Dominação
na
Amazônia
brasileira:
uma
leitura
a
partir
de
Pierre
Bourdieu
Maria
José
Teisserenc
Universidade
Federal
do
Pará,
Brasil
https://orcid.org/0000-0002-1908-7463
mjteisserenc@uol.com.br
Pierre
Teisserenc
Université
Paris
XIII,
França
https://orcid.org/0000-0003-1702-6699
pierre-teisserenc@wanadoo.fr
Introdução
Neste
artigo
é
apreciada
a
adequação
do
quadro
teórico
de
Pierre
Bourdieu
à
abordagem
de
situações
na
Amazônia
brasileira
nas
quais
é
verificado
que
a
dominação
tem
como
base
o
sistema
de
aviamento
.
Um
sistema
cujas
raízes
remontam
à
colonização,
e
que
permanece,
apesar
da
República
instaurada
no
Brasil
e
a
progressiva
expansão
de
uma
economia
capitalista
e
periférica,
desde
o
fim
do
século
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
54,
n.
2,
jul./out.
2023,
p.
227-262.
DOI:
10.36517/rcs.54.2.a03
ISSN:
2318-4620
M.
J.
Teisserenc
e
P.
Teisserenc
89
XIX
7
.
Ocorre
que,
em
tempos
mais
recentes,
com
o
retorno
da
democracia
ao
Brasil,
em
meados
dos
anos
de
1980,
experiências
locais
de
mobilização
e
ações
de
enfrentamento
a
desafios
ambientais
passaram
a
interpelar
esse
modo
de
dominação
e
o
modelo
de
sociedade
capitalista
a
ele
associado.
A
partir
dos
modos
de
dominação
identificados
por
Pierre
Bourdieu
retomaremos,
então,
na
literatura
especializada,
mas
também,
a
partir
de
observações
empíricas,
situações
na
Amazônia
brasileira
desde
fins
do
século
XIX,
a
partir
do
desenvolvimento
do
chamado
Ciclo
da
Borracha,
com
o
objetivo
de
apreciar
seus
efeitos
em
termos
de
permanência
e
como,
em
certas
condições
locais,
favorecidas
pelo
retorno
da
democracia
no
Brasil,
esse
sistema
de
dominação
passa
a
ser
questionado.
Assim,
passemos
então
à
primeira
parte
deste
artigo,
na
qual
apresentamos
o
quadro
teórico
elaborado
por
Pierre
Bourdieu
que
aqui
nos
interessa,
para,
em
seguida,
buscarmos
contribuir
com
a
compreensão
de
situações
da
Amazônia
brasileira,
apresentando
as
características
desse
contexto
e
colocarmos
a
questão
da
permanência
de
um
modo
particular
de
dominação,
apesar
de
mudanças
sociais
e
econômicas
operadas.
Permanência
cujas
razões
ligam-se
a
um
passado
colonial
e
ao
papel
desempenhado
por
um
tipo
de
dominação
na
construção
do
Brasil
enquanto
nação,
e
considerá-lo
face
7
A
ideia
da
permanência
do
aviamento
enquanto
sistema
de
dominação,
característico
de
diversas
situações
na
Amazônia
brasileira
desde
sua
colonização,
integra
a
tese
de
Márcio
Meira
(2018).
Uma
tese
que,
inspirada
em
Fernand
Braudel
(1969),
adota
a
perspectiva
da
longa
duração.
Nesse
trabalho,
aliás
muito
bem
documentado,
Márcio
Meira,
parte
da
“condição
colonial
vivida
pelos
escravos”
para
compreender
a
continuidade
de
um
sistema
que
conseguiu
se
impor
apesar
da
diversidade
de
contextos
históricos
e
sociogeográficos
que
compõem
o
imenso
território
da
Amazônia,
desde
sua
conquista
e
exploração
colonial
até
hoje.
Segundo
este
autor,
“a
continuidade
e
o
aprofundamento
desse
sistema
já
haviam
se
estabelecido
e
fortalecido
desde
os
tempos
coloniais”
(MEIRA,
2018,
p.
99).
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
Dominação
na
Amazônia
brasileira...
aos
desafios
socioambientais
e
a
capacidade
destes
desafios
em
interpelá-lo.
Para
concluir
apresentaremos
algumas
observações
relativas
à
pertinência
da
perspectiva
de
Pierre
Bourdieu
sobre
os
modos
de
dominação
nos
tempos
atuais.
Os
modos
de
dominação
em
Pierre
Bourdieu
No
segundo
número
de
Actes
de
la
recherche
en
sciences
sociales
,
revista
criada
por
Pierre
Bourdieu
em
1975,
foi
publicado
um
artigo
de
sua
autoria
sobre
os
modos
de
dominação,
importante
chave
de
leitura
para
os
trabalhos
posteriores
desse
autor.
Uma
das
intuições
de
Pierre
Bourdieu,
na
qual
ressoa
o
pensamento
de
Karl
Polanyi
na
sua
obra
mais
conhecida
A
Grande
Transformação
([1944],
1980),
é
considerar
que
Nas
sociedades
desprovidas
de
mercado
“autorregulado”,
de
sistema
educacional,
de
aparelho
jurídico
e
de
Estado,
as
relações
de
dominação
não
podem
ser
instauradas
e
mantidas
sem
estratégias
indefinidamente
renovadas
8
(BOURDIEU,
1976,
p.122).
Nessas
sociedades
pré-capitalistas,
os
dominantes
“são
condenados
às
formas
elementares
da
dominação,
isto
é
a
dominação
direta
de
uma
pessoa
sobre
outra
cujo
limite
é
a
apropriação
da
pessoa,
isto
é
a
escravidão”
(BOURDIEU,
1976,
p.
126).
Uma
apropriação
que
afeta
o
conjunto
da
vida
dos
indivíduos:
trabalho,
família,
vida
social
no
sentido
amplo.
Uma
dominação
que
se
sustenta
em
“estratégias
complexas
cuja
8
Neste
artigo
as
citações
dos
trabalhos
em
francês
estão
em
tradução
livre.
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
M.
J.
Teisserenc
e
P.
Teisserenc
91
eficácia
depende
não
somente
da
força
material
e
simbólica
das
partes
em
presença,
mas
também
de
suas
habilidades
em
mobilizar
o
grupo
suscitando
a
comiseração
ou
a
indignação”
(BOURDIEU,
1976,
p.
127).
A
complexidade
dessas
estratégias
se
deve
ao
fato
de
que
o
dominante,
para
se
impor,
assujeita-se
a
exigências
que
legitimam
sua
pretensão
e
sua
posição
na
sociedade
e
o
obriga,
por
isso,
a
ser
generoso,
a
ser
digno
nas
relações
com
seus
“clientes”
sempre
que
ele
consegue
impor
uma
situação
de
dependência
através
da
compaixão,
ao
mesmo
tempo
da
violência
quando,
em
função
das
circunstâncias,
o
“cliente”
recusa
o
jogo.
Por
parte
de
quem
manda,
tudo
se
resume
a
estratégias,
sobretudo
de
estratégias
de
violência
simbólica
muitas
vezes
mais
eficientes
que
as
estratégias
econômicas.
Isso,
porque,
como
precisa
o
autor,
Há
apenas
duas
maneiras
–
que
ao
final
são
uma
só
–
de
se
prender
alguém
permanentemente:
a
dádiva
e
a
dívida,
as
obrigações
abertamente
econômicas
da
dívida
ou
as
obrigações
“morais”
ou
“afetivas”
criadas
e
cultivadas
pela
troca,
isto
é,
a
violência
aberta
(física
ou
econômica)
ou
a
violência
simbólica
como
violência
censurada
e
eufemizada,
irreconhecível
e
reconhecida
(BOURDIEU,
1976,
p.
127).
Nas
sociedades
pré-capitalistas,
essas
duas
formas
de
violência
coexistem
na
medida
em
que
a
dominação
que
prevalece
não
pode
ser
exercida
a
não
ser
sob
a
forma
elementar
da
brutalidade
física,
de
uma
pessoa
para
com
outra,
e
que,
na
ausência
de
intermediários,
trate-se
de
pessoas
ou
instituições,
é
então
necessário,
para
se
cumprir
abertamente,
“de
se
dissimular
sob
o
véu
de
relações
encantadas”
(BOURDIEU,
1976,
p.
127),
caracterizando-se
assim
a
violência
simbólica.
Isso
só
é
possível
se
o
poder
do
dominante
se
baseia
não
somente
na
sua
riqueza
pessoal,
mas
também
em
uma
rede
de
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
Dominação
na
Amazônia
brasileira...
relações
no
campo
econômico
que
ele
deve
manter
para
se
beneficiar
das
vantagens
de
sua
dominação.
Como?
“Para
ser
tratado
como
senhor,
o
dominante
deve
manifestar
as
virtudes
que
convém
à
sua
posição,
a
começar
pela
generosidade
e
a
dignidade,
nas
suas
relações
com
os
‘clientes’”
(BOURDIEU,
1976,
p.
127).
Assim,
se
explica
a
importância
das
reconversões
do
capital
econômico
em
capital
simbólico
por
meio
de
práticas
de
generosidade
que
dissimulam,
eufemizam
a
dominação.
Tais
práticas
alimentam
estratégias
de
dominação
que “podem
parecer
ao
mesmo
tempo
tanto
as
mais
brutais,
mais
primitivas,
mais
bárbaras
ou
mais
sutis,
mais
humanas,
mais
respeitosas
pela
pessoa”
(BOURDIEU,
1976,
p.
128).
Esta
dualidade
é
fundamental
para
compreender
essas
estratégias
encontradas
tanto
no
caso
de
dívida
quanto
de
dádiva.
Ela
explica
o
caráter
essencial
da
ambiguidade
nas
práticas
dos
senhores
operadas
através
de
estratégias
tão
opostas
tais
como
as
geradas
pela
violência
aberta
ou
pela
violência
dissimulada,
em
função
do
estado
das
relações
de
força
entre
as
partes.
Nas
sociedades
capitalistas,
caracterizadas
por
um
mercado
autorregulado,
por
um
sistema
educacional,
um
aparelho
jurídico,
um
Estado
e
outros,
onde
estratégias
de
dominação
apresentam
as
condições
de
uma
dominação
impessoal
e
de
uma
reprodução
impessoal
das
relações
de
dominação,
é
diferente.
Os
dominantes,
nesse
caso,
beneficiários
de
uma
violência
dissimulada
em
mecanismos
objetivos,
os
deixam
simplesmente
serem
operados
dentro
de
campos
como
o
mercado
de
trabalho
ou
o
mercado
escolar,
dos
quais
dispõem
os
dominantes
como
oportunidades
para
objetivar
o
capital
social
por
eles
acumulado,
aproveitando-se
desse
modo
de
um
universo
social
no
qual
“as
relações
de
dominação
são
mediadas
por
mecanismos
objetivos
e
institucionalizados”
(BOURDIEU,
1976,
p.
