Revista de Ciências Sociais — Fortaleza, v. 53, n. 3, nov. 2022/fev. 2023
DOI: 10.36517/rcs.2022.3.d02
ISSN: 2318-4620
Facções, controles e gestão das
periferias:
mobilidades e direito à moradia em Fortaleza, Ceará, Brasil
Clodomir Cordeiro de Matos
Júnior
Universidade Federal do Maranhão, Brasil
clodomir.cordeiro@gmail.com
João Pedro de Santiago
Neto
Universidade Federal do Ceará, Brasil
joao_santiago_33@yahoo.com.br
Experiências de mobilidades, migrações e deslocamentos, em seus diferentes níveis de análise, têm chamado à atenção de estudiosos interessados em compreender as dinâmicas que envolvem a formação e ocupação das cidades no Brasil. Marcadas historicamente por processos de segregação e mais recentemente pelos impactos do desenvolvimento de uma economia predatória do tráfico (BOURGOIS, 2010), os bairros das periferias de Fortaleza, capital do estado nordestino do Ceará, emergem no debate público local permeados por representações que acionam recorrentes cenas de violações de direitos e violência.
Em meio às desigualdades de acesso à moradia e reminiscências de um passado marcado pela migração de áreas rurais para a capital do estado e outras regiões do Brasil, a questão da habitação nas periferias urbanas do Ceará, historicamente caracterizada por experiências de lutas e mobilizações (BARREIRA; BRAGA, 1991), apresenta situações que aguçam o olhar sociológico para a compreensão de suas dinâmicas recentes. Em um arranjo que tornou possível, especialmente na última década, uma atuação capilar de coletivos criminais nas periferias de Fortaleza, experiências relacionadas às mobilidades cotidianas e ao direito à moradia nesses espaços passam a ser envolvidas por desafios que se conectam as práticas de controle e estratégias de gestão acionadas pelas chamadas “facções”.
Frente a esse quadro que se articula em Fortaleza, o presente trabalho tem por objetivo explorar sociologicamente os dilemas enfrentados pelos moradores das periferias da cidade em suas experiências cotidianas de tessitura dos espaços urbanos (CERTEAU, 2007) e habitação a partir da penetração de coletivos criminais e sua atuação na gestão dos territórios periféricos da capital cearense. Buscando contemplar os objetivos do texto dividimos o trabalho em três momentos. Inicialmente, após a exposição dos procedimentos metodológicos da pesquisa, analisaremos o processo de metropolização de Fortaleza, buscando identificar algumas das condições de possibilidades (FOUCAULT, 2003) que tornaram viáveis a atuação de coletivos criminais ligados às atividades do tráfico de mercadorias ilegais na capital cearense. Em um segundo momento, analisaremos, a partir das narrativas dos sujeitos da pesquisa, os múltiplos impactos da atuação das facções nas dinâmicas cotidianas de mobilidade e nas questões que envolvem o direito à moradia em Fortaleza. Por fim, nossas considerações finais pretendem destacar os argumentos trabalhados ao longo do texto e alguns dos impasses a serem enfrentados no processo de construção de formas mais seguras de existir e habitar as periferias das cidades brasileiras.
Uma maneira instigante de compreender as questões que envolvem as metodologias de pesquisa consiste em considerá-las como os caminhos e os instrumentais próprios das abordagens da realidade (MINAYO, 2002). Nessa perspectiva, os procedimentos metodológicos ocupam um lugar de destaque na produção do conhecimento científico ao permearem as visões de mundo veiculadas nas teorias sociais. Seria em função da elaboração dos objetos e objetivos da pesquisa que os métodos de abordagem, as técnicas de produção dos dados e o tratamento manejado na análise social se impõem (BOURDIEU, 2005).
Partindo desse pressuposto e privilegiando um olhar qualitativo sobre nosso objeto trabalhamos na execução da pesquisa que deu origem ao presente texto, entre 2016 e 2019, com momentos interligados e complementares. A primeira etapa da pesquisa foi composta por uma pesquisa bibliográfica em livros, artigos, relatórios e instrumentos legais, e, uma investigação midiática, realizada através da consulta de jornais, revistas e páginas da internet. Em um segundo momento, realizamos uma pesquisa de campo em seis bairros da periferia de Fortaleza, capital do estado do Ceará, região Nordeste do Brasil. Buscando aproximar-se do cotidiano dos moradores desses espaços, entre 2016 e 2019, realizamos, individualmente ou em dupla, conversas informais, registros etnográficos e entrevistas semiestruturadas,1 privilegiando para a composição do presente trabalho dados sobre os impactos da atuação das facções criminais nas dinâmicas de mobilidade e habitação que ganham forma nas periferias urbanas da capital nordestina.2
Ao longo das últimas cinco décadas Fortaleza, capital do Ceará, passou por mudanças econômicas, demográficas, sociais e políticas que transformaram de maneira significativa os processos ligados às dinâmicas da criminalidade e acumulação social da violência na cidade (MISSE, 2006).
