Fernando
Henrique
Cardoso
e
a
marginalização
das
interpretações
críticas,
revolucionárias
e
nacionalistas
sobre
o
Brasil
Marcos
Abraão
Fernandes
Ribeiro
Instituto
Federal
Fluminense,
Campus
Campos
Centro,
Brasil
http://orcid.org/0000-0002-6185-2448
olamarcos@yahoo.com.br
Carlos
Eduardo
Santos
Pinho
Universidade
do
Vale
do
Rio
dos
Sinos,
Brasil
https://orcid.org/0000-0003-0657-8906
cpinho19@unisinos.br
Introdução
Fernando
Henrique
Cardoso
possui
importância
central
para
a
Sociologia
brasileira,
tanto
pelo
trabalho
desenvolvido
como
primeiro-assistente
de
Florestan
Fernandes,
na
Cadeira
de
Sociologia
I
da
então
Faculdade
de
Filosofia,
Ciências
e
Letras
(FFCL)
da
Universidade
de
São
Paulo,
entre
os
anos
de
1954
e
1964,
quanto
pela
publicação
de
Dependência
e
Desenvolvimento
na
América
Latina
,
em
1969,
junto
com
o
sociólogo
chileno
Enzo
Faletto
(CARDOSO;
FALETTO,
1984).
Como
destaca
Leoni
(1997),
o
livro
torna-se
um
best-seller
a
partir
de
sua
publicação.
Se
as
pesquisas
desenvolvidas
por
Cardoso
foram
basilares
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
DOI:
10.36517/rcs.54.2.a01
ISSN:
2318-4620
M.
A.
F.
Ribeiro
e
C.
E.
S.
Pinho
47
para
produzir
uma
nova
intepretação
sobre
as
relações
raciais
em
Santa
Catarina
e
no
Rio
Grande
do
Sul
(RIBEIRO,
2016),
bem
como
para
questionar
o
marxismo
do
Partido
Comunista
Brasileiro
(PCB)
e
as
teses
hegemônicas
sobre
a
burguesia
nacional
(CARDOSO,
1964),
o
trabalho
realizado
com
Faletto
foi
fundamental
para
que
ele
obtivesse
reconhecimento
internacional.
Suas
teses
sobre
o
par
dependência
e
desenvolvimento
,
sobretudo
o
desenvolvimento
dependente-associado
como
caminho
possível
para
o
Brasil,
e
o
regime
civil-militar
instaurado
em
1964,
tiveram
recepção
muito
positiva
quando
comparadas,
por
exemplo,
às
teses
de
Andre
Gunder
Frank,
Ruy
Mauro
Marini,
Theotônio
dos
Santos
1
e
do
seu
ex-orientador
Florestan
Fernandes.
Em
caminho
diverso
das
intepretações
que
apontam
os
elementos
estritamente
positivos
das
teses
de
Cardoso
sobre
a
dependência-associada
e
o
regime
burocrático
autoritário,
defendemos,
neste
artigo,
que
as
interpretações
sobre
o
capitalismo
dependente
e
o
regime
civil-militar,
produzidas
por
Fernando
Henrique
Cardoso,
nos
anos
1970,
tiveram
papel
decisivo,
juntamente
com
as
intepretações
de
Raymundo
Faoro
(2008)
e
Simon
Schwartzman
(1988)
2
,
para
difundir,
acadêmica
e
politicamente,
uma
concepção
conservadora
que
demarca,
unicamente
no
Estado,
o
lócus
de
todos
os
nossos
dilemas
sociopolíticos
mais
importantes.
Conjuntamente,
suas
teses
e
as
críticas
à
esquerda
radical
foram
cruciais
para
marginalizar
as
interpretações
críticas,
revolucionárias
e
nacionalistas
sobre
o
Brasil.
2
Ribeiro
(2010)
sustenta
que
o
pensamento
político
de
Fernando
Henrique
Cardoso
possui
afinidades
eletivas
com
as
principais
intepretações
liberais
do
país
de
Faoro
e
Schwartzman.
1
Como
leituras
positivas
das
teses
de
Cardoso,
citamos
os
trabalhos
de
Lidia
Goldenstein
(1994),
José
Carlos
Reis
(2008),
Milton
Lauherta
(1999)
e
Kátia
Baptista
(2010).
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
48
Fernando
Henrique
Cardoso
e
a
marginalização...
Nildo
Ouriques
(2014)
analisa
as
consequências
políticas
da
produção
do
Centro
Brasileiro
de
Análise
e
Planejamento
(CEBRAP)
ao
defender
que
ela
foi
responsável
por
instituir
uma
ideologia
liberal
que
se
materializou
no
Partido
da
Social-Democracia
Brasileira
(PSDB)
e
no
Partido
dos
Trabalhadores
(PT)
e
que
silenciou
o
pensamento
crítico,
como
aquele
representado
pela
teoria
marxista
da
dependência.
O
autor
enfoca,
de
maneira
detida,
as
ações
de
Cardoso
e
José
Serra,
para
silenciar
e
estigmatizar
o
pensamento
marxista
revolucionário
de
Ruy
Mauro
Marini.
Após
as
críticas
feitas
de
sua
obra
pelos
intelectuais
supracitados,
foi
lida
permanentemente
de
forma
estigmatizada:
O
programa
de
pesquisa
orientado
pela
meta
de
superação
do
atraso
e
do
autoritarismo
organizou
os
programas
universitários
em
ciências
humanas,
subalternizando
ou,
no
limite,
eliminando
qualquer
possibilidade
de
um
projeto
nacional-revolucionário
(OURIQUES,
2014,
p.26).
A
autoridade
científica
(BOURDIEU,
2008)
conquistada
pelas
intepretações
do
CEBRAP
e
de
Cardoso,
em
particular,
possivelmente
o
principal
sociólogo
brasileiro
entre
as
décadas
de
1960
e
1970
(GONÇALVES,
2018,
p.10),
foi
fundamental
para
marginalizar
as
interpretações
produzidas
pela
esquerda
radical,
sobretudo
àquela
em
torno
da
dependência.
Nesse
sentido,
seguindo
o
argumento
de
Ouriques
(2014),
apresentaremos
as
interpretações
de
Cardoso
sobre
o
pensamento
crítico,
revolucionário
e
nacionalista
que,
como
argumentamos,
são
fundamentais
para
marginalizá-lo,
bem
como
evidenciaremos
como
a
produção
intelectual
cardosiana
transmuta-se
em
projeto
político.
A
interpretação
de
Cardoso
tem,
no
conceito
de
patrimonialismo,
a
semântica
fundamental
a
sintetizar
no
Estado
a
principal
chaga
nacional.
