A análise do discurso como estratégia de pesquisa no campo da Administração: Uma visão global
Discourse analysis as a research strategy in the field of Administration: An overview
El análisis del discurso como estrategia de investigación en el campo de la Administración: Una visión general
A análise do discurso como estratégia de pesquisa no campo da Administração: Uma visão global
Contextus – Revista Contemporânea de Economia e Gestão, vol. 21, núm. 2, Esp., e88619, 2023
Universidade Federal do Ceará
Publicación: 01 Noviembre 2023
Resumo: Este ensaio constitui uma reflexão sobre a Análise do Discurso (AD), que vem ocupando um espaço cada vez mais significativo nos estudos organizacionais em geral e na administração em particular. Ele inicia-se com a apresentação de suas correntes principais, uma divisão metodológica que delimita orientações distintas tanto no campo teórico quanto no prático. Toma-se como ponto de partida no embasamento teórico as contribuições de Saussure. Posteriormente, as teorias de atos de fala, ou pragmáticas, assim como as teorias de enunciação e o conceito de destinaridade são brevemente explorados, como forma de fixar um referencial que guie o leitor e o permita compreender a premência de se submeter o discurso da administração às indiscretas lentes da AD.
Palavras-chave: análise do discurso, estudos organizacionais, estratégia de pesquisa, administração, ensaio teórico.
Abstract: This paper develops a reflection on Discourse Analysis (DA), which has had an increasingly meaningful role in the field of organizational studies, especially in administration. It begins with the presentation of the DA main streams, a methodological division which delimits distinct orientations both in the theoretical and practical fields. It takes Saussure’s contributions as the starting point of the theoretical foundation. After that, the theories of speech acts, or pragmatics, as well as the theories of enunciation and the concept of destination are briefly explored, as a way to establish a background to guide the reader and allow him/ her to understand the urge to submit the discourse of administration to the indiscreet DA lenses.
Keywords: discourse analysis, organizational studies, research strategy, administration, theoretical essay.
Resumen: Este ensayo constituye una reflexión sobre el Análisis del Discurso (AD), que ocupa un espacio cada vez más significativo en los estudios organizacionales en general y en la administración en particular. Comienza con la presentación de sus principales corrientes, una división metodológica que delimita diferentes orientaciones en los campos teórico y práctico. Se toman como punto de partida en la fundamentación teórica los aportes de Saussure. Posteriormente, se exploran brevemente las teorías de los actos de habla, o pragmática, así como las teorías de la enunciación y el concepto de destino, como forma de establecer un referente que guíe al lector y le permita comprender la urgencia de someter al discurso de la administración a las lentes indiscretas de AD.
Palabras clave: análisis del discurso, estudios organizacionales, estrategia de investigación, administración, ensayo teórico.
1 INTRODUÇÃO
Na utilização da Análise do Discurso (AD) como estratégia de pesquisa no campo da administração, múltiplas são as abordagens possíveis. As características do material trabalhado e os objetivos pretendidos são os elementos norteadores. Ao perseguir o desafio de construir interpretações, a AD parte do pressuposto de que “um sentido oculto deve ser captado, o qual, sem uma técnica apropriada, permanece inacessível” (Maingueneau, 1997, p. 11). A busca da significação oculta não implica a crença em um único sentido, em uma única verdade. O foco de interesse é a construção de procedimentos capazes de transportar o olhar-leitor à compreensões menos óbvias, mais profundas através da desconstrução do literal, do imediato. Assim,
[...] desvendando os mistérios da linguagem, rompendo a opacidade das palavras e das frases, desvelando os segredos dos subentendidos, penetrando nos implícitos do dito, essa análise vem compondo um instrumental metodológico que, a partir do conceito de discurso com base em teorias linguísticas, permite compreender-lhe os sentidos múltiplos criados através da complexa trama de atores que o realizam (Ballalai, 1989, p. 56).
Enquanto estratégia de pesquisa, a AD é de difícil caracterização. Sua aparente volatilidade advém do fato de que seu objeto, “ora perspectiva-se linguisticamente, ora ideologicamente, caracterizando, talvez, uma pretensa antinomia que, se por um lado, favorece um maior aprofundamento em cada uma dessas abordagens, por outro, impede a visão da totalidade” (Pereira, 1991, p. 7). A AD é atualmente interdisciplinar. As práticas da linguagem continuam sendo a sua base, mas não o seu único fundamento. Ela contribui para vários campos do conhecimento que reconhecem a linguagem como parte integrante do discurso. Um dos problemas advindo do seu caráter eclético é a dificuldade de se efetuar compatibilizações metodológicas entre as diversas disciplinas que ao mesmo tempo lhe servem de subsídio e nela buscam subsídios. A diversidade de abordagens gera interfaces de interesses intercambiáveis. Como evidencia este trabalho, vários autores têm contribuído para a evolução da AD.
