Revista Em Perspectiva, Fortaleza, v. 11, e95127, p. 1-15, 2025.
ISSN 2448-0789.
Representação da homossexualidade e da
negritude na telenovela A Próxima Vítima:
uma reflexão crítica na historiografia da
teledramaturgia brasileira
RESUMO
A telenovela A Próxima Vítima, escrita por Silvio de Abreu,
produzida e exibida pela TV Globo em 1995, trouxe à tona
questões centrais sobre a representação da homossexualidade e
da negritude na televisão brasileira. A obra inovou ao
apresentar, de maneira inédita, uma família negra de classe
média alta, rompendo com estereótipos historicamente
presentes na teledramaturgia nacional. Além disso, incluiu o
personagem Jefferson (interpretado por Lui Mendes), um jovem
homossexual enfrentando preconceitos e desafios sociais. Para
compreender o impacto dessas representações, este artigo
dialoga com as perspectivas de George Reid Andrews (1998),
que examina as dinâmicas raciais no Brasil, Douglas Kellner
(2001), que aborda a mídia como um campo de disputas
ideológicas e culturais e Joel Zito de Araújo (2004), que analisa
a invisibilidade e os estereótipos da população negra na mídia
brasileira. A partir dessas referências teóricas, a análise
investiga como A Próxima Vítima contribuiu para o debate
sobre diversidade e inclusão na mídia, considerando seus
avanços e limitações. O estudo também avalia a recepção da
telenovela pelo público e pela crítica, refletindo sobre a
importância da teledramaturgia na construção de imaginários
sociais e na promoção de debates sobre identidade, raça e
sexualidade no Brasil.
Palavras-chave: Telenovela. Representatividade. Negritude e
Homossexualidade.
Representation of Homosexuality and Black Identity in
the telenovela A Próxima Vítima: a critical reflection
in the historiography of brazilian television drama.
ABSTRACT
The telenovela A Próxima Vítima, written by Silvio de Abreu,
produced and broadcast by TV Globo in 1995, brought to light
central issues regarding the representation of homosexuality
and Black identity on Brazilian television. The production was
groundbreaking in portraying, for the first time, an upper-
middle-class Black family, breaking with stereotypes
historically present in national television drama. Additionally,
it included the character Jefferson (played by Lui Mendes), a
young homosexual facing prejudice and social challenges. To
understand the impact of these representations, this article
engages with the perspectives of George Reid Andrews
(1998), who examines racial dynamics in Brazil, Douglas
Jéfferson Balbino
Universidade Federal da Paraíba,
João Pessoa, PB, Brasil
jefferson.balbino@unesp.br
http://orcid.org/0000-0002-2516-5122
ARTIGO ORIGINAL
Revista Em Perspectiva, Fortaleza, v. 11, e95127, p. 1-15, 2025.
ISSN 2448-0789.
Kellner (2001), who explores the media as a field of
ideological and cultural disputes, and Joel Zito de Araújo
(2004), who analyzes the invisibility and stereotypes of the
Black population in Brazilian media. Based on these
theoretical references, the analysis investigates how A
Próxima Vítima contributed to the debate on diversity and
inclusion in the media, considering its advancements and
limitations. The study also assesses the telenovela’s reception
by the public and critics, reflecting on the importance of
television drama in shaping social imaginaries and fostering
discussions on identity, race, and sexuality in Brazil.
Keywords: Telenovela. Representation. Black Identity and
Homosexuality.
ARTIGO ORIGINAL
Revista Em Perspectiva, Fortaleza, v. 11, e95127, p. 1-15, 2025. ISSN 2448-0789. DOI: 10.36517/ep.v11i.95127.2025
3
1 INTRODUÇÃO
“As novelas são muito importantes no Brasil, porque ensinaram os brasileiros a
assistir a si mesmos, em português. Elas foram fundamentais para nos fazer viciados
em nós mesmos, para que a gente não fosse tão colonizado por culturas estrangeiras
(Fernanda Torres)
1
.
A teledramaturgia brasileira tem sido um dos principais veículos de comunicação e
formação de imaginários sociais desde sua consolidação como produto midiático de massa.
De acordo com Napolitano (2003, p. 89), as telenovelas podem ser consideradas um
"termômetro social", pois refletem e ao mesmo tempo influenciam os temas, valores e
comportamentos predominantes em determinada época. Dentro desse contexto, a telenovela A
Próxima Vítima, exibida em 1995, pela Rede Globo, destacou-se como uma produção
inovadora ao abordar temas sociais relevantes como a homossexualidade e a negritude,
rompendo com padrões narrativos e representativos predominantes na televisão brasileira até
então.
