Fronteiras
de
gênero
em
Guiné-Bissau:
por
uma
Antropologia
endógena
e
ativa
Peti
Mama
Gomes
Universidade
Federal
do
Pará,
Brasil
https://orcid.org/0000-0003-3807-3187
gomespetimama@gmail.com
Carla
Susana
Alem
Abrantes
Universidade
da
Integração
Internacional
da
Lusofonia
Afro-Brasileira,
Brasil
https://orcid.org/0000-0003-3807-3187
sabrantes@gmail.com
Introdução
As
mulheres
em
associações
femininas
na
Guiné-Bissau
podem
ser
localizadas
como
expressões
contra-hegemônicas,
que
possuem
uma
dinâmica
e
uma
gramática
peculiares
–
no
que
diz
respeito
aos
modos
de
conceber
e
expressar
identidades
femininas
africanas.
Afinal,
uma
vida
que
supõe
a
produção
compartilhada
de
objetos,
de
saberes
e
de
comida
–
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
54,
n.
2,
jul./out.
2023,
p.
297-344.
DOI:
10.36517/rcs.54.2.a05
ISSN:
2318-4620
P.
M.
Gomes
e
C.
S.
A.
Abrantes
167
nas
plantações,
na
família,
nos
encontros
e
nas
demais
redes
de
sociabilidade
e
convivência
dentro
e
fora
das
associações
–
não
se
conforma
às
expectativas
do
sistema-mundo
pautado
por
valores
e
ética
capitalistas.
Em
um
cenário
de
produção
de
conhecimento
que
localizamos
dentro
de
um
viés
eurocêntrico,
nem
sempre
se
chega
a
uma
compreensão
do
que
a
realidade
das
mulheres
africanas
significa
para
quem
as
vive.
Este
artigo
parte
desse
pressuposto
para
apresentar
um
escopo
mais
abrangente
das
questões
de
gênero
buscando
estabelecer
fronteiras
possíveis
de
entendimento
e
permitindo
uma
reflexão
que
ultrapasse
padrões
históricos
de
construção
acadêmica.
Trata-se,
portanto,
de
uma
análise
que
coloca
em
movimento
e
busca
o
reconhecimento
de
terminadas
categorias,
relações,
experiências
do
feminino
em
África,
o
que
enquadramos
como
inserida
na
dimensão
de
um
“ativismo”.
O
saber
antropológico
nos
serve
de
alicerce
e
arcabouço
teórico-metodológico
para
vislumbrar
processos
de
vida
social
cotidianos
sem
o
risco
de
categorias
explicativas
que
reduzam
certas
experiências
aos
modelos
esperados
de
agências
externas
àquela
realidade.
A
proposta
é
reunir
um
conjunto
de
referências
teóricas
não
hegemônicas
e
localizadas
em
esferas
de
conhecimento
que,
por
vezes,
são
silenciadas
ou
não
nomeadas
nos
espaços
legítimos
e
reconhecidos
como
centros
de
reflexão
científica
sobre
a
sociedade.
Neste
artigo,
autoras
e
autores
com
produção
localizada
no
continente
africano
serão
apresentados
para
um
diálogo
com
as
questões
de
gênero
para
um
enquadramento
mais
amplo.
Embora
o
estudo
parta
de
uma
pesquisa
e
descrição
etnográfica,
serão
priorizados
aspectos
teóricos
dos
resultados
alcançados,
sem
uma
preocupação
quanto
a
uma
descrição
densa.
As
análises
aqui
apresentadas
foram
resultado
do
encontro
etnográfico
com
as
mulheres
no
norte
de
Guiné-Bissau,
Fronteiras
de
gênero
em
Guiné-Bissau…
produto
final
das
trocas
efetivas
em
campo,
trazendo
assim,
subjetividades
diferenciadas
entre
a
visão
das
pesquisadoras
e
o
pensamento
das
mulheres
interlocutoras
deste
trabalho.
Além
disso,
este
artigo
incorpora
a
experiência
de
pesquisa
organizada
dentro
dos
quadros
de
formação
pós-graduada
em
um
curso
recentemente
criado
no
escopo
da
cooperação
acadêmica
Sul-Sul
ligado
às
políticas
de
internacionalização
do
ensino
e
da
pesquisa
em
uma
aproximação
com
o
continente
africano
40
.
Enquadra-se,
assim,
dentro
do
processo
contínuo
da
reflexão
sobre
a
Nação,
como
propôs
Peirano
(2014)
onde
há
uma
necessidade
do
autoexame
intelectual
que
comporte
propostas
teóricas
e
metodológicas
em
uma
linguagem
de
comunicação
e
de
troca
e
cooperação
entre
as
nações.
Neste
processo
formativo
que
abrange
um
grande
espaço
para
os
aspectos
empíricos
e
etnográficos,
por
vezes,
as
questões
tradicionais
da
Antropologia
ganham
novos
modos
de
serem
abordadas
e
abrem
possibilidades
para
o
navegar
nas
franjas
de
um
conhecimento
dialógico
e
criativo.
Assim,
ao
longo
de
3
meses
de
pesquisa
de
campo
realizada
no
ano
de
2018,
uma
das
autoras
acompanhou
os
afazeres
cotidianos
de
mulheres
nas
associações
Bontche
e
Babock
,
sobretudo
as
suas
formas
de
organização
e
pertencimentos
locais
que
nos
levaram
a
refletir
sobre
as
condições
de
possibilidades
para
a
pesquisa
antropológica
em
um
cenário
do
século
XXI,
marcado
pelo
trânsito
de
indivíduos
entre
fronteiras
comunitárias,
étnicas
e
nacionais.
Dividimos
o
artigo
em
três
tópicos:
1)
gênero
em
diferentes
perspectivas
teóricas;
2)
contextos
locais
de
experiência
feminina
em
Guiné-Bissau;
3)
agências
e
os
caminhos
para
o
conhecimento
plural.
Assim,
na
primeira
parte
serão
mostradas
as
fronteiras
de
gênero
nas
suas
diferentes
perspectivas
40
Programa
Associado
de
Pós-Graduação
em
Antropologia
da
Universidade
Federal
do
Ceará
(UFC)
e
da
Universidade
da
Integração
Internacional
da
Lusofonia
Afro-Brasileira
(UNILAB)
–
PPGA-UFC/UNILAB.
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
P.
M.
Gomes
e
C.
S.
A.
Abrantes
169
teóricas,
a
partir
da
pluralidade
de
pertencimentos
identitários.
Em
seguida,
as
mulheres
guineenses
em
associações
no
contexto
de
associativismo
permitem
mostrar
a
centralidade
do
tema
para
a
Nação.
Por
último,
discute-se
a
agência
possível
no
âmbito
intelectual,
em
espaços
de
fala,
de
reflexão,
de
teorização,
que
constituem
também
uma
parte
do
ativismo
africano
e
guineense.
Categorias
de
gênero
em
diferentes
perspectivas
teóricas
As
diferentes
visões
sobre
as
mulheres
no
contexto
acadêmico
africano
e
guineense,
em
particular,
norteiam
um
entendimento
sobre
“outras”
formas
de
se
estar
no
mundo,
de
ser
mulher,
de
pensar
a
pluralidade
de
pertencimentos
identitários.
Assume-se
a
possibilidade
de
que,
em
algumas
sociedades,
a
ideia
de
gênero
não
necessariamente
se
constituiu
(ou
se
constitui
ainda
hoje)
como
elemento
estruturante
da
sociedade.
Entendendo
que
o
problema
do
gênero
se
coloca
como
relevante
para
uma
reflexão
sobre
subordinação
e
opressão
das
mulheres
desde
meados
do
século
XX,
Oyèrónk
ẹ
Oyěwùmí
(2014)
mostra
que
essa
posição
é
tomada
como
universal,
lembrando-nos
que
tanto
a
categoria
“mulher”
como
a
ideia
de
“subordinação”
podem
ganhar
outra
perspectiva
se
tomadas
a
partir
de
geografias
e
processos
históricos
“outros”.
A
categoria
“mulher”
tomada
como
um
fenômeno
universal
passa
a
ser
questionada
também
por
Butler
(2008),
quando
a
autora
sinaliza
para
o
fato
de
que,
mesmo
quando
se
apresentam
“mulheres”
no
plural,
não
deixam
de
ser
pensadas
como
uma
unidade,
uma
essência,
uma
Fronteiras
de
gênero
em
Guiné-Bissau…
descrição
singular,
“mulher”.
Do
mesmo
modo,
o
feminismo
que
procurou
consolidar
a
luta
de
todas
as
mulheres
diante
dos
homens,
também
confirmou
um
status
universal
ao
patriarcado,
tornando
esse
fenômeno
supostamente
universal
como
aquele
produtor
de
uma
estrutura
fictícia
e
que
pode
não
ser
sustentável
dentro
de
realidades
“outras”,
particulares,
em
que
se
apresentam
as
variações
de
cada
cultura
e/ou
sociedade.
Essa
construção,
como
sugeriu
Scott
(1990),
pode
ter
sido
parte
dos
processos
de
racionalização
de
pesquisadores
que
conceituaram
as
questões
de
gênero
dentro
de
um
percurso
histórico.
Assim,
ao
serem
revelados
os
limites
de
tais
análises,
encontramos
a
sua
localização
como
parte
de
construções
sociais
historicamente
localizadas,
ou
seja,
enquadradas
como
“gênero”
e
“experiência
feminina”,
construções
teóricas
que
acabam
por
ser
também
fenômenos
culturais.