122),
em
cujos
efeitos
se
encontra
a
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
M.
J.
Teisserenc
e
P.
Teisserenc
93
garantia
de
uma
redistribuição
do
capital
econômico
sob
a
forma
de
capital
simbólico.
Nesse
sentido,
o
trabalho
de
eufemização
é
economizado
dado
que
estratégias
indiretas
e
impessoais
assumem
o
lugar
do
exercício
direto
e
pessoal
da
dominação.
O
contexto
socioeconômico
amazônico
e
a
permanência
de
um
sistema
de
dominação
Analisando
as
tendências
geopolíticas
relacionadas
à
formação
da
Amazônia
brasileira,
Berta
Becker
(2009)
identificou
três
aspectos
significativos:
1)
o
caráter
tardio
da
ocupação
desse
território
com
o
objetivo
de
satisfazer
interesses
externos
ao
Brasil;
2)
a
escolha
política
por
manter
o
controle
do
território
através
de
unidades
administradas
pelo
poder
central;
e
3)
a
coexistência
em
um
mesmo
território
de
duas
modalidades
de
ocupação
e
de
desenvolvimento.
Uma
das
modalidades
orientada
por
uma
visão
externa,
que
afirma
a
soberania
do
território
privilegiando
as
relações
com
o
Governo
Federal
para
a
exploração
de
seus
recursos,
caso
do
Ciclo
Econômico
da
Borracha
9
.
Outra
modalidade,
orientada
por
uma
visão
interna,
privilegiou
um
desenvolvimento
endógeno
e
a
autonomia
local,
como
foi
o
caso
de
iniciativas
missionárias
que
se
impuseram
como
respostas
à
incapacidade
9
“A
borracha
se
inscrevia
no
coração
das
máquinas
da
nova
etapa
da
Revolução
Industrial
e
ainda
fazia
parte
do
novo
símbolo
da
modernidade
que
era
o
automóvel
(nas
cidades
de
Belém
e
Manaus).
Todavia,
em
contraposição
a
esse
polo
moderno
da
nova
fase
de
desenvolvimento
capitalista
esteve
associada
uma
das
mais
brutais
formas
de
opressão
e
exploração
de
que
se
tem
notícia.
O
termo
“inferno
verde”
se
referia
à
vida
nos
seringais,
o
verdadeiro
inferno
que
enredava
o
cotidiano
de
exploração
do
seringueiro”
(PORTO
GONÇALVES,
2001,
p.
88).
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
Dominação
na
Amazônia
brasileira...
e/ou
falta
de
interesse
das
autoridades
políticas
do
período
colonial
em
assumir
suas
responsabilidades.
Assim,
as
missões
...
ainda
conseguiram
o
controle
do
território
com
uma
base
econômica
organizada,
e
que
o
governo
colonial
nao
logrou
realizar.
Aliás,
os
feitos
econômicos
governamentais
em
surtos
dominantes
em
curtos
períodos
de
tempo
e
em
certos
espaços
foram
desagregadores
para
o
vale
do
Amazonas,
embora
tenham
constituído
condição
fundamental
para
a
unidade
política
da
Amazônia
(BECKER,
2009,
p.
24).
Essas
tendências
geopolíticas
reemergem,
sobretudo
na
segunda
metade
do
século
XX,
em
uma
região
caracterizada,
segundo
Philippe
Léna
(2002),
pela
coexistência
de
dois
modelos
de
desenvolvimento:
um
modelo
tradicional,
paternalista
e
clientelista,
baseado
no
sistema
de
aviamento
;
e
um
modelo
modernizador,
desenvolvimentista
e
predador,
adotado
no
fim
dos
anos
de
1960
pelos
governos
militares,
no
qual
a
Amazônia
passa
a
figurar
como
“fronteira
de
recursos
que
deve
ser
ocupada
e
explorada
no
intuito
de
firmar
a
soberania
nacional
na
região
e
acelerar
o
crescimento
econômico
do
país”
(LÉNA,
2002,
p.
3).
Sem
nenhuma
dúvida,
o
Ciclo
da
Borracha,
que
corresponde
ao
período
de
1870-1920,
constituiu
uma
etapa
significativa
da
penetração
do
capitalismo
internacional
na
Amazônia,
avalizado
pelo
poder
central.
Tratou-se
de
uma
expansão
econômica
que
integrou
um
modo
de
dominação,
baseado
em
relações
sociais
praticadas
desde
o
período
colonial,
como
o
aviamento
,
e
que
vai
se
adaptar
ao
modelo
“modernista”
10
para
satisfazer
exigências
de
uma
produção
de
bens
primários
para
10
Márcio
Meira
confirma
os
laços
desse
sistema
com
a
colonização
da
região:
“a
história
do
extrativismo
e
do
escambo
e,
portanto,
do
sistema
de
aviamento
se
confunde
com
o
do
colonialismo
e
da
escravidão
moderna”
(MEIRA,
2018,
p.
98).
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
M.
J.
Teisserenc
e
P.
Teisserenc
95
exportação.
Esse
modo
de
dominação
impôs-se
então
ao
conjunto
do
território
amazônico,
como
entendido
por
Márcio
Meira
(2018),
ao
considerar
que
a
partir
de
1870,
e
durante
50
anos,
“a
exploração
da
borracha
transformou
o antigo
sistema
do
aviamento
numa
ampla
e
complexa
rede
hierárquica
de
comércio
que
se
espalhou
em
toda
a
Amazônia”
(MEIRA,
2018,
p.
103),
segundo
modalidades
que
se
adaptaram
aos
produtos
e
aos
serviços
respectivos
tanto
nas
zonas
rurais
quanto
nas
urbanas.
Mesmo
se
sua
duração
não
ultrapassou
meio
século,
o
impacto
do
Ciclo
da
Borracha
foi
considerável.
Depois
de
sua
reabilitação
passageira
durante
a
Segunda
Guerra
mundial,
em
função
de
uma
economia
de
guerra
imposta
pelas
potências
estrangeiras,
a
produção
de
borracha
para
exportação
é
sucedida
por
uma
política
de
colonização
do
território
amazônico,
iniciada
pelos
governos
militares
nos
anos
de
1960,
que
se
associou
notadamente
à
construção
de
rodovias
tendo
em
vista
a
exploração
madeireira,
mineral
e
agropecuária
por
grupos
industriais.
Disso
resultou
uma
aceleração
da
engrenagem
técnico-política
da
região
em
condições
extremamente
violentas,
sem
levar
em
conta
diversidades
sociais,
culturais
e
ambientais.
Concebendo
a
Amazônia
como
uma
plataforma
de
recursos
a
ser
ocupada
e
explorada,
sob
risco
de
perda
da
soberania
sobre
o
território,
os
governos
do
Regime
Militar,
implementaram
uma
política
de
colonização
com
o
objetivo
de
promover
o
desenvolvimento
da
Amazônia
e
contribuir
com
a
redução
das
tensões
sociais
das
periferias
das
grandes
metrópoles
do
centro-sul
do
Brasil,
confrontadas
com
a
pobreza
e
o
desemprego,
oferecendo
a
populações
pouco
qualificadas
uma
oportunidade
de
acesso
à
terra
e
a
uma
atividade
de
sobrevivência
(LÉNA,
1996).
Esta
política
de
colonização
acompanhou
“uma
implantação
do
capitalismo
que
não
se
articulou
jamais
às
estruturas
sociais
ou
políticas
locais”
(MEILLASSOUX,
1996,
p.
350),
exacerbando
as
tensões
entre
dois
modelos
de
sociedade
–
uma
sociedade
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
Dominação
na
Amazônia
brasileira...
pré-capitalista
de
tipo
tradicional
e
uma
sociedade
capitalista
autoritária
que
se
implantava.
Disso
advém
efeitos
sociais
extremamente
perversos
tais
como
a
destruição
de
modos
de
vida
e
dos
saberes
nativos
das
populações
amazônicas
chamadas
de
“tradicionais”.
Até
o
retorno
da
democracia
em
meados
dos
anos
de
1980,
essa
política
de
colonização
contribuiu
para
a
manutenção
de
uma
situação
de
tensões
na
Amazônia
resultante
da
coexistência
dos
dois
modelos
de
sociedade
que
tenderam,
a
depender
do
contexto,
a
se
oporem,
ou
a
se
ignorarem.
Uma
tal
coexistência
mostrou-se
assim
fecunda
para
manter
–
e
muitas
vezes
fortalecer
–
um
modo
de
dominação
por
meio
de
formas
que
a
seguir
serão
tratadas.
Sobre
os
conflitos
que
esta
situação
tem
gerado,
no
fim
deste
artigo
trataremos
da
maneira
como
se
conseguiu
legitimá-los
em
resposta
aos
desafios
socioambientais
que
se
impuseram
com
a
retomada
da
democracia
no
Brasil,
graças
a
implementação
de
novas
políticas
públicas.
O
sistema
paternalista
do
aviamento
no
Ciclo
da
Borracha
O
sistema
paternalista
11
do
aviamento
que
se
impôs
com
o
Ciclo
da
Borracha
é
o
resultado
de
um
modo
de
exploração
da
seiva
de
uma
espécie
vegetal
de
ocorrência
dispersa
na
floresta,
operado
pelos
seringueiros,
conjunto
de
11
Em
L’oppression
paternaliste
au
Brésil,
Geffray;
Léna
e
Araújo
(1996)
justificam
a
referência
ao
paternalismo,
e
não
ao
clientelismo,
pois
“O
paternalismo
designa
originalmente
uma
forma
arcaica
do
capitalismo
europeu”
que
traz
a
vantagem
“de
exprimir
claramente
a
desigualdade
fundamental
das
formas
de
exploração
coloniais
e
sua
camuflagem
ideológica”,
diferente
“das
outras
definições,
mais
descritivas
e
mais
neutras”
(GEFFRAY;
LÉNA;
ARAUJO,
1996,
p.
105).
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
M.
J.
Teisserenc
e
P.
Teisserenc
97
trabalhadores
oriundos
das
chamadas
populações
caboclas
da
região
e
outros,
grande
parte
deles,
vindos
do
Nordeste
do
Brasil.
Aos
seringueiros,
sob
o
rígido
controle
dos
senhores
dos
seringais,
chamados
seringalistas,
eram
confiadas
parcelas
de
florestas,
isoladas
e
geralmente
muito
distantes
dos
centros
urbanos
e
do
acesso
a
qualquer
serviço.