Recebendo historicamente migrantes dos ciclos das secas do Nordeste, que empurraram para as capitais nordestinas e outras regiões do país milhares de sertanejos em busca de sobrevivência e melhores condições de vida, a partir do início dos anos 1960 o processo incipiente de industrialização que se desenvolve em Fortaleza contribuiu para a intensificação da migração de trabalhadores, que nesse momento aspiravam ocupar os postos de trabalho recém-criados nesse ramo de atividades.3 Com um ritmo acelerado de crescimento entre 1970 e 20204 a capital cearense mais do que triplicou sua população, transformando-se em uma metrópole com cerca de 2.685.000 habitantes. Em meio a um crescimento acelerado e desordenado as periferias da cidade desenvolveram-se de maneira desigual, abrigando um contingente populacional que afluiu para a capital, entre migrantes e trabalhadores, e deu forma a muitos bairros populares e comunidades periféricas de Fortaleza, ocupadas de maneira intensiva desde pelo menos os anos 1950 (DIÓGENES, 1989).5
Em 1973, Fortaleza e seu entorno, através da Lei Complementar Federal nº 14 de 08 de junho, foram classificados como uma das nove regiões metropolitanas do país (COSTA; AMORA, 2015), apresentando atualmente uma população estimada de 4.137.561 habitantes. A Região Metropolitana de Fortaleza (RMF) passa a ser composta, desde 2014,6 por dezenove municípios, permitindo a rede urbana da capital, segundo a pesquisa Regiões de Influência das Cidades (REGIC/IBGE) de 2007, exercer significativa influência econômica e social sobre os estados do Piauí, Maranhão e Rio Grande do Norte.
Essa área de influência que a metrópole cearense alcançou nas últimas décadas estaria associada, como apontam alguns pesquisadores, a uma mudança no perfil econômico e administrativo do Estado e seus gestores. Conectando fenômenos associados à reestruturação do capital às dinâmicas históricas, econômicas, políticas e sociais locais, Costa e Amora (2015) consideram que a compreensão do processo de metropolização de Fortaleza nas últimas décadas envolve a análise de pelo menos três fases ou períodos que permeiam a produção do espaço urbano cearense.
O primeiro deles se estenderia do início da colonização aos anos 1960 e teria sido caracterizado pelo predomínio da economia agrário-exportadora, tal como a do algodão, e por um incipiente planejamento urbano estadual e regional (COSTA; AMORA, 2015, p. 37).7 Um segundo período se estende de 1960 a meados da década de 1980 e foi marcado pela criação e atuação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), criada em 1959, pelo incentivo à instalação de indústrias no Ceará8 e por uma maior articulação da economia local ao mercado nacional (COSTA; AMORA, 2015; BARREIRA; BRAGA, 1991; LEMENHE, 1991). O terceiro período descrito pelas autoras se inicia na segunda metade dos anos 1980 e estaria associado a um reposicionamento do Ceará no arranjo da reestruturação produtiva mundial e nacional (COSTA; AMORA, 2015). A extinção da SUDENE, uma concorrência entre os estados brasileiros pela atração de investimentos, uma nova racionalidade política e econômica dos gestores locais e a produção da imagem do Ceará como um destino turístico nos anos 1980 criaram as condições de possibilidades que conduziram sua capital rumo um novo momento de sua história.9
Conectada nacional e internacionalmente por meio de rodovias, portos e aeroportos, as redes e fluxos de circulação de mercadorias e pessoas, legais e ilegais, passam a se intensificar em Fortaleza por meio da construção de infraestruturas de mobilidade e uma série de equipamentos que convergem para a capital cearense.10 Referência nacional na produção agrícola, prestação de serviços turísticos e polo industrial regional, Fortaleza desenvolve-se de maneira desigual e contraditória, estimulando a expansão das comunidades periféricas e bairros populares que marcam a cena de uma das principais metrópoles do nordeste brasileiro.
Associada a processos econômicos, políticos e sociais de maior alcance, a atuação de coletivos criminais em Fortaleza nas duas últimas décadas tem alterado sensivelmente a figuração local do crime nas periferias da cidade, especialmente a partir da oferta de novas mercadorias, como a cocaína e o crack, e da reprodução de uma gestão violenta dos territórios mais vulneráveis da capital cearense.
Abastecidas historicamente pela cannabis proveniente do Polígono da Maconha,11 região responsável pela oferta de cerca de 40% da droga consumida no país entre os anos 1980 e 1990 (FRAGA, 2015), as “bocadas” do tráfico varejista das periferias de Fortaleza foram marcadas, até o início dos anos 2000, pelo comércio da maconha do tipo “solto”. Nesse período, como apontam nossos interlocutores, os lucros da venda dessas mercadorias que fluíam dessa rota regional do tráfico de drogas não permitiram o acúmulo de grandes capitais econômicos e políticos.
Mudanças profundas ocorreram entre o final do século passado e início dos anos 2000 a partir de um processo de diversificação das mercadorias que conformavam o mercado varejista de drogas ilegais nas periferias de Fortaleza. A oferta de cocaína, crack e a cannabis “prensada”12 estimularam, em alguns lugares de maneira mais rápida e outros de forma mais gradual, mudanças no perfil econômico, político e social dos varejistas locais, marcando uma nova etapa da lógica de ação dos coletivos criminais, que desde pelo menos a década de 1980 atuavam no estado.
