Revista de Ciências Sociais — Fortaleza, v. 53, n. 1, mar./jun., 2022
DOI: 10.36517/rcs.2022.1.d05
ISSN: 2318-4620
Bola de Neve Church, empreendedorismo e o diálogo
com o Ideário das políticas neoliberais
Fabio
Lanza
Universidade Estadual de Londrina, Brasil
lanza1975@gmail.com
Maryana
Marcondes
Universidade Estadual de Londrina, Brasil
maryanaemarcondes@gmail.com
O presente artigo se propõe a analisar o diálogo da Bola de Neve Church (BNC) com o ideário das políticas neoliberais. Para isso, são observadas as formulações explicativas da Igreja acerca da crise econômica e do papel do Estado na economia apresentadas em atividades do Ministério Recrie, setor da BNC responsável pelas atividades voltadas a assuntos econômicos da vida do fiel, como trabalho e planejamento financeiro. Dessa forma, é utilizado, como fonte de análise, o vídeo, publicado na plataforma do YouTube, da palestra intitulada “Como enfrentar a atual crise política/financeira”,2 proferida pelo fundador e líder da BNC, Rinaldo Seixas, conhecido como Apóstolo Rina, em um culto do Congresso Nacional Recrie realizado em São Paulo, em 02 de maio de 2016.
O problema de pesquisa deste trabalho consiste em entender se existe um diálogo da BNC com o imaginário neoliberal. Tal entendimento é buscado por meio da identificação de explicações religiosas da BNC no debate político e econômico. Para isso, estuda-se o discurso “Como enfrentar a atual crise política/financeira”, que foi ministrado no Congresso Nacional do Ministério Recrie e abordou formulações orientadoras da denominação para os fiéis do Brasil inteiro. Esse discurso possui significativa importância na comunidade da BNC por acumular elementos de autoridade como: o tom instrucional indicado já no título; estar presente em um evento nacional da BNC; ser apresentado pelo fundador da Igreja; ser veiculado no canal oficial da Bola de Neve; e ter sido elaborado no ano de 2016, período de alterações decisivas nos rumos político e econômico do país. Assim, essa fonte foi selecionada de forma intencional porque fornece elementos que indicam o posicionamento da denominação nos debates públicos da época, na qual diferentes projetos de país estavam em disputa, assim como aponta caminhos para responder a questões que orientam esse trabalho.
Frente ao universo da pesquisa e ao contexto nacional brasileiro, cabe problematizar: Quais as explicações sobre a crise econômica são elaboradas pela BNC? Quais as alternativas propostas pela Igreja como forma de amenizar tal cenário? Qual a concepção de empreendedorismo defendida pela denominação e em que medida ela se diferencia da abordagem secular? O discurso da denominação se dirige a alguma classe social específica?
Para contextualizar a discussão, são apresentados, inicialmente, aspectos históricos e características da referida Igreja, relacionando suas atividades com o contexto político contemporâneo brasileiro, com recorte temporal dos anos de 2015 a 2017.
A análise bibliográfica é conduzida por estudos das sociologias das religiões e religiosidades e contribuições de estudos sobre o neoliberalismo. Como abordagem metodológica, é utilizada a técnica categorias de análise:
Categorias são estruturas analíticas construídas pelo pesquisador que reúnem e organizam o conjunto de informações obtidas a partir do fracionamento e da classificação em temas autônomos, mas inter-relacionados. Em cada categoria, o pesquisador aborda determinado conjunto de respostas dos entrevistados, descrevendo, analisando, referindo à teoria, citando frases colhidas durante as entrevistas e tornando um conjunto ao mesmo tempo autônomo e articulado [...]. Para ajudar na redação e na compreensão, pode ser útil fazer uma introdução em cada categoria, definindo e explicando o que será tratado e, ao final, fazer um fecho conclusivo (DUARTE; BARROS, 2006, p. 78-79).
Assim, as categorias de análise elencadas neste trabalho buscaram identificar as referências e interpretações da BNC sobre o cenário econômico atual, especificamente suas elaborações acerca dos temas crise econômica e redução dos gastos públicos na economia.
A Bola de Neve Church é considerada nesse trabalho participante do movimento neopentecostal. Esse movimento despontou no Brasil na década de 1970 e possui como diferencial das demais práticas religiosas até então existentes no país as seguintes atividades: utilização de meios de comunicação para proferir mensagens religiosas; liberalização dos usos e costumes; prática da teologia da prosperidade3 e participação na vida política institucional.4 Assim, o movimento neopentecostal inovou o campo religioso brasileiro, mais especificamente, os setores protestantes, que passaram a concorrer decisivamente com os católicos no número de fiéis, aumentando sua influência na sociedade brasileira (MARIANO, 1999).
A BNC foi idealizada em 1999, no litoral paulista, pelo Apóstolo Rinaldo Seixas, publicitário e ex-participante da Igreja Renascer em Cristo. Sua trajetória de líder espiritual é marcada pelo trabalho religioso com praticantes de esportes radicais como surf e skate. A Bola de Neve é reconhecida no campo religioso brasileiro por ser uma igreja voltada para o ideário juvenil, pois sua identidade apresenta uma estética informal comparada às demais denominações do segmento (MARANHÃO FILHO, 2013). Segundo dados apresentados no Site nacional da Bola de Neve,5 hoje, a denominação conta com 470 igrejas pelo mundo e está presente em 34 países. Sua organização é consolidada por uma estrutura hierárquica, sendo o Apóstolo Rina sua autoridade maior.
A performance de seus pastores nos cultos, por exemplo, é repleta de falas marcadas por gírias de surfistas, e as músicas tocadas no ambiente, embora cristãs, em sua maioria, são de estilos como o reggae e o rock.