Este ensaio constitui uma reflexão sobre a AD, que vemocupando um lugar cada vez mais significativo nos estudos organizacionais em geral e na administração em particular. Embora não busque aprofundar conhecimentos que se inserem no campo da linguística, este trabalho elabora uma síntese de algumas das fundamentações teóricas da AD. Com o intuito de clarificar o campo de atuação da AD, este ensaio inicia-se com a segmentação esquemática das duas grandes correntes que integram esta disciplina. Esta divisão metodológica delimita orientações distintas tanto no campo teórico quanto no campo prático. Em seguida, toma-se como ponto de partida na fundamentação teórica da AD as superadas, porém clássicas contribuições de Saussure. Posteriormente, as teorias de atos de fala, também designadas de pragmáticas, assim como as teorias de enunciação e o conceito de destinaridade são brevemente explorados como forma de fixar um referencial que guie o leitor e melhor o permita compreender a premência de se submeter o discurso da administração às indiscretas lentes da AD. Despertar a consciência desta possibilidade e chamar a atenção do seu potencial e para alguns aspectos chaves que sobressaem-se na análise do discurso da administração enquanto problemática de pesquisa é o intuito maior deste ensaio. Dados os objetivos propostos de desmascarar os implícitos, os silêncios e pluralizar as compreensões, o enfoque qualitativo da AD é apontado como o tipo de análise mais apropriado.
2 AS DUAS GRANDES LINHAS DA ANÁLISE DO DISCURSO
Para efeitos didáticos, a AD pode ser dividida em duas amplas linhas que, embora apresentem diferenças metodológicas e teóricas, surgem, ambas, da necessidade imposta pela linguística de definir uma nova unidade de análise que ultrapassasse os limites da frase: o texto. Na linha anglo-saxã, ao contrário do que ocorre na corrente européia, a AD não é afetada pela dicotomia saussuriana língua e fala e constitui, assim, uma mera extrapolação da gramática. Por ter um enfoque intralinguístico, essa corrente da AD privilegia as interseções entre os níveis sintático e semântico. Suas investigações tendem a enfocar de modo descritivo a questão da coesão e coerência textual (Pereira, 1991). Nesta perspectiva, a AD se apoia nos enfoques interacionistas e etnometodológicos e tem como objeto central de estudo a conversação ordinária (Maingueneau, 1997).
A linha européia da AD segue a tradição, mais especificamente francesa, de atrelar uma perspectiva histórica ao estudo reflexivo dos textos (Maingueneau, 1997). Neste sentido, a AD não evidencia-se originalmente como uma disciplina de saber, mas como fruto de uma prática escolar, voltada para a “explicação de textos,” exercida na conjuntura intelectual dos anos sessenta, a articulação, sob o paradigma estruturalista, da linguística, do marxismo, e da psicanálise em torno da “escritura”. Desta forma, a AD européia ao englobar em sua evolução questões filosóficas, políticas e ideológicas, constitui domínio não apenas de linguistas, mas também de psicólogos e historiadores (Pêcheux, 1984 citado em Maingueneau, 1997). O objetivo da AD francesa é explicitar a relação entre linguagem e ideologia (Pereira, 1991). A Tabela 1 sumariza algumas dessas diferenças.
AD anglo-saxã | AD francesa | |
Tipo de discurso | Oral – conversação cotidiana comum | Escrito – quadro institucional doutrinário |
Objetivosdeterminados | Propósitos comunicacionais descrição – uso (imanência do objeto) | Propósitos textuais explicação – forma (construção do objeto) |
Método | Interacionismo (psicologia e sociologia) | Estruturalismo (linguística e história) |
Origem | Antropologia | Linguística |
3 REFERENCIAL TEÓRICO: AS PRINCIPAIS CONTRIBUIÇÕES DE SAUSSURE
Numa perspectiva histórica, as origens da AD remontam aos estudos do suíço Ferdinand de Saussure (1857-1913), considerado um divisor de águas no estudo científico da linguagem. Como extensão de sua personalidade perfeccionista, Saussure empenhou-se em delimitar metodologicamente o campo dos estudos linguísticos, tarefa, segundo ele, necessariamente anterior ao trabalho científico de desenvolvimento de teorias de alcance universal. Superar o descenso, a imprecisão e a subjetividade da terminologia linguística foi o seu ponto de partida. Esta preparação preliminar visava estabelecer uma linguagem unívoca, um padrão linguístico, uma metalinguagem indispensável à elaboração racional do estudo linguístico (Carvalho, 1984). A linguística, afirmou Saussure em seu CLG[1], “jamais se preocupou em determinar a natureza do seu objeto de estudo. Ora, sem essa operação elementar, uma ciência é incapaz de estabelecer um método para si própria” (Saussure, 1987, p. 10).
