Revista de Ciências Sociais — Fortaleza, v. 53, n. 1, mar./jun., 2022
DOI: 10.36517/rcs.2022.1.d04
ISSN: 2318-4620

 

 

Mulheres ultraconservadoras:
elementos para uma reflexão feminista

 

Ana Lívia Rodrigues OrcID
Universidade Federal da Bahia, Brasil
alvrodrigues6866@gmail.com

Ramayana Costa OrcID
Universidade Federal da Bahia, Brasil
rama.sc@hotmail.com

 

Introdução

Nos dias atuais temos presenciado importantes e crescentes debates em torno do avanço e aprofundamento dos conservadorismos em diferentes países do mundo. No Brasil, tal aprofundamento tem sido identificado por alguns/algumas autores/as (FILGUEIRAS; DRUCK, 2018; 2019; BOITO Jr., 2020; 2021), enquanto neofascista.

Umberto Eco ao apresentar seu conceito de Ur-fascismo ou fascismo eterno, aponta que o termo fascismo se adapta a diversos momentos históricos porque é possível eliminar um regime fascista, seus mais diferentes aspectos, e “ele continuará sempre a ser reconhecido como fascista”. (ECO, 2016, n.p). Ou seja, o fascismo, enquanto um movimento político e filosófico, pode culminar/refletir ou não em um regime fascista, no entanto não é necessário um regime fascista para que o fascismo se apresente.

O fascismo, conhecido como fascismo histórico, é identificado a partir dos anos de 1920, na Itália, com Mussolini, Hitler, na Alemanha, e Salazar, em Portugal. Já no Brasil, que se encontra à margem do capitalismo, é possível identificar o movimento fascista especialmente com a Ação Integralista Brasileira (AIB) com Plínio Salgado nos anos de 1930 e, na atualidade, autoras e autores, como Luiz Filgueiras e Graça Druck (2018; 2019), Armando Boito Jr. (2020; 2021), identificam o bolsonarismo enquanto um fenômeno neofascista.1

Para Armando Boito Jr (2021), no Brasil, “O movimento neofascista e suas organizações nasceram das manifestações pelo impeachment de 2015-2016, manifestações estas que todos os levantamentos empíricos mostram que eram da alta classe média” (CAVALCANTE; ARIAS, 2019; GALVÃO, 2016).

Apesar de nascerem nesse período, é importante assinalar que a cooptação das manifestações de 2013 pelas direitas2 e a Operação Lava-Jato, orquestrada especialmente contra o Partido dos Trabalhadores, em nome do combate à corrupção em 2014, abriram espaço para que a extrema direita se fortalecesse no período posterior, atrelada diretamente à classe média brasileira, de modo que

Os dados de 2017 mostram que a classe média é a base social precursora do bolsonarismo, enquanto os de 2019 mostram que ela é, também, sua base mais fiel.

A ideologia fascista, como não poderia deixar de ser, traz a marca de sua base social (...). A ideologia fascista pequeno-burguesa ou de classe média é uma ideologia crítica, mas de perspectiva conservadora. (...). O fato é que o fascismo original fazia a crítica ao grande capital, aos especuladores e aos financistas de uma perspectiva conservadora de pequeno proprietário; o neofascismo brasileiro, com predomínio da classe média, critica a corrupção e a “velha política”, e o faz, no caso da corrupção, de uma perspectiva conservadora e moralista e, no caso da “velha política”, de uma perspectiva autoritária que enaltece a concentração do poder no Executivo e aponta para o fim da política parlamentar, isto é, para o fim da democracia burguesa.

O aspecto crítico do discurso fascista e neofascista pode, de maneiras distintas, obter — e de fato obtém — impacto popular que transcende sua origem de classe. (BOITO Jr., 2021, p. 5-6)

Assim como o impacto popular transcende a sua origem de classe, não é diferente no campo do gênero. O fascismo — e o neofascismo — estão atrelados diretamente ao reforço da masculinidade — branca e cisheteronormativa — cujo lugar das mulheres é identificado no espaço privado e no lugar do cuidado. Do ponto de vista moralista e moralizador,3 importa dizer que o neofascismo bolsonarista, especialmente ao atrelar-se aos/às religiosos/as pentecostais e neopentecostais, tem intensificado as investidas na perpetuação de valores e ideologias antigênero, patriarcais e LGBTQIA+fóbicas.

Ao se apresentar então a partir de uma perspectiva machista, patriarcal, misógina e LGBTQIA+fóbia, nos chama atenção a presença de mulheres no bolsonarismo, especialmente após grandes avanço e articulação dos movimentos feministas, uma vez que o ultraconservadorismo impacta diretamente a vida das mulheres, a garantia, avanço e manutenção de seus direitos.

Paradoxalmente, as campanhas antigênero, que têm consequências nocivas para vários segmentos sociais, entre eles o feminino e o infantojuvenil, têm mobilizado mulheres de diferentes grupos cristãos. Às mulheres sempre coube a tarefa de transmitir as crenças religiosas para os familiares e para as novas gerações. Agora, como ativistas de movimentos neoconservadores, elas desempenham um papel simbólico importante no confronto com as feministas; afinal, são mulheres desqualificando e questionando teses emancipacionistas de outras mulheres. [...] (MACHADO, 2020, p. 131)

Maria das Dores Campos Machado identifica tais ativistas enquanto pertencentes a movimentos neoconservadores, indicando, junto à Flavia Biroli e Juan Marco Vaggione (2020), que o conceito de neoconservadorismo articula cinco dimensões que ajudam a compreensão do fenômeno que estamos vivenciando em relação a gênero e democracia, sendo elas:

[...] alianças entre atores adversos; juridificação dos conflitos políticos de caráter moral; desenvolvimento em contexto liberal-democrático, mas participando, no início do século, de processos iliberais e de erosão das democracias; caráter transnacional; e relação com o neoliberalismo, sobretudo na perspectiva da responsabilização das famílias em meio a processos amplos de privatização e mercantilização. (BIROLI; MACHADO; VAGGIONE, 2020, p. 40).

No entanto, entendemos que, apesar desta articulação nos ajudar a compreender o fenômeno, o conceito de ultraconservadorismo seria mais apropriado à reflexão que estamos realizando neste trabalho. Isso porque, dentre outras coisas, o ultraconservadorismo “tende a estar mais associado à extrema-direita, fundamentalista com visões radicais contra minorias e direitos conquistados na luta contra o patriarcado.” (MENEZES, 2017, n.p.). Por isso, a essas mulheres bolsonaristas (ou que, em algum momento o foram), denominaremos de mulheres ultraconservadoras.

Destacamos que a adesão de mulheres aos regimes totalitários não é novidade. Assim também ocorreu no fascismo histórico. Levando isso em consideração, este artigo tem por objetivo analisar a presença de elementos fascistas e ultraconservadores no século XX e na atualidade a partir da adesão de mulheres aos projetos em curso na sociedade.

Para tanto, incialmente foi realizada uma contextualização sobre a participação das mulheres no fascismo italiano, no salazarismo português e no integralismo brasileiro no século XX; Para tentarmos compreender esse fenômeno no Brasil atual, foi realizada uma análise acerca da participação das mulheres no governo de Jair Bolsonaro enquanto presidente da República a partir de duas figuras de destaque nesse governo: Damares Alves (atual Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos) e Sara Winter (“ex-feminista”, fundadora dos “300 do Brasil4”); por fim, realizamos uma reflexão da adesão e aliança entre mulheres e governos misóginos.5

Trata-se, portanto, de pesquisa bibliográfica (GIL, 2008), de cunho qualitativo (GIL, 2008; MINAYO, 2002), cujo método reflete uma aproximação com o materialismo histórico-dialético (DEMO, 1995; NETTO, 2009). As discussões se sustentam nas epistemologias feministas, ancoradas especialmente na teoria do “ponto de vista feminista”, a partir do qual, segundo Sandra Harding (1987, p. 31-33), mulheres e homens6 possuem experiências distintas, as quais influenciam diretamente na forma como se construiu e se constrói o conhecimento historicamente, sendo a teoria do ponto de vista feminista uma epistemologia que, a partir das vivências das mulheres, questione a naturalização das relações sociais e, ao mesmo tempo, possibilite a construção de conhecimento que seja útil às mulheres.

Partimos também da proposição de Donna Haraway (1995), no que tange aos saberes localizados, situando a nossa produção enquanto fruto de duas mulheres, uma historiadora e uma assistente social, que têm em comum, dentre outras coisas, a cisgeneridade,7 o fato sermos feministas, trabalhadoras e nordestinas, dentre tantos outros atravessamentos. Ainda, ressaltamos o fato de ambas termos feito pós-graduação nos estudos de gênero e feminismos — espaço, inclusive, que permitiu que a gente se conhecesse e pudesse partilhar conhecimentos, dúvidas e angústias — e que nos possibilitou a inserção no campo desta investigação de forma a refletirmos através das epistemologias feministas a realidade brasileira, tendo maior sensibilidade às trajetórias das mulheres, a luta em torno das suas vidas e de seus direitos e os ataques que tem sido realizado à elas e a estes, em especial no tempo presente, temas que dialogam diretamente com as perguntas de pesquisa propostas neste trabalho.

Mulheres e Fascismos contemporâneos

O fascismo pode ser entendido como um movimento político e filosófico ou como um regime, caso clássico do governo Mussolini na Itália (1922-1945). É a expressão mais radical das direitas conservadoras, lembrando que nem toda direita assume o extremismo do fascismo e que a esquerda também já produziu governos totalitários e ditatoriais como o de Josef Stalin (1927-1953), na União Soviética. Para entender melhor o que estamos chamando de fascismo vamos descrevê-lo conforme PAYNE (1995 apud ATHAIDES, 2014), a partir de cinco pontos:

[1] tentativa de mobilização de massas e militarização das relações políticas e do estilo, objetivando instaurar uma milícia do partido de massas; [2] ênfase na estrutura estética unitiva, símbolos e liturgia política, acentuando os aspectos emocionais e místicos; [3] extrema acentuação no princípio masculino e sua dominação, ao mesmo tempo defendendo uma forte visão orgânica da sociedade; [4] exaltação da juventude acima de outras fases da vida, enfatizando o conflito de gerações, ao menos para efetivar a transformação política inicial; [5] específica tendência para um autoritário, carismático e pessoal estilo de comando, mesmo que o comando seja, em certa medida, inicialmente eletivo (Payne, 1995, p. 7 Apud ATHAIDES, 2014, p. 1309).