Seguindo a tradição das denominações neopentecostais, a BNC está alinhada à lógica de funcionamento urbana, realizando cultos e reuniões em uma grade de horários variados. Isso permite que os fiéis participem das atividades religiosas com maior intensidade e diversas vezes na semana, diferentemente das igrejas protestantes históricas e de denominações mais “fechadas”, que possuem um cronograma fixo e reduzido para suas atividades. Essa postura reflete-se no número de fiéis, como salienta Cunha:
Adaptadas à lógica urbana, boa parte delas está aberta durante 15 a 18 horas por dia, algumas por 24 horas. A programação varia entre cultos e reuniões de oração. As pessoas que frequentam essas igrejas escolhem os horários que lhes são convenientes [...]. A pouca ênfase na vinculação formal e de compromisso com uma igreja local e específica possibilita o trânsito e o acesso ao local mais próximo, na hora de conviver. As igrejas pentecostais que buscam manter a tradição da programação com poucos horários respondem às demandas urbanas definindo apenas um horário aos domingos (à noite, na maioria dos casos) e um ou dois encontros vespertinos durante a semana, voltados para grupos específicos (casais, mulheres ou jovens). As noites de sábado são normalmente dedicadas a encontros musicais, festas e festivais destinados preferencialmente aos jovens (CUNHA, 2007, p. 66).
No caso da BNC, em diversas cidades brasileiras, existem atividades ministeriais para vários segmentos de fiéis: mulheres, jovens e crianças, além de atividades esportivas dentro e fora da igreja (MARANHÃO FILHO, 2013). Tais práticas ampliam a sensação de pertencimento do fiel, pois suas atividades de lazer também são desenvolvidas na igreja, com os demais membros. Essa convivência frequente propicia laços de fraternidade e consolidação de valores cristãos. Nesse contexto, o Ministério Recrie se insere como significativa alternativa para fiéis em situação de desemprego ou à procura de orientações profissionais.
O Ministério Recrie é um setor da BNC voltado para interessados em orientações profissionais com perspectiva cristã, como empresários, empreendedores e desempregados. Esse ministério, que apresenta atividades desde, aproximadamente, 2009,6 está presente nas BNCs de diversos estados do Brasil. Ele possui intensa atividade nas redes sociais (Instagram, Facebook e na plataforma de vídeos YouTube), nas quais são disponibilizados aconselhamentos profissionais, divulgação de eventos, fotografias das atividades, palestras e depoimento de fiéis.
O Ministério Recrie realiza encontros mensais, organizados em formato de cultos acompanhados de reflexões religiosas aplicadas ao meio empresarial. Nessas celebrações, costumam ocorrer interações entre fiéis, divulgação de empresas e de produtos comercializados pelos participantes e apresentação de pessoas em situação de desemprego. Além desses encontros, desde 2012, a BNC promove congressos nacionais, sem periodicidade definida, na sede da Igreja, em São Paulo, com diversos palestrantes da denominação e personalidades religiosas internacionais. As palestras desses congressos estão disponibilizadas integralmente na Internet (MARCONDES, 2018).
O Recrie também se destaca pela atuação no meio virtual. Uma das suas expressões é a plataforma digital PipePro, que permite ao fiel, seja empregador/a ou interessado/a em procurar um emprego, divulgar suas atuações no mercado visando construir uma rede de contatos. Nessas redes, como incentivo ao consumo dos serviços e produtos fornecidos pelos fiéis, há um sistema de bônus no qual é barateado o valor da mercadoria desejada. Essa plataforma oferece pacotes de soluções que variam de acordo com o usuário — empregador/a ou à procura de emprego —, bem como com o período de utilização do serviço e as diversas possibilidades de anúncio do seu empreendimento.
A prática de rede de contatos entre fiéis é identificada nos estudos de João Boechat, Roberto Dutra e Fábio Py (2018), nos quais foi observado que a Teologia da Prosperidade passou por reformulações e produziu novas formas de sociabilidade entre seus fiéis em denominações específicas. Na pesquisa, os autores analisaram as relações entre religião e economia estabelecidas na Igreja Semear, situada no município de Campos de Goitacazes, no Rio de Janeiro, e foram identificadas orientações fornecidas por pastores para os/as fiéis, visando auxiliar a educação financeira da comunidade. Além do aconselhamento financeiro, a pesquisa observou também que a Igreja conta com uma rede de contatos para solucionar casos de desemprego entre seus membros. Os autores consideram essas práticas como parte das características que se diferenciam do paradigma predominante dentre as igrejas neopentecostais contemporâneas, por não atribuir exclusivamente a solução das dificuldades financeiras dos/as fiéis ao campo sagrado. Em iniciativas como as da Igreja Semear e também da BNC, por meio do ministério Recrie, como é observado neste trabalho, as denominações específicas criam ferramentas de circulação de informações, possibilidades de negócios e ou empregos entre os/as fiéis e propagam seus preceitos religiosos em outros meios, como o empresarial e ou mercado de trabalho.
As intenções do Recrie, ao elaborar um mecanismo interno de geração de consumo e empregos dentro do grupo religioso, podem ser consideradas economia de rede. Conforme Boltanski e Chiapello (2009), essa iniciativa de microeconomia é uma prática relativamente antiga em países da Europa e envolve grupos minoritários politicamente como uma forma de inserção produtiva e de respaldo comunitário à ausência de políticas públicas para esses segmentos. Assim, os grupos, imigrantes, comunidade LGBTQIA+7 e religiosos, elaboram essas práticas como uma espécie de proteção entre iguais da sua comunidade.
As práticas empreendedoras incentivadas pelo Ministério Recrie tornaram-se mais frequentes em um contexto no qual ocorreram processos de redução de setores industriais em grandes economias capitalistas, como nos Estados Unidos e na Inglaterra em meados da década de 1970. Como consequência desse contexto, a perda de estabilidade empregatícia e de plano de carreira, a desvalorização do salário-mínimo e o enxugamento das vagas no mercado de trabalho formal levaram à necessidade de os/as trabalhadores/as procurarem variadas formas de atividades remuneradas. Conforme aponta Pochmann (2002), a valorização da pequena empresa e do desenvolvimento local desponta no neoliberalismo:
No momento em que o paradigma técnico-produtivo é palco de mutações significativas, que implicam enxugamento ocupacional, externalização de parte de atividades, constituição de redes de produção, entre outras medidas, as micro e pequenas empresas parecem ganhar maior importância. Com isso, não se está querendo dizer que as grandes empresas perdem o papel de protagonista no desenvolvimento material do capitalismo, mas sim que as micro e pequenas empresas podem assumir maior relevância no interior do processo produtivo e da geração de emprego e renda, bem como na difusão das novas tecnologias (POCHMANN, 2002, p. 48).