A Teoria do Signo Linguístico, na qual os dois elementos interdependentes e inseparáveis significante (imagem acústica) e significado (sentido ou conceito) constituem o signo e a Dicotomia Langue/ Parole (língua e fala) constituem as contribuições mais marcantes de Saussure, para quem a língua é um sistema de signos constituídos pela “união do sentido e da imagem acústica.” Sua doutrina centra-se em visões dicotomizadas, em dualidades, como ele mesmo ressaltou: “... o fenômeno linguístico apresenta perpetuamente duas faces que se correspondem e das quais uma não vale senão pela outra” (Saussure, 1987, p. 15). Dentre suas noções bipolares, língua/fala, sincronia/diacronia, sistema/não-sistema, relações sintagmáticas/paradigmáticas, os dois primeiros pares mostraram-se de extrema relevância nos estudos linguísticos posteriores. A dicotomia língua/fala relaciona-se à oposição social/individual e encontra o seu respaldo na sociologia, então incipiente, mas já legítima (Carvalho, 1984). A dicotomia sincronia/diacronia relaciona-se ao uso da língua em seu momento atual em oposição a seu uso em termos das fases de sua evolução histórica. Ten do estabelecido a língua como um sistema autônomo, a obra de Saussure pode ser vista como uma “bomba epistemológica” de efeito retardado, montada desde 1916 mas detonada apenas nos meados da década de 1960 com o advento do estruturalismo e a inserção do enfoque descritivo em substituição ao enfoque normativo tradicionalmente utilizado pela linguística.
4 A ANÁLISE DO DISCURSO E SUA EVOLUÇÃO: ALGUMAS PERSPECTIVAS TEÓRICAS
A análise do discurso pode demonstrar que aquilo que é lido não é a realidade, mas apenas um relato da realidade propositadamente construído de um determinado modo, por um determinado sujeito. Através do destrinchamento do funcionamento dos textos e da consequente observação de sua articulação com as formações ideológicas, ela permite desvendar, no contexto da sociedade, o confronto de forças, as relações de poder, os domínios do saber. A AD considera essencial a relação da linguagem com a exterioridade, que pode ser compreendida como as condições de produção do discurso. Nessas condições estão incluídos não apenas o falante e o ouvinte, mas também o contexto histórico-social e ideológico da comunicação. Embora parta de conceitos estritamente técnicos advindos da linguística, a AD enquanto técnica de pesquisa não é uma abordagem hermética, de domínio exclusivo dos linguistas. Ela engloba e pressupõe uma variedade de conhecimentos de áreas afins como a psicologia, a sociologia, e a filosofia. Portanto, mostra-se eminentemente eclética e aberta à abordagens diversas.
5 O CONCEITO DE DISCURSO E DE FORMAÇÃO DISCURSIVA
O conceito de discurso advém originalmente da dicotomia saussuriana língua/fala. Se por um lado a língua constitui um sistema independente do indivíduo e tem caráter coletivo, por outro lado, a fala diferencia-se por ser a transformação e a atualização deste conjunto de regras sistematizadas para a esfera individual. As combinações seletivas que o sujeito falante faz ao utilizar o código da língua para comunicar-se constituem a fala (Saussure, 1987). Essa fala seria o próprio discurso. O primeiro conceito de discurso vem desse processo combinatório que caracteriza a fala (BallalaI, 1989). Segundo Daudi (1986, p. 268), “o conceito de discurso denota um conjunto de enunciados, conceitos, teses e teorias faladas e escritas, que juntas formam uma concepção articulada de alguma coisa em particular”.
Recentemente, o termo discurso tem sido utilizado com ampla liberdade em uma variedade de contextos. Suas variadas acepções têm contribuído para dificultar a delimitação do objeto de estudo da AD. Visando contornar este dilema, a AD tem tomado emprestado de Foucault (1969, p. 153) o conceito de formação discursiva:
Um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço que definiram em uma época dada e para uma área social, econômica, geográfica ou linguística dada, as condições de exercício da função enunciativa.
Pela ótica da formação, a AD consiste em “associar, de forma mais ou menos direta, um conjunto de textos a uma região definida da sociedade, pensada em termos de classes ou subclasses sociais (Maingueneau, 1997). Deste modo, uma formação discursiva é uma “zona onde se manifestam com alguma perturbação as aspirações da classe que seria seu suporte” (Maingueneau, 1997, p. 54).
Explicando o conceito de formação discursiva, Daudi (1986) afirma que, aos termos teoria, disciplina e ciência, tidos como historicamente carregados, Foucault prefere a expressão formação discursiva que sugere que uma teoria ou ciência nunca está plenamente desenvolvida. Ao formar uma unidade, um conjunto de enunciados (énonce) pode ser moldado em uma teoria científica, que constitui um discurso sobre alguma coisa. Desta forma, a formação discursiva é o processo de desenvolvimento e construção que, a partir de enunciados dispersos, forma um discurso. Daudi mostra que um conjunto de condições e circunstâncias, as regras de formação, torna possível e regulamenta a formação discursiva: as superfícies de emergência , que indicam as esferas social, política, econômica e cultural em que a formação discursiva aparece; as autoridades de delimitação, representadas por especialistas ou instituições formalmente reconhecidos como competentes e legítimos para expressar opiniões; e as matrizes de significação, o sistema de classificação utilizado para correlacionar ou diferenciar vários objetos entre si.