A relevância da teledramaturgia no Brasil transcende o entretenimento, alcançando o
campo da construção de discursos identitários e da problematização de questões sociais.
Como aponta Balbino (2016, p. 32), "as telenovelas não apenas refletem a sociedade, mas
também desempenham um papel ativo na formação de valores e identidades culturais". Essa
relação entre ficção e realidade torna-se evidente na maneira como A Próxima Vítima trouxe
representações pioneiras da população negra e LGBTQIA+
2
dentro da teledramaturgia
brasileira.
No que tange à representação da negritude, a telenovela rompeu com a tradição de
retratar personagens negros em posições subalternas. Segundo Silvio de Abreu (apud Balbino,
1
A atriz Fernanda Torres compartilhou o depoimento mencionado em uma entrevista concedida à revista
Deadline Hollywood em fevereiro de 2025, durante a campanha para o Oscar, na qual concorreu ao prêmio de
Melhor Atriz pelo filme Ainda Estou Aqui (2024). Na conversa, Fernanda relembrou sua experiência no remake
da telenovela Selva de Pedra (1986), exibida quando ela tinha 19 anos, e destacou a importância das telenovelas
brasileiras na formação da identidade nacional. Ela afirmou que as telenovelas foram fundamentais para que os
brasileiros aprendessem a se ver na tela e para que o país não fosse tão colonizado por culturas estrangeiras. A
entrevista está disponível em inglês no perfil oficial da Deadline no X (antigo Twitter):
https://x.com/Haddefinir/status/1890822581776691521. Acesso em 27/04/2025.
2
A sigla LGBTQIA+ representa a diversidade de orientações sexuais e identidades de gênero. Cada letra possui
um significado específico: L refere-se a lésbicas, mulheres que sentem atração afetiva e/ou sexual por outras
mulheres; G corresponde a gays, homens que se relacionam afetiva e/ou sexualmente com outros homens; B
representa os bissexuais, pessoas que se atraem por mais de um gênero; T indica as pessoas transgênero, que não
se identificam com o nero que lhes foi atribuído no nascimento; Q diz respeito a queer (termo guarda-chuva
para identidades que desafiam as normas de gênero e sexualidade) ou questionando, para aqueles que estão
explorando sua identidade; I representa os intersexuais, pessoas que nascem com características sexuais
(genitais, hormonais e/ou cromossômicas) que não se encaixam nas definições típicas de masculino ou feminino;
A engloba os assexuais, que sentem pouca ou nenhuma atração sexual, e também pode incluir os aliados, que
apoiam a causa LGBTQIA+; + simboliza a inclusão de outras identidades e expressões de gênero e sexualidade
que não estão explicitamente mencionadas na sigla.
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2016, p. 48), autor da obra, a criação de um cleo de personagens negros de classe média
visava desmistificar a ideia de que não existiam negros bem-sucedidos no Brasil.
Silvio de Abreu prendeu a atenção de todos os brasileiros com a envolvente e
enigmática A Próxima Vítima, que retratava uma série de misteriosos e indecifráveis
assassinatos. A trama trouxe a discussão da homossexualidade masculina através da
relação dos personagens Jefferson (Lui Mendes) e Sandrinho (André Gonçalves), e o
impacto causado não se restringia apenas no fato de formarem um casal gay, mas
também pelo fato de um ser negro e o outro branco. Essa novela também retratou
outras características presentes na sociedade brasileira como os relacionamentos de
pessoas de diferentes idades e a questão da prostituição (Abreu Apud Balbino, 2016,
p. 48).
Essa abordagem diferenciada dialoga com as reflexões de Joel Zito de Araújo (2004,
p. 79), que aponta a "invisibilidade histórica dos negros na teledramaturgia brasileira e o
predomínio de estereótipos que os restringiam a papéis de empregados domésticos, motoristas
e criminosos". Ao trazer personagens negros em posições de destaque social e econômico, A
Próxima Vítima representou um marco na tentativa de reconfigurar essas narrativas.
