Revista de Ciências Sociais — Fortaleza, v. 53, n. 3, nov. 2022/fev. 2023
DOI: 10.36517/rcs.2022.3.d05
ISSN: 2318-4620

 

 

Da vulnerabilidade à supressão:
sobre visitas no Sistema Penitenciário Federal

 

Mayara de Souza Gomes OrcID
Universidade Federal do ABC, Brasil
mayara.dsgomes@gmail.com

 

Introdução

Ao longo dos anos 2000, diferentes estabelecimentos prisionais pelo país tornaram-se palco de rebeliões, motins e massacres que trouxeram à tona demandas endereçadas ao Estado para o atendimento a condições mínimas de confinamento, tal como, o acesso à água potável, alimentação suficiente e adequada, atendimento jurídico e médico, diminuição da superpopulação prisional, dentre outros pedidos que se justificariam diante da (histórica) omissão estatal no cumprimento de direitos e garantias conferidas às pessoas em situação de prisão (DIAS, 2017).

Além disso, estes episódios também serviram para trazer à público grupos/coletivos de criminosos, identificados também como facções criminosas.1 O protagonismo de tais atores se fez notar, não somente, por conta de suas demandas endereçadas pela melhoria nas condições de aprisionamento, mas também, pela capacidade de expressar sua força frente ao Estado. E igualmente, em relação a outros grupos rivais com quem disputam o controle de territórios e mercados ilícitos (MANSO; DIAS, 2018).

Tais episódios tem igualmente reverberado para além dos muros prisionais. Assim, além de receberem cobertura midiática, os impactos e desdobramentos destes eventos vieram a afetar a dinâmica de bairros e cidades, que se tornaram, por vezes, extensões das disputas desencadeadas no âmbito prisional e vice-versa (MELO; PAIVA, 2021; DIAS, 2017; CALDEIRA, 2004). Vale pontuar, que processos de contestação às deletérias condições de aprisionamento constituem parte da história prisional brasileira (GÓES, 2009; SALLA, 2006). Além disso, as facções criminosas também teriam, em parte, surgido como forma de contestar as precárias e violentas condições de encarceramento (SALLA; DIAS; SILVESTRE, 2012).

Pode se apontar que uma das respostas políticas e institucionais adotadas para incidir neste cenário foi a criação do Sistema Penitenciário Federal. Os presídios federais foram criados em meados dos anos 2000 pelo Governo Federal à época, sob gestão do Partido dos Trabalhadores (PT), que optou por construir unidades prisionais de segurança máxima que pudessem em caráter excepcional e temporário neutralizar indivíduos responsáveis pela instabilidade da segurança pública e prisional dos estados da federação. Com destaque, sobretudo para aqueles indivíduos considerados como lideranças de facções criminosas (SILVA JÚNIOR, 2020; DEPEN, 2017; DIAS, 2017).

Dessa forma, o Sistema Penitenciário Federal teria por escopo ser um modelo prisional capaz de isolar e segregar indivíduos considerados como problemáticos e/ou expressivos dentro das facções criminosas. Para tal, os presídios federais possuem estrutura e protocolos de ampla vigilância e controle que se orientam por inibir interações e contato com o mundo externo, inclusive, entre a própria população aprisionada nas unidades federais, uma vez, que as pessoas ali custodiadas ficam isoladas individualmente por 22 horas diárias.

Os presídios federais se diferenciam das prisões estaduais dentre vários aspectos por sua rigorosa rotina e pelas assistências materiais, de saúde e jurídica que são fornecidas de forma efetiva aos custodiados. No entanto, um ponto de contato em relação a universos prisionais tão distintos dizia respeito ao direito da visita social com contato e visita íntima que eram permitidas às pessoas custodiadas no Sistema Penitenciário Federal.

Dessa maneira, apesar deste ponto de conexão, o atendimento a tal direito não deixava de ser considerado controverso por atores do sistema de justiça, servidores públicos e gestores envolvidos na execução da política penitenciária federal. Em particular, porque ao seguir a mesma lógica das visitas das penitenciárias estaduais, portanto, com contato físico e íntimo, deixava-se um tipo de interação significativa alheia ao controle e vigilância presentes na rotina prisional federal.2

Em 2017, mesmo sem essa discussão ter chegado a um consenso o Ministério da Justiça e da Segurança Pública proibiu a visita íntima e com contato em presídio federal conforme a Portaria n° 718/2017,3 permitindo-se somente a visita social em parlatório ou por videoconferência, ou seja, sem contato físico. A edição da Lei n° 13.964/2019 conhecida por “Pacote Anticrime” veio a cristalizar este entendimento, vedando a visita íntima e social com contato físico aos presos custodiados em unidades federais e que tivessem sido incluídos por conta do interesse da segurança pública, perfil correspondente a massiva maioria dos custodiados, a exceção seria para réu delator ou colaborador (NUNES, 2020, p 113).

Por pano de fundo, episódios de execução de agentes de execução penal federal, bem como, operações policiais teriam contribuído para que fosse tomada esta decisão. Na visão dos gestores e atores envolvidos na política penitenciária, as visitas seriam um dos principais vetores quanto à transmissão de mensagens e “salves”,4 a partir do Sistema Penitenciário Federal. Desse modo, enquanto as visitas fossem mantidas em suas modalidades de contato físico e íntimo não seria possível neutralizar de fato as “lideranças criminosas”.

Diante desse conjunto de elementos, este artigo se propõe a discutir como a visita social com contato e íntimo correspondem a marcadores importantes na história do Sistema Penitenciário Federal. Nesse sentido, a permissão e posteriormente a sua supressão são aspectos que refletem mudanças substanciais na execução desta política penitenciária, tornando estes estabelecimentos prisionais ainda mais fechados à sociedade brasileira (GOFFMAN, 2010). Além disso, possibilitam inferir se a narrativa de sua eficiência não estaria mais atrelada à capacidade de punir e neutralizar determinados indivíduos, do que necessariamente implicar no abalo das facções criminosas.

Nossa discussão é baseada na análise de documentos elaborados no âmbito da União e Justiça Federal, bem como, de normativas e legislações que versaram sobre mudanças na visitação nos presídios federais. Tomamos igualmente por referência entrevistas realizadas com indivíduos que estiveram ou ainda se encontram envolvidos na execução desta política penitenciária.5

Este artigo tem a seguinte estrutura: iniciamos com uma breve descrição sobre o modelo da supermax americana, que serviu de inspiração aos presídios federais. A seguir, abordamos os elementos que ajudam a entender as especificidades do Sistema Penitenciário Federal, bem como de que maneira a visita íntima e social com contato compõem parte da realidade das prisões brasileiras, além do seu cumprimento e posterior exclusão na rotina dos presídios federais. Por fim, elaboramos algumas reflexões que ajudam a problematizar o papel dos presídios federais quanto à sua própria significância em relação a agenda de enfrentamento às facções criminosas.