Umas das expressões de formas de trabalho mais promovidas nesse contexto neoliberal é o movimento/ideário empreendedor, conforme explicam Vieira e Jacinto (2013):
O empreendedorismo tem adquirido importante status no último século, porém as diversas definições de empreendedor e empreendedorismo existentes na literatura não chegam a um consenso sobre os elementos definidores do empreendedor. Schumpeter (1954), por exemplo, sugere uma abordagem pela inovação, enquanto Knight (1921), baseado nas ideias de Cantillon (1755), considera o risco como sendo o fator mais importante para a definição do empreendedor. Existe também uma diferenciação importante definida pelo Global Entrepreneurship Monitor (GEM), que chama a atenção para a forma com a qual se dá o empreendedorismo, diferenciando oportunidade de necessidade (VIEIRA; JACINTO, 2013, p. 4).
No imaginário social, a atividade empreendedora8 possui como máxima a capacidade do indivíduo de desenvolver seu próprio negócio, encontrando oportunidade de investimentos em setores pouco explorados no mercado ou em situações de necessidade (crise econômica). Essas iniciativas de caráter individual, segundo vertentes favoráveis, contribuem para o dinamismo e o crescimento da economia nacional (DORNELAS, 2007). Cabe, neste trabalho, identificar a concepção da BNC de empreendedorismo com base em reflexões que consideram algumas características presentes no ideário atribuído a esse conceito, como a criatividade, a necessidade material e a sensação de autonomia em relação ao próprio trabalho.
Dentro da perspectiva que reconhece a capacidade criativa como elemento diferenciador da ação empreendedora, destaca-se a teoria de Schumpeter, conforme aponta Gomes, Lima e Capelle (2013):
A construção do conceito de empreendedor pela corrente dos economistas e dos seus adeptos está alicerçada numa noção considerada fundamental, a inovação. O conceito de inovação adotado pela maioria dos economistas e mais conhecido no Brasil é aquele derivado de Schumpeter e diz respeito ao processo de destruição da ordem econômica existente por meio da introdução de novos produtos e serviços, da criação de novas formas de organização ou de exploração de novos recursos materiais (GOMES; LIMA; CAPELLE, 2013, p. 205).
Essa definição secular é explorada neste trabalho devido à sua aproximação semântica da versão religiosa de empreendedorismo defendida pela BNC, presente no livro “Segredos da economia do Reino”, do norte-americano Paul Cuny. Fragmentos dessa obra são disponibilizados no aplicativo PipePro para serem utilizados enquanto orientação financeira e religiosa:
É importante entendermos que Deus é criativo. Ele pode criar algo do nada — isso é criatividade. Sua criatividade não é limitada à expressão artística, mas se estende aos negócios, educação, finanças, tecnologia, medicina e governo. Sua criatividade não tem limites ou fronteiras. Você pode dizer que Ele criou a criatividade [...]. Eu conheço vários homens de negócio que têm reputação de serem criativos negociadores. São pessoas que amam passar tempo na presença do Senhor. Eles passam tempo em adoração, oração e estudo da Palavra de Deus. Em cada caso eles atribuem esta reputação ao tempo com o Senhor. Eles não presumem que sua criatividade vem por meios naturais. O desejo de Deus é de nos guiar pelo Seu Espírito. A pergunta sempre é: “Como nós achamos a direção do Espírito?” (CUNY, 2014, s/p).
Outra motivação para a ação empreendedora presente no imaginário social se dá pela “necessidade”, que está associada ao contexto de desemprego e à desvalorização salarial que ocorre nos rendimentos da população trabalhadora devido à inserção de tecnologias produtivas. Essa ideia também não delimita o que se entende como empreendedorismo, não diferenciando, por exemplo, o pequeno empresário, trabalhador autônomo ou os inúmeros trabalhadores que atuam em atividades informais decorrentes da busca pela sobrevivência fora do mercado formal e legal, tampouco os empregadores sem Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ).
Uma característica presente no imaginário social relacionado à figura do empreendedor se baseia na ideia de “ser seu próprio patrão”. Além da possibilidade de aumentar ou complementar a renda, essa ideia incentiva a máxima do trabalhador de se tornar gestor de suas atividades e se sustenta em uma espécie de repulsa à exaustiva disciplina do trabalho formal e ao rompimento com a hierarquia e as rigorosas regras que compõem esse modelo.
O discurso empreendedor ganha significativa força com as políticas neoliberais, que despontam no Brasil desde a década de 1990 e que se caracterizam pela privatização dos serviços públicos acompanhada pela redução de direitos trabalhistas, visando maior atuação do mercado na economia. Esse processo refletiu-se também na redução dos empregos nas indústrias, ampliando o peso econômico do setor de serviços,9 caracterizado por atividades comerciais e de entretenimento. Assim, ganham força as ideias associadas ao empreendedorismo como possibilidade de ascensão social, a partir de um trabalho mais autônomo e criativo. Dessa forma, a responsabilidade recai ideologicamente sobre o indivíduo, que passa a ser o sujeito da sua empregabilidade em tempos de desemprego e instabilidade econômica.
Nesse contexto, as religiões, principalmente cristãs, aderem ao movimento de pautar discussões pela empregabilidade e pelo mercado de trabalho, agregando a moral cristã como importante variável nessa discussão (SERAFIM, 2008). Esse mecanismo proporciona eficácia material às promessas religiosas, já que favorece uma circulação econômica dentro do grupo, e a criação de consensos, pois os locais de trabalho são ocupados por fiéis da mesma igreja, que podem compartilhar ensinamentos e valores religiosos.
As políticas neoliberais são conhecidas pela redução do papel do Estado na economia. Alguns exemplos conhecidos são as experiências ocorridas em países como Chile, Inglaterra e Estados Unidos, no século passado, onde ocorreram processos de privatizações de empresas públicas e retirada de direitos trabalhistas10 que foram conquistas históricas dos movimentos de trabalhadores para reduzir os danos da desigual relação entre capital e trabalho.