Visando a mobilização das massas, as diferentes classes sociais são manipuladas e contribuem para que tais lideranças, geralmente masculinas carismáticas, cheguem ao poder, principalmente a pequena burguesia, aqueles e aquelas que ascenderam socialmente e se tornam ardorosos defensores do grande líder, repetindo discursos baseados em valores religiosos em defesa da família, eficazes combatentes da corrupção endêmica de cada nação e da crise econômica que só um governo forte e incorruptível irá resolver. Os ricos geralmente veem em tais líderes, de tal governo forte e incorruptível, um defensor de seus interesses e, também, ajudam a sua escalada ao poder, como o fizeram com Mussolini e Hitler.

Maria Macciocchi, jornalista, italiana, comunista, ao escrever sobre o fascismo na Itália, a partir da sua vivência em tal regime, salienta a importância da pequena burguesia para o fascismo tendo como base o pensamento de Gramsci, que diz ser, a pequena burguesia, uma classe cheia de veneno contra o operário e que prepara o caminho para a ascensão do líder fascista.

A pequena-burguesia, depois de ter arruinado o Parlamento, prepara-se para arruinar o Estado burguês: ela substitui, numa escala cada vez mais vasta, a autoridade da lei pela violência privada, ela exerce (e não pode agir de outra maneira) esta violência de uma maneira caótica, brutal, e ergue contra o Estado camadas da população cada vez mais importantes. (MACCIOCCHI, 1977, p. 28-29).

Então, a pequena burguesia alimentava o fascismo na Itália e fornecia novos/as adeptos/as que foram construindo o caminho para Mussolini chegar ao poder, usando da violência e meios ilícitos. No entanto, estrategicamente,

Os fascistas não querem ir para a prisão — e isto está na simples lógica dos fatos elementares —, mas querem, pelo contrário, utilizar a sua força, toda a força de que dispõem, para ganhar a impunidade e atingir o fim último de todo o movimento: a posse do poder político... (MACCIOCCHI, 1977, p. 31).

Na caminhada fascista para o poder político se percebia claramente quais grupos seriam os mais oprimidos, a tirania, analisada por Macciocchi, não se concentrou apenas na classe, incluiu a opressão das mulheres. Assim, como entender a adesão dos pobres contra os interesses dos trabalhadores? Da mesma forma, enquanto feministas, nos questionamos: como igualmente entender a adesão feminina a quem reprova as conquistas duramente conseguidas pelas mulheres? Uma vez que,

A mulher, enquanto propriedade privada a explorar, que não faz distinção de classe, pertence tanto ao pequeno burguês como ao chefe da empresa ou dignitário fascista, e nada os torna mais iguais, justamente, do que essa posse da mulher para quem não há, nunca, ameaça de expropriação. (MACCIOCCHI, 1977, 87).

Mesmo as mulheres sendo exploradas em todos os grupos sociais, como explica a autora, o que justifica as atitudes das fascistas italianas para levar Mussolini ao poder e contra outras mulheres, assim como elas oprimidas?

Conta-se que na primavera de 1922, numa pequena povoação da Província de Udine, um grupo de socialistas tentou vingar-se de um terrível golpe ocupando a sede do partido fascista... “Apoderar-se e pôr de pernas para o ar o seu covil teria sido empresa fácil se, de imprevisto, não tivesse saído daí, aos gritos A nós!, uma trintena de mulheres, armadas com bombas Sipe e matracas, equipadas de capacetes e cintos de munições, que se lançaram sobre o inimigo e o obrigaram a recuar. Estas amazonas eram comandadas por uma certa Signora Scarpa, que, mais tarde, durante a República de Salo, foi nomeada tenente coronel das S. S. auxiliares”. (MACCIOCCHI, 1977, p. 90).

Em certa medida, Mussolini usou as mulheres como um primeiro passo da sua escalada ao poder (MACCIOCCHI, 1977, p. 96), no I Congresso dos Fasci Femininos das Três Venécias, Mussolini discursou e a autora destaca alguns pontos, como: “Gosto de vos dizer, mulheres fascistas [..], que Mussolini e o fascismo são dois aspectos de uma mesma natureza, dois corpos e uma só alma ou, se preferirdes, as duas almas de um só corpo” (MACCIOCCHI, 1977, p. 102), seguindo os aplausos das mulheres e, o apelo dele que deveriam “servir com humildade” (MACCIOCCHI, 1977, p. 102). Em Roma, no dia 8 de dezembro de 1936, “[...] o Duce é obrigado a mostra-se pelo menos por sete vezes, saudando e sorrindo perante uma tão unânime expressão de devoção apaixonada” (p. 112). O que regia o Código Civil fascista sobre elas?

Em suma, a mulher nada possuía, nem mesmo os filhos que dava à luz, e o Código Civil fascista basear-se-á nesta discriminação radical, tão aberrante que uma mulher que enganasse o marido podia ser morta impunemente, em nome de uma pretensa “razão de honra”. (MACCIOCCHI, 1977, p. 108).

A relação das mulheres fascistas com Mussolini foi longa, o fascismo as oferecia, segundo as mesmas, conveniências, a conquista da África traria oportunidade de trabalho para os seus homens e seria também uma grande conquista, como nos tempos da Roma antiga (MACCIOCCHI, 1977, p. 129).

Para Macciocchi (1977), as leis dos fascismos, seja na Itália ou Alemanha, eram contrárias ao trabalho e às instruções das mulheres. “Por detrás das tomadas de posição de Hitler e de Mussolini, perfilava-se a longa história de uma ofensiva realizada para afastar as mulheres da sociedade, graças a verdadeiras leis.” (p. 117). Como algumas das medidas de Mussolini, ela cita que, seus salários foram reduzidos para metade dos masculinos (1927), foram eliminadas do emprego público (1933), e a justificativa era a prioridade do exercício da maternidade (MACCIOCCHI, 1977, p. 117). Hitler, por sua vez, dispensou todas as mulheres casadas de seus trabalhos (1933), somente 10% dos bacharelados poderiam pertencer às mulheres (1934), dentre outras atitudes. E tal regime totalitarista continuou se expandindo e com ele a tirania contra as mulheres.

Em Portugal, onde o fascismo também fez morada, o texto O salazarismo e as mulheres, uma abordagem comparativa, seus autores trazem a seguinte reflexão.

Se existe um traço comum às Ditaduras da Europa do Sul do período entre as duas guerras, ele refere-se às atitudes perante as mulheres. Instauradas na sequência de processos de democratização e da emergência de movimentos feministas; e num quadro geral de aumento significativo da presença das mulheres no mercado de trabalho, todas estas Ditaduras reafirmaram no campo ideológico e político a apologia do “regresso ao lar”, a glorificação da “maternidade” e de um certo modelo de “família” enquanto função primordial, ao mesmo tempo que se confrontaram com a questão da “integração” das mulheres no campo político, elevando algumas delas esta função à meta nacionalista e mobilizadora importante dos seus regimes. (COVA; PINTO, 1997, p. 71).

Segundo Cova e Pinto (1997), no salazarismo em Portugal, a valorização das mulheres é destacada como capaz de aglutinarem novos adeptos aos regimes totalitários, como citado acima. O contraditório é que os mesmos regimes não defendiam seus direitos enquanto cidadãs, mas reforçavam a defesa de uma suposta natureza feminina: donas de casa, cuidadoras, preservadoras dos valores cristãos e morais.

O Salazarismo permaneceu profundamente enraizado na ideia tradicional de que as mulheres se situam do lado da “natureza” e os homens, implicitamente, do lado da cultura. Desta forma, o Estado Novo manteve-se fiel às mensagens inalteravelmente repetidas, com um intervalo de quarenta anos, pela Igreja Católica, nas encíclicas RerumNovarum (1891) e Quadragesimoanno (1931), em que a “natureza” predispôs as mulheres a ficarem em casa a fim de educarem os seus filhos e de se consagrarem às tarefas domésticas. (COVA; PINTO, 1997, p. 71).

A encíclica RerumNovarum, de Leão XIII, (1878-1903), é considerada um marco para a Doutrina Social da Igreja, traz discussões sobre a opressão dos trabalhadores, defende que o fruto do trabalho pertence ao trabalhador, denuncia a concentração de riquezas nas mãos de poucos, mas protege a inviabilidade da propriedade particular; não luta, mas concórdia entre as classes sociais, o Estado deve intervir e assegurar os direitos dos trabalhadores. Mas quanto ao trabalho feminino coloca:

Trabalhos há também quê [sic] se não adaptam tanto à mulher, a qual a natureza destina de preferência aos arranjos domésticos, que, por outro lado, salvaguardam admiravelmente a honestidade do sexo, e correspondem melhor, pela sua natureza, ao que pede a boa educação dos filhos e a prosperidade da família. (RERUM NOVARUM, 1891, n.p.).

Para tornar solene o 40º aniversário da RerumNovarum, Pio XI (1922-1939), fez a encíclica QuadragesimoAnno, onde afirma que a Igreja no documento anterior defendeu os direitos da classe trabalhadora, da mulher e das crianças. Na mesma, a mulher continua sendo apresentada como uma não trabalhadora, voltada para o lar, mesmo a Igreja tendo consciência de que a mulher estava no mundo do trabalho, como descreve no seguinte trecho da carta.