6 AS TEORIAS DE ENUNCIAÇÃO E AS TEORIAS PRAGMÁTICAS
Os modos como a língua através da fala é atualizada deram origem às Teorias da Enunciação e as Teorias Pragmáticas que constituem, de um certo modo, uma continuidade e não uma ruptura com Saussure. É através da enunciação que o sujeito se apropria da língua e então se posiciona. E são as pragmáticas que preocupam-se com as condições de produção, de enunciação. A análise do discurso consolida-se então como um novo espaço de reflexão sobre a linguagem. Constitui-se de hipóteses, princípios e procedimentos que, de um certo modo, estabelecem um confronto com uma dada tradição de trabalhar o campo da linguística. Ao mesmo tempo, a AD apresenta-se como uma continuidade e alimenta-se de contribuições de diversas áreas do conhecimento, tais como a filosofia e a sociologia. Embora tenha incorporado o trabalho dos linguistas neste processo de continuidade, a AD propõe agora um modelo de análise linguística no qual os fatos são necessariamente relacionados com o uso da linguagem em situações históricas determinadas e por sujeitos concretos. Neste contexto, há desenvolvimentos diversos com metodologias diferenciadas. A AD não é, pois, uma abordagemúnica. Assim como o seu objeto, o discurso, ela é plural e varia conforme diferentes pontos de vista. Ademais, o produto dos esforços de pesquisa de AD servem de subsídio para uma variedade de ciências, dentre elas a administração, a antropologia, e a sociologia.
É a partir do trabalho de Benveniste (1966) que a visão estruturalista[2] , com a qual uma ampla variedade de autores está ou esteve associada, começa a ser ultrapassada. Superando o sistema e enfocando o sujeito, Benveniste lança os fundamentos da linguística da enunciação. As teorias da enunciação constituem uma interface da linguagem com a psicanálise. Nesta perspectiva, é na e pela linguagem que o homem se constitui como sujeito. Ou seja, a subjetividade, não contemplada pelo estruturalismo e compreendida como a capacidade do locutor de se constituir como sujeito, é introduzida. Ao invés de ser encarada como um instrumento, a linguagem é encarada como tendo uma função instrumental. A categoria de pessoa, comum à todas as línguas, define a subjetividade e os eixos de espaço e de tempo. Através do contraste e da reciprocidade entre o “eu” e o “tu” em um processo de polaridade sem simetria ocorre a formação da identidade do sujeito. Neste cenário, os pronomes pessoais recebem atenção especial. Eles não se referem a conceitos ou indivíduos e escapam aos estatutos dos outros signos linguísticos. A língua é assumida por aquele que diz “eu.” O “eu” só é identificável em uma instância de discurso. Não remete à uma realidade de mundo, mas de discurso. Os conceitos da gramática normativa, tradicional não se enquadram nesta visão. Neste contexto, a terceira pessoa equivale à não pessoa. Ademais, não existe plural de pessoa, mas apenas dilatação, associação, ou ampliação. Desta forma, “nós” não é a multiplicação do “eu,” que é único. A expressão da pessoa afeta os domínios de tempo e espaço, tidos como autônomos. O tempo e o espaço são, então, ordenados em função da enunciação do aqui-agora. No discurso, o ato de enunciação é que ordena em termos de tempo e espaço. Três modos enunciativos podem ser encontrados no discurso: o elocutivo, em que o “eu” se revela; o alocutivo, em que há marcas do “tu”; e o delocutivo, que é neutro e não trai sua presença por marcas.
Estendendo a noção saussuriana de língua e fala, Hjelmslev (1966) amplia o conceito de discurso refinando a ideia de uso, compreendido como um conjunto de hábitos de uma dada sociedade, e incorporando-lhe a ideia do social. Nesta nova perspectiva, o discurso está além da mera visão social. É resultante do confronto entre o individual e o contextual. O discurso passa a ser um ato resultante de uma situação de comunicação, um produto de uma relação em que o emissor e o receptor atuam conjuntamente. Esta percepção marca a grande contribuição da pragmática (Ballalai, 1989).
Segundo Bourdieu (1983), tanto os fatores linguísticos quanto os extralinguísticos são necessários à compreensão daquilo que é dito. As condições de produção do discurso, a situação, mais do que o próprio sujeito falante, são determinantes do sentido produzido. O contexto revela os implícitos. Para a AD, a enunciação implica uma referência de um estado de coisa da qual se está falando e transporta o receptor além dos limites linguísticos dos elementos da fala de forma que o seu decodificador deve considerar não apenas aquilo que é enunciado, mas também o contexto da enunciação (Ballalai, 1989). “Estudar a frase e o discurso a partir do seu caráter utilitário, ou seja, revelar O sentido pragmático dessa frase ou desse discurso, em função de sua utilização, pelo locutor, em um determinado contexto” (Ballalai, 1989, p. 71) é a contribuição da pragmática para a AD.
Somente com as teorias dos atos de fala, as pragmáticas, foi que a AD inscreveu a atividade da linguagem em espaços institucionais, abandonando sua antiga tradição de tomar como objeto os corpus apreendidos independentemente de seus atos de enunciação e de suas circunstâncias (Maingueneau, 1997). A enunciação, como ato, deu origem às pragmáticas. Ela confunde-se com o ato. O discurso é a língua assumida pelo homem que fala na condição de subjetividade. Surge, então, a noção de performatividade. Dizer é fazer. Um performativo é um tipo especial de enunciação. O uso de verbos performativos, verbos que realizam, esclarece esta perspectiva. O emprego de tais verbos na primeira pessoa implica a realização de um ato desde que existam certas condições sociais. Este tipo de ato realiza-se pela própria enunciação. Por exemplo, a enunciação “abro a seção” é em si um ato, desde que o sujeito enunciador esteja em posição legítima. Da mesma forma, “eu juro” é um ato, enquanto “ele jura” é a descrição de um ato.