Essas mudanças atenderam, por um lado, as expectativas dos ganhos econômicos dos atacadistas da droga, conectados as rotas internacionais do tráfico de drogas ilegais (THOUMI, 2014; BOURGOIS, 2010), e as demandas de ganhos imediatos dos varejistas locais, estimulando a tessitura de uma nova cartografia das drogas nas periferias de Fortaleza no início dos anos 2000. Atuando na capital cearense desde nos anos 1980 por meio de ações de “grande envergadura” para a época, tais como sequestros e assaltos a empresas de transporte de valores, no início do século os coletivos criminais passam a intensificar suas atividades ligadas ao tráfico de drogas nas periferias de Fortaleza, estimulando as condições materiais e subjetivas que permitiram a alteração gradual da cena criminal local. Nessa perspectiva, a conformação de uma nova cartografia local das drogas aponta não apenas para a centralidade dessas atividades na reprodução de grupos criminais na região, mas também para mudanças em suas formas de atuação e, de maneira especial para os fins do nosso trabalho, para um processo de capilaridade desses coletivos nos bairros mais vulneráveis da cidade a partir de 2013.
Uma década após as transformações do mercado varejista local e o engajamento dos jovens moradores das periferias da cidade nesse arriscado e lucrativo comércio, em meados de 2013, os coletivos criminais passaram a atuar de uma maneira sensivelmente capilarizada nos bairros da capital, estimulando mudanças significativas nas dinâmicas das mobilidades cotidianas e das experiências habitacionais em Fortaleza.
Os processos de territorialização13 que acompanharam a penetração dos coletivos criminais nos bairros das periferias de Fortaleza estimularam uma série de transformações nas maneiras de “fazer o crime” nesses espaços (PAIVA, 2019), exigindo de seus sujeitos diferentes formas de engajamento e impondo às populações locais novas regras para suas mobilidades cotidianas e experiências habitacionais.14 Se por um lado, limites e regramentos são amplamente anunciados em torno da circulação de pessoas pelas ruas e espaços dos bairros das periferias de Fortaleza, por outro, expulsões e deslocamentos são promovidos em uma lógica de atuação capilar e violenta15 que busca monopolizar, pelo menos de maneira transitória, as atividades ligadas ao lucrativo mercado de drogas ilegais nas franjas da capital cearense.
Explorando os múltiplos impactos dessa nova gestão do crime e da vida nas periferias de Fortaleza, narrativas sobre mudanças nas dinâmicas de trabalho, relações familiares, frequência escolar e acesso às instituições de assistência à saúde apontam para a complexidade das questões que envolvem a penetração e o enfrentamento dos coletivos criminais na capital cearense.16
A intensificação de estratégias de controle sobre a circulação de pessoas nos bairros onde realizamos as pesquisas, algo que funcionava de maneira difusa e segmentada no interior desses espaços, anunciavam-se nos muros da cidade, conversas cotidianas e bilhetes anônimos, alimentando medos relativos à atuação do “crime” e fornecendo lições sobre uma pedagogia circunstancial que envolve um minucioso esquadrinhamento dos territórios da capital.
Morador de um bairro dominado pela Guardiões do Estado (GDE),17 facção de origem cearense, Marcelo,18 um de nossos interlocutores, certo dia foi surpreendido em seu trajeto para o trabalho, localizado em um bairro dominado pelo Comando Vermelho (CV),19 por dois jovens que afirmaram saber que ele residia em um território dominado por um grupo rival. Indicando veementemente sua não vinculação a qualquer um dos coletivos que atuam na cidade, o jovem trabalhador teve seu celular momentaneamente apreendido para a verificação de possíveis indícios capazes de atestar sua relação com alguma facção rival, sendo em seguida aconselhado a procurar serviço nas “suas áreas” ou mudar seu local de residência.
Frente a essas “recomendações”, Marcelo convenceu-se dos riscos reais e iminentes que os “avisos” que recebera em seu trajeto rumo ao trabalho anunciavam. Após reuniões com seus familiares e empregadores, o jovem trabalhador conseguiu ser realocado para uma filial da empresa localizada em outro bairro, cujos territórios eram dominados por grupos aliados, mesmo que transitoriamente, à facção que atuava próximo a sua residência.
Os tensionamentos que envolvem as mobilidades cotidianas nos espaços periféricos da cidade também ganham destaque e profundida nas narrativas de Mazé, sobretudo quando se refere à tessitura de suas relações familiares. Após ser contemplada com um apartamento em um conjunto habitacional recém-construído em um bairro da periferia de Fortaleza, a jovem empregada doméstica afirmou ter interrompido a rotina de visitas de seus filhos à casa de seu ex-marido, morador de um bairro onde atuavam sujeitos ligados ao coletivo carioca do Comando Vermelho (CV).
Moradora de uma área controlada pela Guardiões do Estado (GDE), Mazé foi “aconselhada” a deixar de frequentar o lugar de sua antiga moradia, onde ainda residem alguns de seus familiares e o pai dos seus filhos. Com recorrentes dificuldades para promover o encontro familiar no bairro de sua residência, a estratégia acionada por nossa interlocutora foi marcar esses momentos em lugares considerados menos perigosos por ela e seu círculo familiar, tais como shoppings centers ou áreas de grande fluxo comercial espalhadas pela cidade.
