Estudos Rurais”, área importante no desenvolvimento da Sociologia brasileira, e que mantém sua relevância no cenário nacional, aparecendo entre os dez temas mais frequentes.

Considerando o tipo de fomento, 52,2% dos projetos não receberam nem apoio financeiro, o que pode indicar o caráter artesanal das pesquisas na Sociologia, assim como nas Ciências Sociais e Humanas. Nas pesquisas contempladas por recursos, o protagonismo do fica com o CNPq, com apoio a 31% dos projetos de pesquisa. Desde meados da década de 1970 a instituição assumiu a centralidade do investimento da produção e tecnológico no país em diversas áreas (MARANHÃO, 2010; FIGUEIREDO, 1988). Chama atenção o papel desempenhado pelas agências estaduais de fomento às pesquisas superando a CAPES, as Universidades e demais órgãos.

Gráfico 5- Distribuição percentual do tipo de fomento dos projetos de pesquisa vigentes em 2018
Fonte: Plataforma Sucupira, CAPES. Elaboração própria, 2018.

A supremacia do CNPq demonstra ainda a dependência que os programas e docentes têm do investimento público para o desenvolvimento das pesquisas. A presença de outras fontes, sobretudo de empresas privadas e de órgãos internacionais é muito discreta, cenário que pode se complicar num futuro próximo tendo em vista os cortes na área de Ciência e Tecnologia no Brasil nos últimos anos.

A análise temática dos projetos por região revela importantes diferenças. Nos programas da região Sul (PPGS/UFRGS; PPGSP/UFSC) há um predomínio na “Política”. A área representa quase 20% do total de projetos da região. Em seguida temos Estudos Rurais, Meio Ambiente, Saúde e Teoria Social com 8% aproximadamente cada uma.

Na região Sudeste, que concentra quatro programas de pós-graduação (PPGSA/UFRJ; PPGS/UFM; PPGS/USP; PPGS/UNICAMP) e reúne 42,8% do total de projetos de pesquisa na amostra, há predomínio da Teoria Social (15,7%), seguida pela Cultura (13,5%), Estudos Urbanos (9,1%) e Ciência e Tecnologia (8,3%), que juntos representam quase a metade de todos os projetos. Chama atenção o impacto da Ciência e Tecnologia no Sudeste, despontando entre os quatro temas mais frequentes e ao lado de temas mais consolidados como Teoria Social e Cultura. Isso pode ser explicado pela produção do PPGS/UFMG que teve a Ciência e a Tecnologia como a área temática de maior incidência dentre os projetos de pesquisa. A Teoria Social foi a área de maior destaque entre os programas de pós-graduação da USP e da UNICAMP, ficando em segundo lugar no programa da UFRJ, o que explica seu predomínio no Sudeste. Pela quantidade de projetos que a região concentra era de se esperar que a distribuição nacional refletisse, em parte, a distribuição dessa região.

No Nordeste, que reúne dois programas (PPGS/UFPE e PPGS/UFC) há uma inversão nas prioridades temáticas, sobretudo no que diz respeito aos “Estudos Rurais” que aparecem em primeiro lugar representando 16% do total de projetos vigentes, em contraposição ao Sudeste, onde a área tem uma relevância bem menor, com apenas 2,3% dos projetos. Em seguida aparecem as áreas “Violência” (14,7%), “Estudos urbanos” (12%) e “Política” (10%). Por sua vez, a Teoria Social que aparece em primeiro lugar no Sudeste, aqui representa apenas 4% dos projetos em vigência.

Em função das especificidades do Programa de Pós-graduação da UFPA, único representante da região Norte, de agregar as áreas de Sociologia e Antropologia, há maior concentração temática na área de “Cultura” (22,9%), seguida pelas áreas “Meio Ambiente” (17,15) e “Estudos Rurais” (14,3%). Em oposição às pesquisas desenvolvidas no Sudeste, as áreas “Teoria Social” e “Trabalho” estão ausentes nas pesquisas do Norte, indicando um padrão de pesquisa voltado para o contexto local, sobretudo pela relevância que as temáticas “Estudos Rurais” e “Meio Ambiente” assumem no programa.