O
isolamento
dos
seringueiros
era
rigidamente
controlado
pelos
seringalistas,
senhores
absolutos
das
unidades
produtivas.
Estes
senhores,
pertencentes
à
elite,
residiam
principalmente
em
Manaus
ou
Belém
e
eram
os
que
mantinham
relações
comerciais
com
as
casas
aviadoras.
Sediadas
naquelas
cidades,
as
casas
aviadoras
forneciam
os
produtos
manufaturados
que
eram
levados
aos
longínquos
seringais
pelos
regatões
,
embarcações
pelas
quais
a
borracha
produzida,
na
forma
de
bolas
defumadas,
as
chamadas
pélas
,
era
trazida
para
as
casas
aviadoras,
responsáveis
pela
exportação
do
produto
(WEINSTEIN,
1993).
Como
já
indicado
a
mão
de
obra
para
o
trabalho
nos
seringais
em
larga
medida
foi
constituída
por
migrantes
do
Nordeste
do
Brasil
que,
na
Amazônia,
esperavam
se
estabelecer,
constituir,
ou
arranjar,
uma
família
12
e
melhorar
suas
condições
de
vida.
As
necessidades
desses
migrantes
explicam
a
importância
da
provisão
de
produtos
manufaturados
para
assegurar
sua
sobrevivência
em
regiões
isoladas,
nas
quais
as
redes
comerciais
desempenham
um
papel
estratégico,
e
a
elas
não
tinham
acesso
direto.
Este
acesso
passava
pelo
controle
dos
seringalistas
que,
por
sua
vez,
na
organização
da
produção
da
borracha
monopolizava
a
distribuição
dos
produtos
manufaturados
vindos
do
exterior
e
o
escoamento
da
produção
do
seringal.
12
Caio
Prado
Júnior
([1942],
2011)
tratou
dessas
práticas,
arranjos
ocasionais,
como
estabelecido
a
partir
do
sistema
colonial
brasileiro.
Um
sistema
no
qual
se
permitiu
o
cruzamento
de
raças,
através
da
“licença
de
costumes,
que
sempre
foi
a
norma
no
Brasil
colonial”,
contribuindo
assim
para,
em
certo
sentido,
a
“absorção
de
populações
indígenas”
(PRADO
JÚNIOR,
2011,
p.
102).
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
Dominação
na
Amazônia
brasileira...
Entre
o
“maior”
patrão
situado
em
Manaus
ou
Belém
e
o
“menor”
freguês
situado
nos
sertões
mais
profundos
há
uma
complexa
cadeia
hierárquica
de
poder,
de
natureza
étnica,
social
e
política,
que
incluiu
entre
os
“aviados”
e
os
chamados
“caboclos”,
mas
também
nordestinos
pobres,
indígenas
e
quilombolas;
e
entre
os
“aviadores”
imigrantes
portugueses,
espanhóis,
árabes
de
origem
libanesa
e
síria,
judeus
do
norte
da
África
e
também
migrantes
nordestinos,
incluídos
os
funcionários
públicos
e
militares
(MEIRA,
2018,
p.
107).
Em
tal
sistema,
a
situação
do
seringueiro
é
a
de
um
homem
trabalhando
habitualmente
sozinho
em
seu
percurso
de
coleta,
no
interior
da
floresta,
sem
relações
com
o
mundo
exterior,
a
não
ser
através
de
seu
patrão,
o
seringalista
,
do
qual
dependia
não
somente
para
vender
sua
produção,
mas
igualmente
para
adquirir
o
necessário
para
sua
subsistência
e
a
de
sua
família.
Aquisição
de
produtos
mediante
pagamento
com
a
borracha
produzida
jamais
totalizado,
dada
a
diferença,
sempre
vantajosa
para
o
patrão,
entre
os
valores
pagos
pela
borracha
e
os
valores
cobrados
pelos
produtos
manufaturados
por
ele
fornecidos.
Esta
situação
de
dependência
e
os
compromissos
estabelecidos
eram
tão
fortes
que,
na
maior
parte
dos
casos,
o
seringueiro
não
podia,
sob
pena
de
morte,
nem
cessar
sua
atividade
nem
vender
sua
produção
a
um
outro
patrão.
O
[
seringueiro
,
grifos
nossos
]
encontrava-se
de
pés
e
mãos
atados,
a
um
sistema
de
poder
fundado
em
relações
clientelistas
(LÉNA,
1996,
p.
113).
A
troca
em
questão
implicava
em
assimetria
não
distante
da
descrita
por
Pierre
Bourdieu
quando
analisa
a
dominação
no
campo
político
na
qual
“passa-se,
gradualmente,
da
simetria
da
troca
de
dádivas
à
assimetria
da
redistribuição
ostentatória
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
M.
J.
Teisserenc
e
P.
Teisserenc
99
que
é
a
base
da
constituição
da
autoridade
política”
(BOURDIEU,
1980,
p.
210).
Uma
autoridade
manifesta
na
expressão
tipicamente
simbólica
de
testemunhos
de
gratidão,
de
homenagens,
de
respeito,
de
obrigações
ou
de
dívida
moral.
Assim,
pode-se
perceber
que
na
redistribuição,
o
que
tocava
ao
seringueiro
não
se
apresentava
como
uma
dívida,
mas
como
uma
dádiva,
conferindo
ao
doador
prestígio
e
legitimidade,
pois:
a
dádiva
permite
de
certo
modo
possuir
a
vida
daqueles
que
não
podem
retribuir
à
altura
e
devem
por
consequência
assumir
uma
dívida
moral...
Nessas
situações,
é
a
ausência
de
garantia
institucional
da
dominação
que
obriga
o
dominante
a
ampliar
esforços
em
permanência
para
assegurá-la
(BOURDIEU,
1980,
p.
110).
No
caso
do
seringalista
,
esses
esforços
caracterizam
o
trabalho
de
constituição
de
seu
capital,
a
partir
da
formação
de
uma
clientela,
e
de
conversão
de
seu
capital
material
em
capital
simbólico
graças
à
organização
de
uma
rede
de
bens
e
de
serviços
voltados
às
necessidades
daquela
(LÉNA,
1996).
Esta
atividade
de
conversão
de
capitais
deve-se
ao
fato
de
o
seringalista
não
evoluir
no
mesmo
universo
econômico
e
social
que
seus
seringueiros
e
ocupar
uma
posição-chave
entre
o
mercado
e
os
seringueiros
,
desarticulados
e
sem
autonomia.
Disso,
portanto,
o
seringalista
emerge
como
único
beneficiário.
Para
manter
o
controle
sobre
uma
mão-de-obra,
impedindo-a
de
fugas
ou
de
acesso
a
certa
autonomia,
o
seringalista
desenvolve
estratégias
de
dominação
que,
em
função
das
circunstâncias
e
de
contextos,
iam
“da
redistribuição
clientelista
generosa
à
violência
física
extrema.
[cujo,
grifos
nossos
]
limite
absoluto
é
a
escravidão,
próxima
de
certas
formas
de
servidão
por
dívida
praticadas
atualmente
no
Brasil”
(LÉNA,
1996,
p.
116).
Esta
atividade
de
conversão
dá-se
igualmente,
segundo
Christian
Geffray,
com
base na
“ficção
de
uma
equivalência
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
Dominação
na
Amazônia
brasileira...
entre
os
bens
trocados,
ficção
dependente
da
“palavra”
do
seringalista
que
a
sustenta
e
justifica”.
De
fato,
na
medida
em
que
o
trabalho
do
seringueiro
não
é
pago
em
moeda
e
sim
com
produtos
e
serviços,
a
troca
baseia-se
no
valor
estimado
do
látex
em
comparação
aos
bens
manufaturados
fornecidos.
É
nessa
estimação
que
“reside
toda
a
arte
original
da
dominação:
fazer
com
que
nela
se
acredite”
(GEFFRAY,
1996,
p.
155).
E
esta
crença
é
tão
importante
quanto
a
equivalência
fictícia
que
tem
por
função
justificar
uma
dívida
original
13
que
se
apresenta
como
“a
forma
contábil
da
exploração,
que
compõe
o
quadro
imaginário
no
qual
o
cativeiro
dos
produtores
se
reveste
de
uma
significação
em
cifras,
coletivamente
reconhecida,
e
pode
adquirir
uma
legitimidade”
(GEFFRAY,
1996,
p.
156).
Um
dos
efeitos
perversos
desta
dívida
é
de
desenvolver
nos
dominados
uma
consideração
para
com
seus
exploradores,
que
são
louvados
–
e
amados
–
pela
generosidade
de
seus
serviços
e
presentes.
Eles
se
tornam
protetores
e
redistribuidores
paternais…
a
população
destinatária
de
suas
generosidades
que
eles
coletivamente
excluem
de
todo
acesso
autônomo
ao
mercado,
acreditam
neles,
obedecem
e
para
eles
trabalham
(GEFFRAY,
1996,
p.
156).
13
Quando
em
uma
de
suas
viagens
a
serviço
do
governo
brasileiro,
dessa
vez
ao
Amazonas
e
Acre,
no
início
do
século
XX,
Euclides
da
Cunha
registrou
precisas
descrições
sobre
as
condições
de
trabalho
nos
seringais.
Pelas
observações
desse
autor
a
produção
da
borracha
se
dá
com
base
na
“mais
criminosa
organização
do
trabalho"
e
"o
seringueiro
realiza
uma
tremenda
anomalia,
é
o
homem
que
trabalha
para
escravizar-se”
(CUNHA,
1976,
p.109).
Considerava
já
Euclides
da
Cunha
a
inexistência
de
condições
para
saldar
a
dívida
original
contraída
pelo
seringueiro
antes
mesmo
de
iniciar
seu
trabalho
na
coleta
de
látex.
Uma
dívida
jamais
saldada,
pois,
anualmente
atualizada
com
base
nos
cálculos
do
patrão
(PACHECO,
2012).
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
M.
J.
Teisserenc
e
P.
Teisserenc
101
Por
isso
o
seringalista
,
enquanto
“dominante
paternalista,
seja
ele
o
mais
medíocre”
(GEFFRAY,
1996,
p.
159),
dispõe,
em
sua
relação
com
o
dominado,
de
uma
legitimidade
pois
considerado
como
a
encarnação
da
lei.
Uma
lei
imposta
ao
dominado
e
que
obriga
o
dominante,
enquanto
“bom
patrão”,
ao
“amor
do
dominado”,
com
tudo
o
que
isso
implica
em
termos
de
exigências
e
de
obrigações.
Mas,
caso
o
“bom
patrão”,
não
respeite
a
lei,
abusando
de
sua
legitimidade
enquanto
encarnação
desta,
o
dominado
não
dispõe
de
nenhum
recurso,
nenhum
apoio
para
se
defender.