Em uma complexa pedagogia que envolve os conhecimentos sobre os domínios territoriais dos coletivos criminais que atuam em Fortaleza, domínios que mudam circunstancialmente a partir de dinâmicas instáveis de conflitos e alianças, espaços afetivos da cidade que antes eram frequentados de maneira intensa e sem grandes preocupações passam a ser representados sob outra ótica, alimentando distâncias familiares e medos socialmente construídos.
Afastado da escola há mais de cinco meses, Douglas, jovem estudante de quinze anos de um bairro da periferia de Fortaleza, recorda como se tornou tenso e perigoso para ele e seu vizinho frequentarem a escola, localizada em um bairro vizinho ao que moravam. Para Douglas, no momento em que “fatiaram a cidade”, esses coletivos “não levaram em conta as pessoas que não tinham nada com eles”, deixando muitas escolas da cidade em “zonas proibidas”. O esquadrinhamento dos territórios da capital cearense pelas facções posicionou seu bairro em um território sob o domínio da GDE, enquanto sua escola ficou nas “áreas do CV”, levando o garoto a receber constantes ameaças, a princípio ignoradas, pois, segundo o mesmo, “não estava envolvido” nas disputas e não lhe cabiam preocupações a respeito desses conflitos.
Em meio as ameaças de parte dos alunos da escola que o acusavam de integrar a facção que atua em seu bairro, Douglas foi agredido com pedradas quando percorria distraído seu trajeto diário rumo à escola. O fato levou o pai do garoto no dia seguinte à diretoria da escola, momento em que recebeu a orientação, como medida de promoção à segurança do estudante, para conduzir diariamente de carro seu filho à instituição escolar. Algumas semanas depois, após o assassinato de um grupo de garotos próximo à sua casa e o acirramento dos conflitos entre facções em seu bairro, Douglas deixou de frequentar a escola, interrompendo, como vários de seus colegas, seus estudos em 2018.
Para Neide, as limitações relativas à sua circulação pelos territórios periféricos da cidade interferiram de maneira decisiva na continuidade do tratamento de saúde de seu filho mais velho no Centro de Atendimento Psicossocial (CAPS) próximo à sua casa. Quando os coletivos que atuam na área onde se localiza o CAPS “deram a voz” de que não tolerariam mais a presença de pessoas do “outro lado” do bairro, Neide e seu filho foram alertados, na entrada do equipamento, sobre o perigo de desafiar as ordens dos grupos localmente enraizados. Após mais uma visita e fervorosos “avisos”, diretos e indiretos, nossa interlocutora interrompeu o tratamento que realizava há cerca de dois anos na instituição, gerando inúmeras preocupações quanto à sanidade mental do garoto e suas experiências a partir daquele momento.
Coagidos e impossibilitados de circular livremente pelos territórios das periferias de Fortaleza, os moradores dos bairros periféricos da capital enfrentam, além das múltiplas condições de vulnerabilidade que historicamente os afligem, lógicas violentas e mortais de controle que afetam sensivelmente suas experiências trabalhistas, familiares, escolares,20 sanitárias e de lazer. Vejamos a partir de agora como a atuação desses grupos nas periferias da cidade associam-se a problemas que ganham destaque quando a questão do acesso à moradia entra na agenda pública dos debates e discussões.
Os conflitos pelo monopólio da venda de cocaína, crack e cannabis nos bairros das periferias de Fortaleza, permeados por jogos de alianças e cooperações instáveis, estimularam a reprodução de uma série de estratégias de controle na gestão dos territórios do tráfico da cidade, atingindo de maneira sensível as experiências relacionadas à moradia nesses espaços. Em torno do complexo jogo que envolve a consolidação, mesmo que de forma momentânea, dos domínios territoriais nas periferias da capital cearense, agressões, humilhações, torturas, assassinatos e expulsões passam a fazer parte do repertório dos dispositivos de controle acionados na gestão dos espaços urbanos periféricos e seus sujeitos. Esquadrinhando a cidade e seus espaços, os coletivos criminais tensionaram os residentes dos bairros das periferias de Fortaleza não apenas a reajustarem suas interações e mobilidades cotidianas, pois através de ameaças e assassinatos esses sujeitos foram forçados, de maneira recorrentemente preocupante, a abandonar seus lares e comunidades.21
Expulsões e deslocamentos passam a marcar a trajetória da atuação de coletivos criminais em Fortaleza e outras cidades do estado, transformando as experiências que envolvem o acesso aos conjuntos habitacionais construídos na última década na capital, especialmente através do Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV),22 e dando forma a um dos principais problemas que permeiam o direito à moradia na metrópole nordestina. O acirramento das disputas entre as facções que atuam em Fortaleza, de maneira incisiva a partir de 2018,23 promoveram uma série de expulsões nas periferias da cidade, levando famílias, supostos membros de grupos rivais, desafetos pessoais e/ou réus dos “debates do crime” (FELTRAN, 2010) a se deslocarem pelas franjas da capital.