A
tese
do
patrimonialismo
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
M.
A.
F.
Ribeiro
e
C.
E.
S.
Pinho
49
foi
reforçada
nos
anos
1990
pelo
triunfalismo
do
neoliberalismo
e
pela
crise
fiscal
do
Estado,
tornando-se
projeto
político
levado
a
cabo
pelo
PSDB
(RIBEIRO,
2020).
Nesse
sentido,
Ribeiro
afirma:
Portanto,
o
grande
dilema
no
Brasil
não
estava
nas
lutas
de
classe
ou
na
imposição
do
imperialismo,
como
defendem
as
interpretações
marxistas,
mas
no
patrimonialismo
que
havia
se
reproduzido
de
forma
secular
na
realidade
brasileira
(RIBEIRO,
2020,
p.
70).
Para
alcançarmos
nossos
objetivos,
dividimos
o
artigo
em
quatro
partes,
somadas
a
esta
introdução.
Na
primeira,
apresentamos
o
papel
do
intelectual
nos
anos
1970
e
a
sua
vinculação
direta
com
a
política.
Na
segunda,
expomos
as
teses
do
CEBRAP
para
sustentar
o
argumento
sobre
a
hegemonia
intelectual
de
Cardoso.
Na
terceira,
expomos
as
críticas
de
Cardoso
aos
dependentistas
e
sua
intepretação
sobre
o
regime
burocrático-autoritário.
Na
quarta,
apresentamos
as
teses
do
sociólogo
sobre
a
esquerda
e
suas
vertentes
interpretativas
críticas,
revolucionárias
e
nacionalistas
e
algumas
continuidades
entre
sua
produção
intelectual
e
sua
prática
política.
Nas
considerações
finais,
defendemos
a
necessidade
da
retomada
sistemática
das
leituras
marginalizadas
pela
crítica
de
Cardoso,
pois
elas
têm
como
objetivo
interpretar
o
país
a
partir
da
massa
de
expropriados,
no
campo
e
nas
cidades,
e
possuem,
como
dimensão
normativa,
a
formulação
de
um
projeto
emancipatório
nacional
e
popular.
Uma
vez
no
governo,
apresentamos
como
FHC
executou,
na
prática,
a
teoria
do
desenvolvimento
dependente
associado,
levando
a
efeito
um
pacote
de
políticas
neoliberais.
Além
disso,
mostramos
brevemente
as
principais
características
e
a
singularidade
dos
governos
desenvolvimentistas
(2003-2016).
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
50
Fernando
Henrique
Cardoso
e
a
marginalização...
Dentro
das
limitações
impostas
pelo
regime
de
acumulação
financeirizado,
tais
governos
buscaram
dar
materialidade
um
projeto
nacional,
democrático
e
popular.
Todavia,
foram
defenestrados
e
atacados
pelo
recrudescimento
da
autocracia
burguesa,
que
reforça
os
laços
de
dependência
do
país
no
cenário
internacional,
ataca
o
regime
político
democrático
e
destrói
direitos
sociais
constitucionalizados.
Os
intelectuais
na
década
de
1970
no
Brasil
Para
sustentar
a
centralidade
das
teses
de
Cardoso,
consideramos
necessária
a
passagem
pela
análise
feita
por
Daniel
Pécault
(1990)
sobre
a
função
que
o
intelectual
exerceu
no
Brasil
a
partir
dos
anos
1970,
pois
ela
contém
elementos
importantes
para
avaliarmos
a
relação
que
essa
camada
travou
com
a
política.
Conjuntamente,
auxilia-nos
a
sustentar
como
as
teses
do
sociólogo
foram
incorporadas
pela
esfera
pública
que
lutava
contra
o
regime
militar
e,
sobretudo,
pelo
sistema
político.
Pécault
(1990)
tem
como
objetivo
analisar
a
relação
dos
intelectuais
com
a
política
no
Brasil,
entre
os
anos
1930
e
1980.
Ele
afirma
que,
durante
esse
período,
os
intelectuais
assumiram
os
seguintes
papéis:
pensadores
do
social
nos
1930;
ideólogos
do
desenvolvimento
nos
1960
e
atores
políticos
sobre
a
ditadura
nos
anos
1970.
Este
último
papel
apenas
foi
possível
sobre
a
ditadura
civil-militar
porque,
mesmo
com
a
promulgação
do
Ato
Institucional
n.º
5
,
em
1968,
o
regime
acabou
não
impedindo
o
desenvolvimento
das
ciências
sociais
e
do
mercado
de
bens
culturais,
como
pode
ser
visualizado
por
meio
do
aumento
decuplicado
de
professores
universitários,
da
expansão
das
ciências
sociais
e
da
multiplicação
dos
cursos
de
doutorado
(PÉCAULT,
1990,
p.
264-5).
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
M.
A.
F.
Ribeiro
e
C.
E.
S.
Pinho
51
Durante
os
anos
1970,
sobretudo
a
partir
de
1974,
por
meio
de
sua
articulação
com
a
sociedade
civil,
os
intelectuais
foram
um
importante
ator
político,
cuja
ação
crucial
era
a
derrubada
do
regime
civil-militar.
Para
tanto,
São
Paulo
e,
especificamente,
o
CEBRAP
tiveram
papel
crucial,
pois
o
Centro,
sob
a
liderança
de
Cardoso,
propôs
uma
teorização
estruturada
pela
conjuntura,
sugerindo
saídas
dentro
das
condições
possíveis:
“É
testando
o
conceito
diante
das
ambiguidades
do
momento
e
definindo
o
possível
com
base
no
que
pode
ser
reconhecido
a
cada
instante
pelas
massas
que
Cardoso
chega
a
provocar
‘a
organização
política’
do
meio
intelectual”
(PÉCAULT,
1990,
p.
299).
Pécault
(1990)
argumenta
que
a
democracia
se
torna
uma
questão
central,
substituindo
as
concepções
das
décadas
anteriores
sobre
a
nação
e
o
desenvolvimento.
Os
intelectuais
tinham
vasto
público
para
suas
teses
em
instituições,
como
a
Sociedade
Brasileira
para
o
Progresso
da
Ciência
(SBPC),
as
publicações
nos
periódicos
Opinião,
Argumento
e
Movimento
e
a
relação
direta
com
a
oposição
político-partidária
ao
regime
civil-militar.