Supermax: o paradigma da vigilância e segregação

Conforme assinalado o Sistema Penitenciário Federal é caracterizado por um amplo regime de controle e vigilância, que tem em sua centralidade o confinamento solitário quase que diuturno de sua população. Tais características são referências igualmente encontradas nas supermax americanas, que serviram, inclusive, de paradigma para a constituição dos presídios federais (CASTRO, 2019; DEPEN, 2017; REISHOFFER, 2015).

As supermaximum security facilities, ou simplesmente supermax são alas e/ou estabelecimentos prisionais conhecidos pela segregação, vigilância e o confinamento solitário de no mínimo 22 horas diárias de pessoas custodiadas em tais espaços. Originárias dos Estados Unidos tais instalações são reputadas como uma parte importante no conjunto de estabelecimentos voltados à detenção e punição de indivíduos naquele país. A título de exemplo, os custodiados ficam isolados em suas celas em média de 22 a 23 horas diárias (em alguns cenários, até 24h) refeições e tratamentos são realizados na cela, sem qualquer interação física entre a equipe profissional e a pessoa presa. A visita com contato é vedada, sendo permitida somente a visita por parlatório (quando há a separação entre visitante e custodiado por um vidro e a conversa ocorre normalmente via aparelho telefônico) e que, ainda assim, ocorrem com pouca frequência, haja vista, que as instalações dessa natureza costumam ficar em lugares distantes de centros urbanos (KUPERS, 2017; PIZARRO; NARAG, 2008).

Ademais, há variações entre as instalações com diferenças relativas desde a existência de janelas nas celas ou apenas buracos para circulação do ar, fornecimento de papel e caneta, até quanto a possibilidade da recreação no período fora da cela ser coletivo ou individualizado, etc. (KUPERS, 2017). E embora as características que ajudem a descrever as supermax não se constituam como eminentemente inovadoras, têm se que a adoção deste tipo de aprisionamento se constituiu em meio a um conjunto de mudanças sociais e penalógicas desencadeadas ainda em meados dos anos 1970 naquele país (ROSS, 2013; PIZARRO; NARAG, 2008).

O declínio das políticas de reabilitação, somada a “guerra às drogas” teriam contribuído para impulsionar o aumento da população prisional estadunidense de forma acelerada, fomentando uma miríade de conflitos no âmbito das instalações prisionais. Sendo assim, agressões, episódios de violência, disputas internas e incidentes de fuga apesar de não corresponderem a fatos novos na realidade prisional teriam se avolumando à medida que a população prisional crescia progressivamente. Dessa forma, ao adotar (novas) estratégias de gerenciamento e segregação de indivíduos considerados como problemáticos, ou como se tornou corrente definir: “os piores dos piores” buscava-se isolar aqueles que geravam problemas à rotina e regras estabelecidas. Além disso, simbolicamente se demonstrava ao restante da população prisional uma punição bastante penosa, a ser mobilizada e aplicada em relação aqueles que estivessem implicados em distúrbios no ambiente prisional (MEARS, 2013).

O episódio da rebelião de Marion (Illinois) em 1983 é apontado como um evento simbólico para compreender o advento das supermax. Embora já correspondesse a uma instalação de segurança máxima, foi após a agressão e morte de agentes prisionais, que a direção da prisão em caráter de emergência determinou o confinamento dos presos, em um regime de quase 24 horas em suas celas, inclusive, com a suspensão dos programas de reabilitação (KUPERS, 2017; ROSS, 2013). Este tipo de interdição, com um severo confinamento foi mantido em Marion e, posteriormente, o governo federal dos Estados Unidos deu início ao planejamento e construção de unidades ou alas específicas destinadas a manter sob custódia nesse tipo de regime, aqueles prisioneiros considerados difíceis de serem geridos. Desde então, houve um espraiamento e crescimento de instalações supermax nas unidades federativas norte-americanas, bem como passou a servir de modelo para outros países pelo globo (KUPERS, 2017; REITER, 2016; PIZARRO; NARAG, 2008).

No Brasil, o Sistema Penitenciário Federal pode ser considerado como um exemplo da extensão deste modelo. É certo, que em nosso contexto os elementos que possibilitaram a criação destas unidades se devem, em boa medida, a vontade política por parte do governo federal, mas também a fatores como a “crise” quase permanente nos sistemas prisionais estaduais e pela emergência e consolidação das facções criminosas. Além disso, a superpopulação prisional, bem como, as dinâmicas relativas à criminalização da Lei de Drogas (Lei n° 11.343/2006) são outros aspectos que ajudam a situar o cenário que propiciou o investimento neste modelo de aprisionamento.

Presídios federais um (novo) paradigma frente ao caos carcerário

A construção de unidades prisionais pela União estava prevista desde os anos 1980, por conta de disposição legal contida no caput do art. 86 Lei de Execução Penal (Lei n° 7210/84).6 No entanto, o investimento para a efetiva proposição e gestão de presídios próprios pelo Governo Federal, apareceu de forma mais detida a partir de 2003, com o primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo registros de notícias e entrevistas veiculadas na mídia, o então Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, pontuava que alguns dos principais projetos a serem empreendidos pela recém-empossada gestão federal passavam por uma Reforma no Judiciário e também uma melhoria no Sistema Penitenciário Nacional.7

O aperfeiçoamento na política penitenciária seria desde ampliar a oferta de medidas alternativas e o repasse de valores aos estados para atendimento aos direitos previstos na Lei de Execução Penal, mas também, com a construção de presídios federais que pudessem custodiar presos problemáticos, envolvidos em motins e rebeliões. Naquela ocasião, São Paulo e Rio de Janeiro se destacavam em razão dos crescentes e notáveis problemas enfrentados em relação à segurança pública e prisional. Em São Paulo, a Megarrebelião8 em 2001 protagonizada pelo Primeiro Comando da Capital (PCC) teria marcado o surgimento de um novo momento na segurança pública paulista, com desdobramentos no âmbito local e nacional9 .

Por sua vez, no Rio de Janeiro fugas, atentados, motins e outros enfrentamentos provocados a partir do sistema prisional, compunham parte do cenário social carioca e que evidenciavam problemas quase que permanentes no sistema prisional e na segurança pública do estado. Ademais, com a morte do jornalista Tim Lopes,10 bem como, a situação de Luiz Fernando da Costa, o “Fernandinho Beira-Mar” considerado como o principal narcotraficante à época e que tinha passado por diferentes estabelecimentos de detenção em estados da federação teriam convergido para fortalecer a narrativa de que o combate ao crime organizado era medida imprescindível (CALDEIRA, 2004).