Assim,
Oyěwùmí
(2014)
e
outras
estudiosas
têm
insistido
nos
limites
da
ideia
de
universalidade
para
a
categoria
analítica
“gênero”,
mostrando
de
que
maneira
o
conceito
remonta
a
particularidades
de
processos
políticos
de
mulheres
anglófonas/americanas
e
brancas,
especialmente
nos
Estados
Unidos.
Na
verdade,
um
estudo
sério
das
questões
femininas
e
de
gênero,
no
continente
africano,
em
particular,
não
pode
levar
em
conta
o
papel
que
historicamente
desempenharam
as
feministas
ocidentais
e
nem
tampouco
ignorar
as
teorias
por
elas
produzidas.
Portanto,
há
de
se
observar
a
necessidade
de
um
reposicionamento,
como
aponta
Gomes:
Uma
análise
equilibrada
e
situada
dos
contextos
africanos
requer,
todavia,
um
reposicionamento
dos
estudiosos
das
questões
de
gênero,
em
África,
no
sentido
de
um
questionamento
da
identidade
social
dessas
mulheres,
dos
seus
interesses
e
das
suas
preocupações.
É
importante
conhecer
a
história
dos
dominadores
e
dos
detentores
do
poder
nos
países
africanos,
mas
é
igualmente
fundamental
que
essas
histórias
sejam
narradas
a
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
P.
M.
Gomes
e
C.
S.
A.
Abrantes
171
partir
do
olhar
de
quem
viveu
as
experiências
sob
a
condição
de
dominado
e
de
subordinado.
No
caso
da
Guiné-Bissau,
as
“outras
vozes”
que
aqui
procurei
trazer
representam
os
sucessos
e
os
limites
de
um
processo
de
libertação
que
viu
como
protagonistas
as
populações
guineenses,
e,
em
particular,
as
mulheres
(GOMES,
2016,
p.
21).
Deste
modo,
em
uníssono
com
Gomes
(2016),
esta
pesquisa
se
propôs
a
trazer
“outras
vozes”
de
mulheres
localizadas
no
interior
de
Canchungo
e
Bissau,
em
Guiné-Bissau,
na
África
Ocidental.
As
experiências
e
dados
etnográficos
com
essas
mulheres
revela
que
a
realidade
da
mulher
europeia
é
completamente
diferente
da
mulher
africana
e
guineense,
sendo
que
esta
também
é
bastante
diversa
e
difícil
de
ser
generalizada.
É
com
Butler
que
podemos
afirmar
que,
não
é
por
acaso
que
“generalizar
e
expandir
essas
análises
a
todas
as
mulheres
é
um
erro,
posto
que
a
identidade
feminina
muda
de
acordo
com
a
realidade
na
qual
se
vive”
(BUTLER,
2014,
p.
184).
Ao
recuperar
o
diálogo
das
autoras
acima
apresentadas,
explicita-se
que
a
categoria
gênero
não
pode
ser
vista
da
mesma
forma
em
tempos
e
espaços
diferentes,
ou
em
sociedades
que
apresentem
características
sociais
históricas
diversas.
Portanto,
é
necessário
analisar
as
várias
dinâmicas
e
atores
locais
(agregados,
grupos,
organizações
etc.)
que
tomaram
e
tomam
parte
no
processo
de
construção
das
identidades
de
gênero.
Sendo
assim,
é
inevitável
voltar,
mais
uma
vez,
a
Oyéwùmí
(1997),
no
sentido
de
sua
crítica
manifestada
quando
traz
a
noção
de
que
não
se
pode
tomar
a
questão
histórica
como
algo
dado.
Isto
é,
é
essencial
problematizar
este
lugar
histórico
de
produção
de
conhecimento,
o
que
abre
para
novas
possibilidades
reflexivas
e
discursivas,
o
que
aqui
propomos
chamar
de
“ativas”.
Por
exemplo,
na
sociedade
Iorubá
(Nigéria),
que
foi
o
campo
de
análise
de
Oyéwùmí,
os
homens
e
as
mulheres
não
Fronteiras
de
gênero
em
Guiné-Bissau…
se
classificam
segundo
distinções
biológicas.
Até
porque
nos
trabalhos
no
campo
(agricultura
e
pesca)
não
há
mulheres
na
definição
de
gênero
expresso
nas
condições
da
divisão
de
trabalho.
A
própria
tradução
de
ser
mulher
e
ser
homem,
segundo
Adesina
(2012
apud
OYÉWÙMÍ,
1997)
na
linguagem
Iorubá
não
é
genderizada.
As
“categorias
como
´masculino´
e
´feminino´
são
de
difícil
tradução
linguística
uma
vez
que
há
muito
pouco
sobre
a
associação
de
tais
categorias
socialmente
construídas
com
a
masculinidade
ou
feminilidade
anatómicas”
(ADESINA
apud
OYÉWÙMÍ,
1997,
p.
33).
Em
vista
disso
e,
partindo
do
princípio
de
que
há
outras
formas
de
ser
masculino
e
de
ser
feminino
em
diferentes
sociedades,
as
fronteiras
do
gênero
se
dão
através
de
outros
aspectos,
tais
como
a
idade
ou
a
divisão
do
trabalho.
Em
síntese,
Oyéwùmí
apresenta
que
nessa
sociedade
africana,
nigeriana,
a
percepção
sobre
a
forma
corporal
não
é
a
base
da
hierarquia
social:
os
homens
e
mulheres
não
se
classificam
segundo
distinções
anatômicas.
Reconhecer
o
processo
dominante
de
classificação
de
gênero
nas
construções
teóricas
e
localizar
as
limitações
de
determinadas
análises,
nos
leva,
como
propôs
Butler
(2008),
a
mudanças
que
se
estabelecem
na
política
feminista,
por
passarem
a
revelar
a
diversidade
de
experiências
e
o
modo
variável
com
que
a
construção
de
identidades
de
gênero
se
dá.
Assim,
estamos
tratando
de
um
ponto
de
mudança
e
rompimento
com
a
universalidade
que
se
revela
problemática,
não
somente
no
cotidiano
da
experiência
humana,
mas,
principalmente,
nas
discussões
acadêmicas
que
muitas
vezes
orientam
e
criam
novos
paradigmas
sociais,
culturais
e
existenciais.
A
partir
desta
reflexão
geral
quanto
às
questões
de
identidade
de
gênero
que
são
construídas
como
universais
e
ao
relacioná-las
à
sua
condição
de
representações
sociais
historicamente
situadas,
abrimos
espaço
para
reconhecer
“outras”
construções
da
categoria
“mulher”,
“africana”
e
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
P.
M.
Gomes
e
C.
S.
A.
Abrantes
173
“guineense”
e
como
estas
se
enquadram
em
uma
perspectiva
diferente
em
termos
de
consciência
e
comportamento.
Experiências
femininas
em
Guiné-Bissau
A
partir
destes
“outros”
vieses
teóricos,
podemos
agora
refletir
sobre
as
fronteiras
da
experiência
estabelecidas
no
âmbito
das
discussões
de
gênero.
O
destaque
desta
seção
vai
para
as
visões
de
mulheres
africanas,
guineenses,
inseridas
em
associações
locais
escolhidas
como
base
empírica
para
esta
pesquisa.
São
duas
associações:
uma
está
localizada
na
zona
urbana,
no
bairro
de
São
Paulo
da
capital
Bissau
e
se
caracteriza
como
uma
cooperativa
de
mulheres
produtoras
de
roupas,
denominada
de
Bontche,
e
a
outra
no
contexto
rural
da
região
de
Cacheu,
setor
de
Canchungo,
denomina-se
Babock
e
representa
um
coletivo
de
lideranças
femininas
que
trabalham
na
agricultura
e
que
surgiu
nos
anos
“mil
novecentos
e
noventa
com
trinta
membros
mantendo
estas
relações
de
amizade”
e
trabalho
(GOMES,
2019,
p.
98)
41
.
Para
além
dos
dados
coletados
no
diálogo
com
essas
associações,
soma-se
a
esta
análise
considerações
sobre
a
própria
experiência
pessoal
de
uma
das
autoras.
Sendo
esse
um
contexto
social
onde
a
diferença
se
contrapõe
à
experiência
europeia
ou
“ocidental”,
as
mulheres
africanas
são
muitas
vezes
definidas
a
partir
de
um
determinado
discurso
dominante
que
as
pautam
por
bases
“culturais”
e
de
um
modo
generalizante.
A
ideia
do
“outro”
–
que
aqui
buscamos
uma
suspensão
do
sentido,
colocando-o
41
Bontche
é
uma
palavra
de
língua
Balanta,
o
maior
grupo
étnico
da
Guiné-Bissau,
e
significa
¨bonito¨.
Babock
significa
a
junção
de
várias
aldeias
que
falam
a
mesma
língua
étnica.
Fronteiras
de
gênero
em
Guiné-Bissau…
entre
aspas
–
reforça
sempre
uma
distância
que
se
estabelece
entre
dois
modos
de
pertencimento.
Assim,
procurar
as
fronteiras
do
que
é
universal
também
nos
remete
a
revolver
os
sentidos
do
que
é
muitas
vezes
considerado
como
“cultural”
ou
“diferente”,
marcadores
dos
modos
com
que
o
pensamento
social
se
constitui
em
sua
trajetória
epistêmica
(WOLF,
2005).