Na perspectiva pragmática, a linguagem é considerada como uma forma de ação; cada ato de fala (batizar, permitir, mas também prometer, afirmar, interrogar, etc. é inseparável de uma instituição, aquela que este ato pressupõe pelo simples fato de ser realizado (Maingueneau, 1997, p. 29).
A partir das considerações da pragmática, as circunstâncias e os elementos extralinguísticos começam a ser consideradas na AD. Este enfoque abriu caminho para perspectivas mais amplas.
7 A DESTINARIDADE E A TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO
Mais do que passar informação, o objetivo do discurso é obter a adesão através da utilização da linguagem como forma de persuadir, seja de forma conspícua ou não. Trabalhando o não dito, o latente, o implícito, o discurso argumentativo faz-se sedutor. Assim como a pragmática leva em consideração o outro e o contexto (seu e do outro), a argumentação estabelece o discurso com o outro no intuito de mudar esse outro. Desta forma, além de ser um processo de comunicação, o discurso, reconhecendo a relevância crítica da destinaridade, se organiza como um processo intencional de ação sobre o outro (Ballalai, 1989). A proposta argumentativa é um corolário da destinaridade do discurso. A argumentação é montada em função de um dado público alvo, de um auditório particular. Dado que todo discurso visa convencer aquele a quem se destina, a dimensão argumentativa é essencial à linguagem.
O orador (locutor/emissor) fica obrigado, se ele quiser agir sobre o outro, a se adaptar ao seu auditório, seja ele presente, seja ele ausente, como no caso do texto escrito. Na verdade, mudando de auditório, o discurso muda (Ballalai, 1989, p. 72).
Todo discurso é fonte de diálogo, explica Ballalai (1989). Como as teorias linguísticas evidenciaram ao longo de seu processo de evolução, a responsabilidade pela produção do sentido do discurso não é apenas do sujeito falante, mas de todos os elementos componentes do discurso. É em função da comunicação que o discurso existe. Ballalai ressalta, entretanto, que a organização da comunicação não se faz tão linearmente como dão a entender Saussure e outros linguistas. A relação binária emissor-receptor nem sempre capta toda a complexidade da comunicação uma vez que o ato da fala pode envolver mais de dois actantes ou personagens. O alocutor, aquele a quem o discurso é dirigido, e o ouvinte não são necessariamente a mesma pessoa. A relação de comunicação pressupõe a intencionalidade, explícita ou tácita, por parte do emissor de dirigir o seu discurso a um destinatário específico, que por sua vez pode reconhecer-se como tal ou não. Da complexidade desta trama possível entre os componentes da comunicação o discurso adquire sua pluralidade potencial. Para o autor, ao romper o seu invólucro dual, receptor-emissor, o discurso torna-se múltiplo e a detecção de seu sentido passa a requerer a atenção de todos os seus actantes: o autor da fala (locutor), os agentes dos atos ilocucionários (enunciadores), o ser a quem as palavras são ditas (alocutor) e aqueles que são pacientes dos atos (destinatários).
Este emaranhado em que consiste a real organização da comunicação constrói uma teia de sentidos na qual uma pluralidade de vozes fazem-se presentes. Na construção do sentido de um texto ou de uma comunicação também ocu pa papel de destaque o conjunto de saberes, crenças e valores, previamente compartilhados pelos personagens engajados no discurso. É também em função desses saberes que o discurso encontra um dado tipo de ressonância e tem seu sentido produzido. Dado que o discurso é construído a partir tanto do saber do emissor quanto do receptor, a questão de sua destinaridade torna-se bastante relevante. O discurso edifica a imagem do destinatário do ponto de vista descritivo e narrativo. Desta análise dos elementos do discurso conclui-se que o sentido das palavras de um discurso varia conforme as posições que ocupam aqueles que as empregam. Ademais, o sentido depende do contexto, que, por sua vez, inclui um saber anterior. Logo, o sentido é um lugar dialético, plural (Meyer, 1982); portanto, indeterminado e vulnerável à subjetividades. Embora “vago e impreciso”, ele é repleto de “implícitos e subjacências” (Ballalai, 1989, p. 66-67).
Embora possa ser relativamente circunscrito em si mesmo, o discurso não pode ser fechado. Sendo fonte de diálogo, ele tem que se articular com outros discursos. Como Linstead (1994) explica, se é certo que uma noção básica no conceito de discurso é a de que ele possa ser reproduzido, também é central a noção de que ele possa ser resistido, estando, portanto, sujeito à mudanças, à negociações. Há, entretanto, à medida em que uma determinada formação ideológica ganha maior hegemonia em um dado momento, a tendência do discurso solidificar-se, alçando um grupo, ou sustentando sua superioridade, à uma posição de destaque, de dominação. Ademais, enfatiza o autor, embora a ascendência de um discurso implique uma certa uniformidade econômica, política, intelectual e moral, o que, por sua vez significa uma solidificação, nenhum discurso, por mais poderoso ou sólido que pareça, está isento da possibilidade de desconstrução. Precisando sempre ser reproduzido, sustentado, negociado, o discurso nunca é permanentemente normalizado. Diante desta realidade, a pesquisa nesta área deve concentrar-se, segundo Linstead (1994), nas condições que tornam mais prováveis a reprodução do discurso e nas respostas dos atores sociais em situações reais dentro de uma dada organização.