Em janeiro de 2018 as recorrentes expulsões que ocorriam na cidade ganharam repercussão pública quando moradores do bairro Barroso e do conjunto habitacional Maria Tomásia tiveram que sair às pressas de suas residências. Em um contexto de acirramento dos conflitos pelo domínio territorial desses espaços, famílias contempladas com casas e apartamentos por programas habitacionais foram desalojadas por meio de avisos nos muros de suas residências e/ou através da ação direta dos sujeitos associados localmente aos coletivos criminais.24 O clima de insegurança gerado por essas ameaças fez com que vários moradores contemplados com unidades residenciais de programas voltados para a assistência à moradia saíssem às pressas de suas casas, deixando para trás pertences, documentos e “um sonho” alcançado à duras pena.25
Movido pelos sonhos do matrimônio e conquista da casa própria, Gleison, um dos nossos jovens interlocutores, após anos na lista de espera do “Minha Casa Minha Vida” foi contemplado com um apartamento em um conjunto habitacional recém-construído na periferia de Fortaleza. Durante as visitas que realizou à sua cunhada, uma das primeiras pessoas a se mudar para o “conjunto”, o jovem experimentou momentos de tensão nas ruas e prédios de sua futura residência, destacando o mal-estar que sentiu ao encontrar, por várias vezes, sujeitos armados nos espaços de ampla circulação dos apartamentos.
Impressionado com o controle ostensivo exercido pelas facções sobre aqueles que entram e saem do conjunto habitacional, Gleison, mesmo não sendo “envolvido” com o crime, decidiu desistir da unidade domiciliar e adiar o tão almejado “sonho da casa própria”, elemento recorrente dos nossos projetos de vida (VELHO, 2003).
Não quero isso para mim! Viver em um lugar tenso, onde o pessoal anda com medo de tiroteio! A gente quer receber um parente e é aquela complicação pra avisar que tem gente chegando. Um dia desses o pai da minha noiva chegou de carro na casa da minha cunhada, os caras assustados apontaram a arma e mandaram o velho pro chão! Não quis não morar lá, não! Os cara até se metem em assunto de família! Quero é viver sossegado! [...]. Trecho de entrevista com Gleison, realizada em 13/06/2019.
A decisão, tomada por Gleison, de não receber as chaves do apartamento e continuar na lista de espera para uma unidade habitacional em outro lugar da cidade, ganha eco nas narrativas de outros interlocutores da pesquisa, sendo intercalada pelas experiências daqueles que após realizar o “sonho da casa própria” foram expulsos de seus lares pelas facções.
Aparecida, uma jovem de 21 anos que trabalha como manicure em um pequeno salão de beleza, recorda que estava feliz e empolgada quando recebeu, juntamente com seu marido e filha, uma casa em um bairro da periferia de Fortaleza que não conhecia. Após três meses de ajustes ao cotidiano do lugar e a compra de sua mobília em prolongadas prestações, Aparecida foi surpreendida na porta de sua casa por um grupo de jovens armados que avisaram que havia sido “decretado”26 que ela deveria ir embora do bairro com sua família em dois dias. Diante da intimação nossa interlocutora recorda que buscou dialogar com os jovens que a interpelaram para que pudesse retirar seus pertences, sendo advertida para que “se contentasse com sua vida”, pois seus bens materiais já tinham “um novo dono”. Segundo seu relato, a moradia havia sido escolhida para dar abrigo aos familiares de um membro da facção local que precisavam ser acolhidos de maneira imediata naquele espaço.
A recorrência desses deslocamentos forçados nos bairros da periferia de Fortaleza estimularam o registro de inúmeras ocorrências junto as forças policiais locais, que muitas vezes precisaram escoltar as famílias envolvidas nessas situações para áreas da cidade consideradas seguras, e a publicação de uma portaria pela Caixa Econômica Federal (CEF),27 que deu aos beneficiários do Programa Minha casa Minha Vida (PMCMV) expulsos a garantia de sua realocação para lugares onde possam exercer seu pleno direito à moradia.28 Conectadas aos jogos de poder que envolvem a atuação capilar das facções nas periferias de Fortaleza, as questões que envolvem o direito a habitação nas franjas das cidades brasileiras podem ser observadas a partir da mediação dos múltiplos sujeitos, institucionais ou não, acionados na luta pelo acesso à moradia nos territórios vulneráveis das metrópoles brasileiras.
Para nossos interlocutores as dinâmicas de expulsões que ganharam intensidade na capital cearense nos últimos cinco anos estimularam a tessitura de novos olhares, por um lado, sobre os impactos do “envolvimento” dos jovens com o crime para seus grupamentos familiares, e, por outro, sobre as características dos laços de solidariedade tecidos no seio das facções criminais.
Diferente de momentos anteriores da histórica local, onde expulsões eram impostas apenas àqueles diretamente envolvidos em atividades ilegais, o arranjo criminal que ganha forma nas periferias de Fortaleza passa a exigir que os familiares desses sujeitos também se desloquem. Em um clima de acirradas disputas e insegurança generalizada nos territórios da cidade as facções passaram a não tolerar a presença dos familiares de quem “veste a camisa” de um grupo rival, “decretando” a expulsão de inúmeras famílias na capital cearense. “Espirrando todo mundo das áreas”,29 as facções consideravam gerir seus conflitos sem a necessidade do uso imediato da força, “dando oportunidade” para os moradores dos “conjuntos”, ao invés de sofrerem severas punições ou serem assassinados, se deslocarem rumo outros espaços da cidade.