Sentimo-Nos horrorizados ao pensar nos gravíssimos perigos a que estão expostos nas fábricas modernas os costumes dos operários (sobretudo jovens) e o pudor das mulheres e donzelas; ao lembrarmo-Nos de que muitas vezes o sistema econômico hodierno e sobre tudo as más condições da habitação criam obstáculos à união e intimidade da vida de família; [...]. (Quadragesimoanno, 1931, n.p).

Assim, reafirmamos o peso que as Igrejas têm na construção das relações de gênero, ou seja, reafirmando diferenças que não são naturais entre mulheres e homens. Desde os anos 60 e 70 do século XX, as feministas discutem que sexo e gênero não são as mesmas coisas, sexo é uma categoria natural, gênero uma construção social, sendo assim, varia no tempo e no espaço. Para Joan Scott, gênero,

[...] tem duas partes e várias subpartes. Elas são ligadas entre si, mas deveriam ser analiticamente distintas. O núcleo essencial da definição baseia-se na conexão integral constitutivo de relação social baseada na diferença percebida entre os sexos, e o gênero é uma forma primeira de significar as relações de poder. (SCOTT, 1990, p. 12).

Para a autora, na análise de gênero como relações de poder, deviam estar presentes as doutrinas e organizações sociais, a noção de político e a subjetividade (SCOTT, 1990, p. 12). Sendo assim, se faz necessário entender como uma instituição religiosa, caso da católica, atua na construção do simbólico, normatiza através de seus documentos e influencia no subjetivo das pessoas. Nas encíclicas citadas, as mulheres cristãs são apresentadas como as que devem respeitar a natureza, ser mães e se voltarem para as tarefas domésticas e, como exposto, o mesmo desejava o governo salazarista.

Desta forma, as funções das mulheres e dos homens não eram idênticas, mas complementares, coerentes com os princípios da encíclica CastiConnubii (1930), que enunciava <<Um temperamento diferente do sexo feminino>>, que no seio da família o <<marido é a cabeça, a mulher o coração>>, e que a mulher era a <<sócia>> do seu marido. O Estado Novo8 desejava igualmente ver a complementariedade dos cônjuges como garante da estabilidade da família, a qual primava sobre os direitos individuais. O que predominava na ideologia salazarista era o interesse pela família, na qual os cônjuges não passavam de humildes servidores. (COVA; PINTO, 1997, p. 73).

Se o homem deveria ser a cabeça, sendo aquele que comanda, fora do lar, homem e mulher deveriam servir ao grande comandante. Nesse sentido, os autores destacam a importância de uma parlamentar chamada Maria Baptista dos Santos Guardiola, criadora de organizações femininas, para o salazarismo.

As suas intervenções na <<Assembleia Nacional>> foram sobretudo associadas ao ensino, nomeadamente propondo a introdução de cursos de higiene geral e puericultura nos liceus e escolas femininas, e a reforma do sistema escolar, guiada <<pelos princípios da doutrina e da moral cristã, tradicional no país>>. (COVA; PÌNTO, 1997, p. 80).

E as mulheres que se colocaram a serviço de líderes totalitaristas em diversos outros lugares, dentro e fora do continente europeu, como pode ser visto na análise de Toni Morant i Ariño (2019), que compara a atuação das mulheres fascistas no Brasil e na Espanha, integralistas e falangistas, respectivamente, mostrando suas semelhanças e diferenças.

A proximidade não só cronológica como também ideológica entre estes acontecimentos (a formação de partidos fascistas e a incorporação de mulheres em suas fileiras de forma consciente e voluntária, quando não diretamente entusiasta) revela tendências paralelas apesar dos milhares de quilômetros que os (e as) separavam. Este paralelismo não foi nenhuma coincidência, mas sim algo que demarca e explica a ascensão das ideias fascistas dentro, mas também fora da Europa. (MORANT I ARIÑO, 2019, p. 122).

Tomando como marco inicial do fascismo o ano de 1922, com Mussolini no poder italiano, e o ano de 1933, com a chegada de Hitler no poder alemão, o autor explica o fascismo como um fenômeno que rapidamente se alastrou pelo continente europeu e na sequência pelo mundo. Retomando que um dos pontos elencados para o entendimento desse movimento é o fato de defenderem a salvação da economia, não pode ser esquecido que a quebra da Bolsa de Nova Iorque em 1929, assinalou um fracasso dos regimes democráticos e fortaleceu o discurso de que só líderes fortes poderiam evitar tais catástrofes. O terreno foi propício para alastrar os ideais fascistas pelo mundo e trazer também as mulheres para suas fileiras de adesão, devido ao desemprego em alta e fome, que marcaram o período de grande depressão provocada pela crise.

Segundo Morant i Ariño (2019), fatores externos levaram muitas mulheres ao fascismo, como a influência de seus pais e demais parentes, a crise econômica mundial, a primeira grande guerra, no entanto, a análise do autor está mais voltada para a adesão pessoal das mesmas, muitas sofreram resistência da família para que não fizesse parte de tal movimento e, os homens fascistas rejeitaram a entrada delas tanto na Espanha como no Brasil, como afirma (MORANT I ARIÑO, 2019, p. 131). Independente da rejeição dos adeptos masculinos, elas foram desejadas por seus líderes, eram importantes colaboradoras na escalada ao poder dos mesmos.

E o que aproximava e distanciava integralistas e falangistas? O grau de desenvolvimento organizacional foi um fator de distinção, sendo mais avançado o partido das brasileiras, as quais tiveram mais tempo para se estruturar até a iniciativa de seus líderes tentarem tomar o poder e caírem na ilegalidade. Em comum, é possível identificar que:

Suas primeiras funções foram aquelas tradicionalmente consideradas ‘femininas’, ou seja, de apoio aos homens. Com a missão de “manter por todas as formas o lar puro”, as brasileiras elaboravam utensílios decorados com os símbolos da AIB (xícaras, broches, caixas de fósforos cuja venda servia, também, como financiamento), ensinavam a ler e a escrever nas suas Escolas de Alfabetização, e, por último, formavam — significativamente — as juventudes do partido, os denominados Plinianos, meninos e meninas entre 4 e 15 anos. Por sua vez, as falangistas assumiram, inicialmente, tarefas semelhantes: costuravam camisas para seus ‘camaradas’, costuravam bandeiras, visitavam os cada vez mais numerosos presos ou seus familiares, cuidavam dos doentes e feridos; e, por último, distribuíam propaganda, faziam coletas em atos do partido ou pelas casas e negócios de simpatizantes e vendiam selos, flores e sabonetes com o símbolo da Falange para arrecadar fundos. (MORANT I ARIÑO, 2019, p. 132-133).

Assim como ocorreu em outros lugares, as atividades das mulheres, enquanto integrantes dos partidos fascistas, eram as de reprodutoras das tarefas domésticas, cuidadoras dos doentes, sem em nada modificar o que era esperado delas, ao menos inicialmente, como salienta o autor, pois ocorreu certa ampliação dos papéis considerados femininos.

As mulheres que atuavam nas sedes dos seus partidos políticos, espaços até então masculinos de politização, podiam se uniformizar, vale lembrar que uniforme era o hábito das freiras ou as roupas das enfermeiras de então.

Para as brasileiras, a camisa verde constituía o “símbolo máximo integralista” e, assim como a saudação ou o grito de terror, era também um duplo marcador político: externamente, diferenciava-as do restante da sociedade, enquanto, internamente, reconhecia-as como integrantes de um mesmo movimento, também para seus camaradas masculinos. Vestir uniforme equivalia a uma profissão pública de fé política, um “orgulho, porque embora mulher, desejo contribuir para a salvação de minha pátria”. (MORANT I ARIÑO, 2019, p. 133).

E a ampliação do papel feminino não parou por aí, elas exerceram atividades fora do âmbito doméstico e cargos políticos, o que representou uma quebra de padrão do que era esperado para as mulheres naquele contexto.

As integralistas não foram apenas mães, esposas e professoras: podiam trabalhar (fora de casa) escritoras, oradoras públicas, propagandistas, diretoras de revistas ou autoras de artigos em publicações da AIB, não apenas sobre assuntos ou para um público exclusivamente femininos. Além disso, algumas Blusas Verdes obtiveram, nas eleições, cargos de representação política, como vereadoras, por exemplo, algo que suas homólogas espanholas nunca conseguiram. O que algumas falangistas fizeram foi discursar aos seus companheiros de partido, como foi o caso de Rosario Pereda, que, durante os comícios, costumava dirigir-se aos seus ‘camaradas’, e da Secretária nacional, Dora Maqueda, pelo menos em uma ocasião ante as milícias de Valladolid. (MORANT I ARIÑO, 2019, p. 134).

Guardando as diferenças espaciais das pesquisas, assim como do período que escreveram, a visão de MACCIOCCHI (1977) traz uma manutenção dos papéis de gênero e a de MORANT I ARIÑO (2019) certa desconstrução, a partir da ampliação das atividades partidárias, pois para este autor, as mulheres fascistas também viajavam sozinhas ou com outras mulheres, organizavam congressos, dirigiam carros etc. (MORANT I ARIÑO, 2019, p. 134).

Apesar disso, Macciocchi também ressalta que tanto as fascistas italianas ou as nazistas alemãs não foram meras manipuladas “não são sem voz, sem palavras, corpos mudos e ouvidos tapados [...]” (MACCIOCCHI, 1977, p. 92-93). Ressaltamos que, para nós, esta desconstrução apresentada por ambos/as autores/as sobre a atuação das mulheres em tais movimentos, estão majoritariamente atrelados ao desenvolvimento de atividades e/ou comportamentos distintos ao imposto às mulheres naqueles períodos históricos, e não a um enfrentamento à ordem patriarcal de gênero, de modo que, mesmo esse lugar de desconstrução era utilizado para reforçar o lugar de mãe, cuidadora e da família.