Essas
ações
foram
decisivas,
como
temos
sustentado,
não
apenas
para
organizar
um
senso
comum
em
torno
da
reativação
da
sociedade
civil,
da
participação,
da
redemocratização
e
da
oposição
entre
Estado
(autoritário)
e
sociedade
(democrática),
mas
também
foram
cruciais
para
marginalizar
e
silenciar
o
pensamento
da
esquerda
radical,
que
propunha
uma
análise
crítica
e
negadora
e
uma
consequente
saída
revolucionária
como
encaminhamento
necessário
para
vencer
o
regime.
Como
exemplo
da
marginalização,
Florestan
Fernandes
é
caracterizado
como
militante
solitário
(SOARES,
1997),
devido
ao
isolamento
que
suas
teses
tiveram
frente
ao
senso
comum
intelectual
naquele
momento.
Da
mesma
forma,
as
interpretações
revolucionárias
sobre
a
dependência,
e
que
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
52
Fernando
Henrique
Cardoso
e
a
marginalização...
tiveram
relação
direta
com
a
luta
armada
na
Organização
Revolucionária
Marxista
Política
Operária
(POLOP),
como
as
de
Theotônio
dos
Santos
e
Ruy
Mauro
Marini,
foram
permanentemente
marginalizadas.
Se
observarmos
que
o
campo
científico
tem
como
encaminhamento
necessário
a
luta
pela
imposição
da
visão
de
mundo
legítima
(BOURDIEU,
2008),
o
argumento
fica
bastante
plausível.
As
ações
intelectuais
tiveram
importância
decisiva
no
combate
à
ditadura,
que
merecem
ser
demarcadas.
Contudo,
a
versão
vencedora
acabou
sendo
superestimada,
pois
foi
responsável
por
perpetuar
uma
leitura
sobre
o
Brasil
e
um
projeto
político
que
deixou
de
lado
uma
vinculação
forte
com
as
massas
destituídas
e
impossibilitou
a
constituição
de
um
programa
nacionalista
e
popular
de
conteúdo
profundamente
transformador,
que
passou
a
ser
identificado
como
anacronismo
.
O
CEBRAP
e
a
hegemonia
das
teses
de
Cardoso
Para
a
compreensão
sobre
a
importância
de
Cardoso,
aludida
acima,
é
basilar
a
exposição
dos
temas
de
pesquisa
feitos
pelo
CEBRAP
e
a
relação
que
eles
tiveram
com
a
interpretação
precedente
sobre
o
país.
Nesse
sentido,
Baptista
(2010)
advoga
que
o
Centro
constituiu
uma
nova
interpretação
do
Brasil,
uma
vez
que
se
distanciou
das
leituras
produzidas
pelo
Instituto
Superior
de
Estudos
Brasileiros
(ISEB),
pelo
varguismo,
pelo
PCB,
pela
luta
armada
e
pelo
leninismo.
O
Centro
teria
postura
mais
moderna
por
ter
constituído
uma
interpretação
política
e
conjuntural
mais
próxima
da
realidade
brasileira.
Dessa
forma,
teria
superado
as
leituras
sobre
a
nação,
que
dominaram
as
teses
em
torno
do
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
M.
A.
F.
Ribeiro
e
C.
E.
S.
Pinho
53
nacional-desenvolvimentismo.
As
interpretações
produzidas
pelo
Centro
tinham
como
elemento
político
a
defesa
da
modernização
dentro
do
capitalismo
(BAPTISTA,
2010).
Lahuerta
(1999)
advoga
que
a
produção
intelectual
do
CEBRAP
foi
responsável
pela
renovação
das
ciências
sociais
em
termos
de
sua
agenda
temática
e
teórico-metodológica.
A
naturalização
de
uma
nova
agenda
deveu-se,
e
muito,
ao
prestígio
de
Cardoso
(LAHUERTA,
1999).
Para
os
estudos
sobre
sociedade
civil,
o
Estado
passa
a
ser
caracterizado
como
o
grande
vilão.
Assim,
as
saídas
em
torno
da
reativação
da
sociedade
civil
tinham
como
objetivo
limitar
o
poder
do
Estado
e
o
seu
alcance
(BAPTISTA,
2010,
p.
228).
De
acordo
com
Lahuerta
(1999),
o
pensamento
do
CEBRAP
era
pautado
pela
contraposição
ao
Estado,
caracterizado
como
burocrático
e
autoritário,
além
da
valorização
da
democracia
e
do
fortalecimento
da
sociedade
civil.
Na
verdade,
essa
é
a
posição
hegemônica
dentro
do
Centro
muito
bem
expressa
pelo
pensamento
de
Cardoso,
pois
interpretações
como
a
de
Octávio
Ianni
(1981),
que
analisa
o
regime
civil-militar
como
uma
ditadura
burguesa,
ficaram
obscurecidas
3
.
Em
sentido
contrário
a
Cardoso,
por
exemplo,
Ianni
enfatiza
o
papel
exercido
pela
burguesia
e
pelo
imperialismo
como
elementos
dominantes
no
regime
instaurado
em
1964.
De
acordo
com
Lahuerta
(1999)
Cardoso
foi
um
intelectual
que
liderava
intelectuais:
“Ele
é
o
grande
catalisador,
o
ponto
de
equilíbrio,
o
grande
inspirador
dessas
pesquisas”
(LEONI,
3
De
acordo
com
Ianni
(1981,
p.1):
“Uma
coisa
é
a
ditadura
militar,
que
é
mais
visível
nessa
época;
outra
é
a
ditadura
da
grande
burguesia,
do
grande
capital,
que
determina
as
principais
características
do
Estado
ditatorial.
Nem
sempre
as
classes
dominantes
exercem
diretamente
o
seu
governo.
Não
precisam;
não
é
conveniente.
Trata-se,
pois,
de
compreender
toda
essa
história
a
partir
da
perspectiva
das
classes
subordinadas,
principalmente
operários
e
camponeses”.
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
54
Fernando
Henrique
Cardoso
e
a
marginalização...
1997,
p.160).
Ainda
seguindo
Lahuerta
(1999),
Cardoso
se
diferenciaria
de
Florestan,
que
foi
um
intelectual
que
formou
intelectuais.
A
partir
dos
capitais
acumulados
nas
décadas
anteriores,
Cardoso
ganhou
posição
de
protagonismo
no
campo
das
Ciências
Sociais
nos
anos
1970,
o
que
permitiu
que
ele
redefinisse
as
regras
desse
campo
com
a
proposição
de
uma
nova
interpretação
do
Brasil
que
recusava
o
nacional-desenvolvimentismo
e
via
no
Estado
o
nosso
maior
problema.
Este
protagonismo
de
Cardoso
pode
ser
visualizado
através
do
papel
de
orientador
dos
trabalhos
acadêmicos
produzidos
pelo
Centro
(LEONI,
1997).