A
fuga
então,
tal
como
faziam
muitos
cativos
em
regime
de
escravidão,
emerge
como
único
meio
de
não
ser
executado
pelo
senhor
14
.
O
sistema
paternalista
do
aviamento
,
que
se
atualiza
durante
o
Ciclo
da
Borracha
15
,
consegue
se
estender
ao
conjunto
da
Amazônia
16
e
segue
adaptando-se
a
atividades
e
contextos
diferentes
17
.
No
caso
da
coleta
da
castanha
do
Pará
17
Esta
extensão
a
diferentes
contextos
dá-se
por
adaptação
das
formas
de
dominação
às
atividades
e
à
sua
perenizacão.
Márcio
Meira
mostra,
por
exemplo,
como
em
2013-2014
os
beneficiários
do
Bolsa
Família
e
Previdência
Especial
sofreram
com
a
“reciclagem
do
sistema
do
aviamento
,
no
qual
os
comerciantes
localizados
na
cidade
passam
a
se
apropriar
ilegalmente
dos
cartões
de
crédito
dos
beneficiários
desses
Programas
do
Governo
Federal,
mantendo-os
preso
a
dívidas
impagáveis”
(MEIRA,
2018,
p.
116).
Noutro
caso,
bem
mais
recente,
16
“A
curta
importância
assumida
pela
borracha
na
pauta
de
exportações
brasileiras não
corresponde
à
importância
e
à
permanência
das
relações
sociais
e
do
modo
de
vida
que
ela
criou.
Isso
explica,
de
um
lado,
que
a
borracha
continuasse
sendo
produzida,
apesar
das
circunstâncias
adversas
do
mercado
internacional,
e,
de
outro,
que
outras
produções
possam
ser
realizadas
mantendo-se
as
relações
sociais
supostas
na
extração
da
borracha”
(OLIVEIRA,
2012,
p.
28).
15
De
acordo
com
Márcio
Meira
(2018,
p.
101),
“a
economia
do
látex
no
século
XIX
não
criou,
mas
“retomou”
e
“ampliou”
o
“tradicional
sistema
de
aviamento”,
em
vigor
em
várias
partes
da
Amazônia”.
14
Sobre
a
prática
de
assassinato
dos
empregados
e
serviçais
pelos
“patrões”
na
Amazônia,
ver
as
descrições
de
Christian
Geffray
(2007)
em
A
Opressão
paternalista:
cordialidade
e
brutalidade
no
cotidiano
brasileiro
.
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
Dominação
na
Amazônia
brasileira...
também
foi
possível
verificar
a
incidência
do
sistema
de
aviamento
.
A
situação
dos
coletores
nos
castanhais
De
acordo
com
a
socióloga
Marília
Ferreira
Emmi
(1999;
2002),
reconhecida
especialista
das
relações
entre
poder
econômico
e
político
ligados
ao
extrativismo
nos
castanhais,
a
castanha
passa
a
se
destacar
na
economia
da
Amazônia
quando
declina
o
extrativismo
do
látex
das
seringueiras.
Fruto
da
castanheira
(
Bertholletia
excelsa
),
essa
amêndoa
nutritiva
tradicionalmente
integrada
na
alimentação
de
pessoas
e
animais
na
Amazônia,
já
no
início
do
século
XIX
figurava
entre
os
produtos
brasileiros
exportados,
sobretudo
para
os
Estados
Unidos
e
a
Inglaterra.
A
incidência
das
castanheiras
verificada
nas
terras
altas
e
solos
firmes
da
bacia
amazônica,
se
dá
no
Amazonas,
Acre,
Amapá
e
Pará.
No
Pará,
depois
de
desenvolvidas
a
exploração
nas
regiões
do
Trombetas
e
Baixo
Tocantins,
a
coleta
de
castanha
para
exportação
vai
se
tornar
bastante
expressiva
nos
anos
de
1920
nas
terras
da
confluência
dos
rios
Itacaiunas
e
Tocantins,
na
região
de
Marabá,
município
que,
por
várias
constatou-se
“a
situação
dos
pequenos
produtores
de
abacaxi
de
Salvaterra,
município
situado
na
Ilha
do
Marajó,
no
estado
do
Pará,
que
se
beneficiaram
de
um
programa
governamental
de
apoio
técnico
e
financeiro
para
o
desenvolvimento
dessa
cultura
e
utilizaram
os
serviços
de
“atravessadores”
estabelecidos
na
capital
do
estado,
para
escoar
sua
produção.
Os
atravessadores
compravam
a
produção
antes
de
seu
plantio.
Uma
forma
de
prestação
por
adiantamento
de
dinheiro,
possibilitando
o
investimento
na
plantação
e
o
atendimento
de
necessidades
básicas
dos
produtores
que
assim
adentram
uma
cadeia
de
dependência
tal
como
no
aviamento,
em
modos
atualizados
(TEISSERENC;
TEISSERENC,
2016).
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
M.
J.
Teisserenc
e
P.
Teisserenc
103
décadas
do
século
XX,
se
notabilizou
como
“terra
dos
castanhais”.
No
caso
da
região
de
Marabá,
onde
se
concentraram
os
estudos
de
Emmi
(1999;
2002),
dos
castanhais,
grupos
oligárquicos
se
constituíram
em
seus
“donos”
passando
a
exercer
controle
absoluto,
das
terras
onde
estes
(os
castanhais)
estavam
presentes.
Por
meio
desse
controle
os
tais
“donos”
construíram
sua
legitimidade
econômica
e
política.
Vale
ressaltar,
nesse
sentido,
que
a
atividade
produtiva,
da
extração
à
exportação,
estava
sob
o
controle
daqueles
que
detinham
as
terras,
as
embarcações
para
o
transporte
fluvial
e
o
comércio
da
castanha
e
outros
gêneros.
Nessa
engrenagem
as
pessoas
que
trabalham
apanhando
a
castanha
encontravam-se
dominadas
pelos
“donos”
de
castanhais,
tanto
pelo
sistema
de
dívidas,
como
pela
violência
exercida
diretamente
por
jagunços
e
pistoleiros
ao
seu
serviço.
O
trabalho
dos
coletores,
ou
apanhadores
,
de
castanhas,
à
diferença
do
dos
seringueiros
,
é
ritmado
pelo
tempo
da
safra
(de
dezembro,
janeiro
até
abril),
o
que
leva
a
estratégias
diferentes
para
se
impor
a
dominação.
De
fato,
na
situação
em
questão,
mesmo
havendo,
como
no
caso
do
seringal
,
controle
nas
vias
de
circulação
e
de
comercialização
dos
produtos
e
dos
serviços
necessários
à
sobrevivência
dos
trabalhadores,
não
se
verifica
aquela
estimativa
fictícia
dos
valores
dos
bens
trocados
pelo
trabalho
efetuado,
base
do
sistema
de
dívida,
imposto
diretamente
pelo
seringalista
ou
pela
pessoa
de
sua
confiança
localmente
situada
e
a
seu
serviço.
No
caso
do
castanhal,
de
acordo
com
o
observado
pela
antropóloga
Neide
Esterci
(1996)
em
suas
pesquisas
dos
anos
de
1980,
o
proprietário
do
castanhal
era
obrigado
a
contar
com
intermediários,
os
chamados
gatos
,
para
recrutar
os
apanhadores
mediante
propostas
contratuais
geralmente
falsas.
Aliás,
a
denominação
gato
é
significativa
da
dissimulação
presente
nessas
práticas
contratuais:
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
Dominação
na
Amazônia
brasileira...
um
termo
jocoso
e
pejorativo
que
alude
a
̀
habilidade
desses
intermediários
de
seduzir
os
trabalhadores
com
"falsas
promessas"
sobre
salários,
condições
de
vida
e
de
trabalho.
A
palavra
também
indica
as
muitas
práticas
dos
empreiteiros
denunciadas
pelos
trabalhadores
como
formas
de
apropriação
de
parte
ou
mesmo
de
toda
sua
remuneração:
a
retirada
de
uma
"porcentagem"
da
remuneração
devida
aos
trabalhadores
sob
alegação
de
ajudarem-nos
a
organizar
e
executar
o
serviço
de
forma
mais
rentável;
a
distorção
das
medidas
de
área
estipulada
para
a
tarefa
a
ser
realizada;
a
manipulação
das
contas
de
modo
a
criar
ou
aumentar
a
dívida
do
trabalhador;
finalmente,
a
fuga
com
o
montante
de
dinheiro
pago
pela
empresa
e
no
qual
se
inclui
a
remuneração
a
ser
repassada
aos
trabalhadores
no
final
da
tarefa”.
(ESTERCI,
1996,
p.
132).
Essas
“falsas
promessas”
sedutoras
feitas
aos
apanhadores
,
levam
a
aceitar
a
proposta
dos
recrutadores
e
assim
se
deslocarem
dos
estados
vizinhos
de
Goiás
e
do
Maranhão,
para
trabalhar
nos
castanhais
do
Pará
durante
os
quatro
meses
do
período
de
apanha
.
Durante
esse
período
os
apanhadores
precariamente
alojados,
privam-se
como
podem
para
economizar
esperando
retornar
aos
seus
lugares
de
origem
levando
o
ganho
acumulado.
Diferente
da
relação
entre
seringueiro
e
seringalista
baseada
na
dádiva
e
na
dívida,
o
contrato
entre
o
proprietário
do
castanhal
e
o
apanhador
de
castanha
se
dá
com
base
em
uma
troca
monetária
mínima.
O
que
poderia
colocar
o
apanhador
de
castanha
em
uma
situação
mais
livre
na
medida
em
que
o
acesso
ao
mercado
de
bens
e
serviços
não
é
intermediado
pelo
proprietário
do
castanhal.
Mas,
não.
Essa
relação,
como
demonstrado
por
Geffray
(1995),
se
caracteriza
por
uma
grande
violência
por
parte
dos
donos
dos
castanhais
que,
ao
contrário
dos
seringalistas
,
não
podem
dissimular
os
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
M.
J.
Teisserenc
e
P.
Teisserenc
105
mecanismos
de
dominação
e
assim
suscitar
um
reconhecimento
em
troca
dos
serviços
prestados
aos
seringueiros
,
como
o
direito
a
uma
moradia
para
si
e
a
família.
Na
situação
dos
apanhadores
de
castanha
“tal
agrado,
símbolo
da
exploração,
mais
ainda
sua
objetivação
institucional”
(GEFFRAY,
1995,
p.
49),
não
ocorre.
Na
impossibilidade
de
transformar
os
apanhadores
de
castanha
em
uma
clientela
cativa,
aos
donos
dos
castanhais
o
único
recurso
disponível
é
a
força
bruta.