Dessa maneira, pode se argumentar que houve um movimento decisivo por parte do Governo Federal em assumir o protagonismo na oferta de instalações próprias para acolhida de presos problemáticos. O interesse de incidência nesta agenda também se fez observar por conta da reorganização do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) que futuramente viria a assumir um papel essencial na execução da política penitenciária federal, bem como, a edição da Lei Federal n° 10.792/2003, que alterou a Lei de Execuções Penais (Lei n° 7.210/1984), promovendo alterações importantes tal como a possibilidade do cumprimento de pena em local distante do lugar da condenação, além de ter institucionalizado o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) (NUNES, 2020).

Considerando-se o lapso temporal entre a assunção do Governo Federal e a inauguração da primeira unidade federal em Catanduvas no Paraná no ano de 2006, pode se ponderar que o Sistema Penitenciário Federal foi uma política penitenciária prioritária.11 Ainda neste mesmo ano foi inaugurada a unidade de Campo Grande no Mato Grosso do Sul, seguida por Mossoró no Rio Grande do Norte e Porto Velho em Rondônia, ambas em 2009. A unidade mais recente foi inaugurada em Brasília no Distrito Federal no ano de 2018 e atualmente uma outra unidade está em processo de licitação na cidade de Charqueadas no Rio Grande do Sul.

O governo federal, desde o início da execução da política penitenciária do Sistema Penitenciário Federal tem afirmado que este modelo é eficiente, tendo por referência principalmente a não ocorrência de motins e rebeliões e/ou ausência do uso ou encontro de aparelhos celulares junto aos custodiados (DEPEN, 2017; 2016). Neste aspecto, estas afirmações guardam consigo a premissa de que o atendimento aos rigorosos protocolos de vigilância e monitoramento são medidas necessárias para o cumprimento desta política penitenciária.

A dinâmica nos presídios federais é marcada pela vigilância e controle de sistema de áudio e vídeo, dispostos na maior parte dos ambientes da unidade (DUARTE, 2022). Além disso, todas elas possuem o mesmo projeto arquitetônico e detém a mesma quantidade de vagas disponíveis, podendo custodiar até 208 indivíduos. A sua ocupação deve ser sempre inferior ao total disponível, conforme determinação legal e em razão de ser necessário deixar uma quantidade de vagas ociosas para inclusão de presos em caráter de emergência (em caso de rebeliões nos estados, por exemplo) e igualmente, para o bom cumprimento de todos os protocolos de segurança.

Os critérios definidores do perfil de inclusão no Sistema Penitenciário Federal encontram previsão no decreto regulamentar n° 6.877/2009:

Art. 3º Para a inclusão ou transferência, o preso deverá possuir, ao menos, uma das seguintes características:

I — ter desempenhado função de liderança ou participado de forma relevante em organização criminosa;

II — ter praticado crime que coloque em risco a sua integridade física no ambiente prisional de origem;

III — estar submetido ao Regime Disciplinar Diferenciado — RDD;

IV — ser membro de quadrilha ou bando, envolvido na prática reiterada de crimes com violência ou grave ameaça;

V — ser réu colaborador ou delator premiado, desde que essa condição represente risco à sua integridade física no ambiente prisional de origem; ou

VI — estar envolvido em incidentes de fuga, de violência ou de grave indisciplina no sistema prisional de origem.

Os incisos versam sobre perfis que tem por referência definições legais e situacionais, que podem ou não ser considerados de forma cumulativa, da mesma forma, são cabíveis para presos provisórios ou definitivos. Podemos sugerir que os critérios vinculados a descrições legais aparecem de forma mais detida no caso dos incisos III e V portanto, que encontram respaldo em dispositivos legais próprios. Em relação ao perfil do inciso II, na prática, é bastante incomum tal inclusão em presídios federais. Quanto às demais hipóteses, as definições embora estejam associadas a repertórios criminalizantes — dispositivos do Código Penal, de Leis Penais Extravagantes — constituem-se como dispositivos flexíveis e sujeitos a variadas interpretações. Além disso, há as hipóteses de inclusão em razão de situações específicas (VI) ou a constituição de relacionamentos que sejam ilegais e moldáveis às definições como organização/ facção criminosa (inciso I, IV).

É preciso reiterar que os indivíduos custodiados no Sistema Penitenciário Federal quase que em sua totalidade provêm de sistemas prisionais estaduais e que, portanto, já estariam institucionalizados e ambientados, de certo modo, a um tipo de cultura prisional que se distingue daquela produzida nos presídios federais. E apesar das diferenças descritas no perfil de inclusão, deve-se ter em vista que o fator subjacente na maioria dos casos refere-se a ideia (abstrata) de segurança pública. Conforme tipifica a Lei n° 11.671/2003 que trata das inclusões nos presídios federais, em seu art. 3º “Serão incluídos em estabelecimentos penais federais de segurança máxima aqueles para quem a medida se justifique no interesse da segurança pública ou do próprio preso, condenado ou provisório”.

Em termos de rotina, os custodiados permanecem isolados individualmente por 22 horas ao dia. Eles são mantidos em suas celas individuais, que possuem a metragem de 7m² e contam com dormitório, sanitário, chuveiro, pia, mesa e assento todos fixados a estrutura, com horários específicos para as cinco refeições e ligação de água dos chuveiros (DEPEN, 2017). A interação social é garantida por meio do banho de sol diário de duas horas na companhia de até 13 presos da mesma ala de vivência.

Nesse aspecto, a Lei n° 13.964/2019 (Pacote Anticrime) trouxe uma alteração no sentido de que o banho de sol deve ser realizado em grupos de até 04 indivíduos e não pertencentes à mesma facção. A nova redação gerou um problema prático, conforme alguns entrevistados pontuaram, uma vez, que por questões de segurança não é pertinente colocar indivíduos de grupos faccionados rivais no mesmo grupo do banho de sol, ainda mais, após a ruptura das relações entre PCC e CV (MANSO; DIAS, 2018). O acesso a materiais de leitura como livros, apostilas e revistas são permitidos. Outras formas de comunicação externas são proibidas, com exceção das correspondências que são garantidas12 (DEPEN, 2017; REISHOFFER, 2015).

Visitas: seus significados e mudanças

As visitas são também permitidas no Sistema Penitenciário Federal, constituindo parte do conjunto de direitos assegurados à pessoa presa. Segundo o art. 41 da Lei de Execuções Penais, o direito à visita é conferido à pessoa em situação de prisão em dias determinados, podendo ser realizada pelo cônjuge, companheira, parentes e amigos. Uma das principais defesas atribuídas à visita é a sua importância no processo de ressocialização do apenado, assim, o contato com o mundo externo seria viabilizado por meio da manutenção dos vínculos sociais e afetivos que são fortalecidos ao longo das visitas. Tendo adotado o modelo progressivo quanto aos regimes de cumprimento de pena, a visita seria um elo importante e gradativo da reinserção social do apenado.