As políticas neoliberais são estabelecidas de maneiras singulares e configuram-se conforme a trajetória política de cada país, formando o que Saes (2001) considera o neoliberalismo possível. Essas “reformas” esbarram em interesses divergentes das classes sociais e na reação dos setores desfavorecidos com essas medidas, como a burguesia da indústria nacional brasileira frente às desvantagens acarretadas pelo barateamento de produtos internacionais no mercado:
Por mais que os agentes condutores da política estatal nas sociedades capitalistas atuais se inspirem na doutrina econômica liberal, e por maior que seja o apoio social conquistado pelas ideias econômicas liberais, é inevitável a emergência de resistências — mais ou menos localizadas (e emanadas, variavelmente, de certos setores do capital, da classe média ou das classes trabalhadoras) — a certos aspectos da política estatal neoliberal. Essas resistências também contribuem para que se estabeleça uma certa distância entre o liberalismo econômico dos manuais e as políticas estatais concretas inspiradas nos princípios aí contidos. Ou seja: os Estados capitalistas atuais praticam o “neoliberalismo possível” nas condições socioeconômicas vigentes (SAES, 2001, p. 83).
No contexto brasileiro, nas últimas três décadas, houve uma mudança do trabalho formal, que se tornou mais barato devido à diminuição da necessidade de trabalhadores especializados, à redução dos salários e do poder de barganha dos trabalhadores/as em razão da ampliação das terceirizações e da migração estratégica de indústrias de transformação para regiões com baixa tradição de conflitos trabalhistas (SILVER, 2005; DAL ROSSO, 2008). Esse processo proporcionou a expansão do chamado terceiro setor, composto por prestação de variados serviços: comércio, serviços de escritório, pesquisas, lazer e saúde.
Apesar de não contar historicamente com o Estado de Bem-Estar Social, como o existente na Europa, no Brasil, há algumas legislações de proteção aos trabalhadores/as, como a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), instituída no governo de Getúlio Vargas (1943), e a Constituição Cidadã, de 1988. Essas leis não proporcionaram rompimentos na ordem capitalista, mas forneceram regulamentações nas relações trabalhistas e asseguraram serviços públicos para a população, como a educação como responsabilidade estatal, o Sistema Único de Saúde, entre outros.
Todavia, essas leis foram e são alvos de políticas neoliberais para reduzir gastos estatais e torná-las mais flexíveis, permitindo maior lucratividade para o empresariado a partir dos anos de 1990, tendo como ícone o governo de Fernando Henrique Cardoso (Partido da Social-Democracia Brasileira — PSDB) (1995-2002):
A política estatal desde logo anunciada pelo novo governo, recém-empossado, exprimia claramente essa hegemonia. Era visível que o governo federal buscaria implementar, por múltiplas vias (medidas do Executivo, iniciativas políticas no Congresso, declarações oficiais, negociações com governos estrangeiros) uma estratégia neoliberal. Essa orientação era evidenciada por um conjunto de atitudes. Em primeiro lugar, o novo governo fixou um extenso programa de privatizações. Em segundo lugar, ele assumiu, dentro do Parlamento, a condução da luta por uma ampla reforma constitucional de feitio claramente neoliberal: quebra de monopólios estatais (como os do petróleo e das telecomunicações), “saneamento” da Previdência Social e da administração pública (implicando a liquidação de direitos conquistados, respectivamente, pelas classes trabalhadoras e pela massa do funcionalismo público) etc. Em terceiro lugar, o governo federal tomou medidas conducentes à abertura da economia brasileira ao capital internacional, como a assinatura, perante a Organização Mundial do Comércio, de protocolo que na prática abre o sistema financeiro nacional a novos bancos estrangeiros (SAES, 2001, p. 85).
Durante os governos dos presidentes Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (2010-2016), ambos filiados ao Partido dos Trabalhadores (PT), houve um retorno às medidas de intervenções estatais, mas com outra roupagem, denominada como novo desenvolvimentismo.11 Entre as medidas, estavam a ampliação do mercado interno e o aumento dos bens de consumo por parte da população brasileira e a valorização do salário mínimo (FERREIRA, 2012). Esse processo, associado à maior inserção da população em universidades públicas e particulares e a valorização e expansão dos serviços públicos, alterou qualitativamente as condições de vida de setores historicamente excluídos da população brasileira. No entanto, essas políticas não foram capazes de conter o processo neoliberal, conforme aponta Cavalcante:
O ciclo político do período foi marcado pela existência de uma frente neodesenvolvimentista que tinha como objetivo melhorar a posição da grande burguesia interna brasileira no interior do bloco no poder e, ao mesmo tempo, obter concessões, com medidas anticíclicas e pró-consumo, às classes populares. Porém, como tudo isso foi feito sem que fossem atacados diretamente os pilares da política neoliberal macroeconômica, há uma distância enorme entre a existência de uma frente neodesenvolvimentista e a consecução de seus objetivos. Com o ciclo em crise e possivelmente em seus estertores, é possível dizer que o limite foi justamente não conseguir abalar (ou sequer ter se proposto a tanto) os fundamentos que garantem a hegemonia da fração bancário-financeira, cujos interesses limitam tanto o desenvolvimento no longo prazo quanto projetos mais substantivos de distribuição de riqueza. E, por estar baseado fortemente em setores exportadores de commodities, há pouca alteração da estrutura produtiva nacional.
Ainda que numa formulação paradoxal, pensamos ser pertinente caracterizar esse ciclo como um modelo neoliberal modificado parcialmente por políticas desenvolvimentistas (CAVALCANTE, 2015, p. 181-182).
Antônio e Lahuerta (2014) apontam a conexão entre os valores privatistas das denominações neopentecostais e a valorização do consumo vinculada aos governos de projetos neodesenvolvimentistas, associada à histórica ausência de educação formal das classes subalternas e à retração das organizações políticas religiosas e dos sindicatos. Essas condições favoreceram uma exacerbação de um individualismo cultural.
Após o golpe/impeachment presidencial sofrido pela então presidente, Dilma Rousseff (Partido dos Trabalhadores — PT), em 2016, a partir do qual tomou posse o então vice-presidente Michel Temer (Movimento Democrático Brasileiro — MDB), que permaneceu no poder nos anos de 2016 e 2017, intensificaram-se as políticas neoliberais com a aprovação da lei das terceirizações, mudanças na legislação trabalhista e o teto de gastos públicos.
Com a mudança nas relações de trabalho e no papel do Estado como provedor de seguridade social, emergiram as práticas empreendedoras como modalidade de trabalho alternativa ao desemprego. Assim, nesse contexto, parte das denominações religiosas formulam iniciativas e bens de salvação, visando fornecer elementos interpretativos para as mudanças na realidade. Nesse cenário, desenvolve-se o discurso empreendedor com versões cristãs, conforme é apresentado neste trabalho.