Diante desses deslocamentos forçados, sujeitos ligados a facções criminais de outras “áreas” da cidade encontraram apoio e acolhimento nos territórios dos “irmãos”, revelando as teias de interdependências que garantem a sustentação e reprodução desses coletivos nas franjas da capital cearense. Expulsos de Pontamar quando a Guardiões do Estado (GDE) tornou aquele um dos seus principais locais de atuação na cidade, integrantes locais do Comando Vermelho (CV) encontraram abrigo e segurança no Conjunto Getúlio Vargas, permitindo a identificação dos laços de solidariedade que alimentam as reciprocidades envolvidas nas experiências de engajamento nesses coletivos.
Se em períodos anteriores a capilaridade das facções nas periferias de Fortaleza os “envolvidos” tinham que fugir ou evitar possíveis retaliações por meio de recursos próprios ou através do apoio material de familiares, no novo arranjo criminal que se espraia na capital cearense acolhimentos de “irmãos” e recolocações habitacionais passam a fazer parte das dinâmicas de gestão dos conflitos e territórios da cidade. Em meio a demonstrações de solidariedade e o fortalecimento das “tropas” que dominam a paisagem do crime nas periferias, jovens vindos de “outras áreas” e sem vínculos anteriores com seus espaços, moradores ou vida comunitária passam a povoar os bairros de Fortaleza, ocupando, muitas vezes, as residências abandonadas por membros de grupos rivais e suas famílias.
Como exposto ao longo desse tópico do texto, as experiências de mobilidade e habitação nos bairros das periferias de Fortaleza foram sensivelmente tensionados ao longo dos últimos dez anos, passando a exigir de nossos interlocutores significativos ajustamentos em suas condutas ao mesmo tempo em que destaca a complexidade da compreensão do direito à moradia na região nordeste do país.
Diante das conexões que se estabelecem entre a emergência de uma nova lógica de atuação dos coletivos criminais nas periferias de Fortaleza, Ceará, na última década e as sensíveis transformações nas formas de gestão local desses territórios e seus sujeitos, apresentamos ao longo do texto questões que apontam para a urgência de pensar os caminhos capazes de viabilizar o acesso aos direitos sociais em uma democracia política tão desigual e segregacionista quanto a brasileira (CALDEIRA, 2000).
Aos processos de segregação espacial que historicamente marcaram o desenvolvimento das periferias de Fortaleza e a construção de conjuntos habitacionais nas franjas da cidade somam-se, mais recentemente, os problemas relacionados à atuação capilarizada de coletivos criminais que dão forma a estratégias de controle e gestão que incidem de maneira decisiva sobre as dinâmicas de apropriação e habitação do espaço urbano periférico.
Os dados da pesquisa nos permitem observar que na última década os jovens das periferias de Fortaleza, como os de outras capitais das regiões Nordeste e Norte do Brasil, foram massivamente recrutados por redes criminais, promovendo um enraizamento local desses grupos, a reprodução de atividades ligadas ao tráfico de drogas ilegais e novas formas de gestão territorial (FELTRAN, 2010; BIONDI, 2020). “Avisos”, intimidações, ameaças, violências, torturas, assassinatos e expulsões permeiam não apenas os conflitos entre as facções, mas também as formas de gestão dos territórios periféricos e seus sujeitos acionadas localmente por esses coletivos, tensionando os “envolvidos” com o crime, seus familiares e moradores que não possuem meios políticos, sociais ou econômicos para contornar os “decretos” do crime.
Tal processo, como apontam nossos interlocutores, demonstra não apenas a incapacidade do Estado em garantir as prerrogativas legais dos direitos previstos em nossa Carta Magna, mas também as transformações recentes dos arranjos criminais locais que ao longo do território brasileiro se apresentam como desafios sensíveis para a tessitura de nossas mobilidades cotidianas e acesso à moradia nas periferias do país.