Do ponto de vista da rotina e cultura prisional brasileira, as visitas são consideradas como momentos muito relevantes, que estariam ajustadas às regras formais, mas, sobretudo, pautada por valores determinados pela cultura prisional que buscam fazer deste momento uma ocasião alheia às tensões e problemas enfrentados no cotidiano prisional. Momento de trocas de afeto, estar informado dos problemas da vida familiar e comunitária, consumir alimentos preparados ao gosto (e possibilidade) da visitante (em sua maioria mulheres), são algumas das características das visitas no ambiente prisional. Além de ser a ocasião em que se recebem itens alimentícios, de higiene pessoal e limpeza, cigarros que conferem a possibilidade de suportar em condições “melhores” os dias na prisão (LAGO, 2019; DUARTE, 2015; SILVESTRE, 2013).

Conforme destacado, consideramos que existe um marco temporal mais preciso para designar as mudanças quanto à visitação social com contato e íntimo no Sistema Penitenciário Federal. Nesse sentido, o ano de 2017 teria sido determinante para o início desta reconfiguração. Para fins de abordagem neste texto, apontamos como “Pré-2017” aquele cenário em que a visitação apesar de seguir regras mais restritivas, possuía características aproximadas aquelas existentes nas unidades prisionais estaduais, sobretudo pelo contato físico ser permitido.

Enquanto a etapa “Pós-2017” é marcada pela suspensão das visitas com contato e cujo posicionamento veio a ser incorporado de forma definitiva por meio da legislação federal em 2019. Ressaltando-se a sua impossibilidade frente aos custodiados incluídos em presídios federais, por conta de interferência e desestabilização da segurança pública nos estados da federação. Abordamos alguns elementos que ajudam a compreender essas mudanças e igualmente algumas contradições decorrentes dessa alteração.

Pré-2017

O decreto n° 6.049/2007 é o primeiro que aprovou e regulamentou o Sistema Penitenciário Federal e dispunha no título X — “das visitas” algumas diretrizes para o cumprimento deste direito à pessoa custodiada em presídios federais. Dentre um dos aspectos principais constava o mesmo rol de pessoas descritas na LEP (cônjuge, companheira, familiares, amigos). Além disso, discriminava alguns aspectos como a duração de três horas semanais e única ocorrência durante a semana, a exceção das semanas com datas festivas, oportunidade, em que o diretor da unidade prisional poderia avaliar se seria o caso de conferir dias “extras” para visitação.

O decreto ainda prossegue no art. 95 ao abordar que a visita íntima teria por “finalidade fortalecer as relações familiares do preso e será regulamentada pelo Ministério da Justiça. Parágrafo único. É proibida a visita íntima nas celas de convivência dos presos”. A suspensão das visitas com contato era permitida apenas em caráter excepcional. Dessa maneira, a visita social e íntima não seria, a princípio, um problema no Sistema Penitenciário Federal, sua previsão legal e ocorrência dentro da rotina dos presídios federais, identificava-a como parte do conjunto dos direitos da pessoa presa (e da sua família) quanto a manutenção dos vínculos sociais e familiares.

Deve-se ponderar que a visita íntima não possui expressa definição legal na LEP, tendo se constituído como direito da pessoa presa, sobretudo, por força de costume e entendimento das cortes superiores e normativas infralegais no país. Dada a sua precariedade normativa, a pressão e mobilização de familiares e das pessoas em situação de prisão são importantes para seu efetivo cumprimento (LAGO, 2019). Desse modo, a viabilidade para sua ocorrência, passa dentre outras questões, sobre o entendimento e iniciativa dos estados da federação quanto ao atendimento desse direito13

Embora a regulamentação da visita íntima fique a critério dos estados, o Conselho Nacional de Política Penitenciária (CNPCP) tem editado resoluções para estabelecer recomendações e diretrizes para o atendimento desse direito pelos estados da federação. A mais recente é datada de 2021 (Resolução n° 23 de 04 de novembro de 2021) e possui mais restrições se comparada às suas antecessoras (resoluções de 1999 e 2011). No âmbito do Sistema Penitenciário Federal o decreto n° 6.049/2007 trouxe a previsão inicial de sua ocorrência, tendo sido posteriormente regulamentado por atos próprios,14 que em linhas gerais descrevem o número limite de visitantes, bem como, outras minúcias tais como vestuário e orientações para cadastro etc.

Outro aspecto importante, sobre as visitas de um modo geral, diz respeito ao deslocamento de mulheres, familiares e parentes às unidades prisionais para visitação. Assim, é frequente que tais visitas precisem se dirigir para outros bairros, cidades e regiões para visitar seus entes, ressaltando-se que os custos e as preparações envolvidas nessa empreitada são expressivos. Em São Paulo onde ocorreu um espraiamento e descentralização de unidades prisionais pelo estado os relatos das visitantes passa também pela disponibilidade de tempo e dinheiro na programação de suas idas às visitas nos estabelecimentos prisionais (LAGO, 2019; GODÓI, 2017; SILVESTRE, 2013).

Em relação ao Sistema Penitenciário Federal este é certamente um fator que se sobressai, em especial, por tais unidades estarem longe do local de origem da maioria dos custodiados e consequentemente de suas famílias. Além disso, por critérios de segurança, tais presídios são construídos em perímetros distantes dos centros urbanos das cidades em que se localizam, correspondendo a outro entrave à visitação. De acordo com o Anuário do Sistema Penitenciário Federal de 2016 em que foram ouvidos 367 custodiados, mais da metade deles afirmou naquela ocasião receber visita social regularmente (53,87%), daqueles que não recebiam (30,03%), um dos principais motivos para tal dizia respeito à distância (49,40%) (DEPEN, 2016, p. 40). Em um país de dimensões continentais tal como o Brasil esse é um aspecto importante para se observar quanto a dinâmica das visitações em presídios federais. Por outro lado, é possível considerar a partir desse universo de informações que uma quantidade importante de famílias, companheiras, cônjuges tiveram êxito em se deslocar para a visitação em tais estabelecimento prisionais.15

Outro fator distintivo do Sistema Penitenciário Federal é a impossibilidade de ingresso de gêneros alimentícios ou de qualquer outra natureza pelas visitas. Nesse aspecto, a discrepância entre as unidades estaduais é notável, pois, conforme pontuado previamente a visita é também o momento em que são entregues e consumidos itens que representam uma vantagem, se não, a garantia à sobrevida na prisão (LAGO, 2019; DUARTE, 2015; SILVESTRE, 2013).

***

Pode se apontar que a visita social com contato e íntimo não seria por si só um evento considerado como alheio à rotina dos presídios federais. Contudo, a sua existência não implicava por consequência a compreensão de que fosse pertinente em um sistema que possui características fortemente pautadas pela disciplina e segurança. O desconforto, principalmente, em relação à visita íntima, aparece como tema de discussão e divergência em narrativas de interlocutores a quem pude entrevistar, mas também, no registro de eventos destinados a discutir a política penitenciária do Sistema Penitenciário Federal.