Catarina
Martins
(2016)
traz
uma
reflexão
de
um
olhar
do
Norte
Ocidental
enquanto
lócus
privilegiado
para
estas
análises
culturais,
como
encontramos
na
citação
abaixo:
o
olhar
do
Norte
incide
não
sobre
mulheres
com
as
suas
experiências
diversificadas
em
contextos
muito
heterogéneos
e
singulares,
mas
primordialmente
como
uma
visão
das
“Mulheres
dos
Outros”,
ou
seja,
mulheres
aprisionadas
pela
cultura
a
que
pertencem
e
que
se
impõe
sobre
elas
de
um
modo
invariavelmente
mais
determinante
e
coercivo
do
que
acontece
no
Norte,
através
da
opressão
masculina
entendida
como
marca
própria
dessa
cultura
(...).
Pelo
contrário,
as
“mulheres
dos
Outros”
são
necessariamente
apresentadas
como
vítimas
–
dos
respetivos
homens
–
o
que
torna
a
ação
redentora
do
Ocidente
num
imperativo
ético.
A
invisibilização
de
que
as
“mulheres
dos
Outros”
são
vítimas,
mesmo
no
olhar
bem-intencionado
e
solidário
de
muitas
mulheres
do
Norte,
resulta
de,
no
seu
lugar,
está
uma
representação
profundamente
sumária:
ficções
como
a
“Mulher
Asiática”,
a
“Mulher
Latino-Americana”,
a
“Mulher
Muçulmana”,
a
“Mulher
Africana”,
sobrepõem-se
e
amputam
as
mulheres
reais
pela
redução
a
uma
espécie
de
máximo
denominador
comum
metonímico
que
facilita
a
sua
identificação
no
Ocidente
(MARTINS,
2016,
p.
253).
O
“olhar
bem-intencionado
e
solidário
de
muitas
mulheres
do
Norte”,
para
o
qual
Martins
chama
atenção
no
seu
texto,
resulta
de
um
lócus
social,
cultural
e
político
que
não
representa
as
mulheres
que,
em
sua
maioria,
vivem
no
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
P.
M.
Gomes
e
C.
S.
A.
Abrantes
175
continente
africano
ou
mesmo,
de
forma
particular,
as
mulheres
guineenses
em
associações
que
configuram-se
como
objeto
desta
pesquisa.
Em
geral,
a
autora
traz
exemplos
de
mutilação
genital
feminina
na
África;
uso
de
burka
ou
o
véu
islâmico
para
as
mulheres
muçulmanas
ou
aquelas
que
consentem
um
casamento
poligâmico.
Cabe
ir
mais
fundo
neste
trabalho,
como
se
procurou
realizar
junto
às
mulheres
em
associação
na
Guiné-Bissau,
compreendendo
as
relações
comunitárias,
de
parentesco
e
de
trocas
de
sobrevivência
que
ampliam
o
entendimento
das
escolhas
que
se
apresentam
às
mulheres
sem
uma
imposição
de
categorias
importadas
ou
até
mesmo
o
isolamento
de
uma
condição
feminina
das
relações
que
sustentam
a
sua
existência
e
significado.
Nas
duas
associações
de
mulheres
em
Guiné-Bissau,
constatamos
que
as
mulheres
ainda
têm
um
controle
maior
dos
meios
de
produção,
em
sua
base
agrícola
e
comercial.
Em
outras
palavras,
o
armazenamento
de
economia
doméstica
e
social
é
garantido
pelas
mulheres.
Nesse
contexto,
ao
aprofundarmos
o
olhar
para
as
redes
de
relações
e
trocas
estabelecidas
entre
diferentes
¨atrizes¨
envolvidas,
encontramos
a
necessidade
de
pluralizar
as
visões
sobre
essa
experiência
feminina.
Para
além
das
funções
econômicas,
as
relações
de
parentesco
também
estabelecem
pontes
de
acesso
a
esse
lugar
do
feminino
em
determinados
cenários.
Na
pesquisa
sobre
mulheres
em
associação,
foram
encontradas
experiências
de
famílias
poligâmicas
que
organizam
a
convivência
e
as
relações
cotidianas.
O
casamento
de
cumbossa
42
,
–
termo
em
crioulo
Guiné-Bissau
que
distingue
as
mulheres
que
compartilham
um
mesmo
homem
dentro
de
um
casamento
poligâmico
–
reformula
e
cria
modos
de
se
estar
em
família
e
em
comunidade
próprios,
remetidos
a
padrões
de
pertencimento
locais.
42
Cumbossa
literalmente
significa
rival
amorosa
ou
Coesposa.
Fronteiras
de
gênero
em
Guiné-Bissau…
Estes
elos
e
os
significados
de
gênero
atribuídos
nesse
contexto
são
relevantes
para
as
distinções
que
procuramos
estabelecer.
O
“casamento
formal”,
em
que
ocorre
uma
cerimônia
religiosa
ou
civil
entre
um
homem
e
uma
mulher,
“raramente”
acontece
no
interior
nas
tabancas
de
Canchungo
na
Guiné-Bissau
43
.
Ali,
um
homem
vive
com
duas
ou
mais
mulheres
ao
longo
da
maior
parte
da
sua
vida
(muito
embora
haja
alguns
que
optem
por
se
casar
com
apenas
uma
mulher,
o
que
é
uma
minoria
das
experiências
nessa
localidade).
O
casamento
de
um
homem
com
mais
de
uma
mulher
é
conhecido
como
“casamento
tradicional”.
Ao
partirmos
da
perspectiva
de
uma
família
guineense,
encontramos
um
homem
que
se
casou
com
duas
mulheres:
uma
de
nome
Blandim
Mendes
e
outra
Aissatu
Mendes,
ambas
designadas
pelo
termo
cumbossas
.
A
ordem
de
chegada
das
mulheres
à
família
e
à
“relação
é
muito
importante”
porque,
na
verdade,
há
um
arranjo
social
que
também
dita
regras
hierárquicas
e
imprime
formas
e
funções
nas
relações
estabelecidas
entre
essas
pessoas.
A
segunda
mulher,
assim,
deve
respeitar
sempre
a
posição
da
sua
Cumbossa
(primeira
esposa)
no
caso
de
uma
decisão
que
deve
ser
tomada
na
esfera
privada.
Ao
estabelecer
uma
“reflexão
ativa”,
entramos
em
contato
com
uma
família
composta
por
um
pai
que
se
casou
com
duas
mulheres
que
coabitam
a
mesma
casa
e
compartilham
quase
“tudo”.
Doris
Wieser
(2018,
p.
336)
coloca
que
a
“poligamia
é
uma
forma
de
organização
familiar
amplamente
difundida
no
continente
africano
–
mas
não
só
em
África
–
embora
não
seja
aceito
pela
lei
dos
Estados
modernamente
constituídos
em
suas
legislações
e
tipificações
sociais
por
ele
regulamentadas”.
Atualmente,
em
muitos
dos
Estados
africanos
modernos,
cuja
população
é
islâmica
na
sua
maioria,
a
poligamia
é
legal,
segundo
Wieser
(2018).
Também,
como
sugere
Borges,
o
43
Tabanca
está
associada
a
uma
determinada
região
ou
setor,
formada
por
diferentes
famílias
que
compartilham
espaços
de
sociabilidade
e
se
entreajudam
cotidianamente.
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
P.
M.
Gomes
e
C.
S.
A.
Abrantes
177
casamento
islâmico
na
Guiné-Bissau
é
contratual
e,
“considerando
que
os
contratos
são
negociáveis”
(BORGES,
2009,
p.
28),
pode
ser
utilizado
dentro
de
subterfúgios
contratuais
a
partir
de
ambiguidades
na
lei.
Entretanto,
nem
sempre
há
a
possibilidade
de
escolha
da
própria
mulher
em
aceitar
o
casamento
cumbossa,
por
se
tratar
de
um
casamento
tradicional
que
se
negocia
entre
famílias.
Ou
seja,
nem
todas
as
escolhas
permitem
que
a
mulher
determine
as
cláusulas
do
contrato,
pois
a
decisão
acaba
ficando
a
cargo
do
status
de
sua
família.
Certas
famílias
guineenses
comungam
desse
modelo
de
casamento
aceito,
reconhecido
e
valorizado,
muito
embora
a
Guiné-Bissau
tenha
recebido
como
herança
da
colonização
portuguesa
as
influências
da
religião
católica
(14%
da
população)
que
define
que
homens
não
podem
se
casar
com
mais
de
uma
mulher.
Assim
como
a
família
referenciada
anteriormente,
muitas
outras
na
Guiné-Bissau
têm
ascendência
da
religião
tradicional
de
suas
comunidades,
não
sendo
nem
católicas,
nem
muçulmanas.
Portanto,
o
modelo
de
casamento
não
se
enquadra
no
religioso
ou
no
civil,
mas
sim,
em
um
viés
socialmente
localizado:
casamentos
negociados
entre
os
grupos
familiares
de
onde
se
originaram.
A
poligamia
apresenta
traços
importantes
da
vida
social
em
Guiné
Bissau,
pois
há
todo
um
contexto
social,
econômico
e
político
que
lhe
sustenta
e
de
onde
extrai
sua
significação
social,
de
modo
que
algumas
mulheres
não
consideram
a
questão
como
um
“problema”
(haja
vista
a
ressalva
de
que
isso
também
depende
de
cada
caso
específico).