As
teses
de
Cardoso
tiveram
grande
impacto
no
debate
intelectual
(BAPTISTA,
2010).
O
fio
condutor
dessas
ideias
era
a
busca
de
modernização
e
democratização
dentro
do
sistema
capitalista,
ou
seja,
era
propagação
de
uma
perspectiva
reformista
que
pudesse
institucionalizar
a
democracia
liberal.
Como
síntese
dessa
linha
de
pesquisa,
foi
publicado
o
livro
Autoritarismo
e
Democratização
(CARDOSO,
1975).
O
sociólogo
colocou-se
contra
as
interpretações
da
esquerda
revolucionária,
pois
defendia
uma
saída
reformista
e
moderada
para
vencer
o
regime
por
meio
da
institucionalização
da
democracia.
Nesse
sentido,
Cardoso
esteve
na
contramão
da
esquerda
(LEONI,
1997).
Apesar
de
ter
no
marxismo
um
pilar
de
grande
importância
em
termos
teórico-metodológicos
(RIBEIRO,
2020),
Cardoso
instituiu
uma
interpretação
que
definiu
o
autoritarismo
como
burocrático,
que
opôs
o
Estado
à
sociedade
civil,
que
diluiu
o
conflito
entre
as
classes,
além
de
propor
uma
saída
reformista
e
moderada
que
tinha
como
fio
condutor
trazer
de
volta
a
democracia,
sem
possuir
uma
crítica
efetiva
ao
capitalismo
dependente,
nem
ao
imperialismo,
ou
seja,
sua
proposição
de
democracia
estava
desvinculada
de
uma
discussão
sobre
as
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
M.
A.
F.
Ribeiro
e
C.
E.
S.
Pinho
55
questões
econômicas
(GOERTZEL,
2002).
Cardoso
desenvolvia
importante
papel
de
luta
contra
o
regime
no
CEBRAP,
nas
publicações
de
Argumento,
Opinião,
Movimento
e
das
reuniões
que
eram
feitas
na
Sociedade
Brasileira
para
o
Progresso
da
Ciência
(SBPC).
Sua
atuação
foi
fundamental
para
que
tivesse
visibilidade
pública
(LEONI,
1997).
De
acordo
com
Leoni
(1997),
as
pesquisas
no
CEBRAP
e
a
colaboração
nas
publicações
acima
citadas
foram
decisivas
para
a
transformação
do
intelectual
em
político
porque
teria
se
tornado:
“Um
ideólogo
engajado
no
discurso
de
oposição
da
época,
inteiramente
voltado
para
a
questão
da
volta
à
democracia”
(LEONI,
1997,
p.172).
Retomando
o
argumento,
a
importância
dos
intelectuais
torna-se
tão
forte
que
o
CEBRAP
vira
o
responsável
pela
atualização
do
programa
político
do
Movimento
Democrático
Brasileiro
(MDB),
em
1974,
articulando
suas
propostas
em
torno
da
democratização
ao
programa
do
partido,
que
tinha
como
objetivo
vencer
o
regime
civil-militar.
A
produção
intelectual
cardosiana
instrumentaliza
o
projeto
político
de
oposição
que
se
tornava,
a
cada
dia,
mais
efetivo
devido
aos
sinais
claros
de
esgotamento
do
milagre
brasileiro.
Pécault
(1990)
afirma
que
os
intelectuais
tornam-se
atores
políticos
na
medida
em
que
o
campo
intelectual
transmuta-se
em
campo
político.
Também
é
verdade
que
por
intermédio
desse
partido,
correntes
extremamente
diversas
são
levadas
a
coexistir:
defensores
de
uma
democracia
socializante,
liberais,
comunistas,
certas
vanguardas
revolucionárias
e,
por
outro
lado,
políticos
profissionais,
classes
populares,
intelectuais,
empresários
cansados
do
dirigismo
autoritário,
representantes
da
Igreja
e
delegados
dos
movimentos
populares.
Prevalece
assim,
por
força
das
circunstâncias,
uma
prática
incessante
de
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
56
Fernando
Henrique
Cardoso
e
a
marginalização...
“conciliação”.
E,
sobretudo,
as
estratégias
diversificadas,
e
o
tema
da
cidadania
política
adquire
potencialmente
o
reconhecimento
de
sua
importância
(PÉCAULT,
1990,
p.302).
Por
conta
da
existência
do
inimigo
comum,
a
heterogeneidade
intelectual
existente
acabou
ficando
encoberta
em
São
Paulo,
e
singularizou-se
pela
transformação
do
intelectual
em
ator
político
(PÉCAULT,
1990).
Essa
ação
acabou
fazendo
com
que
vários
intelectuais
se
transmutassem
para
a
vida
político-partidária,
como
foi
o
caso
do
próprio
Cardoso,
a
partir
de
1983,
quando
assumiu
a
vaga
de
Franco
Montoro
no
Senado
4
.
O
protagonismo
das
ideias
do
CEBRAP
e
de
Cardoso,
em
especial,
foram
cruciais
para
o
projeto
político
que
foi
produzido
pelo
MDB
e
depois
pelo
PSDB,
além
de
ter
sido
fator
decisivo
para
a
marginalização
do
pensamento
crítico
e
de
um
projeto
nacional
e
popular.
Cardoso
e
o
regime
burocrático-autoritário
O
trabalho
de
Cardoso
sobre
a
dependência
tem
como
fio
condutor
questionar
as
interpretações
sobre
o
desenvolvimento
contidas
na
CEPAL
e
em
autores
que
levaram
a
cabo
interpretações
por
meio
de
uma
perspectiva
marxista
radical.
Para
a
perspectiva
da
dependência-associada,
o
golpe
de
1964
fez
com
que
o
nacionalismo
perdesse
sua
razão
de
ser
por
conta
da
nova
situação
estrutural
de
dependência
(CAMPANTE,
2019,
p.151):
Na
avalição
de
Fernando
Henrique
Cardoso,
feita
4
Sobre
a
candidatura
de
Cardoso
ao
Senado,
ver
Leoni
(1997)
e
Ribeiro
(2015).
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
M.
A.
F.
Ribeiro
e
C.
E.
S.
Pinho
57
em
1971,
expressava-se
a
posição
do
Cebrap,
endossada
em
uma
leitura
da
condição
“dependente
e
associada”
do
Brasil.
Para
ele,
o
país
era
dotado
de
uma
“burguesia
internacionalizada”
que
abria
espaços
para
o
crescimento
de
uma
burguesia
com
horizonte
e
atuação
nacionais,
acomodando
as
classes
médias
e
integrando
alguns
segmentos
populares.