Como dito anteriormente, a telenovela também se destacou pela abordagem da
homossexualidade, especialmente por meio da relação entre os personagens Jefferson (Lui
Mendes) e Sandrinho (André Gonçalves). A representação de um casal gay inter-racial em um
produto de grande audiência foi um avanço significativo, considerando que, até então, a
homossexualidade era frequentemente retratada de maneira caricata ou associada a aspectos
negativos. Como observa Douglas Kellner (2001, p. 35), a mídia televisiva é um espaço de
disputas ideológicas, onde representações simbólicas são continuamente negociadas e
redefinidas. Nesse sentido, a telenovela contribuiu para ampliar a visibilidade e humanização
das experiências LGBTQIA+ na TV brasileira.
A análise de A Próxima Vítima permite compreender como a teledramaturgia pode
atuar como um espaço de resistência e transformação social. O impacto da telenovela não se
restringiu à esfera ficcional, mas reverberou na recepção do público e na crítica especializada,
fomentando debates sobre representatividade e diversidade. Como destaca George Reid
Andrews (1998, p. 112), “[...] a questão racial no Brasil é marcada por um processo contínuo
de afirmação e contestação, no qual a mídia desempenha um papel crucial”.
Diante desse cenário, este artigo propõe uma análise crítica sobre as representações da
homossexualidade e da negritude em A Próxima Vítima, considerando os avanços e limitações
da obra no contexto da teledramaturgia brasileira. Por meio do diálogo com teóricos como
Joel Zito de Araújo, Douglas Kellner e George Reid Andrews, busca-se compreender a
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relevância dessa produção televisiva na construção de imaginários sociais e na promoção de
debates sobre identidade, raça e sexualidade no Brasil.
2 O CONTEXTO SOCIOPOLÍTICO DA ÉPOCA DE PRODUÇÃO DA TELENOVELA
A década de 1990 no Brasil foi marcada por profundas transformações econômicas,
políticas e sociais, refletindo diretamente nas produções culturais do período. A exibição de A
Próxima Vítima (1995) coincidiu com um momento de redemocratização do país, em que
temas como desigualdade racial, diversidade sexual e inclusão social começaram a ganhar
maior espaço no debate público.
O Brasil havia saído recentemente de um período de instabilidade econômica causado
por sucessivos planos de controle da inflação. O Plano Real, implementado em 1994, trouxe
certa estabilidade financeira ao país, mas as disparidades sociais ainda eram latentes. O país
vivia um contexto de crescente urbanização e mudanças culturais, impulsionadas pelo avanço
da televisão como principal meio de comunicação e formação de opinião nacional.
Segundo Napolitano (2003, p. 89), as telenovelas, sobretudo no Brasil e em outros
países do chamado Terceiro Mundo, são uma espécie de termômetro social, permitindo
mapear quais os temas, atitudes, valores e comportamentos que ocupam o dia a dia de uma
sociedade”. Assim, A Próxima Vítima não apenas refletia a sociedade brasileira dos anos
1990, mas também contribuía para ampliar discussões sobre preconceitos e desigualdades
presentes no país.
Ainda, nos anos 1990, a televisão brasileira passou a apresentar abordagens mais
realistas e sociais em suas narrativas. O período foi marcado por uma abertura maior para a
representação de minorias e temas polêmicos, refletindo uma sociedade que buscava
consolidar valores democráticos. A Próxima Vítima inovou ao trazer personagens negros de
classe média e um casal homossexual em um relacionamento inter-racial, rompendo com
padrões narrativos tradicionais da teledramaturgia brasileira.
O autor da telenovela, Sílvio de Abreu, destacou em entrevistas que sua intenção era
questionar preconceitos de maneira orgânica dentro da narrativa:
A Próxima Vítima […] era uma novela essencialmente contra o preconceito. Por isso
havia uma família de negros de classe média. Eu achava um absurdo, como sempre
achei, não ter tido nenhuma família assim em novelas, quando no Brasil existem
tantas. Quando essa família estreou na televisão, os críticos foram impiedosos,
dizendo que era um absurdo, que não existia esse tipo de família, que ela era
idealizada a partir da família americana, e não sei o quê. Dois anos depois, foram
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descobrir que existem sete milhões de pessoas vivendo nas mesmas condições que
aquela família” (Memória Globo, 2008, p. 311).
Essa tentativa de representatividade se insere em um contexto de mudanças graduais
no mercado audiovisual brasileiro. Afinal, para o novelista:
Nós vivemos num país que o assume seus preconceitos, mas que é extremamente
preconceituoso. É preconceituoso com as mulheres, com os negros, com japonês,
com nordestino, com homossexual, com judeu. Qualquer referência que se faça a
isso, você já está dando uma contribuição social ao país. Acho que essa é uma
função da novela (Memória Globo, 2008, p. 311).