Desta
maneira,
é
possível
traçar
um
diálogo
sobre
a
poligamia
em
Guiné
Bissau
com
a
obra
da
romancista
senegalesa
Ken
Bugul,
que
explicita
e
argumenta
favoravelmente
sobre
a
possibilidade
de
que
um
homem
possa
Fronteiras
de
gênero
em
Guiné-Bissau…
se
casar
com
duas
ou
três
mulheres
44
.
Em
seu
romance
autobiográfico
The
Abandoned
Baobab:
The
Autobiography
of
a
Senegalese
Woman
(1991)
está
expresso
que
o
sentimento
de
integração
ao
coletivo
é
um
processo
importante
de
paz
interior
e
realização
pessoal
e
isso
só
acontece
quando
se
busca
o
quadro
de
referência
das
origens
(familiares,
comunitárias)
de
uma
pessoa
(BUGUL,
1991,
p.
60).
Ou
seja:
Bugul
parece
defender
que,
como
a
união
poligâmica
pode
ser,
para
uma
determinada
mulher,
uma
opção
consciente
por
um
caminho
de
realização
pessoal,
dependendo
de
posições
identitárias
marcadas
por
interseções
diversas.
Não
se
trata,
como
é
evidente,
de
uma
vitória
sobre
a
sociedade
patriarcal,
mas
da
criação
de
um
lugar
de
liberdade
e
poder
para
a
mulher
nos
interstícios
do
poder
masculino,
que
acaba
por
conduzir
a
alterações
nas
estruturas
deste
último
(MARTINS,
2016,
p.
68)
Desta
forma,
é
importante
procurar
pelo
contexto
completo
em
que
as
mulheres
estão
inseridas,
desde
suas
subjetividades
até
à
complexidade
da
sociedade
mais
ampla
e
como
concebem
o
bem-viver
como
espaços
de
liberdade
e
poder.
As
particularidades
das
experiências
femininas
colocadas
em
comparação
transcultural
nos
possibilitam
olhares
e
horizontes
sobre
a
realidade
de
muitas
mulheres
que
vivem
um
casamento
no
continente
africano
evitando
julgamentos
e
exclusões
ao
que
é
moralmente
aceito
em
certos
meios
sociais.
44
Ken
Bugul
é
uma
mulher
de
30
anos
que,
com
uma
educação
ocidental
de
nível
superior
e
após
ter
conhecido
vários
países
europeus
e
vivido
relações
diversas
com
homens
desses
países,
regressa
à
aldeia
natal
no
Senegal,
para
se
tornar
a
vigésima
oitava
(28ª)
esposa
de
um
chefe
religioso
islâmico
com
mais
de
70
anos.
Esta
mulher
denuncia
a
representação
colonial
do
africano
como
ser
selvagem
e
brutal.
Sublinhamos
que
Ken
Bugul
insere
o
seu
trabalho
ao
ativismo
pelos
direitos
das
mulheres,
que
inclui
desde
a
luta
contra
a
ablação
genital
até
o
planejamento
familiar
(DIAW,
2018,
p.37).
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
P.
M.
Gomes
e
C.
S.
A.
Abrantes
179
Uma
possibilidade
de
aprofundamento
teórico
seria
pautar
as
diferenças
e
as
escolhas
pessoais
como
algo
enriquecedor,
inserindo-as
em
relações
estabelecidas
socialmente
em
determinados
contextos
geopolíticos.
Luciene
Santos
nos
fornece
exemplos
de
experiências
variáveis
de
mulheres,
independentemente
de
classe,
raça,
etnia,
região
e
do
espaço:
a
experiência
das
mulheres
pode
variar
[...]
a
necessidade
de
uma
análise
e
de
um
olhar
situados
para
um
entendimento
menos
redutor
da
vida
das
mulheres
num
dado
contexto.
Esta
perspectiva
permite
identificar
as
relações
de
força
subjacentes
aos
papéis
de
género
numa
dada
comunidade/grupo
social
e
diferenciá-las
de
outras
relações
de
subordinação
configuradas
a
partir
de
um
imaginário
moderno-colonial
[...]
(SANTOS,
2017,
p.
169).
A
centralidade
dos
estudos
que
trazem
esta
perspectiva
da
construção
de
gênero
permite
relativizar
a
homogeneidade
simbolicamente
arraigada
na
concepção
ocidental,
pois,
uma
vez
que
existem
diversas
maneiras
de
ser
mulher,
podemos
valorizar
suas
experiências
únicas,
as
suas
lutas,
as
necessidades
e
desejos,
como
foi
colocado
acima.
Além
de
uma
trilha
marcada
pela
subjetividade
e
trajetórias
individuais,
reconhecemos
a
relevância
das
propostas
de
Santos
sobre
como
pensar
diferentes
maneiras
de
ser
mulher
nas
esferas
pública
e
privada.
45
Se
tomarmos
os
casos
das
associações
de
mulheres
em
Guiné-Bissau,
encontramos
múltiplas
estratégias
adaptativas
recorrentes
no
cotidiano,
como
a
agricultura,
a
costura
e
o
comércio.
Esses
trabalhos
geralmente
começam
com
pequenos
45
Sobre
este
tensionamento
entre
âmbitos
e
espaços
de
vida
da
mulher,
ainda
que
no
contexto
brasileiro,
dividido
nesta
perspectiva
dicotômica
de
esfera
pública
e
esfera
privada,
ver
também
Venturini,
Recamán,
Oliveira
(2004).
Fronteiras
de
gênero
em
Guiné-Bissau…
grupos
na
esfera
doméstica,
onde
se
planta
produtos
alimentícios
considerados
básicos
para
uma
alimentação
diária
nas
suas
comunidades
(tais
como,
hortaliças
de
legumes
e
verduras,
arroz,
milho,
feijão,
amendoim
etc.).
Os
resultados
dos
trabalhos
destas
mulheres
às
vezes
chegam
às
mesas
de
outras
famílias,
vizinhos,
e
no
geral,
até
à
esfera
pública,
marcada
pela
mediação
de
organizações
não
governamentais
(ONGs).
A
partir
das
atividades
desenvolvidas
por
elas,
há
uma
conquista
de
um
reconhecimento
em
suas
famílias,
na
comunidade,
no
setor
46
ou
bairro.
Em
um
cenário
macro,
as
mulheres
estão
em
maior
número
quando
se
pensa
nos
trabalhadores
guineenses
de
um
modo
geral,
sendo
responsáveis
pelo
sustento
de
muitas
pessoas
ou
famílias,
ou
pelo
“armazenamento
de
economia
local”,
segundo
o
Relatório
do
FMI
n.º
17/381
47
.
O
trabalho
feito
pelas
mulheres
é,
assim,
também
percebido
como
uma
contribuição
para
a
luta
contra
a
pobreza
tanto
nas
suas
comunidades,
nos
setores
,
como
nos
bairros.
É
desta
maneira
que
as
mulheres
obtêm
o
reconhecimento
por
parte
da
maioria
da
comunidade,
em
sua
região,
além
da
importância
das
suas
produções,
comércios
e
organizações
que
colaboram
muito
para
sua
consequente
emancipação
socioeconômica,
como
sugere
Cátia
Lopes
(2013).
Vale
ainda
salientar
que
o
peso
da
participação
delas
tem
aumentado
no
desenvolvimento
e
na
mudança
de
paradigmas
sociais
e
mentalidades,
dada
à
centralidade
de
suas
posições
e
ações
diárias
nos
grupos.
Lopes
(2013)
coloca,
em
um
de
seus
estudos
efetuados
a
respeito
da
inserção
de
mulheres
no
microcrédito,
que
as
mulheres
exercerem
duas
funções
simultâneas
importantes
no
país
1)
executoras
de
atividades
econômicas,
tais
como
a
agricultura
ou
a
pesca
e
2)
agentes
de
educação
e
da
47
Fundo
Monetário
Internacional
de
Guiné-Bissau,
D.C.
Novembro
de
2017.
46
Setor
é
uma
subdivisão
política
em
Guiné-Bissau.
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
P.
M.
Gomes
e
C.
S.
A.
Abrantes
181
economia.
Assim,
elas
continuam
ocupando
cada
vez
mais
espaços
sociais
e
econômicos,
principalmente
por
estarem
trabalhando
em
associações.
A
forte
presença
das
mulheres
em
Guiné-Bissau,
como
trabalhadoras
e
responsáveis
pelo
sustento
de
muitas
pessoas
e
de
muitas
famílias
na
atualidade,
é
considerada
um
valioso
contributo
para
enfrentar
as
desigualdades
existentes
no
mercado
de
trabalho,
desigualdades
estas
que
têm
sido
demonstradas
por
vários
estudos
e
pesquisas
recentes
no
país
(SEMEDO,
2010).
Nas
esferas
do
Governo,
promove-se
recentemente
pelo
Departamento
de
Assuntos
Políticos
(DAP),
a
igualdade
entre
homens
e
mulheres
em
Guiné-Bissau,
onde
se
procurou
em
2018
garantir
uma
maior
participação
feminina
nos
espaços
de
poder
com
propostas
de
uma
divisão
mais
igualitária
entre
gêneros
(50/50)
a
serem
colocadas
em
prática
até
2030.
Existem
hoje
várias
iniciativas
para
recordar
o
percurso
das
mulheres
guineenses,
as
suas
dificuldades
e
as
conquistas
ao
longo
das
décadas
na
luta
pelos
direitos
e
pela
igualdade
de
oportunidades
no
país.