Conhecidos como Workshops do Sistema Penitenciário Federal16 estes eventos são realizados em conjunto pelo DEPEN e o Conselho da Justiça Federal (CJF) contando com debates, palestras e deliberações, costumam participar destes eventos ministros das cortes superiores, magistrados federais e estaduais, defensores públicos da união e dos estados, promotores estaduais e federais, além de servidores federais e do próprio DEPEN. A sua primeira edição ocorreu em 2010 e desde então, segue sendo realizado uma vez ao ano, é a ocasião em que muitos assuntos são debatidos de modo a dirimir divergências e firmar posicionamentos. Chamados de enunciados a consolidação de tais deliberações acabam se tornando referência para práticas e decisões no âmbito do Sistema Penitenciário Federal e Justiça Federal. Nesse sentido, vale pontuar que algumas das mudanças trazidas pelo Pacote Anticrime em relação a execução penitenciária federal foram objeto de discussão em diferentes workshops.

No que tange à visita íntima, a discussão em torno de seu cabimento ou não nas unidades federais, aparece já no terceiro workshop realizado em 2012. Em linhas gerais, o argumento principal já debatido naquela ocasião, seria de que visitas dessa natureza não possibilitariam o controle e monitoramento adequado, portanto, representaria uma vulnerabilidade no Sistema Penitenciário Federal. A visão minoritária seria de que poderiam permanecer, desde que tratadas como regalias a serem concedidas aos presos que apresentassem bom comportamento e após um lapso temporal significativo de custódia em presídios federais. A posição dominante seria de que as visitas deveriam ser suprimidas como forma de fortalecer a segurança do sistema e inibir a transmissão de mensagens a partir de conversas travadas dentro dos presídios federais, especialmente, entre as visitas e custodiados.

A percepção de que as visitas com contato e íntima constituiriam um ponto problemático em presídios federais é também apresentada pelos entrevistados:

O Sistema Penitenciário Federal tinha fraqueza, qual era a fraqueza dele ter dez anos de fundação, 12 que foi mais ou menos, a época 10, 12 anos quando encerrou a visita íntima. A fraqueza dele era a visita íntima/social, porque é onde você não pode gravar, é onde você não tem a coleta de dados, você não sabe o que o preso está falando, você não sabe o que o familiar está levando e não é tratar familiar de preso como bandido. Mas é que você não tem como registrar, você não tem como captar a informação. Então, eles utilizaram isso. (Entrevistado 1)

Até alguns anos atrás, nós tínhamos a visita íntima que por ela eram passadas muitas ordens e aí acho que foi uma atitude muito acertada do governo, da mudança de não se haver a visita íntima. (Entrevistado 2)

O argumento de que o ponto vulnerável do Sistema Penitenciário Federal estaria centrado na permissão da visita íntima e com contato, é um aspecto importante para compreender também o processo de construção e assimilação desta narrativa por parte de diferentes atores envolvidos na política penitenciária federal. Nesse sentido, ainda que não seja possível captar com precisão o que motivou este debate ter se iniciado nos anos anteriores, é possível ponderar que a percepção do caráter impróprio, sobretudo, da visita íntima, teria contribuído para uma rápida assimilação das decisões que vieram a proibir a visitação deste tipo em presídios federais. Segundo relatos de entrevistados, os Agentes Federais de Execução Penal seriam aqueles que apresentavam mais queixas quanto a manutenção de visitas desse tipo. Na leitura deste grupo, além de enfraquecer os protocolos de segurança e a própria finalidade do Sistema Penitenciário Federal, eles representariam os indivíduos mais suscetíveis à eventuais ameaças e ordens de execução.

Além disso, a premissa de que os presídios federais visam garantir o cumprimento de protocolos e práticas de segurança máxima é outro elemento que ajuda a fortalecer a perspectiva de que o endurecimento na custódia de suas populações é parte indissociável da boa execução desta política, bem como, de sua efetividade quanto à desarticulação das facções criminosas.

Pós-2017

O ano de 2017 é o momento em que convergem uma série de fatores que desencadearam na proibição das visitas com contato e íntimas nos presídios federais. A morte de dois Agentes Federais de Execução Penal no ano anterior e de uma Especialista Federal em Assistência de Execução Penal naquele ano são consideradas como episódios que contribuíram decisivamente para a mudança da permissão à proibição:

No dia 25 de maio de 2017 foi assassinada a psicóloga Melissa de Almeida Araújo,17 de 37 anos. Ela foi morta em Cascavel/PR, atingida por dois disparos no rosto, na frente do marido e do filho de apenas dez meses de vida. Chegava a casa depois de mais um dia de árduo trabalho no presídio federal em Catanduvas/PR. Em 2 de setembro de 2016, o agente do presídio federal em Catanduvas/PR, Alex Belarmino Almeida Silva, morreu ao ser atingido por 23 (vinte e três) tiros, também na cidade de Cascavel/PR. Em 14 de abril do mesmo ano, o agente do presídio federal em Mossoró/RN, Henry Charles Gama Filho, foi assassinado a tiros num bar da cidade. Todos os três casos têm algo em comum: as execuções foram realizadas mediante emboscada, após monitoramento de suas rotinas, e determinadas por uma mesma facção criminosa. Um pouco antes, em 2012, o agente penitenciário Lucas Barbosa foi morto por integrantes de outra facção porque, ao ser assaltado, estava com a farda da corporação. No VI Workshop, em 2015, alertamos: Quem conhece o modus operandi das organizações criminosas que possuem como foco dominar e mandar nos presídios tem ciência de que primeiro são feitas as tentativas de corrupção dos agentes do sistema, acompanhadas ou seguidas de ameaças, para depois serem colocados em prática planos de execução. (VIII Workshop, 2019, p. 8 e 9)

A ocorrência de episódios de ameaças e execução de policiais penais, juízes e outras autoridades são componentes presentes na história das prisões brasileiras. Além disso, a interceptação de planos de execução idealizados contra autoridades, supostamente, por membros de facções criminosas compõe também este contexto mais amplo. A ideia subjacente veiculada é de que uma das estratégias possíveis para o enfrentamento ao Estado diz respeito ao uso da força e violência fatal contra agentes públicos.

Em relação aos episódios envolvendo os agentes federais18 tem-se que para além de gerar a sensação de insegurança no corpo dos agentes federais de execução penal, o breve intervalo entre os episódios e ainda, no último caso, em que a vítima foi uma mulher e profissional de saúde fortalecia a perspectiva de que estariam sob risco de vida iminente. Além disso, caso o DEPEN tivesse mantido a permanência das visitas, também estaria sujeito à resistência por parte dos agentes.19 Na percepção dos entrevistados o fechamento do Sistema Penitenciário Federal com a proibição das visitas íntimas era a medida mais adequada para suprimir qualquer brecha que ainda estivesse servindo para a transmissão de informações e mensagens dos presídios federais para fora e vice-versa.