8 O DISCURSO DA ADMINISTRAÇÃO
Assim como em várias outras áreas, também na arena da administração, a orientação funcionalista e quantitativa de pesquisa impõe sua supremacia por colocar-se como o enfoque racional de pesquisa, o verdadeiro enfoque científico. Sua pretensa exclusividade científica é a base de sua legitimidade e determina a exclusão de abordagens não quantitativas, portanto, não-científicas, ineficientes e não-racionais. A orientação qualitativa é repudiada pelos proponentes da abordagem quantitativa, dentre outras razões, pelo fato de não prontamente possibilitar a replicação dos resultados, por prestar-se apenas ao desenvolvimento de uma compreensão inicial e não a recomendação de ação, por não partir de coletas estruturadas, de amostras representativas, e de análises estatísticas. Entretanto, a abordagem qualitativa tem o grande mérito de trabalhar os aspectos subjacentes da organização, dentre eles os discursos e os ‘não-discursos’. É especialmente alinhada a este mérito que AD impõe-se.
Embora seja possível utilizar uma abordagem quantitativa na AD e com isso conferir maior legitimação científica ao estudo, a abordagem qualitativa ancorada na tradição francesa é o enfoque aqui defendido. A objeção ao enfoque quantitativo da AD advém do fato de que o mesmo implica um certo automatismo e rigidez no tratamento do “material linguageiro” estudado uma vez que nesta perspectiva a análise baseia-se no levantamento estatístico da frequência de aparecimento de certos elementos do discurso. A abordagem qualitativa, por outro lado, apoia-se em inferências que são sempre fundamentadas em indícios; logo, há mais espaço para a maleabilidade, para as injuções, e para a intuição (BallalaI, 1989).
Dada a complexidade e a pluralidade do discurso da administração, cuja expressão e inspiração maior talvez seja o conjunto de teorias organizacionais que evoluíram ao longo do século, a sua análise demanda a utilização de uma estratégia de pesquisa metodologicamente sofisticada, capaz tanto de interpretar as mensagens explícitas quanto de desvendar os sentidos ocultos, os silêncios, as omissões.
Ainda que propugne uma neutralidade científica, o discurso produzido pelas teorias, pelas propostas de ação, pelas justificativas de esquemas organizacionais esconde intenções não confessadas ou não confessáveis, trazendo em nível do explícito declarações que se opõem às subjacentes e que, se denunciadas pela revelação do implícito, apresentam intenções contrárias às declaradas (Ballalai, 1989, p. 57).
Deve-se considerar, entretanto, que a teoria organizacional, fonte e expressão significativas do discurso da administração, tem sido considerara como sendo desincorporada, sem raízes (e.g. Hofstede, 1980) no sentido de que negligencia ou mesmo ignora, conscientemente ou não, não apenas a natureza filosófica dos problemas por ela levantada, mas também a ideologia intrínseca aos pesquisadores que a geram. Em parte, esta questão advém do que pode ser chamado de paradoxo do conhecimento (Daudi, 1986): o fato de que a ideologia geral na qual o pesquisador está inserido dita, direta e indiretamente, o conteúdo do seu discurso. Porém, mais relevante do que despertar a consciência do viés ideológico na percepção do mundo, é enfatizar a possibilidade de desmistificação do discurso uma vez que o mesmo, como demonstra Foucault (1996), não assenta-se em verdades absolutas e universais, mas sim em uma base frágil e arbitrária. Neste contexto, Daudi (1986) alerta que mais do que o questionamento da natureza verdadeira ou não do discurso, o cerne da questão é sua legitimação que refere-se aos mecanismos que regem sua formação. Tomando o discurso do poder como exemplo, o autor mostra que o discurso do poder não é sobre o poder; ao invés disso, ele produz poder. Em outras palavras, o discurso produz o seu objeto, o multiplica e, assim, torna-se mais forte, mais normatizador. Desta forma, ‘to speak of the demystification of the discourse on power is to become aware of, and to draw attention to, the power of discourse, i.e. that power which holds us prisoner of own discourses’ (Daudi, 1986, p. 13-14).
A AD demonstra que, enquanto ‘ciência’, a administração
se faz através de discursos sucessivos marcados por várias ideologias e, consequentemente, através de posições nitidamente comprometidas. O discurso da administração se faz, como qualquer outro discurso científico da área humana, com significados explícitos ou latentes. A análise desses significados poderá trazer uma importante contribuição para melhor precisar os conceitos de administração, sobretudo porque esse discurso não é um discurso acabado, fechado, concluído. Ele estará permanentemente se construindo, fazendo-se nas suas coerências e nas suas contradições (Ballalai, 1989, p. 61).