As
narrativas
que
fortalecem
a
participação
e
agência
feminina
na
economia
bem
como
conduzidas
em
setores
do
governo
levaram
à
aprovação
de
uma
lei
de
quota
que
obriga
participação
ativa
de
36%
das
mulheres
nos
lugares
de
tomada
de
decisão
do
Estado
nacional,
isto
é,
nos
partidos
políticos
e
no
parlamento
48
.
Estas
transformações
recentes
no
contexto
mais
amplo
dos
processos
de
formação
de
Estado
(ELIAS,
2002)
têm
efeitos
sobre
as
atividades
das
mulheres
em
associação,
das
tabancas
e
das
cidades,
por
representarem
uma
conquista
das
políticas
públicas
que
operam
visando
a
inclusão
das
mulheres
guineenses
nos
setores
públicos.
A
escuta
e
possibilidade
de
48
UNIOGBIS,
Departamento
de
Assuntos
Políticos.
Disponivem
em:
https://uniogbis.unmissions.org/na-guin%C3%A9-bissau-mulheres-%C3%
A9-que-garantem-o-sustento-da-fam%C3%ADlia
.
Acesso
em
maio
de
2018.
Fronteiras
de
gênero
em
Guiné-Bissau…
perceber
como
essas
mulheres
se
localizam
no
diálogo
com
o
Estado
é
também
um
outro
aspecto
das
condições
da
experiência
feminina
africana,
guineense,
como
vemos
na
fala
da
rainha
49
Tina
da
associação
Mandjuandadi
de
Babock,
localizada
em
Reno,
que
afirma:
estamos
aqui
nas
nossas
tabancas
fazendo
o
que
realmente
gostamos
de
fazer
em
grupos
–
que
gera
um
sustento
de
muitas
famílias
contribuindo
direta
e
indiretamente
para
o
desenvolvimento
de
comunidades,
bairro,
regiões
e
consequentemente
o
país”
[...]
precisamos
de
um
diálogo
daqui
para
Bissau,
nas
instâncias
como
do
Estado
[...]
tudo
que
a
gente
faz
[fez]
é
pensando
no
bem
daqui
e
não
só
(...)
tendo
a
nossa
representação
daqui
que
leva
nossa
mensagem
por
exemplo:
pensar
nas
políticas
públicas
virada
para
agricultura
familiar,
de
comércio
exterior”
(...)
devemos
ter
apoio
por
parte
de
Estado
(notas
de
caderno
de
campo,
rainha
Tina
Gomes,
Canchungo-
Guiné-Bissau,
setembro
de
2018).
As
contribuições
das
mulheres
não
se
limitam
apenas
a
suas
tabancas
ou
bairros,
mas
há
algumas
questões
de
maior
interesse
levantadas
pela
rainha
em
relação
ao
Estado.
Há
a
expectativa
de
que
seus
nomes
sejam
incluídos
e
identificados
nos
produtos
que
concedem
para
venda
aos
estabelecimentos
agropecuários.
Além
disso,
exigem
ações
por
parte
do
Estado
para
lidar
com
as
questões
de
saúde
da
mulher
50
.
Assim,
há
uma
demanda
por
apoio
do
Estado
para
consolidar
os
50
É
interessante
e
curioso
verificar
que,
embora
os
problemas
acima
citados
que
as
mulheres
enfrentam
sejam
uma
decorrência
de
suas
situações
de
trabalhadoras
diária,
as
suas
reivindicações
não
são
feitas
aos
maridos
ou
familiares,
mas
sim
ao
Estado.
Isto
é,
reivindicam
seus
direitos
como
trabalhadoras
inseridas
em
uma
comunidade
mais
ampla.
49
Rainha
é
a
pessoa
responsável
e
porta
voz
das
mulheres
dentro
de
grupo
de
Mandjuandadi.
Mandjuandadi
é,
portanto,
uma
das
associações
voluntárias
das
mulheres
em
Guiné-Bissau
que
tem
por
objetivo
transmitir
os
sentimentos
através
da
música
e
ser
uma
fonte
de
conselhos
e
um
meio
de
produção
de
economia
local
ou
nacional.
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
P.
M.
Gomes
e
C.
S.
A.
Abrantes
183
instrumentos
de
trabalho
destas
pequenas
agricultoras
e
comerciantes
nas
tabancas
,
que
também
se
veem
como
parte
do
crescimento
e
desenvolvimento
econômico
e
social
da
Guiné-Bissau.
As
mulheres
que
compartilham
os
afazeres
e
práticas
cotidianas
em
associações
concebem
a
sua
agência
como
relevante
para
a
mudança,
o
bem-estar
da
sua
comunidade
e
bairro
e,
portanto,
buscam
firmar
estratégias
em
diálogo
com
a
administração
local
e
nacional.
Assim,
para
continuarem
trazendo
estes
resultados
positivos
dos
seus
trabalhos,
os
“lucros”,
o
Estado
deve
também
agir
na
promoção
dessas
políticas,
como
é
sublinhado
pela
rainha
Tina.
Apesar
deste
apelo
das
interlocutoras,
elas
consideram
os
seus
trabalhos
um
sucesso,
pois
há
o
“sentimento
de
autossatisfação”
por
existir
um
reconhecimento
já
garantido
em
termos
da
percepção
geral
comunitária,
quanto
à
importância
dos
seus
trabalhos
em
associações.
Isso
faz
com
que
se
sintam
realizadas
tanto
em
grupo
como
individualmente
por
saberem
que
através
de
associação
alcançam
poderes
econômicos,
sobretudo
por
estarem
gerindo
seus
próprios
negócios
à
sua
maneira.
As
duas
associações
analisadas,
Amizade
de
Babock
e
Cooperativa
Bontche
que
trabalham
com
agricultura,
comércio
e
costura
começaram
nos
últimos
anos
a
ganhar
peso
e
reconhecimento
dos
seus
trabalhos
pela
comunidade,
bairros
e
dentro
das
suas
famílias,
por
estarem
contribuindo
para
diminuir
os
momentos
de
dificuldade
e
de
escassez
de
alimentos,
bem
como
promover
o
investimento
na
alimentação
e
na
educação
dos
seus
filhos
(mensalidade
escolar),
e,
consequentemente,
na
economia
social.
Assim,
o
esforço
para
empregar
e
promover,
por
parte
do
Estado,
as
mulheres
em
associações
ou
cooperativas,
está
sendo
levado
a
sério
em
um
país
cujo
percentual
populacional
feminino
atinge
os
52%,
em
relação
ao
todo
demográfico,
segundo
dados
de
2018.
Posto
Fronteiras
de
gênero
em
Guiné-Bissau…
isto,
os
dados
da
nossa
pesquisa
recente
em
Guiné-Bissau
com
as
mulheres
de
Babock
e
Bontche
mostra
mulheres
ativas
nos
trabalhos
coletivos
pelo
bem
social
e
comunitário.
Como
vimos
nesta
seção,
as
visões
sobre
mulheres
em
Guiné-Bissau
podem
ser
pensadas
de
forma
plural
e
diversa
do
que
é
ser
mulher,
associadas
não
apenas
às
formas
organizacionais
locais
(econômicas,
religiosas
e
de
parentesco),
mas
também
em
suas
estratégias
de
relacionamento
com
o
Estado
e
nas
conexões
com
o
cenário
macro,
que
está
em
constante
transformação.
Ressalta-se
que
há
também
uma
reorientação
no
modo
como
as
mulheres
se
percebem
a
si
mesmas
e
se
organizam
em
coletivos
a
partir
das
respostas
que
recebem
da
comunidade
mais
ampla,
o
que
mostra
um
processo
contínuo
de
luta
e
mobilização
social.
Agência
e
redes
de
associação:
por
um
conhecimento
plural
e
ativo
A
partir
das
agências
femininas
localizadas
nas
associações
em
Guiné-Bissau,
abre-se,
portanto,
uma
reflexão
sobre
a
importância
de
localizarmos
situações
e
a
partir
delas
e
dos
cenários
singulares
estabelecermos
elos
para
os
significados
e
as
relações
de
identificação
feminina.
Assim,
este
é
um
tema
relevante
para
pensar
a
agência
de
mulheres
no
continente
“africano”,
ou
pelo
menos
em
parte
dessas
mulheres
que
percorrem
os
54
países
do
continente,
a
partir
de
suas
realidades
plurais,
bem
como
de
seus
papéis
na
vida
cotidiana,
seus
arranjos,
suas
negociações,
sua
inteligibilidade
e
sua
lógica
social.
Podemos
nos
referir,
aqui,
às
perspectivas
afro-centradas
que
encontramos
em
Mazama
(2009)
a
partir
da
África
e
sua
diáspora
bem
como
em
Mafeje
(2019)
para
a
experiência
do
continente
africano.
Então,
equacionar
a
ideia
de
agência
parece-nos
ser
bastante
significativo
nos
estudos
sobre
gênero,
ao
se
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
P.
M.
Gomes
e
C.
S.
A.
Abrantes
185
considerar
não
somente
o
sentido
de
uma
resistência
a
relações
de
dominação,
mas,
principalmente,
uma
capacidade
para
a
ação
facultada
por
relações
de
subordinação
específicas.
Segundo
Mahmood
(2019,
p.
143)
podemos
entender
agência
como
“a
capacidade
de
cada
pessoa
para
realizar
os
seus
interesses
individuais,
em
oposição
ao
peso
do
costume,
tradição,
vontade
transcendental
ou
outros
obstáculos
individuais
e
coletivos”
51
.