A
condição
geral
da
sociedade
seria
de
estabilidade
e
de
crescimento
econômico;
portanto,
segundo
Fernando
Henrique,
então
propícia
à
abertura
do
regime
de
1964
para
uma
“agenda
democrática”
nos
anos
1970
(CHAVES;
CATTAI,
2019,
p.
211).
Assim,
Cardoso
propôs
uma
análise
que
enfoca
as
conexões
entre
o
sistema
econômico
e
a
organização
política
interna,
e
as
relações
com
os
países
centrais,
isto
é,
uma
análise
integrada
e
dialeticamente
constituída.
Nesse
sentido,
o
sociólogo
vai
questionar
as
teses
em
torno
do
estagnacionismo
do
regime
civil-militar
e
das
caracterizações
sobre
a
dependência
como
desenvolvimento
do
subdesenvolvimento
e
sub-imperialismo
,
que
eram
utilizadas
como
elementos
explicativos
do
quadro
econômico.
Segundo
essas
interpretações,
o
desenvolvimento
na
periferia
seria
inviável.
Cardoso
se
opõe
argumentando
que
a
tendência
à
estagnação
não
era
condição
imutável,
isto
é,
era
conjuntural
e
não
fator
permanente
na
periferia
(CARDOSO,
1975,
p.30).
Cardoso
também
se
opõe
à
tese
da
superexploração
capitalista,
baseada
na
exploração
extensiva
da
mão
de
obra
e
na
sub-remuneração
do
trabalho.
O
sociólogo
não
nega
que
continuava
a
exploração
da
mais-valia
absoluta,
mas
afirma
que
seria
muito
simplista
explicar
o
avanço
do
processo
de
acumulação
como
se
não
existissem
formas
mais
complexas
de
exploração.
Também
se
opôs
à
tese
que
defendia
que
o
país
estava
imerso
em
uma
encruzilhada
entre
o
socialismo
ou
o
fascismo.
Esta
seria
uma
relação
falsa,
pois
o
regime
não
estava
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
58
Fernando
Henrique
Cardoso
e
a
marginalização...
estruturado
através
formas
fascistas
de
organização
política.
Ao
contrário
das
teses
supracitadas,
Cardoso
defendia
que
o
regime
engendrou
um
desenvolvimento
efetivo
que
trouxe
dinamismo
à
economia
e
à
sociedade.
Este
foi
baseado
na
expansão
simultânea
e
diferenciada
dos
setores
privados,
nacional
e
estrangeiro,
e
do
setor
público
da
economia.
Como
resultado
houve
a
expansão
do
mercado
interno
e
do
emprego
urbano-industrial,
que
demonstravam
que
havia
mobilidade
social
mesmo
com
o
caráter
repressivo
do
regime
(CARDOSO,
1975,
p.59).
Através
da
estabilização
das
dissensões
internas
e
da
ação
corporativa
foi
possível
o
controle
do
Estado
modernizado
e
a
implantação
de
um
modelo
com
relativa
estabilidade
da
dominação
burocrática
(CARDOSO,
1993,
p.78).
O
caráter
do
novo
regime
não
representou
uma
organização
pautada
pela
rigidez
burocrática,
pois
o
Estado
ganhou
um
caráter
empresarial
devido
ao
modo
tecnocrático
da
administração
(CARDOSO,
1993).
O
regime
ganharia,
neste
momento,
a
formatação
final,
responsável
por
institucionalizar
seu
caráter
burocrático-autoritário,
por
fomentar
o
desenvolvimento
dependente
e
por
atender
aos
grupos
que
lhe
deram
suporte:
O
regime
baseado
neste
modelo
de
dominação
burocrático-militar
não
deixa
de
implementar,
naturalmente,
políticas
que
interessam
à
sua
base
social:
com
elas
se
beneficia
a
burguesia
internacionalizada,
o
próprio
grupo
militar,
as
classes
médias
ascendentes,
especialmente
os
seguimentos
profissionais
e
tecnocráticos
e,
enquanto
houver
crescimento
econômico,
alguns
setores
das
camadas
populares,
sempre
e
quando
o
governo
sustente
políticas
distributivistas
(CARDOSO,
1993,
p.79).
Cardoso
advoga
que
o
regime
burocrático-autoritário
possuía
caráter
autocrático.
Todavia,
a
responsabilidade
sobre
o
regime
não
é
legada
à
burguesia,
mas
sim
à
burocracia
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
M.
A.
F.
Ribeiro
e
C.
E.
S.
Pinho
59
responsável
por
controlar
o
Estado
e
o
regime.
Isto
ocorria
porque
os
tecnocratas
teriam
legitimado
pelo
sucesso
econômico
um
papel
político
central,
uma
vez
que
seriam
eles
os
responsáveis
por
decidir
os
rumos
do
Estado
e
das
políticas
implementadas
em
reuniões
do
alto
escalão.
Assim,
a
autocracia
presidencial
possuía
um
caráter
meramente
formal
(CARDOSO,
1975).
Nesse
sentido,
um
dos
traços
mais
importantes
é
a
caracterização
do
regime
civil-militar
como
regime
de
empresas.
O
Estado
passava,
portanto,
a
ter
uma
presença
marcante
como
burocracia
e
como
empresa
ao
lado
do
grande
capital
internacional
e
nacional
(CARDOSO,
1975).
O
pacto
de
dominação
que
controlava
o
Estado
se
dividia
entre
a
presença
da
tecnocracia,
isto
é,
executivos
e
policy-makers
das
empresas
estatais
que
dominavam
as
empresas
públicas
e
foram
conceituados
por
Cardoso
como
burguesia
de
Estado
,
os
militares
caracterizados
como
um
estamento
militar
e
as
burguesias
internacional
e
nacional
e
os
setores
das
novas
classes
médias
(CARDOSO,
1975).
Sobre
a
burguesia
de
Estado
,
Cardoso
reconhece
o
caráter
contraditório
do
conceito,
pois
a
burguesia
era
pautada
classicamente
pela
propriedade
privada
dos
meios
de
produção.
Sua
utilização,
todavia,
tinha
um
sentido
instrumental
para
demonstrar
que,
apesar
de
a
propriedade
das
empresas
ser
pública,
o
seu
controle
era
feito
de
forme
privada.
A
burguesia
de
Estado
possui
papel
fundamental
para
explicar
o
regime
burocrático-autoritário
e
os
seus
dilemas,
pois
são
as
empresas
estatais
que
ganham
protagonismo
(CARDOSO,
1975).