Ademais, como salientam Alvenson e Deetz (1996), diferentes discursos podem coexistir, embora com mais ou menos poder, ou seja, ocupando uma posição central ou marginal.
A complexidade do ato de palavra, anteriormente discutida, evidencia a necessidade de se submeter o discurso da administração à AD como forma de se explorar a vasta rede de elementos que, explícita ou implicitamente, o compõe e lhe concede sentido.
Não só vai interessar a essa análise conhecer o sujeito falante, quer dizer o emissor do discurso, o locutor, como também o receptor, direto e imediato, ou indireto, onde o emissor assentou a destinaridade de seu discurso. Importará saber, inclusive, o mundo subjacente a esse discurso, a complicada história dos saberes e os reconhecimentos desses saberes (e crenças) por parte tanto do emissor quanto do receptor, até chegar a detectar as intenções do discurso (Ballalai, 1989, p. 67).
Um outro ponto a ser considerado é o fato de que os estudos organizacionais e sua teorização têm sido descritos como constituindo um território historicamente contestado (Reed, 1996). Esta contestação histórica advém naturalmente não apenas de diferenças nas orientações intelectuais dos inúmeros autores que colaboram com este campo de conhecimento, mas também de diferenças políticas e ideológicas nas orientações destes autores. No lugar de complementaridade e superação, manifestam-se lutas e paradigmas incomensuráveis. Por sua pluralidade, complexidade, e dinamicidade o território caracteriza-se como um verdadeiro laboratório para a AD, que com suas ferramentas pode fornecer os meios de auscultá-lo, interpretá-lo e compreendê-lo. Como resultado deste esforço, uma nova visão do mundo organizacional pode emergir, lançando luzes sobre áreas nebulosas, como as realidades das relações de trabalho, desmistificando conceitos, como o da racionalidade e o da eficiência, que perpassam grande parte dos estudos organizacionais.
Em diferentes enfoques ou tópicos organizacionais prevalecem sempre algumas poucas vozes, muitas vezes oponentes, que tendem a dominar o cenário em questão. Tomando o estudo do poder como exemplo, Hardy e Clegg (1996) explicam como duas correntes divergentes dominam as análises que fundamentam as pesquisas deste tema. A tradição mais antiga alimenta-se dos trabalhos de Marx e Weber. Entendendo o poder como dominação, esta corrente tem como foco o conflito de interesses e busca compreender de que modo o poder entranha-se nas estruturas organizacionais de modo a servir a alguns, mas não a todos os grupos. Nesta perspectiva, as ações que confrontam o poder constituem resistência. A tradição mais moderna, a linha gerencial de mainstream , toma como um dado a forma como o poder é distribuído na estrutura organizacional formal, que é vista não como estrutura de dominação mas como estrutura de autoridade formal, legítima e funcional. A maneira como os grupos adquirem e usam poder que não lhes foi formalmente concedido é o seu foco. Em resumo, ao tratar do poder, as vozes fundadoras referem-se a diferentes fenômenos, adotam diferentes valores; consequentemente, constroem diferentes discursos. Mesmo os estudos delas advindos tendem a meramente estender suas concepções básicas. A aplicação da AD aos estudos do poder ajudaria na compreensão, na elucidação dos porquês subjacentes a este padrão de desenvolvimento. Por que cada uma dessas vozes elege e reconhece como legítimos apenas um tipo de discurso, uma dada audiência. A quem cada uma delas fala? E o que lhes diz? O desmascaramento dos implícitos talvez facilitasse a construção de uma ponte que abriria a possibilidade de novos e mais completos saberes.
A AD tem sido utilizada também na decomposição do conceito de estratégia. Partindo do reconhecimento da centralidade da noção de estratégia para os estudos organizacionais, Whipp (1996) alerta para a necessidade de se dissecar as camadas de significado que a palavra e os seus usos têm portado. Tal esforço torna-se mais pungente pelo fato de que o uso do termo ‘estratégia’ e de seu adjetivo ‘estratégico’ tem se estendido muito além do circuito da administração, passando a fazer parte da fala popular. A palavra estratégia é genericamente utilizada de forma direta e com conotações positivas para exprimir a relevância do projeto em questão e a grandiosidade dos objetivos, e para sugerir um senso de raciocínio e planejamento coerentes. No circuito acadêmico, utilizada às vezes como um modismo, às vezes como uma palavra-chave, ela é empregada por todas as disciplinas na tentativa de enfatizar a importância do seu objeto de estudo (Whipp, 1996). Em sua análise, Whipp apóia-se no trabalho de Knights e Morgan (1991) que demonstra que estratégia não é apenas uma técnica ou um corpo de conhecimentos, mas essencialmente um discurso. Tal constatação advém de análises efetuadas com o ferramental da teoria linguística e a partir das práticas discursivas de Foucault. A AD revela, então, que
a própria língua, símbolos e trocas em torno do tema da estratégia têm importantes resultados. Estratégia é um mecanismo de poder. As pessoas nas organizações podem ser identificadas conforme sua participação no discurso da estratégia e nas práticas a ele relacionadas (Whipp, 1996, p. 263).