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Realizamos durante a pesquisa 48 entrevistas semiestruturadas. Foram entrevistados ao todo 32 homens, entre 16 e 28 anos, e 16 mulheres, com idades entre 18 e 32 anos.↩︎
Durante o desenvolvimento do trabalho três bairros eram comandados por sujeitos ligados ao coletivo fluminense do Comando Vermelho (CV) e outros três à facção cearense Guardiões do Estado (GDE), momentaneamente vinculada ao coletivo paulista do Primeiro Comando da Capital (PCC).↩︎
A evolução da população de Fortaleza nas últimas seis décadas apresenta as seguintes cifras, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): 1) 1960 — 514.818; 2) 1970 — 872.702; 3) 1980 — 1.338.793; 4) 1991 — 1.765.794; 5) 2000 — 2.138.234; 6) 2010 — 2.452.185; 7) 2020 — 2.686.612. Os dados para o ano de 2020 se referem à estimativa do IBGE para 01 de julho de 2020.↩︎
No mesmo período (1970-2020) o Brasil apresentou, segundo dados do IBGE, os seguintes contingentes populacionais: 1) 1970 — 94.508.583; 2) 1980 — 121.150.573; 3) 1991 — 146.917.459; 4) 2000 — 169.590.693; 5) 2010 — 190.755.799; e, 6) 2020: 210.147.125.↩︎
Segundo Pequeno et al. (2021) um primeiro levantamento sobre favelas em Fortaleza foi realizado ainda em 1962, apontando a presença de 11 dessas áreas no Plano Diretor da Cidade de Fortaleza, elaborado naquele ano.↩︎
A delimitação da Região Metropolitana de Fortaleza foi alterada pela última vez em 2014, pela Lei Complementar nº 144 de 04 de setembro. Ela é composta, além de Fortaleza, pelos municípios de Aquiraz, Cascavel, Caucaia, Chorozinho, Eusébio, Guaiuba, Horizonte, Itaitinga, Maracanaú, Maranguape, Pacajus, Pacatuba, Paracuru, Paraipaba, Pindoretama, São Gonçalo do Amarante, São Luís do Curu e Trairi.↩︎
Somente no século XIX, já província separada de Pernambuco (1799), o Ceará passa a exportar algodão, produto de intensa demanda na Europa em processo de industrialização. Fortaleza, até então, não desempenhava papel econômico significativo no tecido nacional, pois ficava isolada dos caminhos do gado, restringindo-se às funções administrativas e de defesa. (COSTA; AMORA, 2015, p. 38).↩︎
De acordo com Costa e Amora (2015), nesse momento “amplia-se o parque industrial, com a modernização dos ramos tradicionais (têxtil e alimentício) e com a instalação de novos gêneros industriais: metalurgia, confecção, produtos de embalagens, dentre outros”. (COSTA; AMORA, 2015, p. 42).↩︎
Fortaleza afirma-se como destino dos grandes eventos nacionais e internacionais com a construção do Centro Dragão do Mar em 1999 e a realização da Copa do Mundo de futebol na cidade em 2014.↩︎
Nesse momento destacam-se a abertura, duplicação e ampliação de rodovias (CE-040, CE-060, CE-085, BR-116, BR-222, BR-020) (COSTA; AMORA, 2015), a internacionalização do Aeroporto Pinto Martins e a construção do Complexo Portuário do Pecém em 2002 no município de São Gonçalo do Amarante (RMF).↩︎
A região do “Polígono da Maconha” engloba cidades localizadas nas divisas dos estados de Alagoas, Bahia, Pernambuco e Sergipe (FRAGA, 2006).↩︎
A cannabis de tipo “prensada” passou a ser chamada nas periferias de Fortaleza de “maconha paraguaia” em alusão ao seu suposto país de produção.↩︎
A história de Fortaleza e o imaginário de seus habitantes são atravessados por experiências de territorialização de grupos juvenis nos bairros da cidade, tais como as turmas de pichadores dos anos 1980, as gangues de bairros da década de 1990 e as torcidas organizadas da década seguinte. Como aponta Diógenes (1998), Fortaleza nos anos 1990 era “[...] um espaço mapeado por zonas de atuação de gangues e galeras. [...] Observa-se que a noção de territorialidade, de delimitação precisa de uma área mobiliza-se, entre os integrantes das gangues, a partir de uma dimensão simbólica, no que diz respeito à premissa: ‘aqui não entra o inimigo’”. (DIÓGENES, 1998, p. 206).↩︎
Veloso e Santiago (2017) destacam que: “Se por um lado, a possibilidade de haver assaltos em determinada região reflete uma questão de segurança pública, por outro, entender a segurança por essa chave é simplificar demais a complexidade da questão que impacta, por exemplo, na própria mobilidade dos moradores, comprometendo não somente a qualidade do acesso à cidade, mas também, uma série de direitos que lhes deveriam ser garantidos”. (VELOSO; SANTIAGO, 2017, p. 29)↩︎
Segundo dados do Atlas da Violência (2016), o Ceará ocupou a segunda posição entre os estados mais violentos do Brasil no ano de 2014, quando foram registradas 52,2 mortes por grupo de 100 mil habitantes em terras cearenses. Em 10 anos, de 2004 a 2014, houve um crescimento de 166,5% na taxa dos números de homicídios registrados no Ceará. Em 2016 Fortaleza ocupou a primeira posição no ranking das cidades mais violentas do Brasil.↩︎
Ao longo de suas pesquisas nos morros e comunidades cariocas a antropóloga Alba Zaluar, especialmente em “A máquina e a Revolta: as organizações populares e o significado da pobreza” (1985) e “Condomínio do Diabo” (1994), explorou de maneira sensível os processos associados à gestão do tráfico varejista de drogas nesses espaços, destacando a insegurança e o medo como efeitos perversos dos conflitos entre grupos armados e ações policiais que permeiam as franjas da cidade.↩︎