Em consonância, o pesquisador Joel Zito de Araújo (2006), a invisibilidade histórica
dos negros na teledramaturgia brasileira e o predomínio de estereótipos contribuíram para
reforçar a desigualdade racial na sociedade brasileira. Ao trazer uma família negra de classe
média para o centro da trama, A Próxima Vítima rompeu com essa lógica predominante.
Além disso, a trama trouxe uma abordagem inédita para a homossexualidade. O casal
Sandrinho e Jefferson enfrentava desafios e preconceitos de forma realista, algo que ainda era
raro na teledramaturgia da época. A repercussão da trama demonstrou tanto o avanço na
aceitação do público quanto às resistências existentes em uma sociedade ainda conservadora.
O impacto de A Próxima Vítima foi sentido não apenas no campo da teledramaturgia,
mas também no debate público sobre questões de identidade, preconceito e inclusão social. O
Brasil vivia um momento de reconfiguração política, com a consolidação da democracia e a
ascensão de novas pautas sociais.
Nesse sentido, a telenovela não apenas refletia as transformações sociais da época,
mas também ajudava a moldar discursos e percepções sobre raça e sexualidade na sociedade
brasileira. Sua recepção pelo público e pela crítica evidenciou a necessidade de ampliar a
diversidade nas narrativas televisivas e abrir espaço para debates mais profundos sobre
representatividade e justiça social.
3 A PRÓXIMA VÍTIMA: UMA CONSTRUÇÃO DE UMA NOVA REPRESENTAÇÃO
NEGRA
A telenovela A Próxima Vítima (1995) inovou ao apresentar uma família negra de
classe média alta, algo raro na teledramaturgia brasileira da época. O núcleo da família
Noronha, liderado por Kléber Noronha (Antônio Pitanga), rompeu com a tradição de relegar
personagens negros a papéis secundários ou subalternos, desafiando os padrões
predominantes da televisão brasileira.
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A trama explorou diversos conflitos internos e externos relacionados ao racismo e às
relações inter-raciais. Um dos eixos narrativos centrais envolvia Sidney (Norton Nascimento),
filho de Kléber, que manifestava resistência ao relacionamento de sua irmã Patrícia (Camila
Pitanga) com um jovem branco. Essa subtrama desafiava diretamente o mito da democracia
racial no Brasil, questionando a ideia de que a miscigenação brasileira resultou em uma
sociedade livre de preconceitos. Como aponta George Reid Andrews (1998, p. 112), “[...] o
Brasil, apesar de sua retórica de harmonia racial, sempre manteve barreiras invisíveis à
ascensão social da população negra, reforçadas pela ausência de representações positivas na
mídia”.
Figura 1 - Família Noronha
Fonte: TV Play
Essa abordagem trouxe à tona discussões sobre preconceito e identidade racial,
refletindo a realidade de muitos brasileiros.
A escolha de Sílvio de Abreu de retratar uma família negra sem centrar sua narrativa
exclusivamente no racismo foi um marco importante. Em entrevista ao livro Autores
Histórias da Teledramaturgia (2008, p. 312), o novelista explicou sua abordagem:
Achava que, toda vez que o negro aparecia na televisão, ele vinha para reclamar.
Ninguém gosta de gente reclamando, é muito chato. Eu disse [...] para os atores
daquele núcleo que eu queria uma família em que houvesse identificação com o
público. Eu queria provar, para a televisão e para os outros autores também , que
uma família de negros tanta audiência quanto uma família de brancos [...]. Era
uma família que todo mundo achava bonita. Quando aparecia algum conflito, eles se
uniam para resolver, era a família ideal de novela. A única família assim era a
família dos negros (Memória Globo, 2008, p. 312).
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A declaração de Silvio de Abreu suscita reflexões críticas. Se, por um lado, a
representação da família Noronha foi inovadora ao fugir dos estereótipos tradicionais, por
outro, a decisão de evitar a problematização mais direta do racismo pode ser vista como uma
suavização da realidade. Como destaca Araújo (2004, p. 83), "a construção de personagens
negros idealizados pode, paradoxalmente, reforçar o silenciamento sobre o racismo estrutural
brasileiro".