Em linhas gerais, a Teologia da Prosperidade tem uma afinidade de sentido com a informalidade e a precariedade do trabalho, como as que ocorreram no Brasil nos anos de recessão econômica nos anos 1980 e 1990, e também com os momentos de aumento de consumo, como nos anos 2000. Em ambas as situações, a doutrina religiosa é capaz de gerar disposições empreendedoras de caráter individualista. O mérito decorre do esforço ativo e da atitude empreendedora, e não propriamente do capital social e de suas distinções sociais. Isso não significa que os evangélicos não usufruam dos programas sociais do governo federal, mas o discurso da prosperidade material, resultante de sacrifícios rituais monetários e de atitude empreendedora, é valorizado religiosamente e adotado como ética econômica (ALMEIDA, 2017, s/p).
Iniciativas como o Ministério Recrie, da BNC, fazem essa alternativa empreendedora se tornar viável na medida em que reúne pessoas com objetivos semelhantes em um processo que fornece uma espécie de proteção para os fiéis.
O Brasil viveu, em 2016, uma instabilidade política em nível institucional com a mudança de governo presidencial sem a ocorrência de novas eleições.
Tal cenário foi assimilado por parte das religiões, que utilizaram a realidade como “matéria-prima” para a realização de suas atividades. Assim, cabe, neste tópico, explorar as elaborações explicativas da BNC sobre esse cenário, bem como a forma como a denominação dialoga com o contexto econômico brasileiro vivenciado nos últimos anos.
Conforme apontado na apresentação da Igreja anteriormente, a Bola de Neve Church é uma Igreja que se dirige aos praticantes de esportes radicais,12 que, por sua vez, particularizam-se por ser um grupo de, majoritariamente, alto poder aquisitivo, dados os valores dos materiais utilizados para práticas do skate e surf, por exemplo (MARANHÃO FILHO, 2013). Nas atividades do Ministério Recrie, o diálogo é direcionado para empresários, profissionais liberais e trabalhadores ligados às atividades intelectuais, que compartilham o status das classes médias (SAES, 2005).
O vídeo: “Como enfrentar a atual crise política/financeira”,13 proferida pelo fundador e líder da BNC Apóstolo Rina, no culto do Congresso Nacional Recrie realizado em São Paulo, em 02 de maio de 2016, também foi utilizado como fonte neste trabalho com o objetivo de compreender o diálogo da Bola de Neve com o ideário das políticas neoliberais. Esse vídeo foi selecionado de forma intencional, como fonte de análise, por ser uma espécie de explicação oficial da BNC sobre as transformações políticas e econômica que o país passava naquele período.
É importante contextualizar historicamente esse vídeo, pois, naquele momento, ocorria no Brasil o processo de golpe/impeachment da então presidente Dilma Rousseff. Para além dos debates sobre a validade dos argumentos favoráveis ou não ao processo que considerava crime de responsabilidade fiscal, havia a discussão sobre a mudança da postura do Estado em relação à economia que o impedimento do Partido dos Trabalhadores poderia trazer. Nesse sentido, foi reivindicado por diversos setores da sociedade brasileira um projeto de governo de menos intervenção na economia, utilizando como justificativas casos de corrupção envolvendo a classe política durante os governos petistas nos anos de mandato (2002-2016). Criou-se uma narrativa pela imprensa brasileira de tratamento desproporcional das situações de corrupção praticadas pelos partidos políticos, associando a prática como uma “espécie de inovação” do PT14 quando chegou ao poder executivo federal com a eleição de Lula (2002, 2006) e Dilma Rousseff (2010, 2014). A ideia de que a maior intervenção do Estado na economia favorece a corrupção é compartilhada por Rina no vídeo analisado. Ele afirma, como parte das estratégias que apoiam o golpe parlamentar-jurídico-midiático contra a presidente Dilma Rousseff e que abriria espaço para as reformas trabalhista, previdenciária, tributária, dentre outras.
[...] isso foi anunciado, essa crise foi predita, Deus vem para alinhar o Cosmos aos seus propósitos, ele vem para julgar e abater ou recompensar e promover, o Brasil não vai quebrar [...]. A crise que nós vivemos aqui no Brasil atual já está entre os 10 maiores riscos para 2016, e em oitavo lugar, segundo a consultoria Eurasia group, que publicou o seu ranking de situações de maior risco no mundo para esse ano. Empresas hoje estão quebrando, taxas de juros subindo, taxa de desemprego crescendo, câmbio desfavorável [...]. Na verdade, amados, o que hoje nós estamos vivendo aqui é que o Brasil está sendo punido por sua falta de capacidade de fazer reformas e por sua crise moral, pela falta de crédito que a imoralidade, a corrupção nesse Brasil estão demonstrando para investidores no mundo todo[...] (SEIXAS, 2016).
Além da questão bíblica, Apóstolo Rina ressalta a importância de reformas no Estado, no entanto ele não aprofunda sua definição. A complementação explicativa de sua fala acerca da redução de gastos não especifica uma ordem prioritária de investimentos que cabem ao Estado em uma perspectiva que preze por considerar a questão social.
A crise econômica é interpretada como uma realização divina, conforme os apontamentos do pastor. Para sobreviver a tal período, é preciso ser respaldado pelos ensinamentos bíblicos associados a discursos recorrentes no meio empresarial, como o controle de gastos:
[...] Estou vindo para cá, pego o meu filhinho de 11 anos no banheiro, aí eu vejo ele com rolo de papel higiênico assim, que devia ter uns cinco metros de papel higiênico enrolado na mão dele, e eu olho na privada tem três bolinhas de cabrito [...] E aí que você tem que começar a fazer e impor uma cultura. Então, vem aqui filhinho aprenda que duas folhinhas do papel higiênico são suficientes para limpar seu bumbunzinho, não precisa mais do que isso. Então, é hora de você virar para sua empresa e implementar uma cultura... Quando a torneira está aberta, quando o mercado está crescendo ninguém faz conta, mas agora é hora de adaptar, agora é hora de ver, fazer orçamento, amém? Só que apesar desse cenário assustador [...]. No ano passado, Deus me deu uma palavra para Igreja Bola de Neve no Brasil, era palavra do congresso de final de ano e essa palavra dizia: “Alarga as estacas da sua tenda”, e eu cheguei a discutir com Deus dizendo: “Mas, pai, como é que chama e pede para alargar as estacas no cenário de crise e recessão?” Sabe qual foi a resposta que ele me deu? “Filho, eu nunca precisei do aval dos economistas para realizar os meus planos” [...]. (SEIXAS, 2016).