Entendemos ser importante pontuar isso porque na atualidade, mesmo desempenhando alguns espaços de liderança — como, por exemplo, espaços de destaque na política ainda proporcionalmente menor para as mulheres em relação aos homens — também é possível identificar mulheres utilizando destes espaços para reproduzir a opressão sobre nós, conforme veremos a seguir.

Mulheres, Ultraconservadorismo e Neofascismo no Brasil hoje

Assim como no fascismo histórico, o neofascismo pode ser considerado um fenômeno que atravessa diferentes localidades do mundo, podendo ser identificado enquanto “um produto político” que advém do modo de produção capitalista, em seu aprofundamento neoliberal (FILGUEIRAS; DRUCK, 2019, n.p.). Michel Lowy (2019) identifica

[...] como “neofascistas”, líderes, partidos, movimentos ou governos que têm semelhanças significativas com o fascismo clássico dos anos 1930 — e com frequência, raízes históricas nesse passado — mas também algumas diferenças substanciais. Trata-se de fenômenos novos, que não são idênticos aos que conhecemos no passado. Alguns exemplos: o partido de Marine Le Pen na França, o FPÖ (“Liberal”) da Áustria, o partido Vlams Belang na Bélgica, Salvini e a Legga italiana, Jair Bolsonaro (sem partido orgânico), etc. Trump tem alguns aspectos neofascistas, mas misturados com o reacionarismo tradicional. (LOWY, 2019, n.p)

Assim como o neofascismo apresenta elementos diferentes do fascismo histórico, apesar das semelhanças, em cada país tal fenômeno também apresenta particularidades. Michel Lowy (2019, n.p.) sinaliza que o neofascismo no Brasil tem a religião no papel de destaque, especialmente com as “Igrejas neopentecostais, com seu discurso homofóbico e antifeminista ultrarreacionário” (LOWY, 2019, n.p.), fundamentais para a vitória de Jair Bolsonaro em 2018. Diferentemente do papel da religião na “ascensão da extrema direita europeia (salvo na Polônia e Hungria)” (LOWY, 2019, n.p.).

No Brasil, o neofascismo estrutura um “movimento de apoio a Bolsonaro, bem como o seu governo [...]” (BOITO Jr., 2020, p. 111), através do bolsonarismo, um movimento de massa que começa a se configurar durante a campanha para o impeachment da presidenta Dilma, em 2016.

Jair Bolsonaro, atual presidente do Brasil, teve ampla visibilidade na denúncia do chamado kit contra a homofobia — construído pelo Ministério da Educação para combater práticas homofóbicas — distorcendo seu conteúdo e fazendo, junto com outros setores reacionários, um alarde moral em torno de um suposto “kit gay” no ano de 2011. Além disso, teve participação ativa no impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, com ampla repercussão de seu voto a favor do impeachment em homenagem ao torturador da então presidente durante o período da ditadura militar: Brilhante Ustra.

A campanha eleitoral para a presidência da república, em 2018, foi marcada por notícias falsas (conhecida como fake news) e sem a participação do candidato Bolsonaro em debate político. Ao ser eleito, em seu discurso de posse afirmou que uma de suas missões é “(...) unir o povo, valorizar a família, respeitar as religiões e nossa tradição judaico-cristã, combater a ideologia de gênero, conservando nossos valores. O Brasil voltará a ser um País livre das amarras ideológicas.” (Folha de São Paulo, 2019, n.p)

Dentre tantas bandeiras ultraconservadoras levantadas pelo presidente, destacamos o seu discurso familista — em defesa da denominada “tradicional família brasileira” que traz em seu ideário a família cisheteronormativa composta por pai, mãe e filhos (brancos). Além de tal defesa, ou na verdade, como uma estratégia também de tal defesa, o combate à “ideologia de gênero” nos chama atenção.

Rogério Junqueira (2017; 2018), Sônia Correa (2018), Flavia Biroli, Maria das Dores Campos Machado e Juan Vaggione (2020), dentre outros/as estudiosos/as, apresentam que tal “ideologia” é um constructo da Igreja Católica que surge nos anos de 1990 em meio às Conferências da Organização das Nações Unidas e que ganham corpo e impulso em diferentes lugares do mundo, agregando diferentes setores dentre eles, por exemplo, político partidários e religiosos — como pentecostais, neopentecostais, espíritas etc. Tal “combate” é parte de uma agenda antigênero que se constrói em um período de avanços, mesmo que ainda não suficientes, dos direitos e discussões feministas, LGBTQIA+ e antirracistas.

Nesse sentido, como apontam Sarah Bracke e David Paternotte (2018),

Essa reação contra o gênero assume diferentes formas e modos, alguns dos quais são mais sutis e insidiosos e podem depender do uso continuado do gênero, enquanto outros rejeitam completamente a própria noção de gênero. As visões e ativismos antigênero que se reúnem em torno do termo “ideologia de gênero” são expressões desta última. Nesse contexto, o termo "ideologia" desempenha um papel retórico específico, porque invoca uma visão na qual os campos de crenças e ideias são separados do campo da realidade, e o gênero estaria localizado no primeiro, portanto, a produção de conhecimento e as reivindicações sobre a realidade de décadas de pesquisa em estudos de gênero são prejudicadas. Como tal, essas oposições ao gênero podem ser lidas como projetos alternativos de produção de conhecimento. (BRACKE; PATERNOTTE, 2018, p. 9-10. Tradução nossa)9

Assim, uma das sustentações contrárias a gênero é a “resistência ao politicamente correto” (BRACKE; PATERNOTTE, 2018, p. 9-10. Tradução nossa). Trata-se de uma “Cruzada” moralizante, familista e baseada, conforme apontam as autoras, numa ideia de inimigos/as que precisam ser combatidos/as por defenderem a “ideologia de gênero”, sendo tal “ideologia” também alvo de ataques.

Nesse sentido, é possível afirmar que, no Brasil, a “cruzada antigênero” tem sido fortalecida e articulada ao neofascismo brasileiro, apresentando então relação direta com o bolsonarismo, especialmente na disputa do campo da moral. Vale trazer que tal cruzada ganha força num cenário em que as políticas de direitos sexuais e reprodutivos e o debate de gênero e diversidades sexuais ganhavam espaço no país, sendo tais discursos e práticas políticas ultraconservadoras defendidas por mulheres.

Nessa direção, Butler aponta que

[...] o neofascismo hoje é produzido por uma precariedade econômica radical, uma condição na qual o trabalho, o abrigo, a assistência à saúde nem sempre são garantidos. São muitas as formas: a oposição aos migrantes, ao socialismo, aos direitos LGBT, e também ao movimento feminista. Na minha opinião, o neofascismo é uma reação, não uma regressão. Aqueles que se levantam contra o gênero e a liberdade e igualdade sexual estão tentando impedir os avanços feitos pelos movimentos sociais para estabelecer a igualdade de gênero e a despatologização (e descriminalização) da sexualidade gay, bissexual ou lésbica ou das vidas das pessoas trans. Somos acusados de desestabilizar seu mundo, mas a desestabilização que eles sentem é induzida pelo sistema econômico que abraçam e pela ascensão do autoritarismo neofascista. Esta última é uma forma de governança que explora e induz a instabilidade entre a população. (BUTLER, 2019, n.p.)

Apesar de uma forte oposição feminina e feminista a esse avanço ultraconservador — cuja maior expressão pode ser considerada o movimento Ele Não,10 realizado às vésperas das eleições de 2018 — se apresenta também a visibilidade de mulheres que não só apoiam esse governo, como contribuem para o desmonte dos direitos das mulheres, das Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Queer... (LGBTQ+), indígenas e da população negra. Muitas dessas mulheres encontram-se vinculadas às denominações pentecostais das Igrejas Evangélicas. Maria das Dores Campos Machado (2020) afirma que:

Uma enquete conduzida pelo instituto Datafolha em 2019 em mais de uma centena de municípios do Brasil revelou que a representação de negros e mulheres entre os evangélicos era de 59% e 58%, respectivamente. A representação feminina nesses segmentos é superior à encontrada na população brasileira (52%) e entre os católicos (50%), sugerindo uma grande capacidade de atração das denominações evangélicas junto às mulheres. Destacamos a maior proporção das mulheres entre os evangélicos porque esse fato torna mais complexa a análise das disputas ideológicas travadas em torno da agenda de gênero. Afinal, embora a liderança cristã continue sendo majoritariamente do sexo masculino, são as mulheres que enchem os templos, assumem a tarefa de transmitir os valores religiosos para as novas gerações e vêm sendo mais mobilizadas para o ativismo conservador contra a “ideologia de gênero”. (MACHADO, 2020, p. 84)

A autora também apresenta, a partir de pesquisa realizada junto à Cecília Mariz, que a adesão das mulheres populares com o pentecostalismo, pautado na teologia da prosperidade,11 tem relação, dentre outras questões, com o acolhimento nesses espaços com sociabilidades que impulsionavam/impulsionam certa “autoridade moral” e o próprio estímulo das lideranças religiosas para que assumam certa posição de proatividade “frente às adversidades econômicas e, consequentemente, para uma maior participação na esfera pública.” (MACHADO, 2020, p. 84).