Desse
modo,
para
que
a
situação
permaneça
em
paz,
o
explorado
não
opõe
resistência
à
dívida
18
calculada
e
contínua
contra
sua
prestação.
Caso
resista
a
continuar
o
trabalho
por
desacordo
quanto
à
dívida,
sua
morte
estará
sentenciada
pelo
patrão.
Da
mesma
maneira,
convencido
de
sua
dívida,
caso
se
esforce
ao
máximo
no
trabalho
para
saldá-la,
e
alcance
de
fato
uma
situação
de
solvência,
o
apanhador
de
castanha
também
será
executado
a
mando
do
patrão.
O
mais
impressionante,
a
partir
do
que
descreve
Geffray
(1995)
é
a
naturalização
dessa
habitual
violência
por
parte
dos
donos
dos
castanhais,
dispostos
a
matar
sem
nenhum
pudor,
sem
que
em
sua
memória
habitem
as
lembranças
de
suas
vítimas,
muitas,
é
preciso
dizer.
A
memória
se
faz
presente
quando
não
há
mais
o
que
dizer,
“quando
se
esgota
a
linguagem…
é
a
violência
sórdida
no
silêncio
dos
mais
fortes”
(GEFFRAY,
1995,
p.
50).
Para
esses
dominadores,
o
assassinato
não
se
reduz
a
um
crime;
ele
é
um
dos
componentes
do
exercício
da
dominação
e
encontra
seu
sentido
dentro
da
18
Para
Jean-Claude
Meillassoux
a
constituição
da
dívida
é
necessária
ao
exercício
do
paternalismo.
“Basta
manter
a
pessoa
em
uma
situação
de
necessidade,
diminuindo
seus
rendimentos,
e
de
incapacitá-la
física
e
moralmente
a
encontrar
outros
recursos.
As
intenções
do
paternalismo
são
de
distanciar
a
remuneração
do
trabalho
do
quadro
contratual
para
assim
manter
relações
arbitrárias
de
indulgência”
(MEILLASSOUX,
1996,
p.
352).
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
Dominação
na
Amazônia
brasileira...
lógica
da
exploração
19
.
“O
assassinato
atinge
seletivamente
e
em
definitivo
todos
os
maus
jogadores”
(GEFFRAY,
1995,
p.
52).
A
onipresença
do
modo
de
dominação
que
encontrou
sua
forma
canônica
no
sistema
paternalista
do
aviamento
e
que
permaneceu
na
implementação
da
política
de
colonização
da
Amazônia
brasileira
a
partir
dos
anos
de
1960
(BECKER,
2009),
revela
sua
grande
legitimidade.
Uma
legitimidade
cujas
razões
podem
ser
identificadas
no
processo
de
estruturação
do
Estado
brasileiro
a
partir
da
Proclamação
da
República
em
1889.
Relembrar
algumas
das
características
desta
construção
pode
contribuir
para
a
compreender
as
razões
da
permanência
desse
modo
de
dominação
na
sociedade
brasileira,
a
legitimidade
que
ela
adquiriu
e
o
que
explica
a
importância
de
seus
efeitos
sobre
os
territórios.
Modos
de
dominação
e
construção
da
nação
brasileira.
O
Estado-nação
19
É
importante
lembrar
aqui
as
duas
fontes
de
violência
das
quais
são
vítimas
populações
dominadas
na
Amazônia:
as
práticas
dos
dominantes,
em
meio
aos
quais
os
fazendeiros
e
práticas
da
vida
social
dos
dominados,
tratadas
por
Maria
Sylvia
de
Carvalho
Franco
(1977
[1969])
e
Caio
Prado
Júnior
(2011
[1942]).
Comparando
a
situação
das
famílias
dominantes,
no
seio
das
quais
os
interesses
de
poder
justificam
uma
solidariedade,
um
controle
permanente
e
o
respeito
das
regras
“como
as
prescrições
fundamentais
de
autoridade
paterna”
(FRANCO,
1977,
p.
47)
com
a
das
famílias
dos
dominados,
onde
não
há
controles
baseados
em
interesses,
Maria
Sylvia
de
Carvalho
Franco
afirma
“o
que
sobressai
como
padrão
de
comportamento
é
a
violência,
correspondendo
a
todo
um
sistema
de
valores
centrados
na
coragem
pessoal”
(FRANCO,
1977,
p.
51).
Desse
modo
“a
violência
se
erige
em
uma
conduta
legítima”
(FRANCO,
1977,
p.
51).
Essas
relações
se
desenvolvem
em
um
contexto
em
que,
segundo
Caio
Prado
Júnior,
“a
escravidão,
a
instabilidade
e
insegurança
econômicas...;
tudo
contribuirá
para
se
opor
à
constituição
da
família,
na
sua
expressão
integral
em
bases
sólidas
e
estáveis”
(PRADO
JÚNIOR,
2011,
p.
372).
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
M.
J.
Teisserenc
e
P.
Teisserenc
107
brasileiro:
incompletudes
que
se
perenizam
As
análises
de
Darcy
Ribeiro
(1995)
sobre
a
constituição
do
“povo
brasileiro”
no
contexto
da
Proclamação
da
República
mostram
uma
situação
em
que,
diferente
de
muitos
países
multiétnicos,
“os
brasileiros
se
integram
em
uma
única
etnia
nacional,
constituindo
assim
um
só
povo
incorporado
em
uma
nação
unificada,
num
estado
uni-étnico”
(RIBEIRO,
1995,
p.
22).
Esta
situação
muito
particular
deve-se
ao
desejo
de
criação
de
uma
unidade
nacional
com
base
em
uma
uniformidade
cultural,
o
que
constitui
uma
característica
extraordinariamente
importante
em
vista
do
que
ocorreu
em
outras
partes
da
América,
sobretudo
a
hispânica.
Esta
vontade
se
impôs
ocultando
disparidades,
contradições,
e
os
antagonismos
de
classe
que
persistem,
através
de
“processos
tão
violentos
de
ordenação
e
repressão
que
constituíram,
de
fato,
um
continuado
genocídio
e
um
etnocídio
implacável”
(RIBEIRO,
1995,
p.
22).
Assim
procedendo,
o
país
teria
economizado
a
passagem
de
uma
sociedade
pré-capitalista
a
uma
sociedade
capitalista
como
descrita
por
Pierre
Bourdieu
(1994),
sem
a
dissimulação
das
relações
de
dominação
e
a
justificação
dos
efeitos
de
uma
dominação
exercida
com
base
em
relações
impessoais
graças
à
institucionalização
de
campos
sociais
como
o
mercado
de
trabalho,
a
educação,
o
direito,
a
religião,
a
política,
em
cujas
funções
se
encontra
a
de
gerenciar
tais
efeitos.
Compreende-se
melhor
porque,
no
caso
brasileiro,
a
unidade
reivindicada
se
apresenta
como
o
resultado
de
“um
processo
continuado
e
violento
de
unificação
política”
que
“potencializa
e
reforça
a
repressão
social
e
classista”,
enquanto
a
uniformidade
cultural
reivindicada
se
impôs,
exacerbando
antagonismos
de
classe
em
benefício
de
uma
camada
social
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
Dominação
na
Amazônia
brasileira...
muito
privilegiada
20
,
esquecendo
quase
que
completamente
que,
como
refere
Bertha
Becker
esse
“povo-nação
surge
da
concentração
de
uma
força
de
trabalho
escrava,
recrutada
para
servir
a
propósitos
mercantis
alheios
a
ela”
(BECKER,
2009,
p.
23).
O
que
foi
alcançado
através
da
violência
e
repressão,
do
“genocídio”
e
“etnocídio”,
já
afirmado
por
Darcy
Ribeiro
(1995).
Esta
exacerbação,
que
alimenta
uma
distância
social
particularmente
grande
entre
os
dominantes
e
os
dominados,
traduz-se,
do
lado
das
elites
“primeiro
lusitanos,
depois
luso-brasileiras
e,
afinal,
brasileiras”,
por
um
medo
dos
riscos
de
sublevação
das
classes
oprimidas;
um
medo
que
explica
“a
brutalidade
repressiva
contra
qualquer
emergência
e
a
predisposição
autoritária
do
poder
central,
que
não
admite
qualquer
alteração
da
ordem
vigente”
(RIBEIRO,
1995,
p.
24).
Este
medo
é
consequência
do
abismo
profundo
que
separa
as
classes
sociais,
sem
que
isso
degenere
em
conflitos
sociais
graças
a
uma
divisão
dos
espaços
urbanos
que
permite
a
cada
classe
funcionar
em
casta
ou
em
gueto.
Os
dominantes
se
isolam
“numa
barreira
de
indiferença”
para
se
proteger
da
“miséria
repugnante”,
a
qual
por
todos
os
meios
se
busca
“ignorar
ou
ocultar
numa
espécie
de
miopia
social”
(RIBEIRO,
1995,
p.
24)
21
.
21
Esta
análise
do
contexto
socioeconômico
brasileiro
vai
ao
encontro
daquela
desenvolvida
por
Francisco
de
Oliveira
(1988)
sobre
o
retardo
de
nossa
industrialização.
Corroborando
a
perspectiva
de
Celso
Furtado,
Oliveira
afirma
que
tal
retardo
deveu-se
à
permanência,
até
os
anos
1930
–
momento
da
grande
crise
do
capitalismo
mundial
–
dos
padrões
escravocratas
nas
relações
de
trabalho
e
de
seus
efeitos
nas
práticas
e
estratégias
dos
dominantes.
Nesse
sentido,
“o
escravismo
constituía-se
em
óbice
à
industrialização
na
medida
em
que
o
custo
da
reprodução
do
20
Essa
exacerbação,
que
contribui
com
a
manutenção
de
formas
de
dominação,
está
na
origem
de
uma
narrativa
nacional
desconectada
da
realidade:
“o
espantoso
é
que
os
Brasileiros,
orgulhosos
de
sua
tão
proclamada,
como
falsa,
“democracia
racial”,
raramente
percebem
os
profundos
abismos
que
aqui
separam
os
estratos
sociais”
(RIBEIRO,
1995,
p.
24).
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
M.
J.
Teisserenc
e
P.
Teisserenc
109
Eis
a
situação
do
“povo
brasileiro”
que
“pagou
um
preço
terrivelmente
alto
em
lutas
das
mais
cruentas
de
que
se
tem
registro
na
história,
sem
conseguir
sair,
através
delas,
da
situação
de
dependência
e
de
opressão
em
que
vive
e
peleja”
(RIBEIRO,
1995,
p.
25).
Segundo
Darcy
Ribeiro,
a
incitação
à
violência
que
emana
da
classe
dominante
e
sua
recusa
a
toda
reforma
institucional
contrária
aos
seus
interesses,
a
ela
se
opondo
pela
repressão,
é
constituinte
da
história
do
Brasil.