A recepção da família Noronha pelo público foi amplamente positiva, demonstrando
que personagens negros podiam ocupar posições centrais na teledramaturgia sem prejuízo da
audiência. A repercussão da trama abriu caminho para representações mais diversas na
televisão brasileira, ainda que de maneira gradual e limitada.
No entanto, é importante destacar que a inclusão da família negra de classe média em
A Próxima Vítima o significou uma transformação imediata da representatividade negra na
TV. Com base na concepção teórica do filósofo e historiador americano Douglas Kellner
(2001), compreendemos o papel central da mídia como um poderoso catalisador na sociedade
brasileira, marcada por profundas desigualdades sociais e raciais. A cultura midiática não
apenas reflete, mas também influencia a construção de identidades e percepções sociais,
impactando diretamente a forma como os indivíduos interpretam questões de classe, raça,
etnia, sexualidade e nacionalidade. Contudo, essa influência nem sempre ocorre de maneira
crítica ou consciente, uma vez que muitos consumidores assimilam as representações
midiáticas sem questionamento, reproduzindo discursos e estereótipos que podem reforçar
estruturas de exclusão e desigualdade.
Dessa forma, a mídia não apenas informa, mas também participa ativamente da
construção de imaginários sociais, moldando a percepção que os indivíduos têm de si mesmos
e do mundo ao seu redor. Ainda que A Próxima Vítima tenha quebrado paradigmas, a
indústria televisiva continuou reproduzindo muitas das mesmas exclusões e estereótipos nos
anos seguintes.
O impacto da telenovela, portanto, deve ser analisado dentro de um contexto mais
amplo: se por um lado ela marcou uma importante inflexão na representação negra na TV
brasileira, por outro, expôs os desafios contínuos da luta por uma teledramaturgia
verdadeiramente plural e representativa, algo que atualmente estamos vendo com diversas
atrizes negras protagonizando todas as telenovelas inéditas da TV Globo: Garota do Momento
(no horário das seis); Volta por Cima (no horário das sete) e Mania de Você (no horário das
nove).
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4 REPRESENTAÇÃO DA HOMOSSEXUALIDADE EM A PRÓXIMA VÍTIMA
A telenovela A Próxima Vítima (1995) foi pioneira ao trazer para a teledramaturgia
brasileira um casal homossexual masculino representado de forma sensível e realista. O
relacionamento entre Sandrinho (André Gonçalves) e Jefferson (Lui Mendes) foi um marco
na televisão brasileira, tanto por sua abordagem dramática quanto pela forma como refletia o
preconceito e as dificuldades enfrentadas por jovens LGBTQIA+ no Brasil da década de
1990.
O desenvolvimento da homoafetividade entre os personagens não aconteceu de forma
abrupta, mas sim gradativamente, com indícios discretos que foram crescendo ao longo da
trama. A narrativa construiu a relação entre os dois jovens como uma amizade sincera,
marcada por companheirismo e carinho, que aos poucos se revelou um sentimento amoroso.
Desde os primeiros capítulos, Jefferson demonstrava uma preocupação especial por
Sandrinho, o que já sugeria uma conexão afetiva mais profunda. Em um primeiro momento, o
personagem confidenciou à irmã, Patrícia (Camila Pitanga), que estava apaixonado, mas sem
revelar o nome da pessoa, um indício do conflito interno vivido por ele e que seria um dos
eixos dramáticos da telenovela.
Figura 2: Sandrinho e Jefferson
Fonte: TV Globo/Divulgação
Ao longo da narrativa, a tensão em torno da sexualidade de Jefferson foi crescendo
dentro de sua família. A mãe, Fátima (Zezé Motta), demonstrava incômodo ao perceber que o
filho não namorava garotas e saía constantemente com Sandrinho. O diálogo entre os dois
revelou a forma como a sociedade da época enxergava a homossexualidade, marcada pelo
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estranhamento e pelo preconceito: Fátima: “Jéfferson, olha pra mim: você e o Sandro são
apenas amigos?” (A próxima vítima, Capítulo 71, 01/06/1995).
A pergunta de Fátima não foi respondida naquele momento, pois a conversa foi
interrompida. No entanto, ela expôs a pressão social para que os jovens seguissem um padrão
heteronormativo, reforçando a ideia de que é normal um rapaz da idade dele ter uma
namorada”. A preocupação da mãe era compartilhada por Ana (Susana Vieira), mãe de
Sandrinho, que, ao longo da trama, chegou a sugerir que o filho procurasse um médico,
tratando a homossexualidade como uma fase passageira ou uma doença.