Machado identifica que a maioria das mulheres que se mobilizam nas campanhas antigênero se engaja “por sentir seus valores ameaçados e por se preocupar com suas famílias, em especial com seus filhos” (MACHADO, 2020, p. 131). Pois, há um discurso e uma campanha marcadamente antigênero que associa a “ideologia de gênero” à pedofilia, homossexualidade compulsória (como se isso fosse possível numa sociedade marcada pela cisheteronormatividade compulsória), o fim da família, o fim do casamento e da religião, em última instancia ao fim da própria humanidade, forjando uma ideia de que

A salvação das crianças e da própria nação depende dos evangélicos. Essa é uma questão importante, pois abre uma brecha para entendermos a mobilização do segmento feminino evangélico nas campanhas antigênero. Isso porque tal tipo de formulação aciona o sentimento internalizado pela maioria das mulheres cristãs relacionados com o cuidado das crianças e da família. (MACHADO, 2020, p. 99)

Nesse sentido, como já sinalizado, o lugar e da responsabilidade do cuidado destinado como se naturalmente às mulheres, não é recente. Tal correlação tem relação direta com a divisão sexual do trabalho, a qual também está relacionada com a separação entre o público e privado, quando o lugar do cuidado está atrelado ao espaço privado (mais diretamente relacionado à esfera doméstica — destinada às mulheres) e o espaço público está atrelado ao espaço das decisões, da “política” — destinado aos homens.

No entanto, o que podemos identificar nessa campanha antigênero a qual as mulheres (especialmente neoconservadoras e ultraconservadoras) têm contribuído de forma efetiva, é que muitas delas têm utilizado o espaço público para reproduzir a naturalização do cuidado das crianças e da família, como se elas fossem as responsáveis para proteger as famílias desse mal que é a “ideologia de gênero”. Por isso, não são as mulheres populares que chamamos necessariamente de ultraconservadoras,12 apesar de elas o poderem ser, mas sim, àquelas que ao ocuparem espaços de destaque — especialmente espaços públicos — se utilizam de tal mobilização para gerar ainda maior pânico moral, discursos e enfrentamentos antifeministas, com o objetivo de perpetuar — o que para nós se dá de forma estratégica — o patriarcado e o antifeminismo, exercendo papel central no desmonte dos direitos das mulheres.

Para contribuir com esse desmonte e realizar o combate à denominada “ideologia de gênero”, por exemplo, o atual presidente convocou para ocupar o cargo de Ministra da Mulher da Família e dos Direitos Humanos, a pastora Damares Alves.

Maria das Dores Campos Machado (2020) afirma que,

Deve-se reconhecer (.…) que a liderança evangélica feminina de maior destaque tanto na aliança entre os legisladores evangélicos e católicos no Congresso Nacional quanto na promoção da racionalidade neoconservadora na campanha de Bolsonaro foi (...) Damares Alves. Advogada e pastora — inicialmente da Igreja Quadrangular e depois da Igreja Batista da Lagoinha -, Damares atuou na assessoria jurídica de vários políticos no Congresso Nacional, bem como da Frente Parlamentar Evangélica, e foi secretária-geral do Movimento Nacional Brasil sem Aborto, que tem militantes de vários segmentos religiosos. Esta liderança desempenhou e segue desempenhando um papel fundamental na difusão entre os evangélicos brasileiros da lógica normativa centrada na família, na educação religiosa das crianças e no combate às perspectivas de gênero e da diversidade sexual. (MACHADO, 2020, p. 98-99).

Damares fortaleceu e impulsionou a crescente onda do discurso antigênero no Brasil, de modo que podemos afirmar que ela tem sido uma representante brasileira desta Cruzada. Apesar de revelar já ter sido vítima de estupro quando criança,13 é uma defensora ferrenha de que seja promovida a abstinência sexual como método contraceptivo a ser abordado enquanto proposta de educação sexual e reprodutiva nas escolas,14 na contramão de propostas de uma educação sexual que rompa com o modelo cisheteronormativo e patriarcal, chegando, inclusive a fazer palestra (antes de assumir o ministério) na qual afirmava a existência de projetos no Brasil que estimulavam a masturbação infantil por parte dos pais e professores.15 Além disso, a ministra é contrária às políticas que garantam o aborto — em qualquer situação — e combate à homossexualidade em nome de Deus, da família e da vida.

Acrescente-se a isso, a conjuntura pandêmica que tem contribuído para um índice expressivo nos dados referentes à violência doméstica contra as mulheres16 e tem sido evidenciado muitos relatos de crianças e jovens vítimas de estupro.17 Em meio a esse cenário, em 22 de abril de 2020, houve uma reunião ministerial para apresentação do que o general Braga Netto18 chamou de Plano de “retomada do crescimento socioeconômico em resposta aos impactos relacionados ao coronavírus” — Plano intitulado de Pró-Brasil — a qual contou com a presença dos/a ministros/a que compunham o governo federal até aquele momento.

Fruto de muitas polêmicas, especialmente por conta da fala do então ministro do meio ambiente Ricardo Salles, que afirmou que era necessário aproveitar o momento da pandemia para “passar a boiada” e, dentre outras coisas, aprovar reformas e mudar regramentos e normas, uma vez que a imprensa estava com foco na Covid-19,19 Damares Alves também marcou presença em tal reunião chamando atenção para a pauta dos valores do governo de Jair Bolsonaro.

Nesta reunião a ministra afirmou, dentre outras coisas que:

Esse governo tem o pilar dos valores, não se pode construir nada neste governo sem a gente trazer valores. Nós estamos sabendo e a gente está falando o tempo todo que nós não seremos os mesmos depois dessa pandemia. [...] A questão, os nossos quilombos estão crescendo e os... e os meninos estão nascendo nos quilombos e seus valores estão lá. Então, tudo vai ter que ver a questão dos valores. [...] Então, tudo isso tem que vir para este pacote. Nós vamos ter que fazer algumas revisões de políticas públicas no Brasil, então, por favor ministro, coloque aí a questão de valores. Quando eu falo valores, aí, eu quero olhar para o nosso novo ministro aqui da saúde e dizer: “ministro, valores estão lá no seu ministério também”. Neste momento de pandemia a gente está vendo aí a palhaçada do STF em trazer o aborto de novo para a pauta e lá tava a questão de... as mulheres que são vítimas do zica vírus vão abortar, e agora, vem do coronavírus? Será que vão querer liberar que todas que tiveram coronavírus poderão abortar no Brasil? Vão liberar geral? O seu ministério, ministro, tá lotado de feminista que tem uma pauta única que é a liberação de aborto. Quero te lembrar, ministro, que tá chegando agora, este governo é um governo pró-vida, é um governo pró-família. [...] E eu quero citar aqui o exemplo da política indigenista, como esse governo estava construindo: todo mundo começou a dizer, a esquerda começou a falar, que o coronavírus iria dizimar os povos indígenas no Brasil. O primeiro óbito, dia 12 de abril. Sabe o que é que é isso? A forma como nós estávamos conduzindo a política indígena no Brasil. [...]. Então, tá aí a resposta: valores, por favor, valores. (ALVES, 2020).20

É possível perceber, a partir de tal discurso, que a ministra aponta a necessidade de manutenção do pilar dos valores desse governo, a saber: pró-vida e pró-família. Tal defesa explicitada, reiteradas vezes, pela ministra pode ser identificada também, por exemplo, na aliança que ela fez, em 2019, com a intitulada Nova frente pela vida, a qual defende, dentre outras questões o estatuto do nascituro, reforçando — e ampliando — a criminalização de mulheres que cometem aborto, e a concepção de família enquanto formada por um homem e uma mulher — ou seja, não se trata da defesa de qualquer família, mas sim, do modelo cristão, cisheteronormativo, de família.21

Mas não é só essa a defesa. Damares tem se apresentado enquanto uma das principais cabeças do bolsonarismo, contribuindo para a destruição dos direitos das mulheres, ao passo que ocupa ministério central no que deveria defender tais direitos, realizando uma ruptura deste governo com o Estado Laico em nome de um Estado teocrático.

Débora Diniz ao analisar a gestão da ministra de 2018 até 2020 aponta que

ministra Damares é um dos que está ali no olho desse redemoinho. Ela nunca foi uma “cortina de fumaça”. Não é à toa que agora circula a possibilidade de ela ser vice de Bolsonaro em 2022. Ela movimenta o que propriamente elegeu o Bolsonaro como presidente, que é uma narrativa de abjeção às mulheres, às questões reprodutivas e de sexualidade, aos direitos humanos, à própria questão indígena. Uma abjeção a todas as questões que consideramos conquistas democráticas recentes de novas formas de se viver a vida para além do binarismo cristão e da norma heterossexual de reprodução de família. Ela é a voz que movimenta esse patriarcado naturalizado e dá o sentido dos valores ao bolsonarismo. Ela move o redemoinho com os valores “suaves”. Enquanto os outros vão mover as armas, o ódio, ela vai dizer “a família”, “as crianças”, “a pedofilia.” Ela nos mostra, afinal, que queremos representatividade das mulheres na política, mas não de qualquer mulher. Precisamos de mulheres que fizeram a pergunta: o que o patriarcado faz em nós? (DINIZ, 2020, n.p.)

Nesse sentido, faz-se fundamental reforçarmos a reflexão, já existente nos movimentos feministas, de que se identificar enquanto mulher, por si só, não é elemento que garanta a defesa dos direitos das mulheres frente ao patriarcado. Pelo contrário, por vezes são mulheres que são, não apenas utilizadas pelo patriarcado, como se apropriam deste — dentro de muitas limitações, já que acabam por esquecer que uma das manifestações mais radicais do patriarcado é a misoginia e, portanto, a aversão, o ódio às mulheres — para contribuir com o fortalecimento de um sistema que não apenas nos oprime, mas nos mata cotidianamente.

Por isso também, ao falar do fascismo no Brasil, Carlos Eduardo Rebuá, (2019) nos aponta que

O Brasil de Bolsonaro, Moro, Damares e Guedes é um país que já não estranha o medo há muito, tornando-o capital político e diapasão entre e intra classes e aperfeiçoando um habitus que é encontrar justificativas estapafúrdias e cínicas, porque todas elas são, para a tortura, a execução de negras e negros pobres, a expulsão dos indesejáveis de seus locais de moradia, o fim das aposentadorias, o estupro de quem merece, metralhar adversários, esterilizar quilombolas, uberizar o trabalho, condenar o aborto em todos os casos, armar o professor a fim de se evitar massacres em escolas (e nunca matamos tanto nos espaços de saber), prender mais gente, internar mais gente, corroer mais gente. (REBUÁ, 2019, n.p)

Além de Damares, cabe citar também outra mulher bolsonarista que ganhou ampla visibilidade por conta de suas posições: Sara Fernanda Giromini — vulgo Sara Winter, uma das fundadoras do grupo “300 do Brasil”, junto com Desire Queiroz.