A
construção
deste
Estado-nação
brasileiro
acompanhou-se,
na
escala
local,
da
permanência
de
um
sistema
de
poder
cujas
raízes
se
encontram
na
colonização,
o
mesmo
que
se
impôs
durante
o
Ciclo
da
Borracha
sob
a
forma
do
aviamento
,
e
que
resistiu
às
grandes
transformações
socioeconômicas
e
sociopolíticas
pelas
quais
o
país
passou
desde
fins
do
século
XIX.
Poder
local
na
Amazônia
e
o
clientelismo
em
sua
reprodução
O
poder
local,
no
nosso
entender,
carrega
hoje
ainda
características
do
sistema
de
aviamento
como
tratado
por
Pierre
Teisserenc
(2016).
Entre
essas
características,
encontra-se
o
par
paternalismo-clientelismo
como
fenômeno.
Na
origem
deste
fenômeno,
que
ainda
pode
ser
verificado,
mesmo
se
podemos
escolher
nossos
representantes
pelo
voto,
está
o
aviamento
22
,
o
que
se
explica
pela
busca
por
parte
dos
eleitores
22
Cf.
Léna
(1996)
que,
a
propósito
do
clientelismo
eleitoral,
o
analisa
como
resultado
de
mecanismos
similares
no
exercício
da
dominação-exploração
fundados
na
dependência
pessoal.
escravo
era
um
custo
interno
na
produção”
(OLIVEIRA,
1988,
p.
41),
o
que
explica
a
manutenção
de
um
padrão
não-capitalista
e
de
“relações
não-capitalistas”,
que
têm
como
efeito
garantir
“as
estruturas
de
dominação
e
a
reprodução
do
sistema”
(OLIVEIRA,
1988,
p.
44).
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
Dominação
na
Amazônia
brasileira...
de
vantagens
outorgadas
pelos
poderes
públicos
e
manipuladas
pelos
notáveis
locais.
Entre
esses
notáveis,
figura
emblemática
é
a
do
coronel
,
que
passou
a
existir
durante
o
período
imperial
no
Brasil,
e
que
durante
os
primeiros
tempos
da
República,
momentaneamente
é
fortalecido”
(LÉNA,
1996,
p.
119).
Esse
último,
ao
apoiar
uma
candidatura
ao
poder
local,
dirigia-se
aos
eleitores
fazendo-lhes
individualmente
promessas
em
troca
de
seus
votos.
Os
eleitores
para
se
beneficiarem
da
generosidade
do
coronel
23
cumpriam
sua
parte
no
trato.
Tal
comportamento,
no
entanto,
não
corresponde
simplesmente
a
um
cálculo
racional,
pois,
como
os
compromissos
são
baseados
em
promessas,
o
não
cumprimento
do
trato
implica
em
represálias
por
parte
de
quem
se
elege,
para
isso
contando
com
a
chantagem
permanente,
de
sucesso
garantido
pelos
serviços
de
delação
prestados
eventualmente
por
um
apoiador,
vizinho
ou
conhecido
de
um
eventual
“traidor”
(TEISSERENC,
2016).
Esse
poder
de
dominação,
contando
permanentemente
entre
seus
métodos
com
a
chantagem,
“exercida
pelo
governante
local
sobre
os
cidadãos
graças
a
̀
uma
gestão
hábil
e
perversa
dos
empregos
públicos
24
,
o
que,
em
tal
contexto,
constitui
a
fonte
principal
de
um
poder
discricionário
cuja
autoridade
se
assenta
na
manutenção
de
um
tipo
de
24
O
município
de
Salvaterra
(PA),
situado
na
ilha
do
Marajó,
estado
do
Pará,
possuía
em
2015
uma
população
próxima
de
25.000
hab.
Naquele
ano
só
no
setor
da
educação,
pelo
menos
900
postos
de
trabalho
estavam
preenchidos
com
contratações
temporárias,
permitindo
assim
o
funcionamento
de
57
escolas.
23
Incontornável
referência
na
análise
sociológica
da
estruturação
do
poder
político
no
Brasil
republicano
é
Maria
Isaura
Pereira
de
Queiroz
(1976).
A
autora
demonstrou
como
o
voto
corresponde
a
uma
troca
entre
o
candidato
e
o
eleitor
intermediado
pelo
“coronel”,
sob
a
forma
da
promessa
de
um
serviço
cuja
realização
incerta
constitui
ameaça
permanente.
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
M.
J.
Teisserenc
e
P.
Teisserenc
111
dominação
ainda
mais
perverso”
(TEISSERENC,
2016,
p.
58),
considerando
a
precariedade
desses
empregos
25
.
De
fato,
nas
famílias
que
não
possuem
outras
rendas
a
não
ser
aquelas
advindas
de
programas
de
redistribuição
de
renda
do
governo,
da
aposentadoria
dos
avós
e/ou
geradas
por
atividades
de
agricultura
de
subsistência,
pela
pesca
artesanal,
ou
por
um
pequeno
comércio,
entre
outros,
um
emprego
público,
mesmo
de
duração
determinada,
é
quase
um
milagre
e
a
incerteza
em
mantê-lo
uma
ameaça,
uma
fonte
incessante
de
angústia.
A
análise
dessas
relações
paternalistas
mostra
que
elas
põem
em
causa
três
fatores:
um
problema
geral
de
acesso
a
recursos
–
quer
se
trate
de
bens
de
produção,
de
acesso
aos
serviços,
de
recursos
financeiros,
de
bens
simbólicos
26
–,
de
déficit
de
autonomia
por
parte
dos
dominados
e
de
ausência
de
um
mercado
de
trabalho
regulado.
As
semelhanças
entre
essas
situações
de
dominação,
dos
seringueiros
do
Ciclo
da
Borracha,
dos
apanhadores
de
castanha
e,
mais
recentemente,
a
situação
dos
empregados
na
educação
em
Salvaterra
(PA),
testemunham
uma
continuidade
compondo
com
as
transformações
vividas
pela
sociedade
brasileira
desde
o
fim
do
período
colonial,
passando
pelo
Império,
pela
Proclamação
da
República
e
pela
construção
de
um
Estado-nação,
mesmo
com
a
industrialização,
enfim,
mesmo
com
sua
transformação
em
sociedade
capitalista.
A
constatação
dessa
continuidade
reforça
a
tese
desenvolvida
por
Márcio
Meira
(2018).
26
Ainda
no
município
de
Salvaterra
(PA),
um
dos
prefeitos,
de
confissão
evangélica,
utilizou
seu
pertencimento
religioso
como
um
recurso
privilegiado
na
distribuição
de
bens
a
seus
eleitores
prometidos
durante
a
campanha
eleitoral,
além
do
recurso
do
acesso
a
emprego
público
através
de
contrato
temporário.
25
A
renovação
anual,
no
caso
dos
contratos
ligados
à
educação,
na
véspera
das
férias
escolares
de
janeiro
e
fevereiro,
tanto
mantém
a
incerteza
quanto
libera
os
cofres
municipais
de
dispêndios
com
remuneração
nos
dois
meses
de
recesso.
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
Dominação
na
Amazônia
brasileira...
Resta
explicar
as
particularidades
da
construção
deste
Estado-nação
e
a
permanência
de
um
sistema
de
poder
local
herdeiro
de
características
de
modos
de
dominação
tão
antigos.
Brasil,
uma
sociedade
capitalista
híbrida?
Tal
situação,
caracterizada
pela
permanência
e
a
visibilidade
de
relações
de
dominação
tanto
a
nível
nacional
quanto
a
nível
local,
faz
eco
a
uma
das
ideias
do
quadro
teórico
de
Pierre
Bourdieu,
segundo
a
qual
o
que
distingue
as
sociedades
pré-capitalistas
das
sociedades
capitalistas,
são
as
formas
de
expressão
da
violência
–
manifestas
em
relações
pessoais
ou
impessoais.
Como
procuramos
demonstrar
anteriormente,
no
caso
da
sociedade
pré-capitalista
amazônica,
o
sistema
de
dominação
pelo
aviamento
,
que
ganhou
expressão
no
fim
do
século
XIX
no
período
do
Ciclo
da
Borracha,
difundiu-se,
para
além
dos
seringais
,
na
organização
da
exploração
dos
recursos
naturais
da
Amazônia.
Difusão
de
um
sistema
caracterizado
por
uma
dominação
fundada
em
relações
pessoais
e
na
ampliação
de
uma
violência
27
tanto
física
quanto
simbólica,
uma
vez
reunidas
condições
favoráveis
aos
dominadores
para
converter
dívida
em
dádiva,
como
normalmente
se
dava
na
relação
entre
o
seringalista
e
o
seringueiro
.
Esta
conversão
da
violência
física
em
simbólica,
que
se
dá
através
de
um
trabalho
oneroso
de
dissimulação
dos
mecanismos
de
dominação,
exigia
dos
27
Não
é
o
aviamento
praticado
no
contexto
do
Ciclo
da
Borracha
que
origina
a
violência
nas
relações
interpessoais
em
questão.
Esta
violência
é
inerente
à
situação
de
categorias
sociais
dominadas,
como
demonstrado
nos
estudos
Caio
Prado
Júnior
(2011)
e
de
Maria
Sylvia
de
Carvalho
Franco
(1977).
Ver
nota
13
.
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
M.
J.
Teisserenc
e
P.
Teisserenc
113
seringalista
s,
a
manutenção
de
uma
rede
complexa
para
assegurar
o
fornecimento
de
bens
manufaturados
e
dos
serviços
de
primeira
necessidade
necessários
à
sobrevivência
dos
seringueiros
,
e
de
suas
famílias,
quando
este
era
o
caso,
pagos
a
um
preço
estimado
de
modo
aleatório
e
enviesado
do
valor
do
látex
colhido
em
favor
dos
seringalistas
.
Na
Amazônia,
a
modernização
adotada
a
partir
da
segunda
metade
do
século
XX,
na
continuidade
da
constituição
de
um
Estado-nação
republicano
28
,
difere
do
que
se
produziu
na
Europa
e
América
do
Norte,
pois
articulada
a
uma
cultura
política
autoritária.
É
como
se
os
dominantes
não
tivessem
conseguido
perceber
as
vantagens
oferecidas
–
como
é
em
geral
o
caso
em
uma
sociedade
capitalista
–
pelo
funcionamento
de
campos
como
o
mercado
de
trabalho,
a
educação,
a
religião,
a
política,
cujos
efeitos
enquanto
dissimuladores
da
dominação,
os
dispensaria
de,
para
se
justificarem,
operarem
seus
poderes
com
estratégias
onerosas
e
complexas.