A
explicação
para
a
existência
desse
comportamento
possuía
raízes
na
formação
colonial
que
foi
responsável
por
fazer
com
que
as
classes
dominantes
se
fundissem
no
aparelho
estatal,
de
forma
a
poder
apropriar-se
privadamente
dos
recursos
públicos.
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
60
Fernando
Henrique
Cardoso
e
a
marginalização...
Para
Cardoso,
portanto,
a
camada
burocrática
não
cumpria
o
papel
de
comitê
executivo
dos
interesses
da
burguesia,
pois
possuía
uma
lógica
de
atuação
e
interesses
que
eram
próprios
dentro
do
regime.
Com
isso,
a
burguesia
buscava
tirar
vantagens
e
não
tinha
um
controle
efetivo
do
regime,
pois
estava
enfeudada
às
corporações
multinacionais
e
ao
Estado.
Mesmo
não
sendo
protagonista
do
regime,
a
burguesia
nacional
possuía
papel
ativo
na
dominação
política
e
no
controle
social
das
classes
submetidas
(CARDOSO,
1975,
p.35).
Esta
ação
se
dava
a
partir
do
sistema
de
anéis
burocráticos,
forma
pela
qual
o
Estado
era
privatizado
por
relações
e
interesses
pessoais.
O
estamento
militar
legitimava
o
desenvolvimento
dependente-associado
através
da
repressão
das
massas
que,
por
sua
vez,
demonstrava
como
seu
caráter
era
elitista
e
não
fascista.
Este
também
tinha
um
custo
alto,
pois
se
baseou
nos
baixos
salários,
na
distribuição
desigual
de
renda
e
no
endividamento
externo
(CARDOSO,
1975,
p.83).
Por
conta
do
quadro
acima
referido,
seria
necessária
uma
ação
em
torno
da
integração
das
massas
radicadas
no
campo
e
nas
cidades,
de
maneira
que
a
informação
pudesse
ser
livremente
propagada
e
que
esses
setores
pudessem
se
organizar
politicamente
de
forma
a
enfrentar
e
derrubar
o
regime
controlado
pela
burguesia
de
Estado
:
Para
Fernando
Henrique,
a
burguesia
de
Estado
concentrava
o
poder
econômico
e
o
poder
político
do
Estado
do
regime
ditatorial
e
a
proposta
de
democratização
deveria
restringir-se
à
oposição
com
relação
a
tal
burguesia
de
Estado.
Caminhando
junto
com
essa
proposta,
acreditava-se
que
as
classes
no
poder
teriam
uma
capacidade
autônoma
de
remodelar
o
Estado
e
a
sociedade,
seguindo
um
processo
de
democratização
institucional
baseado
na
descentralização
do
poder
político
e
pela
desconcentração
do
poder
econômico
do
Estado
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
M.
A.
F.
Ribeiro
e
C.
E.
S.
Pinho
61
(JESUS,
2018,
p.34).
Para
tanto,
era
necessário
a
mobilização
de
setores
importantes
ligados
à
Igreja,
universitários,
juízes,
advogados,
jornalistas,
sindicalistas,
operários
e
a
base
agrária
que
representava
40%
da
população.
Esta
ação
seria
fundamental
para
enfrentar
o
sistema
político
enraizado
no
patrimonialismo
instituído
durante
o
sistema
colonial
(CARDOSO,
1975,
p.235).
Era
necessário
que
a
sociedade
de
classes
pudesse
ser
efetivamente
constituída
de
maneira
que
o
conflito
construtivo,
cujo
papel
era
central
nas
sociedades
europeia
e
norte-americana,
pudesse
ser
institucionalizado
como
forma
de
pôr
fim
à
condução
elitista
e
patrimonialista
da
vida
política
brasileira,
fazendo
com
que
os
interesses
e
demandas
populares
pudessem
vir
à
tona.
Éramos
uma
sociedade
moderna,
pois
tínhamos
um
capitalismo
vigoroso
que
proporcionou
modificações
importantes
na
estrutura
socioeconômica
do
país.
Todavia,
era
uma
ordem
moderna
singular
e
precária,
uma
vez
que
não
incorporamos
o
elemento
civilizatório
do
capitalismo
representado
pelo
conflito.
Segundo
Cardoso
(1975)
era
necessário
que
a
sociedade
civil
fosse
sendo
tecida
até
que
pudesse
contrabalançar
o
Estado
e
conseguisse
se
tornar
uma
parte
efetiva
da
realidade
política
da
nação.
Assim
a
ação
da
sociedade
civil
se
tornaria
efetiva,
plural
deixando
de
lado
o
controle
privatista
do
poder
pelas
cúpulas
decisórias.
A
marginalização
do
pensamento
crítico,
revolucionário
e
nacionalista
Segundo
Cardoso,
os
intelectuais
devem
ficar
na
fronteira
do
possível,
por
meio
da
proposição
de
questões
que
venham
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
62
Fernando
Henrique
Cardoso
e
a
marginalização...
alargar
as
tendências
existentes
na
sociedade
civil,
de
forma
a
contribuir
para
institucionalizar
o
conflito.
O
intelectual
teria
como
papel
articular
as
várias
demandas
existentes
na
sociedade,
tendo
postura
de
sistematizador,
por
meio
da
abertura
de
canais
de
expressão.
Desse
modo,
ele
agiria
como
parceiro
dos
grupos,
categorias
e
classes
sociais
e
não
como
líder
político
(PRANDO,
2009,
p.136).
Assim,
o
intelectual
não
deveria
articular
proposições
normativas
sobre
o
comportamento
da
sociedade,
pois
antes
de
dizer
o
que
o
sindicado,
por
exemplo,
teria
de
fazer,
era
necessário
ouvi-lo.
Caso
contrário,
reproduziria
uma
postura
autoritária
e
consentânea
com
o
conservadorismo
da
classe
dominante.
Desse
modo,
o
intelectual
deveria
contribuir
para
que
a
democracia
fosse
incorporada
como
valor
por
meio
do
reconhecimento
da
diversidade
do
conflito
de
interesses
que
seria
questão
central
da
prática
moderna.
Dessa
forma,
poderia
haver
a
liberdade,
a
auto-organização
e
a
expressão
da
sociedade
(CARDOSO,
2010
5
).
A
luta
do
intelectual
deveria
ser
em
torno
da
instituição
de
um
sistema
econômico
mais
justo
e,
também,
de
uma
sociedade
mais
igualitária.
Ele
deveria
lutar
pela
democracia
substantiva,
que
representava
a
institucionalização
do
capitalismo
como
estilo
de
vida.