Sara Winter,22 que se apresenta enquanto ex-feminista, foi membro do FEMEN23 — considerado por muitas feministas enquanto um movimento femista24 — e, ao sair de tal movimento, passou a defender os valores da família, contrários ao aborto e aos direitos humanos, defesa esta que a fez ser convidada pela ministra do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos para ocupar um cargo na Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), conforme aponta Carolina de Assis (2019).

Não é por acaso que Sara Winter foi chamada pela ministra Damares Alves a ocupar um cargo na Secretaria de Políticas para Mulheres (SPM) do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. A cruzada antifeminista está no cerne do atual governo federal, eleito com uma plataforma baseada na reação aos avanços movidos pelos movimentos feministas e ao fortalecimento desses e de outros movimentos sociais na última década.

Um dos avanços destes movimentos é justamente o espaço ocupado por Alves, e futuramente por Winter, no governo. A instituição da SPM em 2003 foi um marco na história do país por ser o primeiro órgão estatal no primeiro escalão do governo voltado para a elaboração de políticas públicas em prol das mulheres. Sofreu reveses desde então, que culminam em seu encolhimento em um ministério que se diz “da mulher”, mas somente daquela que está junto à “família” — a cristã, a única digna de reconhecimento em um governo que se colocou acima tudo, inclusive da lei, com seu deus acima de todos. (ASSIS, 2019, n.p)

Cabe apontar que, apesar de trazer em seu discurso um nacionalismo exacerbado, vide o slogan “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos” do governo federal, o bolsonarismo apresenta-se enquanto “falso nacionalista”, uma vez que trata-se de um “neofascismo na periferia do capitalismo” (FILGUEIRAS; DRUCK, 2019, n.p.) e, portanto, subalterno aos interesses imperialistas do grande capital, cuja retórica nacionalista serve para tentar forjar a inexistência de classes sociais antagônicas e de seus interesses diametralmente opostos. “Em síntese, a dimensão nacional substitui e apaga a dimensão social, inclusive deslegitimando distinções étnicas, de gênero e de orientação sexual.” (FILGUEIRAS; DRUCK, 2019, n.p.). Sara Winter é uma parte dessa campanha nacionalista retórica que realiza esforços no processo de deslegitimar as distinções étnicas, de gênero e de orientação sexual.

Apesar de ela ter permanecido em um cargo na Secretaria de Políticas para Mulheres (SPM) do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos por apenas cinco meses, Sara tem uma trajetória de relação com Damares que antecede este período no governo, a ponto de, na campanha eleitoral de 2018, Winter ter se candidatado a Deputada Federal pelo Rio de Janeiro, pelo PSL — partido de Bolsonaro à época — e ter tido a presença da atual ministra em sua campanha, que chegou a chamá-la de filha.

Ao sair do governo, Sara organizou os “300 do Brasil”, grupo que em 2020 realizou uma marcha — identificada enquanto neofascista — de apoio a Jair Bolsonaro. No entanto, por conta das ameaças à democracia, em especial, a ameaças realizadas a Alexandre de Moraes, ministro do STF, Sara chegou a ser presa.

Quinze dias antes de ser presa, Sara liderou, na madrugada do domingo 31 de maio, um protesto na frente do STF. Era uma manifestação de um grupo que se denomina 300 do Brasil, uma organização de extrema direita que apoia o presidente Jair Bolsonaro e cujos integrantes, em alguns casos, andam armados. O ato não reuniu mais do que trinta pessoas, mas chamou a atenção pela estética. Reunidos à noite em frente ao tribunal, os manifestantes trajavam roupas pretas e máscaras brancas, e carregavam tochas, lembrando a KuKluxKlan (KKK), grupo terrorista da ultradireita norte-americana que prega a supremacia branca. Enquanto caminhavam, em passos marcados como se marchassem, gritavam: “Viemos cobrar, o STF não vai nos calar.” Criadora do grupo, Sara estava de cara limpa, à frente dos manifestantes. (ALVES, 2020, n.p)

Tratou-se, portanto, de um movimento ultraconservador, neofascista e, por assim dizer, racista, supremacista, cuja protagonista principal é uma mulher. Além desses eventos, importa trazer que, em 2020, Sara Winter e Damares Alves estiveram envolvidas em uma situação de ampla repercussão midiática nacional: uma criança de dez anos foi engravidada após ser estuprada por seu tio — estupros que ocorriam desde que a menina tinha seis anos de idade. Ao solicitar a realização do aborto e ter tido a autorização para a realização do mesmo pela justiça, conforme previsto pela legislação nacional, Sara Winter vazou os dados da criança em suas redes sociais, indicando, inclusive onde a criança realizaria tal procedimento. Tal ação fez com que, tanto a criança quanto sua família, fossem perseguidas e ameaçadas, tendo inclusive que mudar de instituição para realizar o aborto — uma vez que a primeira instituição pública que realizaria tal procedimento se recusou.

A ministra Damares Alves, além de ter sido questionada acerca do vazamento dos dados sigilosos a Sara Winter, também teve seu nome estampado em matéria publicada na Folha de São Paulo,25 no dia 20 de setembro de 2020, a qual afirmava que “Ministra Damares Alves agiu para impedir aborto em criança de 10 anos”, sinalizando que a ministra não apenas enviou uma equipe para tentar retardar o procedimento, como também participou de reuniões visando evitar a realização do aborto. Vale assinalar que, após tais denúncias, o Ministério Público acionou o Tribunal de Contas da União para apuração do caso.26

Apesar desses envolvimentos com Damares Alves, em outubro de 2020, Sara publicou em sua rede social uma mensagem na qual dizia não reconhecer algumas ações de Bolsonaro, bem como apontando que não vem sendo defendida por Damares Alves.27 Na mesma mensagem, Sara ainda disse: “Saudades, Coronel Ustra, ‘não faço acariação com comunista’. Obs: eu não quero atirar no Bolsonaro. Eu quero menos ‘estratégia’ e mais conservadorismo”. Nessa perspectiva, é possível identificarmos certo afastamento — pelo menos aparente — entre Sara e Damares e entre Sara e o próprio Jair Bolsonaro.

Sara Winter traz em seu discurso uma central articulação organizada na cruzada antigênero, que é articulação entre o comunismo e a “ideologia de gênero”, de modo a acionar uma velha bandeira brasileira pautada no pânico da instalação do comunismo no Brasil. A ideia antipetista trazida pelo bolsonarismo está diretamente relacionada à ideia anti-comunista a qual se associa todos e qualquer projetos, movimentos, sujeitos que minimamente defendam os direitos humanos, das mulheres, da população LGBTQIA+, antirracistas, de modo que as feministas estão diretamente atreladas a esse conjunto “esquerdista” e, portanto, comunista. A ideia de que comunista comia criancinha, fortemente difundida no Brasil — especialmente na ditadura de 1964 — retorna com a ideia da ditadura gayzista, pedófila, fim da família, homossexualidade compulsória, que o discurso antigênero difunde amplamente pelas redes sociais.

Longe de querermos personificar as mulheres ultraconservadoras — sabemos que elas não se resumem aos dois exemplos apresentados — trouxemos estes casos específicos para retratar a existência dessas mulheres (expressivamente cisgêneras e brancas) nesse período histórico e para apresentar a agenda ultraconservadora de mulheres.

Além delas, há uma bancada antifeminista na Câmara Federal brasileira, que tem, dentre algumas representantes, a atuação de “Alê Silva, Aline Sleutjes, Bia Kicis, Carla Zambelli, Caroline de Toni, Chris Tonietto, Dra. Soraya Manato, Joice Hasselmann, Major Fabiana e Professora Dayane Pimentel” (MENDONÇA; MOURA, 2021, p. 12-13). Apesar da ruptura de Joice Hasselmann, Alê Silva e professora Dayane com Bolsonaro, não houve necessariamente uma ruptura com o ultraconservadorismo.

Amanda Mendonça e Fernanda Moura ao analisarem o perfil dessas mulheres, cujo recorte central foi o fato de terem sido eleitas inicialmente pelo PSL (Partido Social Liberal), o mesmo partido ao qual Jair Bolsonaro estava associado quando das eleições de 2018 (com exceção de Bia Kicis, a qual se filiou ao PSL apenas em 2019), apresentam que, apesar das diferenciações de suas trajetórias e perfis identificados, o que existe de semelhança entre elas — que vem construindo uma agenda que, para nós, é ultraconservadora — diz respeito à atuação e defesa do impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, pautarem o discurso anticorrupção, especialmente antipetistas, apoiarem o militarismo e questões envolvendo a segurança pública, o patriotismo, contrárias à “ideologia de gênero” e ao aborto, dentre outros alinhamentos. (MENDONÇA; MOURA, 2021, p. 21-22).

Além disso, apontam que

Estas parlamentares se apresentam como mulheres fortes, corajosas, capazes e lutadoras. Se entendem e referem a si mesmas como empoderadas. Se utilizam do discurso do empoderamento como oposto ao feminismo. Segundo a fala de algumas delas, mesmo o feminismo seria a ideologia que tenta convencer às mulheres de que elas são frágeis e incapazes e que por isso precisariam de políticas públicas especificas. Assim, qualquer denúncia sobre as desigualdades estruturais de gênero da nossa sociedade são naturalizadas, apontadas como “MIMIMI”. (MENDONÇA; MOURA, 2021, p. 22).