Pode-se
constatar
que
tal
modernização
se
deu
mantendo-se
práticas
no
exercício
do
poder
local
características
de
uma
dominação
pessoal,
autoritária
e
explícita.
O
olhar
de
Darcy
Ribeiro
(1995)
sobre
a
construção
de
uma
sociedade
brasileira,
ilusoriamente
reunida
em
uma
unidade
cultural
dissimuladora
das
grandes
desigualdades
econômicas
e
sociais,
traz
um
primeiro
elemento
de
explicação
para
compreender
a
natureza
das
relações
entre
classes
sociais
que
se
ignoram.
Em
meio
a
análises
mais
recentes,
as
de
André
Botelho
(2019)
29
explicam
a
permanência
de
uma
concepção
29
André
Botelho
baseia
sua
interpretação
em
Maria
Sílvia
de
Carvalho
Franco
([1969]1997).
28
Em
meio
às
grandes
transformações
socioeconômicas
e
sociopolíticas
que
acompanham
o
chamado
modelo
modernista,
note-se
o
desenvolvimento
da
educação
e
de
um
sistema
de
saúde,
uma
transferência
dos
investimentos
para
a
exploração
de
matérias
primas
e
setor
industrial
e
uma
aceleração
da
urbanização.
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
Dominação
na
Amazônia
brasileira...
autoritária
e
violenta
da
dominação,
tanto
ao
nível
nacional
quanto
local,
apesar
da
construção
de
um
Estado-nação
dotado
de
instituições
de
forte
legitimidade,
dada
a
vontade
das
elites
em
manter
uma
dominação
fundada
em
relações
pessoais
“incorporadas
às
instituições
políticas
como
princípio
mais
geral
de
regulação
das
relações
sociais...
que
se
manifestam,
fundamentalmente,
no
exercício
personalizado
do
poder”
(BOTELHO,
2019,
p.
171).
Retomando
a
tese
desenvolvida
por
Lilia
Moritz
Schwarcz
(2019),
André
Botelho
justifica
a
permanência
de
uma
dominação
pessoal
pela
ausência
de
uma
ruptura
social
na
história
do
país
–
sob
efeito
de
uma
guerra
ou
revolução
–,
o
que
confere,
em
relação
ao
passado
“o
peso
de
uma
herança
cultural”
geradora
de
“formas
de
socialização
modeladas
pelo
regime
da
escravidão”
(BOTELHO,
2019,
p.
174)
30
.
Essa
“herança
cultural”
estaria
na
origem
de
uma
solidariedade
restrita
à
esfera
familiar
“que
aflora
constantemente
no
fluxo
do
processo
político”
(BOTELHO,
2019,
p.
104)
na
qual
se
reencontraria
o
essencial
das
características
de
um
sistema
paternalista
de
dominação
que
é
predominante
no
exercício
do
poder
local.
Foi
necessário
esperar
o
retorno
da
democracia
em
fins
dos
anos
de
1980
para
que,
localmente,
algumas
alterações
no
sistema
de
poder
pudessem
ser
produzidas.
Alterações
possibilitadas
uma
vez
considerados
desafios
ambientais
segundo
modalidades
que
resta
a
apresentar.
30
Essas
análises
vão
ao
encontro
das
de
Caio
Prado
Júnior
(2011[1942])
ao
descrever
sem
complacência
a
situação
de
uma
sociedade
colonial
amazonense
caracterizada
pela
“instabilidade
e
incerteza”
e
que
se
apresenta
“mais
como
uma
aventura
que
a
constituição
de
uma
sociedade
estável
e
organizada”
e
que
se
“revela
em
toda
sua
crueza
e
brutalidade”,
reiterando
a
colonização
brasileira
como
“empresa
exploradora
dos
trópicos”
(PRADO
JÚNIOR,
2011,
p.
227).
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
M.
J.
Teisserenc
e
P.
Teisserenc
115
O
retorno
da
democracia
e
o
desafio
ambiental:
o
desafio
ambiental
quando
considerado
Com
o
retorno
da
democracia,
a
implementação
de
uma
Constituinte
e
a
promulgação
de
uma
Nova
Carta
em
1988,
na
qual
uma
legislação
ambiental
foi
contemplada,
em
um
contexto
internacional
particularmente
sensível
aos
desafios
ecológicos
31
.
A
partir
de
então
toda
uma
série
de
medidas
foram
tomadas
pelo
governo,
que
terão
por
efeito,
em
certos
territórios,
criar
condições
favoráveis
à
emergência
de
iniciativas
de
desenvolvimento
orientadas
pelas
exigências
ambientais
e
sociais,
portanto
correspondentes
ao
que
se
chamou
modelo
socioambiental
(LÉNA,
2002,
p.
3).
Esse
novo
modelo
se
caracterizaria,
pela
mudança
na
estrutura
da
sociedade
regional
–
diversificação
social,
conscientização
e
aprendizagem
política
–
fruto
da
mobilidade
populacional
e
da
urbanização...
e,
provavelmente
a
mais
importante
transformação,
expressa
na
organização
da
sociedade
civil
e
no
despertar
da
região
para
as
conquistas
da
cidadania.
[Tais
mudanças
originaram
novas
conflitualidades
cujo
efeito
mais
significativo
é
a
existência
de...
grifos
nossos
]
um
processo
de
politização
da
natureza,
31
Lembremos,
como
eventos
ilustrativos,
do
impacto
internacional
do
assassinato
em
1988
de
Chico
Mendes,
líder
de
um
movimento
social
fortemente
engajado
na
luta
contra
a
desflorestação
da
Amazônia
e
pelos
direitos
sociais
dos
chamados
“povos
da
floresta”,
e/ou
populações
tradicionais
(seringueiros,
indígenas,
quilombolas,
pescadores
artesanais,
quebradeiras
de
côco
babaçu,
entre
outros
segmentos).
Assassinato
que
ocorre
em
contexto
sensibilizado
pela
publicação
de
Nosso
Futuro
Comum
,
o
Relatório
Brundtland,
em
1987
(CMMAD,
1991),
documento
preparatório
à
realização
da
Conferência
Mundial
sobre
Desenvolvimento
e
Meio
Ambiente
(Eco-92),
em
1992
na
cidade
do
Rio
de
Janeiro.
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
Dominação
na
Amazônia
brasileira...
desnaturalizando
a
questão
ambiental
(BECKER,
2009,
p.
30-31).
Tal
processo
teria
feito
da
Amazônia,
à
época,
“uma
verdadeira
fronteira
experimental
de
um
novo
padrão
de
desenvolvimento”
(BECKER,
2009,
p.
104)
caracterizada
em
especial
pela
“institucionalização
de
uma
malha
ambiental”
(BECKER,
2009,
p.
115),
no
âmbito
de
uma
descentralização
do
poder.
Dessa
perspectiva
compartilha
Carlos
Walter
Porto
Gonçalves
(2001),
autor
que
considera
a
institucionalização
da
malha
ambiental
na
Amazônia
como
um
laboratório
da
ecologização
da
política
sob
o
efeito
de
uma
diversidade
de
movimentos
sociais
portadores
de
reivindicações
que
concernem
ao
uso
da
terra
de
acordo
com
as
exigências
ambientais
movimentos
de
re-existencia,
posto
que
não
só
lutam
para
resistir
contra
os
que
matam
e
desmatam,
mas
por
uma
determinada
forma
de
existencia,
um
determinado
modo
de
vida
e
de
produção,
por
modos
diferenciados
de
sentir,
agir
e
pensar
(PORTO
GONÇALVES,
p.
129-130).
Também
foi
verificado
que
a
emergência
desse
modelo
socioambiental
amazônico
se
manifestou
em
um
contexto
de
“ambientalização”
32
das
situações
territoriais,
que
levam,
sempre
que
as
condições
são
favoráveis,
a
mobilizações
de
caráter
político
das
chamadas
populações
tradicionais
que
interpelam
o
sistema
tradicional
de
poder
local.
32
Sobre
a
ambientalização
enquanto
contexto
característico
de
uma
etapa
da
“grande
transformação”
(POLANY,
[1944]
1980)
e
as
potencialidades
do
ambientalismo
para
regular
o
capitalismo
e
indicar
transformações
sociopolíticas
e
econômicas,
conferir
José
Sérgio
Leite
Lopes
(2006).
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
M.
J.
Teisserenc
e
P.
Teisserenc
117
Uma
mobilização
política
A
análise
dessas
mobilizações
por
Pierre
Teisserenc
(2016),
conduz
à
distinção
entre
uma
mobilização
de
natureza
identitária,
por
parte
de
comunidades
quilombolas
engajadas
na
luta
pelos
seus
territórios
e
direitos
diferenciados,
justificados
pelas
suas
particularidades
étnicas,
e
uma
mobilização
de
natureza
política,
por
parte
de
outros
segmentos
das
chamadas
populações
tradicionais
que
buscaram
tirar
proveito
da
“malha
institucional”
das
políticas
públicas
ambientais,
implicando-se
ativamente
na
criação
de
áreas
protegidas,
tais
como
as
Resex
(Reservas
Extrativistas).
De
um
lado,
os
quilombolas
escolheram
se
implicar
na
cena
local
“como
um
grupo
estigmatizado,
preocupado
em
denunciar
as
discriminações
sofridas
e
obter
compensação
por
meio
das
vantagens
reivindicadas”
(TEISSERENC,
2016,
p.
253).
Sua
mobilização,
evidentemente
permite
respostas
a
certas
reivindicações,
mas
nada
foi
alterado
no
sistema
de
poder
local.
De
outro
lado,
a
mobilização
pelo
reconhecimento
de
seu
território
e
do
direito
ao
uso
de
seus
recursos
a
partir
da
criação
de
uma
Resex
oferece,
em
conjunturas
favoráveis
33
,
oportunidade
de
um
reconhecimento
cidadão
em
nome
de
competências
coletivas
para
assegurar
o
desenvolvimento
sustentável
de
um
território
graças
à
eficiência
de
saberes
e
fazeres
nativos
.
De
fato,
observa-se
como,
em
um
novo
contexto,
a
elaboração
participativa
de
diagnósticos
ambientais
do
território
e
o
trabalho
do
Conselho
Deliberativo
33
Por
conjunturas
favoráveis
compreendemos
situações
que
prevaleceram
em
duas
Resex
estudadas,
nas
quais,
após
eleições
municipais
marcadas
pela
participação
do
movimento
social
no
poder
local,
o
prefeito
mesmo,
ou
o
vice-prefeito
passaram
a
participar
das
reuniões
do
Conselho
Deliberativo
das
Resex
instituídas
em
seus
respectivos
municípios,
permitindo
assim
resolver
problemas
delicados
de
integração
de
decisões
desta
instância,
de
natureza
deliberativa,
no
sistema
de
poder
local
tradicional,
de
natureza
representativa.