Em uma das exposições sobre a redução de postos de trabalho, é possível perceber na fala de Apóstolo Rina o público que ele deseja atingir com seus discursos. O pastor aponta, de maneira negativa, a possibilidade de pedreiros e empregadas domésticas15 escolherem empregos com salários maiores, demonstrando uma defesa do setor contratante desses serviços e apontando valores meritocráticos, pois a “escolha de salário” nessa abordagem deve ser alinhada a profissões com maior escolaridade. Na fala do pastor, os trabalhadores/as braçais são retratados de maneira caricata ao terem uma valorização salarial entre os anos de 2002-2010.
[...] quando o mercado está aquecido, falta mão de obra. Com o aquecimento, por exemplo, do setor de construção e imobiliário alguns anos atrás, que começou em 2007/2008, você não conseguia achar mão de obra. Construtoras abrindo capitais, filas em alguns lançamentos de prédios e apartamentos... Setor rindo à toa, não se achava mais pedreiro para trabalhar [...]. Pedreiro virou estrela, todo pedreiro agora já queria ser mestre de obras. Faltava peão para obra... hoje o cenário mudou. [...] naqueles poucos anos atrás, aqui, de economia aquecida, que, por exemplo, empregada doméstica era uma espécie em extinção, porque com a economia aquecida elas iriam arrumar outros empregos e ninguém ia querer mais trabalhar servindo outros em seus lares e que em breve muito pouca gente mesmo ia poder contar com essa prestação de serviço. Que que aconteceu naqueles dias? Parecia o Ronaldinho Gaúcho, no prédio com as vizinhas disputando o passe dela cada hora, uma proposta melhor, não sabiam nem em que apartamento trabalhar, como é que é hoje? Pelo amor de Deus, senhor, garante meu trabalho porque o mercado mudou (SEIXAS, 2016).
As políticas públicas, como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), possibilitaram, entre outras atividades, empregos na área da construção civil entre os anos de 2006 e 2010. Segundo Carvalho (2018), esse tipo de política voltada para esses trabalhadores é de suma importância, pois a categoria de pedreiros, mestre de obras e demais funções da área tem uma tradição de baixa escolaridade e, por consequência, encontra maior dificuldade de colocação no mercado de trabalho formal em outras funções. Além disso, esse tipo de contratação e a manutenção de renda dessa categoria causam efeito multiplicador em diversos setores da economia, contribuindo para o melhor funcionamento do mercado interno do país. Na fala de Apóstolo Rina, identifica-se uma espécie de incômodo com esse movimento de valorização salarial do trabalho pago a profissionais de trabalho braçal. Nesse tópico é possível observar que o religioso destina seu discurso a um público-alvo específico, que contrata serviços, vinculado a partir das camadas médias da sociedade brasileira.
Após apontar um cenário de grandes dificuldades na esfera econômica, Apóstolo Rina promove um discurso muito empolgado a uma máxima repetida em meios empresariais e palestras de motivação, que é a capacidade que contextos de crise econômica proporcionam para a expansão financeira dos fiéis. No entanto, Apóstolo Rina aponta a aproximação desse contexto com as práticas religiosas como grande diferencial, remetendo à Teologia da Prosperidade, conforme foi exposto anteriormente. Para tanto, exibe situações de membros da Igreja que prosperaram em um período de redução do consumo:
Um irmão que tinha três lojas veio me contar agora que vai abrir a quarta loja, porque quando você está em Cristo você não está em crise, quem cuida de você é o próprio Deus [...]. As pessoas não vão parar de comer, não vão parar de se alimentar, não vamos parar de se vestir [...] o mercado não para, mas ele diminui, a pizza diminui, proporcionalmente, o seu pedaço da pizza também. Então, o que você precisa é de visão e estratégia para que o seu pedaço da pizza fique maior do que o dos outros [...]. (SEIXAS, 2016).
Portanto, o discurso da BNC afirma e naturaliza os valores de concorrência de mercado, apontando caminhos para o/a empreendedor/a ou o/a funcionário/a, que devem ser voltados para a dedicação, a disciplina e o trabalho duro, um discurso muito aproximado das máximas protestantes identificadas por Weber (2004), nas quais uma ética laboral proporcionaria um diálogo com os anseios divinos para o fiel realizar na Terra.
Esse é o tempo de se reinventar, esse é um tempo de reciclar [...]. Você ficar em casa acomodado esperando que um dia Deus vai te fazer rico, vai te fazer prosperar, é tão ilusório quanto você achar que um dia vai jogar na Mega-Sena e vai ganhar e vai passar toda a vida, então, apostando enquanto deveria estar produzindo. Amém, amados! Deus tem bênçãos para nos dar, Deus tem o melhor para nos dar, mas nós precisamos criar atmosfera para que essa benção nos alcance, nós precisamos criar a oportunidade para que o Senhor possa nos honrar, amém? Ninguém tem sucesso sem trabalho. Essa é a primeira lição de Daniel. Escolhe alguém do seu lado e diz assim para ele: Sucesso só vem antes do trabalho no dicionário (SEIXAS, 2016).
O pastor sugere a adesão de práticas flexíveis nas relações comerciais e de trabalho visando melhores resultados nas acirradas disputas no cenário de crise econômica. É possível visualizar uma naturalização dessa “guerra de sobrevivência”, dessa postura ideal. Nesse contexto, a religião se coloca como única proteção.
Como é que eu vou fazer a diferença no mercado em recessão sendo indispensável, acima da média, extraordinário [...] porque que isso é fundamental, amado, porque no cenário de recessão ninguém mantém negócios por amizade e relacionamento, no cenário de recessão o que faz a diferença são os resultados [...] os seus resultados vão te levar posições de honra e promoção. [...] em tempos de crise como essa que nós vivemos, o mercado passa por mutações e reestruturação é a palavra de ordem. Como é que isso acontece? Geralmente, os cargos com os maiores salários são os primeiros alvos, normalmente são substituídos por funcionários mais novos que vão ganhar menos para fazer o mesmo, os fornecedores mais baratos são os mais competitivos [...], você não pode dar espaço para que esse espaço seja ocupado por outro que vem depois de você. Tudo bem? Primeira lição, se o espírito de excelência de sabedoria estiver sobre mim, eu sei que apesar das reestruturações que o mercado está vivendo, eu ali serei diferenciado. [...] Ali, haverá uma benção, eu vou me tornar alguém que não pode ser trocado, alguém essencial, alguém fundamental, podem cortar a empresa inteira, mil cairão do seu lado, dez mil à tua direita, mas sobre você vão ter que dizer: Nesse cara não dá para mexer, que se mexer nessa peça vai melar, se mexer aqui desanda, se mexer nesse a gente perdeu o negócio [...]. (SEIXAS, 2016).