A Guardiões do Estado (GDE) é uma facção formada no estado do Ceará durante o início da década passada em resposta a penetração de coletivos criminais oriundos da região Sudeste e Norte do país.↩︎
Com o objetivo de preservar a integridade física dos nossos interlocutores seus nomes, assim como os dos bairros de Fortaleza onde a pesquisa foi realizada, foram alterados.↩︎
O Comando Vermelho (CV) é uma das maiores organizações criminais do Brasil, tendo sido criada no final dos anos 1970 nas dependências do Instituto Penal Cândido Mendes, na Ilha Grande, Rio de Janeiro.↩︎
“Fortaleza sitiada: Guerra entre facões nas periferias da capital cearense expulsa moradores de casa, provoca a mudança de crianças da escola e faz o número de homicídios explodir”. Ver em: brasil.elpais.com. Acesso em: 22/10/2020.↩︎
Para Silva e Mariano (2020), em sua análise sobre um conjunto habitacional da RMF, “As disputas entre organizações criminosas geram um”faccionamento” dos territórios, estabelecendo fronteiras invisíveis e instáveis, onde moradores, [...] são expulsos de suas residências e proibidos de retornar, por ordem de organizações criminosas” (SILVA; MARIANO, 2020, p. 1567).↩︎
O “Programa Minha Casa, Minha Vida” (PMCMV) é, segundo o Ministério do Desenvolvimento Regional, uma política habitacional lançada em 2009 pelo Governo Federal que foi criada com o objetivo de promover acesso à moradia em áreas rurais e urbanas das diversas regiões do Brasil. Entre os anos de 2009 e 2020, o programa contemplou, através do financiamento da Caixa Econômica Federal (CEF), mais de 15 milhões de brasileiros que conseguiram adquirir a casa própria. Até 2020 foram entregues 5.145.248 casas. Ver em: sishab.mdr.gov.br. Acesso em: 20/06/2021.↩︎
Em reportagem do dia 06/08/2018, o jornal “O Povo” destaca que 131 famílias registraram, através da Secretaria de Segurança e Defesa Social, Boletim de Ocorrência denunciando intimidações para deixarem suas casas. Ver em: www.opovo.com.br. Acesso em: 20/05/2020.↩︎
Em janeiro de 2018 moradores de um bairro da periferia de Fortaleza amanheceram com as seguintes frases pichadas nos muros de suas casas: “É pra sair fora hoje se não vai morrer. Nóis vai toca fogo em tudo (sic)”. O recado supostamente partiu da facção Guardiões do Estado (GDE) e fez com que vários moradores abandonassem suas residências na capital cearense. Ver: brasil.elpais.com. Acesso em: 20/06/2021↩︎
Reportagem do dia 28/06/2019 do “G1” estampa a seguinte manchete: “Sargento da PM sai de casa escoltado após ser expulso por facção criminosa na Grande Fortaleza”. Ver em: g1.globo.com. Acesso em: 20/06/2021.↩︎
Termo local para referir-se aos resultados da arbitragem dos conflitos realizados pelos membros das facções que atuam na cidade. Nesse caso, o “decreto” se refere a decisão de expulsar a moradora do conjunto habitacional em que residia.↩︎
Ver portaria do Ministério das Cidades 488/2017 de 18 de julho de 2017.↩︎
Em reportagem do jornal Ceará Agora, do dia 20/08/2018, encontramos a notícia: “Ceará acumula ‘refugiados urbanos’ com moradores expulsos de casas por facções criminosas”. Ver em: www.cearaagora.com.br. Acesso em: 20/03/2021.↩︎
O termo nativo “espirrar das áreas” é utilizado para se referir ao processo de expulsão compulsória promovido pelos coletivos criminais que atuam nas periferias de Fortaleza, Ceará.↩︎
Resumo:
O artigo tem por objetivo apresentar os
resultados de uma investigação, realizada entre os anos de 2016 e 2019,
sobre a penetração de coletivos criminais nos bairros das periferias de
Fortaleza, Ceará, e sua atuação na gestão dos conflitos e territórios da
capital cearense. Explorando o arranjo criminal que ganha forma nas
franjas da cidade a partir de uma pesquisa de campo que envolveu
conversas informais, registros etnográficos e entrevistas
semiestruturadas, destacamos como resultados da pesquisa as mudanças
recentes nas formas de gestão dos territórios e sujeitos das periferias
fortalezenses e seus impactos sobre a tessitura das mobilidades
cotidianas e o direito à moradia nesses espaços.
Palavras-chave:
Facções; controle; periferias;
Fortaleza; Ceará.
Abstract:
The article aims to present the results
of an investigation, carried out between 2016 and 2019, on the
penetration of criminal groups in the peripheries of Fortaleza, Ceará,
and their acting in the management of conflicts and territories in the
capital of Ceará. Exploring the criminal arrangement that takes shape on
the fringes of the city from a field research that involved informal
conversations, ethnographic records and semi-structured interviews, we
highlight as results of the research the recent changes in the forms of
management of territories and subjects of the peripheries of Fortaleza
and their impacts on the composition of daily mobility and the right to
housing in these spaces.
Keywords:
Factions; control; peripheries;
Fortaleza; Ceará.
Recebido para publicação em 15/06/2022
Aceito em 11/10/2022
ACESSO ABERTO
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