Esta
conceitualização
permite
uma
possibilidade
de
análise
da
experiência
feminina
nas
associações,
ao
colocar
foco
sobre
o
modo
como
organizam-se
em
prol
de
seus
interesses,
criando
sempre
espaços
de
negociação
e
de
mudança
social,
como
vimos
anteriormente.
Miguel
de
Barros
(2010)
contribui
para
essa
ideia
ao
reforçar
que
existem
no
continente
outras
interfaces
que
promovem
filosofias
de
sustentabilidade,
de
priorização
de
agendas
econômicas
e
sociais
dentre
outras,
em
geral
a
partir
de
organismos
de
cooperação
internacionais.
Na
citação
abaixo,
a
ideia
de
um
fomento
que
incentiva
iniciativas
individuais
e
coletivas
em
prol
de
um
crescimento
está
bem
desenvolvida:
O
fomento
do
associativismo
ligado
a
filosofias
de
projetos
dos
doadores
que
privilegiam
o
trabalho
direto
com
os
grupos
sociais
legalmente
constituídos
fez
disparar
o
número
das
associações
de
jovens,
quer
na
capital
como
nas
zonas
rurais
do
interior
do
país,
esvaziando
as
associações
da
sua
agenda
prioritária,
condicionando
deste
modo
o
51
Obviamente,
a
elaboração
de
Mahmood
sobre
a
noção
de
agência
no
seu
texto
deve
ser
entendida
ou
compreendida
no
contexto
específico
dessas
mulheres
no
Egito
nas
suas
intervenções
políticas
pretendidas
nos
seus
trabalhos.
As
particularidades
de
mulheres
no
Egito
traduzem-se
por
“situar
a
autonomia
moral
e
política
do
sujeito
em
relação
ao
´poder´
–
[o
que]
foi
invocado
no
estudo
de
mulheres
envolvidas
em
tradições
religiosas
patriarcais
como
o
Islão”
(MAHMOOD,
2019,
p.
138).
Fronteiras
de
gênero
em
Guiné-Bissau…
que
realmente
querem
e
podem
fazer
e
ainda
favoreceu
uma
forte
apropriação
das
iniciativas
e
absorção
dos
financiamentos
que
deveriam
ser
canalizados
pelas
redes
às
associações
de
base
(BARROS,
2010,
p.
03).
Em
meio
a
essas
agências
externas,
é
visível
um
crescimento
de
associações
na
Guiné-Bissau,
particularmente
os
das
mulheres
que
se
juntam
para
desenvolver
diferentes
atividades
geradoras
de
rendimentos
(tanto
para
alimentação
familiar
como
para
o
comércio
local
e
nacional).
Estes
são
espaços
reconhecidos
como
os
de
uma
administração
de
poderes
econômicos,
por
estar-se
gerindo
seus
próprios
negócios
à
sua
maneira.
A
participação
dessas
mulheres
também
é
considerada
como
tendo
um
caráter
intervencionista
a
nível
político,
social,
comunitário
e
de
proximidade
com
a
comunidade,
já
que
responde
a
questões
comuns
e
funciona
como
veículo
de
comunicação
e
de
sensibilização
em
diferentes
níveis
de
caráter
social.
A
emergência
do
pluralismo
político
52
na
Guiné-Bissau
favoreceu
uma
explosão
de
formas
de
organização
social,
desde
os
partidos
políticos,
sindicatos
livres
e
independentes,
passando
pelos
agrupamentos
de
cariz
económico-empresarial
‘autónomas’
até
às
organizações
não
governamentais
e
associações
de
base
local
e
comunitária
(BARROS,
2010,
p.
02).
Nesse
cenário
complexo,
propomos
nos
apropriamos
do
conceito
de
“agência”,
e
ampliá-lo
para
a
ideia
de
“ativismo”,
o
que
permite
estabelecer
a
força
com
que
as
redes
de
atuação
das
mulheres
mobilizam
recursos,
alianças,
encontros
em
prol
de
objetivos
comuns,
muitas
vezes
pautados
como
melhoria
de
suas
condições
de
vida
e
da
comunidade.
Tais
redes,
como
52
O
pluralismo
político
trazido
aqui
se
refere
ao
reconhecimento
da
diversidade
de
vários
partidos,
associações
ou
cooperativas
e
seu
direito
ao
exercício
do
poder.
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
P.
M.
Gomes
e
C.
S.
A.
Abrantes
187
vimos,
ultrapassam
a
esfera
local
e
interagem
em
contextos
familiares,
setoriais
e
mesmo
nacionais.
São
redes
que
também
podem
ser
reconstituídas
como
partes
da
vida
social
que
buscamos
colocar
em
evidência
neste
artigo
a
partir
da
participação
das
mulheres
que
produzem
conhecimento
sobre
e
nos
países
africanos,
particularmente,
em
Guiné-Bissau.
O
desafio,
a
partir
dos
padrões
históricos
construídos
no
cenário
acadêmico
ao
longo
de
séculos
–
como
vimos
na
primeira
seção
–
são
grandes,
mas
possíveis
ao
se
buscarem
outras
novas
formas
de
atualização,
a
partir
de
realidades
mais
próximas
de
mulheres
e
homens
no
continente.
Como
parte
do
ativismo
que
se
propõe
como
chave
para
uma
reflexão
sobre
gênero,
incluímos
a
proposta
de
que
há
que
se
considerar
novos
caminhos
para
um
conhecimento
plural
que
possibilite
aos
futuros
pesquisadores
na
área
humanas
reconsiderarem
suas
bases
teóricas
e
discursivas.
Refletir
ou
problematizar
o
lugar
de
produção
de
conhecimento
vem
sendo
o
exercício
de
questionamento
por
alguns
intelectuais
africanos
já
há
muitos
anos.
Se
Hountondji
(1989)
acreditava
nesta
construção
de
conhecimento
a
partir
dos
próprios
métodos
dentro
do
continente
africano,
Cossa
(2014,
p.
21)
reflete
sobre
a
corporeidade
como
um
caminho
para
se
“saber
como
conhecer
as
coisas
que
nos
cercam
e,
consequentemente,
se
poderiam
ser
conhecidas
e
até
que
ponto
eram
reais”.
Também
Adenina
(2012)
propõe
a
produção
científica
de
conhecimento
a
partir
de
dentro,
a
que
chamou
de
“endogeneidade”.
Percebe-se
que
os
próprios
e
próprias
pesquisadores/as
africanos/as
vêm
questionando
e
problematizando
os
sistemas
de
conhecimento
que
não
refletem
as
realidades
endógenas
africanas
no
seu
todo.
Na
Guiné-Bissau,
essa
reflexão
é
proposta
por
Patrícia
Godinho
Gomes
(2014),
que
retoma
questões
de
Oyèwùmi
(2010)
e
Houtondji
(1989)
quanto
às
condições
do
conhecimento
Fronteiras
de
gênero
em
Guiné-Bissau…
produzido
nos
processos
históricos,
às
ferramentas
teóricas
e
metodológicas
próprias
para
um
conhecimento
sobre
e
na
África
e
o
apoio
de
políticas
voltadas
para
a
pesquisa
científica
a
partir
dos
governos
nacionais.
(...)
a
primeira
é
de
que
as
circunstâncias
históricas
e
políticas
em
que
foi
produzido
o
conhecimento
em
África
teriam
conduzido
a
uma
dependência
“de
fora”
em
termos
epistemológicos;
em
segundo
lugar,
os
países
africanos
(submetidos
na
sua
maioria
a
um
processo
de
colonização)
precisam
encontrar
mecanismos
internos
para
compreender
as
dinâmicas
sociais
internas
e
precisam
escolher
os
temas
e
as
metodologias
de
pesquisa
que
melhor
se
adequem
às
necessidades
locais
e
não
às
demandas
externas;
enfim,
alcançar
tais
propósitos
requer
a
construção
de
um
projeto
nacional
à
volta
do
qual
as
diferentes
realidades
socioculturais
dentro
de
um
território
nacional
possam
estar
representadas
(GOMES,
2014,
p.
06).
Reunimos,
assim,
a
questão
do
conhecimento
como
um
dos
aspectos
a
serem
mobilizados
em
ação
social,
ativamente
produzido
a
partir
de
redes
e
de
questões
que
precisam
estar
sempre
em
destaque
para
os
que
estão
envolvidos
em
uma
ruptura
epistêmica
e
na
possibilidade
de
produção
de
quadros
teóricos
e
metodológicos
sem
as
marcas
históricas
de
pensamentos
exógenos
e
distantes.
Afinal,
quais
são
as
finalidades
e
as
condições
de
produção
do
conhecimento?
O
que
leva
as/os
pesquisadores/as
africanos/as
a
repensarem
historicamente
e
metodologicamente
esse
conhecimento,
utilizando
um
olhar
endógeno?
Pode
a
tradição
ocidental
de
fabricação
reflexiva
e
discursiva
privilegiar
determinadas
visões
que
não
correspondem
a
processos
locais
e
endógenos
e
legitimá-las
como
realidades
únicas?
Quais
são
as
condições
para
esse
“poder”?
Existem,
assim,
certas
possibilidades
de
desconstrução
do
conhecimento
ligado
à
representação
da
realidade
e
do
“sujeito
conhecedor”
e
que
questiona
a
própria
noção
de
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
P.
M.