No Centro-Oeste, o Programa de Pós-Graduação da UnB é uma mescla dos programas do Sudeste, por ter entre as áreas temáticas mais frequentes a “Ciência e Tecnologia”, “Trabalho” e “Cultura”, ambas com 13,3% dos projetos, seguidas por “Teoria Social” em segundo com 10% dos projetos. As maiores diferenças são atribuídas a pouca relevância dos “Estudos Urbanos”, que aparecem entre as três últimas áreas e o maior destaque que a “Política” assume no Centro-Oeste em comparação ao Sudeste.

Considerações finais

Este trabalho está inserido no movimento de repensar os caminhos percorridos pela disciplina sobretudo a partir da análise da produção científica, do trabalho de pesquisa realizado por sociólogos brasileiros nos programas de pós-graduação. A partir dos dados apresentados aqui é possível fazer algumas ponderações. A inclinação teórico-metodológica e temática dos programas de pós-graduação em Sociologia no Brasil parece estar mais associada à constituição histórica dos programas, na estreita relação com o contexto local e regional de produção do conhecimento. Isso sugere uma lógica endógena na organização dos programas que se constituíram sem grandes associações internacionais, que se estabeleceram mais tardiamente.

A agenda de pesquisa obedece à uma lógica interna do desenvolvimento científico, ligado, por sua vez, aos problemas sociais e regionais da sociedade brasileira. Os dados encontrados reforçam essa afirmação. Por um lado, as temáticas mais frequentes estão fortemente relacionadas os problemas sociais mais persistentes da sociedade brasileira, sobretudo no que diz respeito à “Educação”, “Violência”, “Trabalho” e “Política”. Por outro, a comparação entre as regiões do país revela o caráter local dos interesses de pesquisa, associados aos problemas locais e à tradição de pesquisa dos programas de pós-graduação.

O protagonismo da “Teoria Social” nos projetos de pesquisa pode sinalizar um interesse genuíno de (re)atualizar o campo do Pensamento Social e Político Brasileiro, com o desenvolvimento de novas pesquisas nessa área, bem como daquelas que tem como objeto a própria sociologia, com seus intelectuais, teorias e conceitos.

Em linhas gerais a agenda da pesquisa sociológica no Brasil é diversa, abrangente e plural seguindo a própria natureza da disciplina que congrega múltiplos paradigmas. Após a redemocratização, houve um alargamento não só das temáticas, voltadas para as pautas identitárias, de reconhecimento de grupos minoritários, estruturadas a partir de abordagens centradas no indivíduo e na capacidade de agência.

Para que a produção sociológica siga se desenvolvendo faz-se necessário pensar novas formas de atrair financiamento, dado o cenário permanente de cortes na Ciência e Tecnologia e nas suas agências de fomento. Promover um debate real na sociedade sobre a importância do conhecimento sociólogo pode ser um caminho para mobilizar novas fontes de financiamento de instituições privadas e agências internacionais.

As mudanças no fazer sociológico, incluindo os dilemas teóricos de cada época, estão diretamente ligados às transformações da sociedade, num movimento contínuo de múltiplas influências. Nesse sentido, a disciplina está sempre se reinventando e redefinindo seus interesses e objetivos expressos, entre outras coisas, nas agendas de pesquisa. Pensar essas mudanças, isto é, fazer uma sociologia da Sociologia, analisando reflexivamente a Sociologia transformada em objeto de estudo, é uma ferramenta que auxilia no desenvolvimento de novas configurações teóricas e metodológicas do campo, além de ser uma fonte de conhecimento fundamental sobre a sociedade e os problemas que são valorizados num determinado período e as relações que se estabelece entre os grupos.