Para
demonstrar
a
atualidade
de
suas
posições,
Cardoso
(2010)
polemiza
as
propostas
da
extrema
esquerda,
que
advogava
pela
saída
socialista
revolucionária
na
periferia.
O
sociólogo
considerava
o
discurso
homogêneo
em
nome
de
uma
classe
social
como
totalitário.
Cardoso
(2010)
considerava
Marx
5
Apesar
da
data
de
publicação,
as
nossas
referências
são,
fundamentalmente,
a
publicações
de
Fernando
Henrique
Cardoso
entre
o
início
dos
anos
1970
e
o
final
dos
anos
1980.
O
sociólogo
reúne
no
livro
Relembrando
o
que
escrevi
:
da
reconquista
da
democracia
aos
desafios
globais
(CARDOSO,
2010),
com
o
objetivo
de
apresentar
a
coerência
interna
do
seu
pensamento.
É
importante
frisar
que
existem
textos
publicados
até
2009
no
livro
supracitado.
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
M.
A.
F.
Ribeiro
e
C.
E.
S.
Pinho
63
um
autor
do
século
XIX,
ou
seja,
seu
modelo
explicativo
e
normativo
não
se
enquadraria
no
mundo
contemporâneo.
Isso
fez
com
que
o
sociólogo
criticasse
os
marxistas
por
estarem
na
passagem
do
século
XX
para
o
XXI
sem
teoria
para
entender
o
mundo
em
mudança:
“Frequentemente,
por
causa
do
doutrinarismo
dogmático,
a
extrema
esquerda
fica
parada
e
a
direita
também:
reciprocamente
imobilizadas
ao
nível
da
bobagem”
(CARDOSO,
1978,
p.
88).
Cardoso
mostrava-se
terminantemente
contra
os
partidos
que
ele
considerava
totalitários,
pois
não
observavam
as
demandas
reais
da
sociedade
e
a
singularidade
brasileira.
O
sociólogo
considerava
as
interpretações
do
marxismo-leninismo,
por
exemplo,
como
um
misto
de
dogmatismo
e
anacronismo.
Por
isso,
Cardoso
(1978,
p.
24)
afirmava
que
a
esquerda
é
que
precisava
ser
civilizada:
“As
tentativas
de
todo
capitalismo
inteligente
vão
no
sentido
de
‘civilizar’
a
esquerda,
mesmo
a
esquerda
comunista”.
Além
disso,
Cardoso
considerava
a
visão
marxista,
entre
explorados
e
exploradores,
como
metafísica,
além
de
dogmática,
a
visão
de
um
partido
operário,
pois
a
sociedade
havia
se
modificado:
“A
sociedade
moderna
é
muito
complexa
e
os
partidos
são
uma
parte
disso.
Quem
pensa
que
o
partido
vai
organizar
tudo
isso
tem
uma
visão
do
século
passado”
(CARDOSO,
2010,
p.
67).
Para
Cardoso,
deveria
ser
constituída
outra
proposição
para
além
da
oposição
capital/trabalho
(CARDOSO,
1978).
Segundo
o
sociólogo,
a
esquerda
era
atrasada
e
estava
a
reboque
das
mudanças.
Assim,
as
transformações
ocorridas
no
mundo
faziam
com
que
o
esquema
marxista
de
luta
de
classes
não
fosse
capaz
de
explicá-lo.
Por
isso,
dizia-se
da
esquerda
independente
(CARDOSO,
2010).
O
socialismo
do
século
XX
era
a
democracia
substantiva,
que
seria
pautada
pelo
controle
social
do
Estado
(CARDOSO,
1978).
Cardoso,
portanto,
refuta
as
interpretações
marxistas
e
revolucionárias
sobre
o
Brasil.
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
64
Fernando
Henrique
Cardoso
e
a
marginalização...
Cardoso
considera
os
teóricos
que
propuseram
uma
interpretação
crítica
do
capitalismo
dependente
e
do
regime
militar
pautado
pelo
marxismo
como
atrasados,
dogmáticos
e
propositores
de
interpretações
irrealistas
sobre
esses
temas,
na
medida
em
que
estaria
construindo
uma
interpretação
moderna
e
mais
próxima
da
realidade
brasileira:
Eu
tenho
muita
irritação
com
um
radicalismo
retórico
que
anda
por
aí.
Substitui-se
a
realidade
por
um
modelo
de
solução,
ignorando
a
correlação
de
forças.
Quem
pensa
assim
se
comporta
como
um
membro
da
elite.
Pensa
que
sabe
o
que
deve
ser
feito
–
e
não
ouve
nada.
Na
hora
de
pegar
o
pato,
não
são
os
verbalmente
radicais
que
pagam.
O
que
conseguem
fazer
é
frear
a
possibilidade
real
de
você
caminhar.
Eu
digo
sempre
que
há
muitos
setores
da
esquerda
brasileira
que
continuam
vivendo
entre
fevereiro
e
outubro
de
1917
–
período
da
Revolução
Soviética
–
e
choram
porque
não
há
um
Palácio
de
Inverno
na
América
do
Sul.
Não
havendo
o
Palácio
de
Inverno
para
tomar,
como
em
1917,
não
se
faz
nada...
Isso
é
típico
do
intelectualóide,
revela
uma
brutal
dependência
cultural.
Essa
gente
tenta
aplicar
chavões
e
palavras
de
ordem
gastas,
que
já
não
correspondem
a
uma
prática
social
real
(CARDOSO,
1978,
p.26).
Devido
ao
descompasso
da
esquerda,
era
necessário
levar
a
cabo
uma
utopia
viável
que
tinha
como
fim
retificar
as
mazelas
do
capitalismo
dependente.
O
sociólogo
afirmava
que
o
socialismo
do
século
XX
é
a
democracia
substantiva,
que
seria
pautada
pelo
controle
social
do
Estado
(CARDOSO,
1978).
Cardoso
argumenta
que
o
sentido
concedido
por
ele
tinha
ligação
direta
com
aquele
dado
ao
conceito
por
Karl
Mannheim:
“Mannheim
a
usava
no
sentido
de
uma
democracia
que
não
se
restringisse
ao
setor
estatal,
às
instituições
formais,
mas
que
fosse
também
um
processo
social”
(CARDOSO,
1977,
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
M.
A.
F.
Ribeiro
e
C.
E.
S.
Pinho
65
p.
36).
Nesse
sentido,
Cardoso
(2010)
assume
posição
consentânea
à
tomada
por
Mannheim
(1972),
pois
evitou
os
extremismos
e
procurou
construir
uma
espécie
de
terceira
via
,
de
caráter
reformista.