Somado a estes eventos, operações policiais apontavam que determinados custodiados seguiam ainda envolvidos e supostamente liderando empreendimentos ilegais.20 As investigações demonstraram que algumas das estratégias mobilizadas para a transmissão de mensagens iam desde o envio de bilhetes, até recados verbais repassados de um preso para outro e retransmitidos durante a visita íntima, por exemplo. A portaria que inicialmente suspendeu por 30 dias as visitas íntimas e com contato, além daquelas em parlatório, foi estabelecida poucos dias após o episódio que culminou na morte da especialista federal em execução penal.

Datada de 29 de maio de 2017 a decisão foi tomada pelo Diretor Geral do DEPEN, após o período de suspensão de trinta dias nova portaria foi editada (nº 327/2017) que permitiu a retomada da visita em parlatório e a permanência da vedação quanto àquelas com contato e íntimas. Ao longo desta portaria (nº 327/2017) são descritos os motivos ensejadores das restrições: os episódios que culminaram na morte dos agentes federais cujos nomes são descritos nominalmente, além da Operação Epístola, deflagrada naquele ano e que apontava as implicações da transmissão de informações através das visitas íntimas.

Na sequência, no mês de agosto, outra portaria (nº 718/2017) é publicada vindo a reintegrar a visita íntima e com contato no rol de direitos assistidos aos custodiados nas unidades federais, todavia, limitada apenas para os custodiados em unidades federais que ali estivessem na condição de réu colaborador ou delator premiado. Nos demais casos, relativos às hipóteses previstas no decreto nº 6.899/2007 e que versam sobre perfis de custódia em decorrência do “interesse da segurança pública” não seriam permitidas.

A partir desta última portaria do mês de agosto, pleitos judiciais foram apresentados questionando a restrição imposta, com destaque para a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 518/2017 que junto ao STF questionou, grosso modo, que esta decisão feria tratados internacionais de direitos humanos e das pessoas presas dos quais o Brasil seria signatário. Apesar de diferentes ações e algumas decisões iniciais da justiça federal em primeiro grau que reintegraram a visita, o quadro geral foi pela manutenção da proibição.21 Em 2019, com a sanção da Lei n° 13.964/2019 (Pacote Anticrime) essa discussão foi em parte arrefecida. Pois, desde então, a regra legal é que a visita em presídios federais está limitada às modalidades virtuais e em parlatório, assim, os custodiados recebem visitas somente sem contato. O advento da pandemia do coronavírus e as medidas sanitárias recomendadas no ano de 2020 vieram a suspender as visitas em parlatório, tendo sido retomadas tão somente no início do ano de 2022 (Portaria nº 09/2022).

A respeito do entendimento da proibição das visitas íntimas e com contato em presídios federais é apontado pelos entrevistados:

Por exemplo, para um sistema de segurança máxima e lembre-se, sempre que estou falando de Sistema Penitenciário Federal, estou falando de Sistema de Segurança Máxima. Não é adequado a visitação íntima, que é algo costumeiro nos presídios estaduais, nas administrações penitenciárias estaduais, mas para um perfil de segurança máxima não é adequado. E por que não? Porque o grande diferencial da segurança máxima é que se consiga durante todo o período em 24 horas, sete dias por semana, fazer o monitoramento das pessoas presas, em todos os seus aspectos, todas as suas conversas. Então, isso é necessário que se tenha um controle muito rígido, muito forte sobre as conversas, as comunicações. E quando você tem, por exemplo, visita íntima, você não tem condições de ter esse controle. Então, é possível, dentro do campo da possibilidade, é possível que informações do mundo exterior e eventualmente ordens serão enviadas de dentro de uma penitenciária para o mundo exterior. Isso pode acontecer muito facilmente, porque é um ambiente, que se você tem visita íntima, você não pode monitorar. Então, é uma situação delicada. A visita com contato físico sem monitoração, também não é adequada. Então, quando nós estamos tratando e, friso novamente, de um ambiente de segurança máxima, esses pontos são tratados como vulnerabilidades e essa vulnerabilidade foi sanada no ano de 2019, quando foram restringidas as visitas íntimas e o contato físico entre presos e seus visitantes, que hoje é realizado somente via parlatório, ou seja, por vidro e, em todo caso, monitorado em tempo real. (Entrevistado 3)

Eu vi que foram pontos marcantes para que aquela força que já tenha de dizer: não, a fraqueza do sistema está aqui, a morte dessas pessoas foi determinante para que o sistema endurecesse nesse sentido, de a gente vai manter a visita íntima, a gente vai deixar que eles continuem influenciando lá fora, porque ele está isolado por algumas coisas, ele não está indo para o restaurante, beleza. Ele não está em cinema (sic), mas ele está comandando lá fora. (Entrevistado 4)

A visão dos entrevistados é ilustrativa para observar como as restrições foram consideradas pertinentes à medida que os episódios envolvendo agentes e especialista federais, bem como, o entendimento de que as visitas seriam o ponto de transmissão de mensagens exigiam uma ação mais efetiva pelo governo federal, neste caso, com a supressão das visitas nestas modalidades. As decisões administrativas e posterior determinação legal que vieram no sentido de proibir visitas íntimas e com contato, interferiram na vida prisional para as populações dos presídios federais. Pois, apesar da rigorosa rotina as visitas sociais com contato e íntimo conferiam a possibilidade de um momento diverso à forte disciplina e vigilância na vida dos custodiados.

Nesse sentido, ainda que em tais estabelecimentos a importância da visita não esteja vinculada, por exemplo, à provisão de itens que permitam a subsistência da pessoa presa como ocorre nas unidades estaduais. A sua significância segue no sentido de conferir afeto e interação distinta daquelas 22 horas de isolamento diários massivamente marcadas pelo isolamento, ociosidade e o cumprimento de rigorosos protocolos de disciplina.

O caráter não individualizado da suspensão das visitas e depois da incorporação legal de sua proibição, ajudam a fortalecer a perspectiva de que o Sistema Penitenciário Federal é um modelo cujo seu “aperfeiçoamento” deve ser orientado por uma maior rigidez nas suas práticas e protocolos. Desse modo, a narrativa de que o governo federal possui o controle e efetiva capacidade de disciplinar e restringir a atuação das lideranças das facções criminosas, sobretudo a partir de um modelo cada vez mais rigoroso de monitoramento e vigilância.

Se por um lado isso fortalece a identificação dos presídios federais como ilhas de controle e punição (ainda que não sejam destinadas ao cumprimento de pena), satisfatórias no enfrentamento às facções criminosas. Por outro lado, implica em inferir que estes grupos deveriam ter sido desestabilizados pela ausência da gestão e liderança dos indivíduos caracterizados como “cabeças” e/ou “lideranças” e que estariam custodiados no Sistema Penitenciário Federal, inclusive, aqueles que estão há muitos anos em tais estabelecimentos, como é o caso do preso número 001, o “Fernandinho Beira-Mar”, que está desde 2006 mantido sob custódia em presídios federais.