Essa construção dramatúrgica reflete o pensamento predominante da sociedade
brasileira nos anos 1990. Embora o país estivesse em um processo de redemocratização e
mudanças culturais, a homofobia ainda era amplamente aceita e pouco discutida. A ideia de
que a homossexualidade era um desvio a ser corrigido era comum, e a telenovela expôs essa
visão de forma crítica, ao apresentar personagens que tentavam “consertar seus filhos.
O autor de A Próxima Vítima, Sílvio de Abreu, sabia que abordar um relacionamento
homoafetivo na televisão aberta seria um grande desafio. Em entrevista ao Memória Globo
(2008, p. 312-313), ele explicou sua estratégia para garantir a aceitação do público:
A partir do momento em que você mostra na televisão que um casal homossexual
pode ser bem aceito, a sociedade passa a olhar de uma maneira diferente ou, ao
menos, passa a discutir a possibilidade de estar errada, de estar vendo aquilo com
preconceito. Primeiro, queria mostrar que eles [Sandrinho e Jefferson] eram bons
amigos, bons filhos, bons estudantes, enfim, pessoas adoráveis. Queria que o público
gostasse deles, para depois dizer: ‘Ah, esqueci! Eles são homossexuais também’.
o público já estava gostando e não tinha por que colocar o preconceito na frente.
A estratégia adotada pelo autor foi eficaz. Ao construir os personagens como figuras
queridas pelo público antes de revelar sua orientação sexual, ele conseguiu criar uma conexão
emocional com os telespectadores, reduzindo a rejeição inicial ao casal. Além disso, ele
propositalmente criou um personagem negro e homossexual, o que forçava a sociedade a lidar
com dois preconceitos simultaneamente.
Fiz uma armadilha para os preconceituosos: coloquei um negro homossexual.
Assim, eles tinham dois preconceitos com que se preocupar. O resultado foi
excelente em todos os pontos de vista. […]. Ser ou não homossexual não muda o
caráter de uma pessoa (Memória Globo, 2008, p. 312-313).
A abordagem de Sílvio de Abreu rompeu com o padrão da teledramaturgia brasileira,
que, a então, representava personagens LGBTQIA+ de maneira caricatural ou
marginalizada. Ao inserir um casal homoafetivo na narrativa central de A Próxima Vítima, a
telenovela contribuiu para a visibilidade LGBTQIA+ na mídia brasileira.
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Ao longo da trama, Jefferson enfrentou um intenso conflito interno, evidenciado por
sua tentativa de se relacionar com Rosângela (Isabel Fillardis). Em determinado momento, ele
chegou a afirmar que gostou do beijo da jovem e tentou se convencer de que poderia manter
um relacionamento heterossexual. No entanto, suas recaídas emocionais e o sofrimento
causado por essa negação de sua identidade demonstravam o impacto da repressão social.
Em uma das cenas mais emocionantes da telenovela, Sandrinho confronta Jefferson,
dizendo que não queria mais vê-lo tentando forçar um relacionamento com uma mulher. O
conflito entre os dois culmina em uma conversa decisiva, na qual Jefferson admite seu
sofrimento e chora, demonstrando sua dificuldade em se aceitar. Essa jornada reflete a
realidade de muitos jovens LGBTQIA+ da época, que enfrentavam não apenas o preconceito
externo, mas também a luta interna para compreender e aceitar sua identidade.
A tensão entre Jefferson e sua família atingiu seu ápice quando ele finalmente
declarou sua homossexualidade durante o jantar. A reação foi intensa: Fátima e Sidney
ficaram revoltados, enquanto sua irmã Patrícia foi a única a apoiá-lo, como é possível
observar no seguinte diálogo: Sidney: Isso é coisa de sem-vergonha!”.
Fátima: Isso é doença! Vamos procurar um médico (A próxima vítima, Capítulo 193,
21/10/1995).
A agressão verbal de Sidney e a insistência de tima em tratar a homossexualidade
como um problema médico refletem a mentalidade conservadora da época. Em resposta,
Jefferson se mostrou firme e decidido, recusando-se a aceitar qualquer tentativa de “cura”.
Essa sequência de eventos representou um dos momentos mais impactantes da
telenovela, pois expôs a violência familiar e social sofrida por pessoas LGBTQIA+. Como
destaca George Reid Andrews (1998, p. 112), “[...] a questão racial e a orientação sexual no
Brasil são marcadas por processos contínuos de afirmação e contestação, nos quais a dia
desempenha um papel crucial”.