Gomes
e
C.
S.
A.
Abrantes
189
ciência,
no
caminho
aberto
desde
Edward
Said,
nos
primeiros
anos
do
pós-colonialismo
e
que
passa
pela
crítica
do
conhecimento
produzido
por
antropólogos
e
de
uma
artesanal
tessitura
da
realidade
social
para
pensar
a
coexistência
do
outro
(FABIAN,
2013).
A
prolongada
interação
da
Antropologia
com
o
“outro”
criou
um
objeto
de
estudo
que
na
atualidade
precisa
de
uma
reavaliação,
já
que
foi
fundada
a
partir
de
uma
distância
temporal
e
espacial,
principalmente
marcada
pela
matriz
da
sociedade
ocidental,
capitalista
e
estruturada
colonialmente.
Essa
matriz
a
partir
da
qual
o
“outro”
transformou-se
em
uma
imagem
manipulada
em
consonância
com
a
dinâmica
das
relações
de
poder
mais
amplas
pode
ser
repensada
e
diluída
por
meio
de
pesquisas
que
aprofundem
o
seu
lugar
histórico
(ABRANTES,
2014;
2015).
Assim,
uma
das
formas
de
deslocar
esse
“centro”
pode
ser
pensada
por
meio
das
redes
de
ativismo
em
torno
das
construções
científicas
sobre
gênero,
procurando
percebê-las
em
sua
organização
não
só
pela
visibilização
de
teorias
produzidas
fora
dos
espaços
consagrados
de
produção
de
conhecimento,
mas
principalmente
pela
construção
dialógica
com
interlocutores
de
pesquisa
em
que
se
apresente
e
reflita
sobre
as
condições
de
pesquisa
e
seus
efeitos
para
todos
os
envolvidos
(GOMES,
2019).
Cotidianamente
e
ativamente,
mulheres
se
organizam
em
espaços
acadêmicos
muitas
vezes
longe
dos
centros
reconhecidos
de
autoridade
intelectual,
para
construírem
caminhos
científicos
novos
que
reflitam
sobre
os
modos
de
estar
baseados
em
comunidades
que
se
fortalecem,
como
vimos,
pela
gestão
de
seus
recursos
e
organização
de
suas
atividades
em
grupo.
Fronteiras
de
gênero
em
Guiné-Bissau…
Considerações
finais
As
fronteiras
de
gênero
abordadas
neste
artigo
permitem
trazer
referenciais
do
pensamento
sobre
a
agência
de
mulheres
no
continente
“africano”
através
das
suas
realidades
plurais,
bem
como
seus
papéis
na
vida
cotidiana,
seus
arranjos,
suas
negociações,
suas
inteligibilidades
e
sua
lógica
social
afrocentrada.
Trouxemos
questionamentos
relacionados
à
forma
como
produção
de
conhecimento
ainda
se
organiza
dentro
de
um
escopo
eurocêntrico,
quando
estas
mulheres
são
consideradas
na
maioria
das
vezes
“outras”,
ou
seja,
mulheres
de
grupos
subalternizados.
Logo,
é
importante
procurar
entender
o
contexto
completo
em
que
as
mulheres
africanas
e
guineenses
estão
inseridas,
desde
as
suas
subjetividades
e
a
complexidade
dos
contextos
até
como
concebem
o
bem-viver,
evitando
noções
pré-concebidas
ou
distantes
de
ferramentas
teóricas
que
desconsiderem
as
condições
de
produção
do
conhecimento.
Para
tanto,
este
artigo
trouxe
questões
relativas
às
identidades
de
gênero
construídas
situacionalmente,
em
atividades,
organizações
e
representações
sociais
historicamente
situadas.
É
importante
reconhecer
como
a
construção
de
categoria
“mulher
africana”
e
“guineense”
se
enquadra
numa
perspectiva
diferente.
Os
elos
que
mantêm
as
mulheres
em
associações
femininas
na
Guiné-Bissau
foram
descritos
a
partir
de
organizações
contra
hegemônicas,
e
parte
de
redes
de
ação
mais
amplas
envolvendo
diferentes
esferas
da
vida
social
(famílias,
setores,
bairros,
cidades
e
até
nas
relações
com
o
Estado-nação).
Compreende-se
que
as
mulheres
se
impuseram,
enquanto
agentes
sociais,
com
presença
pública
ao
serem
reconhecidas
pela
comunidade
por
sua
participação
e
força,
além
de
serem
vistas
como
contribuintes
para
o
desenvolvimento
do
país.
Incluem-se
nas
mobilizações
coletivas
em
prol
de
interesses
comuns,
as
ações
pautadas
dentro
dos
âmbitos
acadêmicos,
como
parte
de
um
posicionamento
que
recupera
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
P.
M.
Gomes
e
C.
S.
A.
Abrantes
191
questionamentos
relevantes
para
o
conhecimento
construído
sobre
experiências
que
até
então
eram
conhecidas
como
“outras”.
Assim,
com
eixos
inovadores
de
produção
intelectual,
se
considera
que
o/a
pesquisador/a
comporta
ativamente
escolhas
sobre
como
conduzir
suas
questões
e
realizar
seus
estudos,
levando
em
conta
a
abertura
para
revelar
suas
condições
de
pesquisa
e
uma
reflexão
sobre
os
efeitos
de
sua
prática.
Neste
sentido,
aspectos
da
experiência
feminina,
do
ser
mulher
em
África
e
particularmente
na
Guiné-Bissau
são
arenas
discursivas
de
grande
relevância
para
situarmos
o
ativismo
acadêmico
como
parte
do
fazer
ciência
e
que
nos
revela
de
forma
mais
profunda
as
dimensões
das
fronteiras
de
gênero
na
atualidade.
Estas
arenas
organizadas
em
redes
de
relações
que
combatem
a
exclusão
social
e
comunitária
de
mulheres
e
jovens
com
enfoque
nas
situações
de
desemprego
na
África
em
especial
Guiné-Bissau
nos
permite
refletir
sobre
o
ativismo
que
se
movimenta
no
continente.
Por
meio
de
associações
de
mulheres
organizadas,
laços
construídos
mobilizam
a
participação
ativa
feminina
e
juvenil
em
prol
de
interesses
comuns
para
a
ascensão
local
e
nacional.
Referências
ABRANTES,
Carla
Susana
Alem.
Repertórios
do
conhecimento
em
disputa:
trabalhadores
indígenas
e
agricultores
no
colonialismo
português
em
Angola,
1950
.
Anuário
Antropológico
,
v.
39
(1),
p.
195-218,
mar.
2014.
ABRANTES,
Carla
Susana
Alem.
Uma
vocação
para
durar:
estratégias
discursivas
e
agências
imperiais
nos
anos
1950.
Anuário
Antropológico
,
v.
40,
(2),
p.
173-197,
set.
2015.
Fronteiras
de
gênero
em
Guiné-Bissau…
ADESINA,
Jimi.
Práticas
da
Sociologia
Africana.
Lições
de
endogeneidade
e
género
na
academia.
In:
SILVA,
Teresa
Cruz;
COELHO,
João
Paulo
Borges;
SOUTO,
Amélia
Neves
de
(orgs.).
Como
Fazer
Ciências
Sociais
e
Humanas
em
África
:
Questões
Epistemológicas,
Metodológicas,
Teóricas
e
Políticas.
Dakar:
CODESRIA,
2012.
BARROS,
Miguel
de.
Associativismo
Juvenil
enquanto
Estratégia
de
Inserção
Social:
O
caso
da
Guiné-Bissau.
Comunicação
apresentada
no
CIEA7
.
Lisboa:
CEA/ISCTE-IUL,
2010.
BORGES,
Ecyla
Saluy
Moreira.
Estudo
de
caso
em
Gabú
:
será
que
o
casamento
explica
a
gravidez
precoce
das
jovens
islâmicas
(Fulas
e
Mandingas)?
Dissertação
de
mestrado,
Programa
de
Pós-graduação
de
Estudos
Étnicos
Africanos
da
Universidade
Federal
da
Bahia,
2009.
BUTLER,
Judith.
Problemas
de
gênero
:
feminismo
e
subversão
da
identidade.
Rio
de
Janeiro:
Editora
Civilização
Brasileira,
2008.
BUGUL,
Ken.
Riwan
ou
le
Chemin
de
Sable
.
Paris/Dakar:
Présence
Africaine,
1991.
COSSA,
Segone
Ndangalila.
Corpos
Ubíquos
:
Estudo
Etnográfico
Sobre
a
Construção
Social
dos
Corpos
em
Moçambique.
Dissertação
de
Mestrado.
Universidade
Federal
do
Rio
Grande
do
Sul.
Instituto
de
Filosofia
e
Ciências
Humanas.
Programa
de
Pós-Graduação
em
Antropologia
Social.
Porto
Alegre,
2014.
ELIAS,
Norbert.
Processos
de
formação
de
Estados
e
construção
de
nações.
In:
Escritos
&
Ensaios
.
Rio
de
Janeiro,
Jorge
Zahar,
2002
FABIAN,
Johannes.
O
Tempo
e
o
Outro
:
Como
a
antropologia
estabelece
seu
objeto.
Rio
de
Janeiro:
Editora
Vozes,
2013.
GOMES,
Patrícia
Godinho.
A
Mulher
guineense
como
sujeito
e
objeto
do
debate
histórico
contemporâneo:
Excertos
da
história
de
vida
de
Teodora
Inácia
Gomes.