Dias (2009), ao ponderar sobre o RDD em São Paulo, aponta que naquele modelo de sanção, sua utilização se devia mais como medida para: estabelecimento de limites para o exercício do poder da facção [PCC] sem que isso signifique sua desorganização (DIAS, 2009, p. 139). A partir dessa linha de raciocínio, após quase cinco anos da proibição da visita íntima pode se cogitar que se isso não desencadeou um enfraquecimento das relações e atividades empreendidas pelas facções criminosas, os presídios federais poderiam ser considerados como pouco expressivos para este propósito. Seja porque esse modelo de aprisionamento não atende a essa necessidade, ou ainda, porque cada vez mais as facções criminosas teriam se dinamizado a ponto de suas atividades não estarem centralizadas em uma ou algumas poucas lideranças (DUARTE, 2022).

Além disso, com a supressão das visitas pode se argumentar que ocorre um fechamento quase que total de tais estabelecimentos à sociedade, sobrando pouco espaço para observância e compreensão das práticas e dinâmicas implicadas na rotina nos presídios federais. Ao acentuar protocolos de monitoramento e controle, inibindo interações com indivíduos que possuem contato com o mundo externo, ocupa-se de suprimir relações que podem provocar algum (novo) impacto na narrativa de eficiência deste modelo.

Assim, enquanto os estudos sobre prisões no Brasil têm apontado a porosidades das fronteiras entre as dinâmicas do dentro e fora da prisão (MELO; PAIVA, 2021; MANSO; DIAS, 2020; GODÓI, 2017) com a proibição das visitas íntimas e contato aponta-se que os presídios federais teriam atingido uma aproximação factual à perspectiva das supermax. Desse modo, eventuais interações e intervenções externas que possam afetar a rotina prisional tornaram-se ainda mais desencorajadas e/ou suprimidas.

Considerações Finais

O surgimento e consolidação das facções criminosas no Brasil, certamente, provocou transformações relativas às dinâmicas prisionais, mas também, para além destes espaços, com reflexos na segurança pública dos estados e em âmbito nacional (MANSO; DIAS, 2017). A criação do Sistema Penitenciário Federal se insere como uma proposta encampada pelo governo federal à época, que seria supostamente capaz de contribuir para desestruturar ou reduzir a influência de tais grupos nas dinâmicas criminais. Desse modo, ao tomar por referência um modelo de aprisionamento rigoroso tal como as supermax explora-se a ideia (e a prática) de que o monitoramento e segurança ostensivos seriam capazes de enfraquecer estes agrupamentos, incidindo na realidade prisional e criminal em nível local e nacional.

O atendimento às visitas com contato e íntima corresponderiam inicialmente à proposta de possibilitar que as populações custodiadas em tais espaços pudessem seguir usufruindo, ao menos, de um hábito e direito bastante representativo e difundido na cultura prisional brasileira. A alteração ocorrida a partir de 2017 veio a promover uma ruptura significativa, à medida, que a rotina extenuante e repetitiva da dinâmica prisional federal perderia um dos últimos elos e contatos com o mundo externo. Restando apenas o atendimento de advogados, a prestação religiosa e eventualmente educacional como ocasiões em que se interage pontualmente com pessoas que não sejam outros custodiados ou membros do corpo funcional do presídio federal.

A edição da Lei n° 13.964/2019 (Pacote Anticrime) além de ratificar a posição adotada pelo DEPEN desde 2017, trouxe consigo o fortalecimento da narrativa de que a excepcionalidade do Sistema Penitenciário Federal comportaria a necessidade de se suprimir pontos vulneráveis e neste caso, seriam as visitas. Desse modo, pode se notar que a defesa da segurança pública em sua abstração ou de forma mais detida, após a execução dos agentes federais e da especialista federal vieram a dar suporte para ações consideradas como mais efetivas no sentido de tornar os presídios federais alheios a desestabilizações. Ainda, que para isso, tais determinações tivessem caráter generalizante e de impacto expressivo e imediato aos custodiados e suas famílias.

Os efeitos e impactos da supressão das visitas com contato carecem de maior compreensão, no entanto, gostaríamos de chamar a atenção para dois pontos significativos. O primeiro, diz respeito a dimensão individual, relativa aos custodiados que estão efetivamente apartados do mundo externo, sem poder contar com interações afetivas e sociais, que são humanamente relevantes e conforme estudos sobre supermax já apontaram, são essenciais para evitar a deterioração mental de pessoas em situação de prisão em estabelecimentos com tais características (KUPERS, 2017; REITER, 2016). A outra perspectiva refere-se a própria narrativa de eficácia do Sistema Penitenciário Federal, uma vez, que se as relações das facções criminosas teriam se dinamizado a ponto de não ser preciso centralizar em um indivíduo a tomada de decisões relativas a tais agrupamentos, como justificar a custódia por longos anos de determinados indivíduos? E ainda, se estes indivíduos já teriam sido neutralizados pelos presídios federais, porque as facções criminosas tiveram pouca ou nenhuma afetação de suas atividades? Tais questões, certamente, estão longe de serem respondidas e não foram abordadas neste texto, contudo deixam indícios de que o fechamento do Sistema Penitenciário Federal às visitas e a sociedade brasileira não devem ser interpretados somente como a capacidade de fortalecer a defesa e segurança pública local e nacional. Mas que projetam uma radicalização nas formas de controle e por consequência, de punição, dirigida a determinados indivíduos, a partir, de novos modelos e arranjos de aprisionamentos no país.

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Relatórios

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Notícias

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  1. Considerando-se que a formação destes agrupamentos de criminosos tem na prisão sua origem e igualmente sendo a expressão corrente em diferentes contextos, me referirei a tais coletivos/agrupamentos como facções criminosas, recorrendo ao argumento de Paiva (2019).↩︎

  2. Por exemplo, escuta e sistema de vídeo que captam imagem e som. Em uma visita íntima, por exemplo, o monitoramento poderia ferir o direito à privacidade e intimidade das pessoas envolvidas na visita.↩︎

  3. A visita íntima e com contato não foi restringida aos presos que tivessem sido incluídos no Sistema Penitenciário Federal por conta de ser réu delator ou colaborador premiado. Contudo, este perfil é pouco frequente nos presídios federais.↩︎

  4. Segundo Dias (2013) “salves” seriam uma espécie de comunicação que é utilizada para a transmissão de decisões pelo PCC.↩︎

  5. Foram realizadas 10 (dez) entrevistas semiestruturadas com indivíduos que possuem trajetórias temporais e profissionais diversificados e que estavam ou estiveram envolvidos na execução desta política penitenciária. Em razão da pandemia decorrente do coronavírus (COVID-19), as entrevistas foram realizadas de modo remoto, por meio de plataformas digitais como Zoom e Teams. As conversas foram gravadas e posteriormente transcritas.↩︎