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
Dominação
na
Amazônia
brasileira...
de
uma
Resex
constituíram-se
em
ocasiões
nas
quais
os
membros
das
comunidades
se
engajaram
em
projetos
coletivos
inspirados
nos
saberes
nativos
e
enriquecidos
pelas
contribuições,
orientadas
pelas
exigências
ambientais,
de
“novos
parceiros,
como
ONGs,
universidades,
serviços
especializados
do
Estado
etc.”
(TEISSERENC,
Maria
José,
2016,
p.
239).
E,
do
ponto
de
vista
da
mobilização,
resultaram
a
priorização
de
acordos,
a
implementação
de
dispositivos
de
controle
etc.,
com
vistas
à
promoção
do
desenvolvimento
sustentável
do
território.
A
priorização
de
acordos,
no
caso,
foi
possibilitada
pelo
trabalho
no
Conselho
Deliberativo,
cujo
reconhecimento
de
seu
caráter
político
se
impôs
desde
que
um
dirigente
municipal
passou
a
participar
pessoalmente
dos
debates
e
a
considerar
as
decisões
ali
deliberadas.
Um
reconhecimento
que
é,
ao
mesmo
tempo,
das
populações
tradicionais
enquanto
beneficiárias
de
um
território,
a
partir
de
um
contrato
com
o
Governo
Federal,
enquanto
cidadãs
que
contribuem
com
o
desenvolvimento
sustentável.
Este
reconhecimento
constitui
uma
maneira
de
confrontar
o
sistema
local
de
dominação
(TEISSERENC,
Pierre,
2016),
na
medida
em
que
representa
o
resultado
34
de
jogos
de
alianças
entre
dominantes
e
dominados
capazes
de
permitir
a
experimentação
de
um
novo
referencial
de
desenvolvimento
do
território,
dirigido
pelas
exigências
ambientais,
em
relação
estreita
com
uma
compreensão
dos
recursos
do
território
enquanto
bens
comuns,
podendo
se
constituir
em
modelo
de
desenvolvimento
socioambiental
.
34
A
situação
de
ambientalização
cria
as
condições
de
um
trabalho
de
aprendizagem
coletivo
colocando
em
cena
novas
relações
entre
dominantes
e
dominados
empenhados
em
responder
às
exigências
ambientais
de
desenvolvimento
de
seu
território
em
cujos
efeitos
se
encontra
uma
“governança
territorial
ambiental”
(TEISSERENC,
Maria
José,
2016;
TEISSERENC,
Pierre,
2016).
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
M.
J.
Teisserenc
e
P.
Teisserenc
119
Considerações
finais:
uma
leitura
do
contexto
atual
A
emergência
de
um
modelo
socioambiental
se
opõe,
quando
as
circunstâncias
locais
permitem,
ao
modelo
modernizador
e,
mais
precisamente,
ao
sistema
paternalista
de
dominação
a
ele
associado.
A
análise
das
tensões
resultantes
desse
confronto
entre
modelos
aqui
pretendida
se
inspira
no
quadro
de
análise
de
Pierre
Bourdieu
que,
a
nosso
ver
é
pertinente.
Para
concluir,
três
aspectos
desse
quadro
que
nos
chama
a
atenção
ao
nos
referirmos
a
situações
na
Amazônia
brasileira.
O
primeiro
aspecto
diz
respeito
à
importância
dos
modos
de
dominação
como
descritos
em
Pierre
Bourdieu
para
pensar
características
de
uma
dominação
que
se
estrutura
com
a
colonização
e
encontra-se
atualizada
em
situações
na
Amazônia,
mas
também
no
país
como
um
todo,
ao
nível
de
cada
um
de
seus
territórios.
É
evidente
que
a
rapidez
com
que
recentemente
retornou
o
autoritarismo
ao
primeiro
plano
da
cena
política
no
Brasil,
a
partir
da
destituição
da
Presidenta
Dilma
Roussef
em
2016
e
do
resultado
das
eleições
de
2018,
confirma
a
importância
e
pertinência
de
um
quadro
de
análise
que
considere
os
modos
de
dominação
como
sugerido
por
Pierre
Bourdieu.
Muito
embora,
o
recrudescimento
das
práticas
autoritárias,
e
seus
efeitos
no
curto
prazo,
em
termos
de
confrontação
entre
o
modelo
modernizador
e
as
novas
práticas
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
Dominação
na
Amazônia
brasileira...
locais
de
cidadania,
inspiradas
no
modelo
socioambiental
35
,
ainda
não
seja
possível
averiguar.
O
segundo
aspecto
diz
respeito
ao
interesse
em
privilegiar
a
análise
das
relações
entre
os
dominantes
e
os
dominados
para
distinguir
as
formas
de
dominação
fundadas
em
relações
pessoais,
encontradas
habitualmente
nas
sociedades
pré-capitalistas,
das
dominações
fundadas
em
relações
impessoais,
próprias
das
sociedades
capitalistas.
Este
interesse
confirma
a
importância
das
estratégias
dos
atores
que,
mesmo
quando
visam
promover
o
bem-estar
individual,
trabalham
para
confortar
seu
estatuto
de
dominante,
não
importa
a
forma,
em
função
de
cada
contexto.
O
terceiro
aspecto
põe
em
causa
o
interesse
sobre
as
formas
de
dissimulação
dos
mecanismos
de
dominação
objetivados,
no
caso
das
sociedades
capitalistas,
a
partir
da
organização
de
campos
como
o
mercado
de
trabalho,
a
educação,
a
justiça,
a
religião,
a
política
etc.,
que
permitem
desenvolver
a
dominação
de
maneira
impessoal.
Situações
na
Amazônia
brasileira
mostram
que
a
penetração
do
capitalismo
e
as
transformações
societais
que
o
acompanharam
não
permitiram
a
passagem
de
um
modo
de
dominação
fundado
em
relações
pessoais
a
um
novo
modo
no
qual
prevalecem
relações
impessoais,
em
razão
de
condições
de
construção
de
um
Estado-nação
que
conservou
certos
traços
coloniais,
35
É
inapropriada
qualquer
previsão
ainda
sobre
o
que
será
feito
do
Brasil
de
amanhã
tamanha
a
confusão
na
situação
política
do
país
estabelecida
durante
os
dois
governos
que
sucederam
a
destituição
da
Presidenta
Dilma
Roussef
em
2016.
Governos
que
se
empenharam
de
maneira
obsessiva
a
esvaziar
a
substância
de
tudo
o
que
foi
construído
em
termos
de
ambientalização
e
de
políticas
sociais
no
Brasil
desde
fins
de
1980.
Assim,
apesar
da
importância
que
representa
a
eleição
de
Luiz
Inacio
Lula
da
Silva
em
2022,
para
a
democracia
no
Brasil,
a
consolidação
do
modelo
socioambiental,
origem
de
mudanças
significativas
tratadas
nesse
artigo,
continua
em
horizonte
nebuloso.
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
M.
J.
Teisserenc
e
P.
Teisserenc
121
limitando
em
particular
a
solidariedade
à
família
dos
dominantes,
em
detrimento
de
uma
solidariedade
para
com
o
conjunto
da
sociedade
(QUEIROZ,
1976).
Espera-se
que
as
tensões
entre
esses
dois
modelos
de
sociedade
evocados
anteriormente
tragam
novo
espaço
societal
favorável
a
uma
gestão
que
permita
as
experiências
de
deliberação,
inspiradas
no
modelo
socioambiental,
abrir
vias
para
o
enfrentamento
do
sistema
de
dominação
que
organiza
o
poder
local
na
sua
forma
atual.
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v.
55,
n.
1,
mar.
2024
Dominação
na
Amazônia
brasileira...
Resumo:
O
quadro
teórico
de
Pierre
Bourdieu
sobre
os
modos
de
dominação
é
utilizado
neste
artigo
para
refletir
sobre
situações
socioeconômicas
e
sociopolíticas
da
Amazônia
brasileira
e
sua
evolução
sob
o
efeito
de
um
modo
de
dominação
herdado
do
período
colonial
e
que
conseguiu
se
manter
no
fim
do
século
XIX,
mesmo
com
a
Proclamação
da
República
no
Brasil
e
a
penetração
do
capitalismo
industrial.
Após
apresentar
algumas
características
do
contexto
amazônico
o
objetivo
é
demonstrar
como
nele
se
impõe,
permanece
e
se
difunde
uma
dominação,
cuja
base,
é
o
aviamento
,
em
um
contexto
de
desenvolvimento
da
exploração
capitalista.
Observa-se
que
a
permanência
desse
sistema
de
dominação
está
relacionada
à
construção
do
Estado
Nação
brasileiro
e
sua
influência
no
poder
local.
Ao
fim
cabe
interrogar-se
sobre
as
disputas
entre
o
modelo
modernizador
e
o
modelo
socioambiental
que
emerge
com
o
retorno
da
democracia,
em
um
contexto
jamais
tão
incerto
quanto
o
atual.
Palavras-chave:
Sistema
de
dominação;
Aviamento;
Dívida
e
dádiva;
Ambientalização;
Poder
local.
Abstract:
This
article
uses
Pierre
Bourdieu's
theoretical
framework
about
domination
modes
to
reflect
on
Brazilian
Amazon
socio-economic
and
socio-political
situations
and
its
evolution
under
the
effect
of
a
mode
of
domination
inherited
from
the
colonial
period
and
that
continued
to
exist
at
the
end
of
the
19th
century,
even
with
the
Proclamation
of
the
Republic
in
Brazil
and
the
penetration
of
industrial
capitalism.
After
presenting
some
characteristics
of
the
Amazon
context,
our
objective
is
to
show
how
a
domination
is
imposed,
remains
and
spreads,
based
on
a
business
transaction
known
as
“aviamento”,
in
a
context
of
capitalist
exploitation
development.
The
permanence
of
this
domination
system
is
related
to
the
Brazilian
nation-state
construction
and
its
influence
on
local
power.
Finally,
it
is
worth
questioning
the
disputes
between
the
modernizer
model
and
the
social-environmental
model
that
emerges
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
M.
J.
Teisserenc
e
P.
Teisserenc
125
with
the
return
of
democracy,
in
a
context
as
uncertain
as
the
present
one.
Keywords:
Domination
system;
Aviamento;
Debt
and
donation;
Environmentalization;
Local
power.
Recebido
para
publicação
em
17/02/2022
Aceito
em
31/10/2023
ACESSO
ABERTO
Copyright:
Esta
obra
está
licenciada
com
uma
Licença
Creative
Commons
Atribuição
4.0
Internacional.
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024