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  1. O artigo é resultado da minha pesquisa de mestrado intitulada: A pesquisa em Sociologia no Brasil: uma análise dos Programas de Pós-Graduação, defendida em 2019 no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PPCIS/UERJ).↩︎

  2. Em 2009, a CAPES alterou o sistema de classificação Qualis, com a criação de oito estratos que variam do A1, mais elevado e equivalente ao anterior A Internacional, até C. Como os dados os artigos foram coletados até 2006, a autora optou por manter a classificação anterior. (Cf. MARANHÃO, 2010).↩︎

  3. A análise temática dos livros, artigos e projetos de pesquisa foi feita a partir dos títulos e resumos. Com ajuda de software da análise de palavras, a autora reuniu as palavras mais frequentes num dicionário de categorias de acordo com seu significado.↩︎

  4. Dados sistematizados por Figueiredo (1988) revelam que entre 1959 e 1985 a Ford investiu 11,3 milhões de dólares nas Ciências Sociais, representando aproximadamente 26% de seu investimento total. Desse total, 5,7 milhões de dólares foram gastos nos primeiros cinco anos de atuação da Ford nas Ciências Sociais, representando 49% do total de investimentos nas Ciências Sociais de 1966-1985.↩︎

  5. Textalyser é uma ferramenta online para a análise de textos. Com ela é possível analisar grupos de palavras, identificar as palavras mais frequentes em um texto, entre outras coisas. Para a presente análise, foram considerados como palavra, grupos com mais de 5 caracteres. Foram selecionadas as 3 palavras significativas mais frequentes de cada resumo. Disponível em seoscout.com. Acesso em jun. 2021.↩︎

  6. Disponível em: lattes.cnpq.br. Acesso em jun. 2021.↩︎

Resumo:
Inserida na tradição de pesquisas sobre o campo da Sociologia brasileira, o presente trabalho tem como objetivo apresentar um retrato da Sociologia desenvolvida no país a partir do mapeamento temático das pesquisas desenvolvidas em programas de pós-graduação a partir dos projetos de pesquisa. Para isso foram utilizados dados obtidos na Plataforma Sucupira da CAPES sobre os projetos de pesquisa vigentes em 2018 de dez programas de pós-graduação. Os critérios para a seleção desses programas levaram em conta: a distribuição regional, o conceito de avaliação da CAPES e o ano de criação. Foram selecionados todos os projetos de pesquisa vigentes em 2018, perfazendo um total de 538 projetos. A partir da contagem das palavras mais frequentes nos resumos ou do título, os projetos foram classificados em 19 categorias temáticas. A partir dessa análise verificamos o predomínio das pesquisas da Teoria Social, Cultura e Política. A agenda e problemas de pesquisas obedecem à uma lógica interna do desenvolvimento científico, que está associada aos problemas sociais e regionais da sociedade brasileira.

Palavras-chave:
Agenda de pesquisa; sociologia brasileira; programas de pós-graduação.

 

Abstract:
Inserted in the tradition of research on the field of Brazilian Sociology, the present work aims to present a portrait of Sociology developed in the country from the thematic mapping of research developed in postgraduate programs based on research projects. For that, data obtained from the Sucupira Platform of CAPES on the research projects in force in 2018 of ten postgraduate programs were used. The criteria for the selection of these programs took into account: the regional distribution, the concept of CAPES evaluation and the year of creation. All research projects in force in 2018 were selected, making a total of 538 projects. From the counting of the most frequent words in the abstracts or the title, the projects were classified into 19 thematic categories. Based on this analysis, we verified the predominance of research on Social Theory, Culture and Politics. The research agenda and problems follow an internal logic of scientific development, which is associated with the social and regional problems of Brazilian society.

Keywords:
Research agenda; Brazilian sociology; postgraduate programs.

 

Recebido para publicação em 11/03/2021
Aceito em 02/06/2021