A noção dominante de estratégia está alicerçada na visão racional da administração e pressupõe a possibilidade do completo conhecimento e consequente domínio do ambiente. Desta promessa advém a força do discurso da estratégia (Whipp, 1996). Com sua força, o discurso torna-se capaz de modelar comportamentos e delimitar racionalidades que visam tanto incluir quanto excluir visões de mundo, padrões de ação etc. Desta forma, o discurso serve de instrumento de dominação à medida em que aqueles que são dominados colaboram com os dominadores ao tomarem como certo, como um dado tanto o próprio discurso quanto a sua definição da situação (Gitlin, 1989).
Os exemplos citados não exaurem o cabedal de estudos que tem sido desenvolvido através da AD. Tampouco cobrem o espectro de possibilidades que com ela se abrem. O intuito é o de ilustrar a força analítica desta “tecnologia” de pesquisa e dirigir a atenção dos estudiosos das ciências sociais em geral e da administração em particular para a sua riqueza.
9 CONCLUSÃO
A forma como a língua é produzida e interpretada em um dado contexto é o foco da AD. Por sua amplitude, ela pode ser trabalhada como um fim em si mesma ou como um instrumento de pesquisa em uma variedade de áreas. Portanto, o seu uso não exclui a incorporação de outras metodologias. Dentre outras construções, a AD estuda a estrutura linguística dos atos de fala, as sequências de conversações, as atividades da fala, os registros orais e literais, e a marcação da posição -stance marking, buscando relacioná-las às normas, preferências, e expectativas culturais, sociais, e políticas em um dado tempo e espaço.
A partir da ruptura com o imobilismo do estruturalismo, a AD passou a considerar a força contextual que condiciona o discurso e a conferir a seu processo de formação uma perspectiva dialética. Estes avanços foram trazidos pela pragmática e pela teoria da argumentação (Ballalai, 1989). Através de um processo de desconstrução sistemática, a AD constrói como produto
um novo entender dos textos produzidos numa área, quase sempre voltado para a definição política e ideológica que esses textos encobrem. Ela é um processo de desmascaramento da palavra, numa busca da verdade que se esconde atrás dela, uma denúncia do não dito (Ballalai, 1989, p. 56).
A AD “introduziu no domínio linguístico o tema da história, do poder, da ideologia que não só perpassam os processos discursivos como se constituem nas suas condições de produção” (Pereira, 1991, p. 20). Ao partir da articulação dos processos linguísticos com os elementos extralinguísticos e ao impor ao pesquisador, como condição indispensável à descoberta da verdade na construção do seu conhecimento de mundo, a articulação entre o discurso e suas condições de produção a AD o obriga a fazer história.
Uma certa compreensão do que seja a relação entre discurso e subjetividade estará sempre presente acionando e instrumentalizando as lentes e as escutas analíticas. A AD se coloca como uma metodologia eficaz e factível para o trabalho investigativo de desconstrução e reconstrução dos discursos quer no circuito acadêmico, quer no circuito das relações de produção e trabalho, tanto na esfera linguística, quanto na esfera histórica-social e política-ideológica. Ela torna evidente o fato de que o discurso pode funcionar como uma armadura que se presta, a um só tempo, a um papel duplo de defesa e de ataque, conforme as exigências ou interesses da ocasião.
Extrapolando a concepção do discurso como armadura, pode-se pensá-lo como uma estratégia sofisticada de delimitação de espaços sociais e intelectuais, uma estratégia de poder adotada inclusive por aqueles que trabalham a sua decomposição. Um exemplo concreto desta perspectiva é a constatação expressa por escreve Jenkins (1992) do fato de que a forma como Bourdieu escreve constitui uma estratégia para manter e aumentar a sua distinção, reputação e status em relação aos outros. Como Jenkins afirma, para dizer o que diz, Bourdieu não precisa escrever como escreve. Usando a linguagem como instrumento simbólico de poder, Bourdieu estabelece e perpetua hierarquias, delimita zonas de saber, de inclusão e exclusão. Analogamente, vários outros cientistas ou pensadores sociais, dentre eles o próprio Foucault, por exemplo, que tem no discurso o seu objeto de trabalho podem ser enfocados sob esta perspectiva. Como Frost e Martin (1996) esclarecem, na luta pela hierarquização, dominação e busca de legitimação nos estudos da administração, o silêncio, a marginalização, e a subestimação tácita são algumas das principais estratégias comumente empregadas. Estas estratégias mascaram divergências e forçam o leitor a prestar atenção aos silêncios e a ler entre as linhas daquilo que é publicado no esforço de decifrar o que está realmente sendo dito, quais questões críticas causam as exclusões ou impedem as interseções.
Como dito por Daudi (1986) ao relatar trechos de diálogos seus com Foucault, o importante na pesquisa é a curiosidade, não aquela que busca assimilar o conhecimento convencional, mas sim a que faz o pesquisador adotar uma postura de desconstrução e explorar novos modos de pensar e ver o mundo. Desconstruir, desmistificar discursos pode ser, entretanto, apenas uma forma de reprodução de novos discursos. Talvez, como filosofa Daudi (1986), o pesquisador esteja fadado a construir discursos sobre discursos.
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[Artículo corregido , vol. 3, 59-68] https://doi.org/10.19094/contextus.v3i2.32069