Nesse sentido, A Próxima Vítima foi um divisor de águas na representação da
homossexualidade na televisão brasileira 30 anos. A relação entre Sandrinho e Jefferson
foi desenvolvida com profundidade, explorando as dificuldades enfrentadas por jovens
LGBTQIA+ em um país onde o preconceito ainda era predominante. A recepção do público,
embora positiva em muitos aspectos, também revelou as resistências sociais à inclusão de
narrativas homoafetivas na mídia.
O casal Sandrinho e Jefferson marcou a história da teledramaturgia brasileira ao
oferecer uma representação mais realista da homossexualidade, abordando os desafios
enfrentados por jovens LGBTQIA+ em um país profundamente marcado pelo preconceito. No
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entanto, a necessidade de suavizar a narrativa e a ausência de manifestações públicas de afeto
evidenciam as restrições impostas pela sociedade e pela indústria midiática. A Próxima Vítima
abriu caminho para futuras representações LGBTQIA+ na televisão brasileira, mas também
revelou a necessidade de ampliar a diversidade dessas narrativas, contemplando diferentes
expressões da identidade homossexual e combatendo os estereótipos que ainda persistem.
A telenovela não apenas refletiu a realidade de muitos jovens da época, mas também
ajudou a ampliar o debate sobre diversidade e representatividade na televisão. A abordagem
inovadora de Sílvio de Abreu abriu espaço para discussões mais amplas sobre identidade,
afetividade e os direitos da comunidade LGBTQIA+ no Brasil.
5 CONCLUSÕES
A Próxima Vítima gerou debates significativos sobre racismo e homofobia no Brasil.
três décadas a telenovela foi pioneira ao abordar temas como homossexualidade e
negritude na teledramaturgia brasileira, desafiando estereótipos e promovendo debates
importantes na sociedade. Embora tenha enfrentado críticas, A Próxima Vítima contribuiu
para a reflexão sobre diversidade e inclusão, influenciando produções posteriores e a
percepção pública sobre esses temas.
As representações da homossexualidade e da negritude na telenovela A Próxima
Vítima (1995) marcaram um importante avanço na teledramaturgia brasileira, desafiando
estereótipos e promovendo um debate social sobre diversidade e inclusão. Ao apresentar uma
família negra de classe média e um casal homoafetivo em uma trama de grande audiência, a
telenovela trouxe visibilidade para grupos historicamente marginalizados na televisão.
Contudo, apesar dos avanços, algumas limitações foram observadas na abordagem dessas
temáticas.
O rompimento com o estigma de que personagens negros estavam restritos a papéis
subalternos foi um marco significativo. A família Noronha representou um esforço para
desconstruir a ideia de que o sucesso social era um privilégio exclusivamente branco,
oferecendo um novo modelo de representatividade para a população negra. Entretanto, a
escolha de retratar essa família sem um aprofundamento mais crítico sobre o racismo
estrutural pode ser vista como uma suavização da realidade, evitando um confronto mais
direto com as desigualdades raciais ainda presentes na sociedade brasileira.
A abordagem da homossexualidade também foi inovadora, especialmente ao retratar a
relação entre Jefferson e Sandrinho com sensibilidade e respeito. A estratégia do autor de
Revista Em Perspectiva, Fortaleza, v. 11, e95127, p. 1-15, 2025. ISSN 2448-0789. DOI: 10.36517/ep.v11i.95127.2025
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construir personagens carismáticos antes de revelar sua orientação sexual foi eficaz para
conquistar a aceitação do público. No entanto, a ausência de manifestações públicas de afeto
entre os personagens evidencia as restrições impostas pela indústria televisiva e pela
sociedade da época, revelando a dificuldade em naturalizar relações homoafetivas em
produtos de grande audiência.
A recepção do público e da crítica demonstrou tanto os avanços quanto as resistências
enfrentadas pela telenovela. Se por um lado A Próxima Vítima abriu caminho para novas
representações, por outro, mostrou que a luta por uma teledramaturgia verdadeiramente plural
e representativa que ainda é um desafio. A televisão, como um dos principais formadores de
imaginários sociais, tem um papel crucial na promoção de discursos mais inclusivos e na
desconstrução de preconceitos arraigados na cultura brasileira.