Africa
Development
,
Volume
XLI,
n.
3,
pp.
71-95,
2006.
GOMES,
Patrícia
Godinho.
O
estado
da
arte
dos
estudos
de
gênero
na
Guiné-Bissau:
uma
abordagem
preliminar.
Outros
Tempos
,
vol.
12
(19),
p.
168-189,
2015.
GOMES,
Patrícia
Godinho.
As
outras
vozes:
percursos
femininos,
cultura
política
e
processos
emancipatórios
na
Guiné-Bissau,
Revista
Odeere
,
v.
1,
p.
121-145,
2016.
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
P.
M.
Gomes
e
C.
S.
A.
Abrantes
193
GOMES,
Peti
Mama.
Ser
mulher
africana
e
estudante
no
contexto
da
diáspora
:
alguns
aspectos
do
cotidiano
de
estudantes
guineenses
no
Maciço
de
Baturité-CE.
Monografia
de
conclusão
de
curso
de
graduação,
Bacharelado
em
Humanidades,
Unilab,
Redenção
-
CE,
2016.
GOMES,
Peti
Mama.
Mulheres
em
Associação
na
Guine
́
-Bissau
:
gênero
e
poder
em
Babock
e
Bontche.
Dissertação
de
Mestrado.
Universidade
Federal
do
Ceará,
Programa
Associado
de
Pós-graduação
em
Antropologia
Social
da
Universidade
da
Integração
Internacional
da
Lusofonia
Afro-brasileira,
2019.
HOUNTONDJI,
Paulin
J.
Investigação
e
extraversão:
elementos
para
uma
sociologia
da
ciência
nos
países
da
periferia.
Soronda-Revista
de
Estudos
Guineenses
,
Bissau
N.º
8,
p.
107-118,
Jul.
1989.
LOPES,
Cátia
Sofia
Nobre.
O
papel
da
mulher
no
microcrédito
na
Guiné-Bissau
:
estudo
de
caso
de
Pitche
e
Pirada.
Dissertação
de
Mestrado,
Instituto
Superior
de
Economia
e
Gestão,
Universidade
de
Lisboa,
2013.
MAFEJE,
Archie.
Africanidade:
uma
ontologia
combativa.
AbeÁfrica:
Revista
da
Associação
Brasileira
de
Estudos
Africanos
,
v.03,
n.03,
Outubro
de
2019.
MAHMOOD,
Saba.
Teoria
feminista,
agência
e
sujeito
liberatório:
algumas
reflexões
sobre
o
revivalismo
islâmico
no
Egito.
Etnográfica
[Online]
,
vol.
23
(1),
mar.
2019.
OYĚWÙMÍ,
Oyèrónk
ẹ
.
Conceptualizando
el
género:
Los
fundamentos
eurocéntricos
de
los
conceptos
feministas
y
el
reto
de
la
epistemología
africana
.
Revista
de
actualidad
y
experiencias
.
nº.
04,
4º
trimestre,
2010.
MARTINS,
Catarina.
Nós
e
as
Mulheres
dos
Outros.
Feminismos
entre
o
Norte
e
a
África.
In:
RIBEIRO,
António
Sousa;
RIBEIRO,
Margarida
Calafate
(orgs.).
Geometrias
da
Memória
:
configurações
pós-coloniais,
Porto,
Portugal:
Editora
Afrontamento,
2016.
MAZAMA,
Ama.
Afrocentricidade
:
uma
abordagem
epistemológica
inovadora.
In:
NASCIMENTO,
Elisa
Larkin
(Org.).
São
Paulo:
Selo
Negro,
2009,
p.
111-128.
Fronteiras
de
gênero
em
Guiné-Bissau…
PEIRANO,
Mariza.
Etnografia
não
é
método.
Horizontes
Antropológicos
,
Porto
Alegre,
v.
20,
n.
42,
p.
377-391,
dez.
2014.
SAID,
Edward.
Orientalismo
:
O
oriente
como
invenção
do
ocidente.
São
Paulo,
Companhia
das
Letras,
2003.
SANTOS,
Luciane
Lucas
dos.
Deve
a
economia
feminista
ser
pós-colonial?
Colonialidade
económica,
género
e
epistemologias
do
Sul.
Revista
Crítica
de
Ciências
Sociais
,
114,
p.
161
‐
186,
dez.
2017.
SCOTT,
Joan.
Gênero:
uma
categoria
útil
de
análise
histórica.
Educação
&
Realidade
,
vol.
20
(2),
p.
71-99,
jul./dez,1995.
SEMEDO,
Odete
da
Costa
.
As
Mandjuandadi
-
Cantigas
de
Mulher
na
Guiné-Bissau
:
da
Tradição
Oral
à
Literatura.
Tese
de
Doutoramento
em
Literaturas
de
Língua
Portuguesa,
Pontifícia
Universidade
Católica
de
Minas
Gerais,
2010.
WIESER,
Doris.
Redes
de
mulheres
em
famílias
poligâmicas
africanas
entre
submissão
e
subversão,
Things
Fall
Apart
de
Chinua
Achebe,
Xala
de
Ousmane
Sembène
e
Niketche
de
Paulina
Chiziane.
In:
ALMEIDA,
Dimitri;
ANASTÁCIO,
Vanda;
PÉREZ,
María
Dolores
Martos.
Mulheres
em
rede
:
converge
̂
ncias
luso
́
fonas.
Berlin:
Lit,
2018.
WOLF,
Eric
R.
A
Europa
e
os
povos
sem
história
.
São
Paulo:
Editora
da
Universidade
de
São
Paulo,
2005.
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
P.
M.
Gomes
e
C.
S.
A.
Abrantes
195
Resumo:
Este
artigo
apresenta
questões
de
gênero
relacionadas
às
fronteiras
de
conhecimento
e
poder
a
partir
de
um
contexto
empírico
particular
que
envolve
mulheres
em
associação
.
O
encontro
etnográfico
de
3
meses,
realizado
por
uma
das
autoras
em
2018
junto
a
mulheres
no
norte
de
Guiné-Bissau,
resultou
em
trocas
efetivas
em
campo
e
o
exercício
de
reflexão
sobre
dinâmicas
e
gramáticas
peculiares
de
mulheres
em
associação
bem
como
seus
modos
de
conceber
e
expressar
identidades
que
caracterizamos
como
contra
hegemônicas.
Seus
afazeres
cotidianos
nas
associações
Bontche
e
Babock
mostram
ordenamentos
e
pertencimentos
locais
que
nos
levaram
a
refletir
sobre
as
ideias
de
gênero
que
transitam
entre
fronteiras
comunitárias,
étnicas,
nacionais,
dentre
outras.
As
particularidades
das
experiências
femininas,
ao
serem
colocadas
em
comparação
transcultural,
possibilitam
escolhas
teórico-metodológicas
sustentadas
pela
Antropologia
e
por
um
diálogo
com
intelectuais
africanas/os,
revelando
as
agências
femininas
na
Guiné-Bissau
e
seu
papel
na
construção
de
coletividades
e
na
transformação
social.
Trata-se,
portanto,
de
uma
reflexão
“ativa”
que
propõe
problematizar
o
lugar
histórico
da
produção
de
conhecimentos
sobre
gênero
incorporando
aspectos
endógenos,
de
resistência
e
da
capacidade
para
ação
e
interação
entre
mulheres,
suas
comunidades
e
sua
inserção
nas
relações
com
o
Estado-nação
da
Guiné-Bissau.
Palavras-chave:
gênero;
Guiné-Bissau;
agência;
poder;
Antropologia
africana.
Abstract:
This
article
presents
gender
issues
related
to
the
frontiers
of
knowledge
and
power
from
a
particular
empirical
context
that
involves
women
in
association
.
The
3-month
ethnographic
encounter,
held
by
one
of
the
authors
in
2018
with
women
in
northern
Guinea-Bissau,
resulted
in
effective
exchanges
in
the
field
and
a
reflection
on
the
peculiar
dynamics
and
grammars
of
women
in
association
as
well
as
their
ways
of
conceiving
and
express
identities
that
we
characterize
as
counter-hegemonic.
Their
daily
tasks
in
the
Bontche
and
Fronteiras
de
gênero
em
Guiné-Bissau…
Babock
associations
show
local
arrangements
and
belonging
that
led
us
to
reflect
on
the
ideas
of
gender
that
transit
across
community,
ethnic,
national
borders,
among
others.
The
particularities
of
women's
experiences,
when
placed
in
cross-cultural
comparison,
allow
theoretical-methodological
choices
supported
by
Anthropology
and
by
a
dialogue
with
African
intellectuals,
revealing
women's
agencies
in
Guinea-Bissau
and
their
role
in
the
construction
of
collectivities
and
social
transformation.
It
is,
therefore,
an
“active”
reflection
that
proposes
to
problematize
the
historical
place
of
the
production
of
knowledge
about
gender,
incorporating
endogenous
aspects,
of
resistance
and
of
the
capacity
for
action
and
interaction
between
women,
their
communities,
and
their
insertion
in
relations
with
the
nation
state
of
Guinea-Bissau.
Keywords:
gender;
Guinea
Bissau;
agency;
power;
African
Anthropology.
Recebido
para
publicação
em
09/07/2021
Aceito
em
17/03/2023
ACESSO
ABERTO
Copyright:
Esta
obra
está
licenciada
com
uma
Licença
Creative
Commons
Atribuição
4.0
Internacional.
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024