Por isso, conforme aconteceu no fascismo histórico, é importante pensarmos que no bolsonarismo também o patriarcado tem se utilizado das mulheres para se perpetuar. No entanto, por outro lado, também essas mulheres não são ingênuas, nem deixam de utilizar tais articulações para ter voz e certo poder, mesmo que, para isso, reproduzam discursos de opressão e defendam uma agenda antifeminista, na contramão do avanço dos direitos das mulheres. Nesse sentido, tais articulações também ampliam o capital político dessas ultraconservadoras.

Sobre isso, Maria das Dores Campos Machado chama atenção para o fato de que

Diversas mulheres que constituem a opinião pública no meio evangélico — cantoras gospel, pastoras, empresárias, políticas, assessoras parlamentares etc. — desempenharam papel importante nas alianças dos evangélicos com outros grupos religiosos neoconservadores — católicos e judeus -, assim como na campanha de Bolsonaro. Já foi analisado em publicações anteriores como a política de cotas favoreceu a indicação pelas igrejas pentecostais de lideranças femininas para as disputas eleitorais pelo poder Legislativo, embora a grande maioria das candidaturas evangélicas continue masculina. Na maioria das vezes, filhas ou esposas de pastores são estimuladas a entrar nas disputas eleitorais para aumentar capital político das famílias que lideram as igrejas. Na realidade, raras são as legisladoras evangélicas que passaram por movimentos sociais (sindicais, estudantis, associação de moradores etc.) antes das disputas eleitorais. Uma vez eleitas, essas mulheres tendem a seguir o modelo de atuação parlamentar dos políticos evangélicos do sexo masculino. (MACHADO, 2020, p. 98)

Nessa direção, Amanda Mendonça e Fernanda Moura nos alertam para “a importância dessas antifeministas no cenário político atual, para legitimação das pautas neoliberais e neoconservadoras” (MENDONÇA; MOURA, 2021, p. 22), sinalizando que, através de pautas moralizantes e religiosas, contrárias aos direitos humanos, atuam de forma a ameaçar a “liberdade de expressão, crença e consciência das famílias” (MENDONÇA; MOURA, 2021, p. 22).

Concordamos com as autoras, e acrescentamos que essas mulheres não só contribuíram para a eleição de Jair Bolsonaro, em 2018, a partir da ideia de um líder forte — que reproduz o ideal masculinista no patriarcado capitalista (cisheterossexual, branco, cristão e ultraliberal) —, como tem sido fundamentais para a manutenção do bolsonarismo, na posição, dentre outras, de reforçar o lugar “natural” da mulher: “mãe, cuidadora e da família”. Aqui, qualquer semelhança com o fascismo clássico, entendemos, não deve ser considerada mera coincidência.

Considerações Finais

Este artigo pretendeu analisar a presença de elementos fascistas e ultraconservadores no século XX e na atualidade a partir da adesão de mulheres a tais movimentos. Para tanto, identificamos como o fenômeno do fascismo se fortaleceu no século XX e como, no Brasil, o ultraconservadorismo e elementos neofascistas tem se apresentado.

Em ambos os tempos é possível identificar como a adesão de mulheres contribui, de maneira ativa, para o fortalecimento e perpetuação do domínio masculino. Trata-se, em última instancia, de mulheres que defendem as suas condições de mulheres “belas, recatadas e do lar”, mas que ocupam os espaços públicos para reforçar tais ideais, utilizando o Estado como este lugar de imposição autoritária de uma moral cristã, de um ideal familista burguês.

A partir do exposto, é possível identificar que estas mulheres antifeministas que defendem “o feminino”, veem em nós, feministas, algum tipo de ameaça para o seu modelo ideal de feminilidade, de família, de sociedade. Nesse sentido, consideramos que a reflexão proposta aqui contribui com elementos capazes de auxiliar na criação de estratégias coletivas no campo político bem como para as reflexões sobre as relações entre mulheres, conservadorismos e política nas teorias sociais.

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  1. Conforme Luiz Filgueiras e Graça Druck (2019) , apesar de algumas diferenciações, neofascismo e “fascismo histórico” se aproximam nos seguintes aspectos: “1- o apelo ao autoritarismo e contra o”sistema” e o Estado de Direito; 2- o uso da legalidade democrática e de suas instituições para constituição de um Estado de Exceção, por dentro da ordem democrática; 3- o ataque raivoso a todas as tendências de esquerda (comunistas, socialistas e socialdemocratas); 4- a defesa do nacionalismo (real ou apenas retórico) xenófobo, com a negação da existência de classes e conflitos de classe no interior da nação; 5- a desqualificação e, no limite, destruição das organizações dos trabalhadores (Partidos, sindicatos, associações etc.); 6- a escolha de algum “outro” como causador e bode expiatório de todos os males, fobias e ressentimentos; 7- o exercício de uma “guerra cultural-ideológica” permanente, na qual se destaca a adoção de narrativas e explicações de caráter místico-religioso e de natureza anti-intelectual, uma espécie de anti-iluminismo que agride a razão, e que procura desacreditar o conhecimento científico, histórico e cultural acumulados durante mais de cinco séculos, desde a época do “Renascimento”; 8- a exploração das emoções e afetos regressivos, com o estímulo e uso da violência, brutalidade e grosseria; 9- e, por fim, como instrumento de difusão e implementação deste “programa”, a mobilização política de massa, com a constituição de um movimento ativo, agressivo e, no limite, violento.” (FILGUEIRAS; DRUCK, 2019, n.p.)↩︎

  2. Como apresenta Sabrina Aparecida da Silva: “De certa maneira, podemos dizer que a conjuntura política que acompanhou as Jornadas de Junho de 2013 reativou e impulsionou as forças reacionárias e neoconservadoras adormecidas desde o golpe militar de 1964, as quais permanecem motivadas às pautas antidemocráticas, como por exemplo, o retorno da ditadura militar. O regresso dos grupos de direita às ruas, após décadas de ostracismo, ‘demonstrou o inegável crescimento, junto aos setores médios da sociedade brasileira, do ideário reacionário, o qual coaduna aspectos ultraliberais com outros tradicionalistas’ (DEMIER; MELO, 2018, p. 267). Entretanto, convém destacar que essas manifestações reacionárias e neoconservadoras não estavam presentes no início das Jornadas de Junho de 2013, ‘antes da burguesia ter conseguido pautar o movimento -, e, de certa forma, os atos reacionários podem até ser considerados como uma ’resposta de determinados setores das classes dominantes ao temor despertado’ em 2013’. (DEMIER; MELO, 2018, p. 267). Temos assim, um heterogêneo e novo movimento político composto por uma direita autoritária que contribuiu para o aprofundamento da crise capitalista, possibilitando a ascensão de grupos ultraliberais na direção do Estado e reproduzindo as velhas táticas políticas de opressão, de manipulação e de clientelismo, adeptas ao discurso do anticomunismo e do combate à corrupção” (SILVA, 2021, p. 121).↩︎

  3. Para Maria Lúcia Barroco (2010), a moral é construída, ou seja, ela não é natural, mas representa uma construção que corresponde a determinado período histórico. No entanto, esse processo de naturalização constitui-se a partir das normatizações, a partir de princípios universais. Ainda para a autora, “A família é um dos alicerces morais do conservadorismo e sua função é a manutenção da propriedade. A mulher exerce o papel de agente socializador responsável pela educação moral dos filhos; por isso, essa perspectiva é radicalmente contrária aos movimentos femininos, entendendo-os como elementos de desintegração familiar. A moral adquire, no conservadorismo, um sentido moralizador. É porque faz parte das propostas conservadoras buscar reformar a sociedade, entendendo que a questão social decorre de problemas morais. É assim que se apresentam sob diferentes enfoques e tendências, objetivando a restauração da ordem e da autoridade, do papel da família dos valores morais e dos costumes tradicionais”. (BARROCO, 2010, p. 163, grifos da autora)↩︎

  4. Conforme matéria produzida por Rayssa Mota, publicada pelo Estadão, em 16 de junho de 2020, “A criação dos ‘300 do Brasil’, que na verdade contavam com cerca de 25 manifestantes acampados na Esplanada dos Ministérios, foi anunciada na internet no final de abril. Pregando o nacionalismo, o combate à corrupção e à esquerda e defendendo a autonomia do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), um vídeo anunciava:”Nós somos os 300 do Brasil e viemos cobrar”. O nome foi escolhido em dupla referência aos 300 de Gideão, batalha relatada na Bíblia, e aos 300 guerreiros espartanos que, na Grécia Antiga, travaram uma batalha com milhares de soldados persas para atrasar uma invasão iminente e ganhar tempo para uma contra-ofensiva grega.” Para maiores informações ver: politica.estadao.com.br. Cabe ressaltar que no tópico 3 são apresentadas outras informações sobre tal Movimento.↩︎

  5. Segundo Yanna J. Carneiro (2019), a “misoginia é um sentimento de aversão patológico pelo feminino, que se traduz em uma prática comportamental machista, cujas opiniões e atitudes visam o estabelecimento e a manutenção das desigualdades e da hierarquia entre os gêneros, corroborando a crença de superioridade do poder e da figura masculina pregada pelo machismo” (CARNEIRO, 2019, s/p),↩︎

  6. Ao partirmos da teoria do ponto de vista, reconhecemos e concordamos com as críticas feitas por Patricia Hill Collins (2019) e Yuderkis Espinosa Miñoso (2020), por exemplo, acerca de como, incialmente, tal teoria partiu da universalidade das experiências de mulheres, deixando de lado, de certa forma, questões raciais, de classe, territorialidades, dentre outas, que além de refletirem a diversidade e as diferenciações entre as “mulheres”, podem questionar a dicotomia estabelecida entre “mulheres e homens”.↩︎