  6. Define o caput do art. 86 da LEP: “As penas privativas de liberdade aplicadas pela Justiça de uma Unidade Federativa podem ser executadas em outra unidade, em estabelecimento local ou da União”. A previsão do caput do art. 86 foi no sentido de prever o cumprimento de penas em estabelecimentos prisionais de gestão e responsabilidade dos estados da federação ou da União. A Edição da lei 10.793/2003 que promoveu importantes alterações no Código Penal e no Código de Processo Penal fez ajustes significativos para a formalidade e legalidade do Sistema Penitenciário Federal, tal como: o art. 86 com inclusão do parágrafo “§1º A União Federal poderá construir estabelecimento penal em local distante da condenação para recolher os condenados, quando a medida se justifique no interesse da segurança pública ou do próprio condenado”. Para uma discussão mais profunda dos repertórios legais e normativos relativos ao Sistema Penitenciário Federal, ver: Silva Júnior (2020).↩︎

  7. Alguns registros sobre essa visão do então Ministro da Justiça podem ser localizadas em materiais como: cpdoc.fgv.br último acesso 25/03/2022.↩︎

  8. A megarrebelião de 2001 em São Paulo fomentou uma série de mudanças que ocorreram no âmbito do sistema prisional do estado (que já passava por processos de expansão) e teve com efeito mais significativo a “criação” do Regime Disciplinar Diferenciado — RDD por meio de resolução n° 26 da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) em maio daquele ano. E que serviu de modelo posteriormente para a edição da Lei federal (n° 10.792/2003) que tornou legal o RDD sanção prisional em todo país (DIAS, 2013).↩︎

  9. Os trabalhos de Manso e Dias (2018); Dias (2013); Salla (2006) trazem esse registro.↩︎

  10. A morte do jornalista Tim Lopes, em 2002, foi um dos crimes que teve grande repercussão nacional. O jornalista desapareceu em 2 de junho de 2002, quando fazia uma reportagem sobre abuso de crianças e adolescentes e tráfico de drogas em um baile funk da Vila Cruzeiro, na Penha, Zona Norte carioca. Depoimentos de testemunhas e dos envolvidos no caso indicaram que Tim fora sequestrado, torturado, julgado e executado por traficantes, a mando de Elias Pereira da Silva, o “Elias Maluco”. Elias Maluco e outros acusados foram processados e condenados pela morte do jornalista, sendo que “Elias Maluco” foi transferido para uma unidade federal em 2007 e permaneceu custodiado no Sistema Penitenciário Federal, quando veio a óbito, por conta de um suicídio em setembro de 2020. Sobre o caso de Tim Lopes, ver: extra.globo.com, último acesso 16/04/2022.↩︎

  11. Nos parece razoável afirmar que 03 (três) anos é um tempo significativamente rápido para idealização, constituição e implementação de uma política pública penitenciária, ainda mais, diante da complexidade envolvida na execução da política do Sistema Penitenciário Federal. A despeito dessa impressão, alguns interlocutores pontuaram que para a “opinião pública” a percepção de três anos é totalmente distinta.↩︎

  12. Todas as correspondências são lidas pela administração prisional quando do envio, quanto do seu recebimento.↩︎

  13. Como é o caso das suspensões estabelecidas após rebeliões ou motins prisionais, ou ainda, partindo de um exemplo mais recente tal como as suspensões decorrentes da adoção das medidas sanitárias por conta do COVID 19.↩︎

  14. A exemplo das portarias: Portaria n°. 1.190, de 19 de junho de 2008; Portaria GAB DEPEN n°. 54, de 04 de fevereiro de 2016, Portaria GAB-DEPEN/DEPEN/MJSP n°. 22, de 01 de fevereiro de 2021.↩︎

  15. Interessante notar que alguns dos supostos efeitos decorrentes desse tipo de situação seria que o PCC estaria estabelecendo casas de apoio às famílias de pessoas presas em presídios federais e que pertenceriam à facção. www1.folha.uol.com.br último acesso 03/04/2022.↩︎

  16. Os relatórios dos workshops são disponibilizados no site do Conselho Federal de Justiça. www.cjf.jus.br último acesso: 23/04/2022.↩︎

  17. O nome das vítimas foi amplamente divulgado em notícias a respeito dos casos, por isso, optei por manter a identificação.↩︎

  18. Notícias que trazem relatos e descrições dos episódios que culminaram na morte dos agentes: noticias.uol.com.br, noticias.uol.com.br último acesso: 07/04/2022.↩︎

  19. Protestos de sindicatos dos agentes foram promovidos para contestar as visitas, inicialmente pela sua manutenção e após a proibição, por conta de decisões na justiça que reintegraram à visita. g1.globo.com último acesso 07/04/2022.↩︎

  20. Batizada com esse nome, a operação demonstrava por meio de um compilado de pequenos bilhetes as ordens direcionadas às atividades associadas a mercância de drogas e outras atividades ilícitas g1.globo.com último acesso 07/04/2022.↩︎

  21. A Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) foi proposta no STF pelo Instituto Anjos da Liberdade e pedia a declaração da inconstitucionalidade dos art. 1º e 2º da portaria, pela violação de dispositivos constitucionais, bem como, dos tratados internacionais.↩︎

Resumo:
O artigo discute as transformações das visitas com contato e íntimas no Sistema Penitenciário Federal. Os presídios federais foram criados em meados dos anos 2000 como parte de uma agenda de enfrentamento às facções criminosas. As visitas foram proibidas em 2017, sob a justificativa de estarem sendo utilizadas para a transmissão de mensagens e “salves”, especialmente, após operações policiais e episódios de violência fatal contra agentes federais de execução penal. Por meio de entrevistas com atores envolvidos na execução desta política penitenciária, somada a análise de normas e documentos produzidos pelo DEPEN, argumentamos como a mudança em relação às visitas contribuiu para que os presídios federais se tornassem mais rigorosos para sua população, além de se fechar ainda mais à intervenção social externa.

Palavras-chave:
Sistema Penitenciário Federal; visita íntima; visita; facções criminosas; presídios federais.

 

Abstract:
The article discusses the transformations of contact and intimate visits in the Federal Penitentiary System. Federal prisons were created in the mid-2000s as part of an agenda to combat criminal gangs. Visits were banned in 2017, on the grounds that they were being used for the transmission of messages and “salves”, especially after police operations and episodes of fatal violence against federal criminal enforcement agents. Through interviews with actors involved in the execution of this penitentiary policy, in addition to the analysis of norms and documents produced by DEPEN, we argue how the change in relation to visits has contributed to making federal prisons more rigorous for their population, in addition to closing even more to external social intervention.

Keywords:
Federal Penitenciary System; intimate visit; visit; criminal groups; federal prisons.

 

Recebido para publicação em 29/04/2022
Aceito em 11/10/2022

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