Portanto, realiza-se um misto de discurso motivacional e empresarial de valorização da empresa ou do mercado, atrelando a competitividade em tempos de crise aos elementos religiosos como uma espécie de diferencial dos cristãos.
O discurso de responsabilização do indivíduo considera o contexto econômico como um elemento contornável frente à possibilidade de ascensão social. Uma exaustiva jornada de trabalho é incentivada e associada ao planejamento das atividades laborais. Assim como aponta Weber (2004) em “A ética protestante e o ‘espírito’ do capitalismo”, elementos de racionalidade e disciplina presentes na moral capitalista estão nesse discurso. Ele utiliza a história de Daniel, personagem judeu do Antigo Testamento, que foi escravizado no Império Babilônico, aproximadamente em 605 a.C., e colocado diante de diversos desafios para provar a sua fé. Esse personagem costuma ser utilizado como ícone de perseverança e obediência religiosa em narrativas cristãs.
O seu nome e o nome da sua empresa são seus maiores patrimônios [...]. Resultados são disciplina com horário, planejamento de tempo... Má administração de tempo contribui para procrastinação, você vai trabalhar, trabalhar, trabalhar e sem um planejamento você não sai do lugar, você só vai ficar apagando fogueira, você não tá produzindo, você não tá criando, você não tá conquistando, você não está edificando, você tá apagando fogueira. Porque não houve planejamento. Daniel trabalha focado, sabe o que ele faz, ele recebe a missão, ele reúne a equipe de trabalho e ele não apaga a luz do escritório até ter uma solução (SEIXAS, 2016).
Portanto, a disciplina em relação aos resultados do trabalho e à obediência à moralidade religiosa são fundamentais para que o/a fiel tenha uma vida próspera em um cenário de crise econômica.
No contexto vivenciado no Brasil, de significativos índices de desemprego e políticas de redução estatal da economia, os valores do empreendedorismo se apresentam como alternativa à crise de empregabilidade, apontando soluções individuais para a sobrevivência e mobilidade social dos setores atingidos negativamente por esses processos. Conforme as análises de Sung (2019), na era do neoliberalismo, a ideia do direito social básico, como no caso do trabalho, deixa de ser uma responsabilidade coletiva e de intervenção estatal, para ser uma responsabilidade individual, adquirida e mantida conforme as leis de concorrência impostas pelo mercado. Esse cenário possibilitou que as religiões também se apropriassem desse discurso atrelando as dificuldades econômicas à esfera sagrada.
Formam-se, assim, iniciativas, como os objetivos do Ministério Recrie, que visam formular redes de trabalho, consumo e contatos empresariais para proporcionar uma ampliação dos ganhos econômicos dos/das fiéis: contatos para emprego e orientações religiosas para as relações de trabalho, possibilitando um amortecimento nas situações de conflitos.
Ao identificar o discurso da BNC como destinado às classes médias da população brasileira, encontra-se um forte diálogo de valorização do profissional liberal e de incentivos para sua disciplina econômica diante do cenário de recessão, dialogando com uma forte crítica à intervenção estatal na economia por meio da associação dessa prática a uma crise moral, quando se refere às questões de corrupção vivenciadas no país nas duas últimas décadas. Esse discurso de “demonização” da intervenção estatal legítima (contra) reformas políticas no que tange à proteção das camadas desassistidas da sociedade brasileira, mas procura substituir essa “proteção” do Estado pelo atendimento divino e a concorrência de mercado.
Assim, as elaborações ante a crise econômica feitas pela Bola de Neve Church trazem duas vertentes: a questão dos aconselhamentos profissionais e a liderança, que disputa um forte mercado com consultorias seculares. Essa disputa da Igreja se qualifica na autoridade religiosa como poder discursivo. Aponta-se o contexto de emergência desse mercado de formação constante de motivação e orientação, que se torna demanda no cenário de reestruturação produtiva que ocorreu na última metade do século XX.
Iniciativas como o Ministério Recrie e o aplicativo PipePro permitem à BNC ampliar seu poder de influência sobre seu público-alvo. Com o mecanismo de rede, ampliam em alguma medida as promessas contidas na Teologia da Prosperidade e qualificam a BNC como participante desse mercado de orientações profissionais. Têm, como diferencial, um bem de salvação religioso, configurando-se, também, como um instrumento de proteção entre iguais em contexto de crise econômica.