Ao longo das últimas décadas, a televisão brasileira tem avançado na
representatividade de minorias, com narrativas cada vez mais diversas e inclusivas. No
entanto, é essencial que essas representações não apenas existam, mas que sejam
aprofundadas de maneira crítica e realista, evitando a superficialidade e garantindo um espaço
autêntico para vozes historicamente silenciadas.
Dessa forma, A Próxima Vítima continua sendo uma referência importante na história
da teledramaturgia brasileira, servindo como um exemplo de como a ficção pode provocar
reflexões e impulsionar mudanças na sociedade. Seu legado reforça a necessidade de um
compromisso contínuo da dia com a diversidade e a inclusão, garantindo que diferentes
identidades e experiências sejam representadas de maneira digna e significativa.
REFERÊNCIAS
ANDREWS, George Reid. Negros e brancos em São Paulo (1888-1988). Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1998.
ARAÚJO, Joel Zito. A negação do Brasil: o negro na telenovela brasileira. São Paulo: Senac,
2004.
BALBINO, Jéfferson. Teledramaturgia: o espelho da sociedade brasileira. São Paulo: Giostri,
2016.
BALBINO, Jéfferson. Representações e recepção da homossexualidade na teledramaturgia
da TV Globo (2005-2015). Rio de Janeiro: Multifoco, 2019.
KELLNER, Douglas. Media culture: cultural studies, identity, and politics between the
modern and the postmodern. New York: Routledge, 2001.
Revista Em Perspectiva, Fortaleza, v. 11, e95127, p. 1-15, 2025. ISSN 2448-0789. DOI: 10.36517/ep.v11i.95127.2025
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MEMÓRIA GLOBO. A Próxima Vítima. Disponível em:
https://memoriaglobo.globo.com/entretenimento/novelas/a-proxima-vitima/. Acesso em:
27/04/2025.
NAPOLITANO, Marcos. Como usar a televisão na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2003.
TV GLOBO. A Próxima Vítima. Escrita por Silvio de Abreu com colaboração de Maria
Adelaíde Amaral e Alcides Nogueira, 1995, 203 capítulos. Elenco: José Wilker; Susana
Vieira; Tony Ramos; Cláudia Ohana; Aracy Balabanian; Tereza Rachel; Yoná Magalhães;
Rosamaria Murtinho; Gianfrancesco Guarnieri; Lima Duarte; Vivianne Pasmanter; Natália do
Vale; Marcos Frota; Paulo Betti; Camila Pitanga; Selton Mello; Deborah Secco; André
Gonçalves; Eduardo Felipe; Georgiana Góes; Pedro Vasconcelos; Isabel Fillardis; Zezé
Motta; Antônio Pitanga; Nicette Bruno; Flávio Migliaccio; Vera Holtz; Otávio Augusto; Cecil
Thiré; Glória Menezes, entre outros.
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Informações Adicionais
Biografia
profissional
Pós-Doutorando em Ensino de História pela UFPB. Doutor e Mestre em
História pela UNESP, com ênfase em História Cultural. Desenvolve
pesquisas voltadas à história da televisão brasileira, com especial interesse
na teledramaturgia e suas interfaces com cultura, política, sociedade e
processos de recepção. Possui diversos artigos publicados em periódicos
científicos nacionais e internacionais e tem participado de eventos
acadêmicos no Brasil e no exterior. Paralelamente à carreira acadêmica, é
também jornalista, ator e autor das obras Teledramaturgia: o espelho da
sociedade brasileira, Operários da arte e representações e recepção da
homossexualidade na teledramaturgia da TV Globo (2005-2015).
Endereço para
correspondência
Rua Levy Baldassari, 421 – Centro – Jacarezinho/PR, CEP: 86.400-000.
Financiamento
Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado da Paraíba (FAPESQ).
Conflito de
interesse
Nenhum conflito de interesse foi declarado.
Aprovação no
comitê de ética
Não se aplica.
Preprint
O artigo não é um preprint.
Método de
avaliação
Revisão por pares anônima dupla (Double anonymous peer review).
Direitos autorais
Copyright © 2025, Jéfferson Balbino
Licença
Este é um artigo distribuído em Acesso Aberto sob os termos da Creative
Commons Atribuição 4.0 Internacional (Licença CC BY).
Histórico
editorial
Data de Submissão: 02/03/2025
Data de modificação: 27/04/2025
Data de aprovação: 30/04/2025