  7. Segundo Eli Bruno do Prado Rocha Rosa: “Raíssa Grimm (2017) define a cisgeneridade como ‘um termo utilizado para se referir a pessoas que não são trans’. (p. 1) Ainda, acrescenta que ‘Segundo Viviane Vergueiro (2015) citando Jaqueline de Jesus (2012), a cisgeneridade pode ser compreendida como experiência individual de gênero que corresponde ao sexo que lhe foi atribuído no nascimento, ou seja, a pessoa cisgênera é aquela cuja identidade de gênero coincide com o gênero determinado no momento do seu nascimento’” (ROSA, 2020, p. 64-65).↩︎

  8. Regime que vigorou em Portugal de 1933 até 1974, também é chamado de salazarismo, devido ao governante da maior parte do período, Antônio de Oliveira Salazar.↩︎

  9. Esta reacción contra el género adquiere diferentes formas y modos, algunos de los cuales son más sutiles e insidiosos y pueden depender em un uso continuo del género al tiempo que otros rechazan de plano la noción misma de género. Las miradas y activismos antigénero que se reúnen en torno al término “ideología de género” son expresiones de esto último7. En este contexto, el término “ideología” cumple un rol retórico específico, porque invoca una visión em la cual los ámbitos de las creencias y las ideas están separados del ámbito de la realidad, y el género estaria ubicado em los primeros, por lo tanto se socava la producción de conocimiento y las afirmaciones sobre la realidad de varias décadas de investigación en estudios de género. Como tales, estas oposiciones al género pueden ser leídas como proyectos de producción alternativa de conocimientos. (BRACKE; PATERNOTTE, 2018, p. 9-10).↩︎

  10. Segundo matéria publicada na BBC News Brasil, em 30 de setembro de 2018, por Amanda Rossi, Julia Dias Carneiro e Juliana Gragnani “O #EleNão saiu das redes sociais para as ruas. A ideia teria surgido no grupo de Facebook Mulheres Unidas Contra Bolsonaro, que tem hoje 3,88 milhões de membros. A partir daí, o movimento se espalhou pelas redes. Mulheres, anônimas e famosas, brasileiras e estrangeiras, começaram a postar a hashtag nas redes sociais — entre elas, a cantora Madonna. Homens também aderiram.”. Na mesma matéria, é destacado que “Céli Regina Jardim Pinto, da Federal do Rio Grande do Sul, se debruçou sobre a história do feminismo no Brasil e afirma que o #EleNão de 29 de setembro foi a maior manifestação de mulheres da história do país.” Disponível em: www.bbc.com. Acesso em 19 de junho de 2021.↩︎

  11. “Para os defensores da TP, a expiação do Cordeiro libertou os homens da escravidão do Diabo e das maldições da miséria, da enfermidade, nesta vida, e da segunda morte, no além. Os homens, desde então, estão destinados à prosperidade, à saúde, à vitória, à felicidade. Para alcançar tais bênçãos, garantir a salvação e afastar os demônios de sua vida, basta o cristão ter fé incondicional em Deus, exigir seus direitos em alta voz e em nome de Jesus e ser obediente a Ele acima de tudo no pagamento dos dízimos.” (MARIANO, 1996, p. 27-28. Grifo do autor).↩︎

  12. Conforme sinalizado na Introdução deste trabalho, reforçamos que, apesar de usarmos bibliografias que analisam questões que perpassam esse trabalho sob a perspectiva do neoconservadorismo, entendemos que o conceito de ultraconservadorismo seria mais apropriado à reflexão que estamos realizando, uma vez que, para nós, estamos lidando com fenômenos de extrema-direita.↩︎

  13. Ver: www1.folha.uol.com.br. Publicada em dezembro de 2018. Acesso em 19 de junho de 2021.↩︎

  14. Ver: www.bbc.com.↩︎

  15. Para maiores informações, ver: www.youtube.com.↩︎

  16. Segundo relatório do Fórum Brasileiro de Segurança Pública “Visível e Invisível: A Vitimização de Mulheres no Brasil — 3ª edição”, publicado em 2021, “1 em cada 4 mulheres brasileiras (24,4%) acima de 16 anos afirma ter sofrido algum tipo de violência ou agressão nos últimos 12 meses, durante a pandemia de covid-19. Isso significa dizer que cerca de 17 milhões de mulheres sofreram violência física, psicológica ou sexual no último ano.” (p. 10) Ainda, “4,3 milhões de mulheres (6,3%) foram agredidas fisicamente com tapas, socos ou chutes. Isso significa dizer que a cada minuto, 8 mulheres apanharam no Brasil durante a pandemia do novo coronavírus.” (p. 11) Para maiores informações ver: forumseguranca.org.br↩︎

  17. Segundo documento “Panorama da violência letal e sexual contra crianças e adolescentes no Brasil” organizado pela UNICEF e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, publicado em 2021, em análise de dados referente aos registros de violência sexual contra crianças e adolescentes de 2017 a 2020, “Nesses quatro anos, foram registrados 179.277 casos de estupro ou estupro de vulnerável com vítimas de até 19 anos — uma média de quase 45 mil casos por ano. Crianças de até 10 anos representam 62 mil das vítimas nesses quatro anos — ou seja, um terço do total. A grande maioria das vítimas de violência sexual é menina — quase 80% do total. Para elas, um número muito alto dos casos envolve vítimas entre 10 e 14 anos de idade, sendo 13 anos a idade mais frequente. Para os meninos, os casos de violência sexual concentram-se especialmente entre 3 e 9 anos de idade. Nos casos em que as vítimas são adolescentes de 15 anos ou mais, as meninas representaram mais de 90% dos casos. A maioria dos casos de violência sexual ocorre na residência da vítima e, para os casos em que há informações sobre a autoria dos crimes, 86% dos autores eram conhecidos das vítimas. Em 2020 — ano marcado pela pandemia de covid-19 — houve uma pequena queda no número de registros de violência sexual. No entanto, analisando mês a mês, observamos que, em relação aos padrões históricos, a queda se deve basicamente ao baixo número de registros entre março e maio de 2020 — justamente o período em que as medidas de isolamento social estavam mais fortes no Brasil. Esta queda provavelmente representa um aumento da subnotificação, não de fato uma redução nas ocorrências” (p. 6)↩︎

  18. À época da reunião ocupava o cargo de ministro-chefe da casa civil, porém, desde março de 2021 ocupa o cargo de ministro da defesa.↩︎

  19. Para maiores informações, ver: noticias.uol.com.br.↩︎

  20. Para assistir à reunião ministerial completa, acessar: CNN Brasil. STF divulga íntegra do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril. Disponível em: www.youtube.com.↩︎

  21. Para maiores informações ver: jornalggn.com.br.↩︎

  22. Ver No forrobodó do balacobaco: As muitas vidas da extremista Sara Winter, de Renato Alves (2020). Disponível em: piaui.folha.uol.com.br. Acesso em 05 de setembro de 2020.↩︎

  23. Segundo Júlia Francisca Moita (2013, p. 1-2) “O Femen é um grupo que apareceu na Ucrânia em 2008 visando combater o turismo sexual e a prostituição no país. Marcado pela performance, as ativistas misturam política e teatro para realizar suas ações. Quase sempre seminuas, elas atuam em espaços públicos de forte apelo simbólico (monumentos nacionais, parlamentos, praças públicas), afirmam que o elemento erótico contido nos protestos é intencional e visa chamar a atenção da mídia para as causas em combate. Fortemente internacionalizado, o movimento está presente em dezenas de países, sempre repetindo o modus operandi original.”↩︎

  24. Ver Antifeminismo na luta pela emancipação das mulheres: o Femen Brazil revisita o essencialismo de Júlia Francisca Gomes Simões Moita. In: Seminário Internacional Fazendo Gênero 10 (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2013.↩︎

  25. Disponível em: www1.folha.uol.com.br. Publicada por Carolina Vila-Nova, em 20 de setembro de 2020. Acesso em 17 de maio de 2021.↩︎

  26. Para maiores informações ver: oglobo.globo.com. Publicada por Paula Ferreira e Constança Tatsch, em 21/09/2020. Acesso em 17 de maio de 2021.↩︎

  27. Para maiores informações ver: noticias.uol.com.br. Publicada em: 04 de outubro de 2020. Acesso em 28 de agosto de 2021.↩︎

Resumo:
Este artigo tem por objetivo analisar a presença de elementos ultraconservadores e fascistas no século XX e na atualidade a partir da adesão de mulheres aos mesmos. Trata-se de uma pesquisa de cunho qualitativo, com base em discussões presentes nas epistemologias feministas, ancoradas no “ponto de vista”. Realizamos uma contextualização sobre a participação das mulheres nos diferentes fascismos europeus e no integralismo brasileiro no século XX; adentramos no fenômeno no Brasil atual, quando foi realizada uma análise acerca da participação das mulheres no governo de Jair Bolsonaro, enquanto presidente da República, bem como de apoiadoras desse governo e suas atividades/ações em defesa do ultraconservadorismo no Brasil. Por fim, mas não menos importante, realizamos uma reflexão da adesão e aliança entre mulheres e governos misóginos na sociedade brasileira.

Palavras-chave:
Ultraconservadorismo; Mulheres; Antifeminismo; Fascismo.

 

Abstract:
This article aims to analyze the presence of ultraconservative and fascist elements in the twentieth century and nowadays from the women’s support to them. This is a qualitative research, based on discussions present in feminist epistemologies, anchored in the “standpoint theory”. To this end, we carried out a contextualization about the participation of women in the diferente European fascisms and brazilian integralism in the twentieth century. Then, we go into the phenomenon in Brazil today, when an analysis was carried out on the participation of women in the government of Jair Bolsonaro, as president of the Republic, as well as those of supporters of that government and their activities/actions in defense of ultraconservatism in Brazil. Last but not least, we reflect on the membership and aliance between women and misogynistic governments in Brazilian society.

Keywords:
Ultraconservatism; Women; Anti-feminism; Fascism.

 

Recebido para publicação em 06/07/2021
Aceito em 01/02/2022