É importante salientar que grupos religiosos de vertente cristã, e principalmente do meio neopentecostal, como é o caso da BNC, tiveram significativa participação na eleição do então presidente do Brasil Jair Bolsonaro (Partido Liberal) no ano de 2018 (ALMEIDA, 2019). Esse governo vem sendo marcado por políticas de redução dos direitos sociais, avanço institucional no conservadorismo e casos de corrupção. Nos anos de 2020/2021, o Brasil, assim como o mundo, vive uma pandemia de Covid-19, e a atuação do governo de Bolsonaro nesse contexto é marcada por ausência de investimentos nas áreas de saúde pública e negacionismo científico. Seu governo utilizou de narrativas religiosas para fornecer uma interpretação ao cenário de caos social na área da saúde e de agravamento da crise econômica. Apesar da perda de popularidade advinda da gestão ineficaz da pandemia, os setores cristãos fundamentalistas, com significativa participação neopentecostal permanecem sendo a base (inclusive no parlamento) do seu governo.16
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Parte da discussão desenvolvida neste trabalho foi apresentada no Seminário Internacional de Práticas Religiosas no Mundo Contemporâneo, da Universidade Estadual de Londrina, no ano de 2019. As contribuições trazidas pelos pares de pesquisa participantes do evento permitiram a reelaboração da discussão presente neste artigo.↩︎
Disponível em: www.youtube.com. Acesso em: 13 jun. 2020.↩︎
A teologia da prosperidade é entendida como: (...) “Teologia da Prosperidade”, segundo a qual todos os fiéis, ao se converterem, “nascidos de novo” em Cristo, são reconhecidos como “filhos de Deus”. Ora, o Criador, Senhor do universo, tem direito sobre todas as coisas por ele criadas e, ao reconhecer os homens como seus filhos, no momento da conversão, colocam todas as coisas ao dispor deles, porque os tomou sob sua proteção para serem abençoados e terem êxito em seus empreendimentos. Como Rei e Senhor, Deus já lhes deu tudo no próprio ato de reconhecê-los como filhos e assim, aos homens só resta tomar posse do que, desde já, lhes pertence. (MONTES, 1998, p. 120).↩︎
Essas práticas, hoje, configuram-se como uma tradição entre as denominações neopentecostais. Elas se modernizaram e se adaptaram às mudanças sociais e tecnológicas ocorridas nas últimas décadas. Um exemplo dessa abordagem religiosa sofisticada do segmento neopentecostal na contemporaneidade é a Bola de Neve Church.↩︎
Disponível em: www.boladeneve.com. Acesso: 27 mar. 2021.↩︎
Não foi encontrada fonte oficial que afirme a data de início das atividades do Ministério Recrie. No entanto, os estudos realizados para essa pesquisa identificaram que os registros mais antigos do Ministério datam de 2009.↩︎
LGBTQIA+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Queers, outros grupos de gênero e sexualidade).↩︎
Conforme o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), uma entidade privada sem fins lucrativos, o empreendedorismo é: “[...] a capacidade que uma pessoa tem de identificar problemas e oportunidades, desenvolver soluções e investir recursos na criação de algo positivo para a sociedade. Pode ser um negócio, um projeto ou mesmo um movimento que gere mudanças reais e impacto no cotidiano das pessoas”. Disponível em: blog.sebrae-sc.com.br. Acesso em: 23 out. 2020.↩︎
Segundo o IBGE, em 2018, o setor de serviços correspondia a 75,8% do PIB nacional. Disponível em: agenciadenoticias.ibge.gov.br. Acesso em: 13 jun. 2020.↩︎
Conforme Sung (2019), a teoria neoliberal almeja uma mudança de pensamento social acerca de valores como os Direitos sociais, haja vista que, dentre os Direitos Humanos, os de cunho social são os que dependem da intervenção estatal. A ideia é desnaturalizar o consenso construído nas últimas décadas do século XX que apontam que os seres humanos “naturalmente” devam ter acesso a trabalho, moradia e alimentação. Segundo os neoliberais estudados por Sung (2019), esses valores vão na contramão do ideal da “sociedade dos indivíduos”, formato necessário para a consolidação das políticas liberais, assim o conceito de cidadão é substituído pelo de consumidor.↩︎
Entre as políticas expressivas desse período, houve o PAC (Plano de Aceleração do Crescimento), em que, conforme Ferreira (2012), o Estado em parceria com o setor privado realizou diversas modificações no país nas áreas social e urbana; obras nos setores de transporte e energia; e o PMCMV (Programa Minha Casa, Minha Vida), que se destacou na construção de casas populares e disponibilização de crédito para compra de habitações.↩︎
Para maiores informações sobre o diálogo da BNC com as culturas juvenis, ver Maranhão Filho (2013).↩︎
Conforme mencionado anteriormente, a fonte analisada encontra-se disponível em: www.youtube.com. Acesso em: 13 jun. 2020↩︎
Para maior aprofundamento ver Cavalcante (2015).↩︎
A referência ao trabalho doméstico e o desconforto com a valorização econômica dessas profissionais foram compartilhados por parte da sociedade brasileira, principalmente os setores econômicos médios e altos com a votação da PEC (Emenda Constitucional nº 72/2013), aprovada no ano de 2013, que equiparou os direitos das trabalhadoras domésticas com as demais profissões. Representantes desses setores na época protagonizaram em veículos midiáticos diversas manifestações contrárias a essa PEC, apontando os impactos econômicos que a regulamentação do trabalho doméstico causaria a seus contratantes.↩︎
Para maiores informações sobre o respectivo processo, que foi analisado e categorizado como a “Pandemia Cristofascista”, ver Fabio Py (2020).↩︎
Resumo:
Este artigo faz uma análise do diálogo da
Bola de Neve Church (BNC) com o ideário das políticas neoliberais. Para
isso, foram elaboradas reflexões acerca do vídeo publicado na plataforma
do YouTube, intitulado: “Como enfrentar a atual crise
política/financeira”, um discurso do fundador da BNC, Apóstolo Rinaldo
Seixas, realizado no Congresso Recrie, em 2016. A metodologia utilizada
neste trabalho apoia-se em categorias de análise para compreender e
interpretar a fonte videográfica já mencionada e em pesquisa
bibliográfica em obras das sociologias das religiões e estudos sobre o
neoliberalismo. Como resultado, identificou-se uma aproximação da BNC
com o ideário neoliberal a partir de uma perspectiva religiosa, com um
discurso que fornece explicações místicas da crise econômica e política
brasileira e soluções inspiradas na economia de rede para proteger os
fiéis do desemprego.
Palavras-chave:
neoliberalismo;
neopentecostalismo; Bola de Neve; empreendedorismo.
Abstract:
This article deepened the studies on
the dialogue of the Bola de Neve Church (BNC) with the ideals of
neoliberal policies. Reflections were elaborated on the video published
on the YouTube platform, entitled: “How to face the current
political/financial crisis”, a speech by the founder of BNC, Apostle
Rinaldo Seixas, held at the Recrie Congress, in 2016. The methodology
used in this work was based on analysis categories to understand and
interpret the videographic source already mentioned and on
bibliographical research in works of the sociology of religions and
studies on neoliberalism. As a result, it was identified an
approximation of the BNC with the neoliberal ideals from a religious
perspective, with a discourse that provides mystical explanations about
the Brazilian economic and political crisis and solutions inspired by
the network economy to protect the faithful from unemployment.
Keywords:
neoliberalism; neo-Pentecostalism; Bola
de Neve; entrepreneurship.
Recebido para publicação em 30/09/2021
Aceito em 01/02/2022