Cardoso
refuta
a
existência
de
um
partido
cuja
lógica
intrínseca
seja
a
vinculação
orgânica
com
determinada
classe
social,
sobretudo
por
meio
da
proposição
de
uma
saída
revolucionária.
O
partido
político
deveria
ser
capaz
de
abarcar
as
várias
tendências
existentes
na
sociedade
por
meio
de
encaminhamento
reformista
e
progressista,
tentando
articular
os
vários
interesses
existentes.
Esse
papel
seria
exercido
pelo
PMDB,
que
o
sociólogo
conceituou
como
partido
omnibus
.
No
final
dos
anos
1980,
contudo,
Cardoso
rompe
com
o
partido
por
considerar
que
ele
teria
se
desvirtuado
dos
princípios
nos
quais
havia
sido
formado
para
praticar
o
butim
do
Estado.
Após
sua
saída
do
PMDB,
Cardoso
funda,
com
outros
dissidentes,
o
PSDB,
com
objetivo
de
defender
um
caminho
reformista
e
social-democrata
para
o
país,
que
teria
como
encaminhamentos
a
luta
pela
manutenção
e
ampliação
das
liberdades
democráticas;
pela
valorização
do
trabalho
e
a
elevação
do
nível
de
vida
dos
trabalhadores;
e
a
luta
pela
subordinação
do
poder
econômico
ao
controle
da
sociedade
(CARDOSO,
1990a,
p.
11).
O
partido
tinha
a
incumbência
de
incorporar
a
herança
do
antigo
MDB
sob
uma
perspectiva
renovadora
(CARDOSO,
2006b).
Ao
defender
as
concepções
políticas
do
PSDB,
Cardoso
volta
a
criticar
duramente
a
esquerda,
que
não
teria
se
atualizado.
Assim,
seu
partido
deixava
de
lado
as
ideologias
e
utopias
e
procurava
pautar-se
em
questões
concretas,
pois
refuta
a
proposição
de
saídas
que
considerava
impositivas
e
a
vinculação
monoclassista,
uma
vez
que
o
partido
moderno
deveria
ter
caráter
pluriclassista
por
meio
da
construção
de
aliança
entre
trabalhadores,
classe
média
e
empresários
que
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
66
Fernando
Henrique
Cardoso
e
a
marginalização...
estivessem
afeitos
às
questões
em
torno
da
justiça
social
(CARDOSO,
1990a,
p.
57).
Cardoso
(1990a)
advoga
que
a
visão
monoclassista
representaria,
para
o
PSDB,
o
corporativismo
que
ele
considera
inaceitável:
“O
sentimento
nacionalista,
estatizante
e
corporativista
é
muito
forte.
É
forte
no
PT,
no
PSDB.
É
preciso
passar
a
limpo
o
marxismo,
o
progressismo”
(CARDOSO,
2010,
p.
74).
O
sociólogo
considerava
mais
realista
a
busca
de
convencimento
da
sociedade
civil
e
a
consequente
instituição
de
reformas
graduais,
como
pode
ser
visto
na
proposição
sobre
a
relação
entre
capital
e
trabalho:
A
social-democracia
não
quer
acirrar
as
lutas
de
classes.
Ela
simplesmente
reconhece
que
essas
lutas
existem
na
mesma
medida
em
que
existem
desigualdades
injustificáveis
e
exploração
dos
trabalhadores
na
sociedade.
E
afirma
que
a
exploração
e
as
desigualdades
são
superáveis
–
que
uma
distribuição
mais
equilibrada
da
riqueza
é
possível
e
necessária,
sem
que
para
isso
a
luta
de
classes
precise
virar
uma
guerra
sangrenta
(CARDOSO,
1990a,
p.15).
A
social-democracia
também
se
colocava
contra
a
estatização
total
da
economia,
uma
vez
que
a
liberdade
de
empresa
e
a
propriedade
privada
são
bandeiras
por
ela
defendidas.
Nesse
sentido,
empresas
públicas
que
não
fossem
eficientes
poderiam
ser
privatizadas,
fazendo
com
que
o
Estado
fosse
constituído
não
com
uma
formatação
mínima,
mas
necessária,
a
fim
de
atender
às
necessidades
da
sociedade.
Cardoso
afirma
que,
desde
os
seminários
de
fundação
do
PSDB,
foi
difundida
a
ideia
de
revisão
dos
papéis
do
Estado,
da
sociedade
e
do
mercado
no
mundo
globalizado.
Assim,
o
partido
representaria
uma
visão
moderna
e
consentânea
com
as
mudanças
ocorridas
no
mundo.
Seria
necessário
refazer
a
engenharia
institucional
de
forma
a
poder
gerar
práticas
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
M.
A.
F.
Ribeiro
e
C.
E.
S.
Pinho
67
democráticas.
O
PSDB
se
opunha,
portanto,
à
saída
socialista.
Seria
necessário
gerar
uma
nova
ordem
pautada
pela
instituição
de
um
capitalismo
aperfeiçoado,
pois
era
a
realidade
possível.
O
partido
também
se
colocava
como
uma
terceira
via
entre
a
esquerda
tradicional
e
a
direita,
pois
propunha
reformas
por
meio
da
articulação
com
a
sociedade
(CARDOSO,
2006b).
Era
necessário
instituir
uma
esfera
pública
democratizada
que
fizesse
da
sociedade
a
protagonista:
“E
entender
que
o
sentido
geral
das
transformações,
quando
se
pratica
democracia
de
verdade,
só
pode
ser
a
eliminação
dos
privilégios
e
a
participação
crescente
do
povo,
tanto
nas
decisões
como
no
bem-estar”
(CARDOSO,
1990a,
p.
59).
Dessa
forma,
Cardoso
entendia
que
o
mercado
era
uma
realidade
inescapável
depois
da
queda
do
socialismo
real
.
Sendo
assim,
seria
necessário
construir
uma
nova
ordem
por
meio
da
conjugação
entre
mercado,
Estado
e
sociedade
a
partir
da
ação
nos
seguintes
pontos:
retomada
do
crescimento
econômico;
diminuição
das
desigualdades;
governabilidade.
O
crescimento
econômico
dar-se-ia
por
meio
de
uma
política
de
internacionalização
da
economia
e
de
privatizações
que
deixam
a
capacidade
estratégica
do
Estado
para
ativar
a
economia
(CARDOSO,
1990b,
p.
43).
As
propostas
sociais-democratas
de
Cardoso
apontam,
portanto,
o
Estado
como
fonte
de
todos
os
nossos
dilemas
mais
importantes,
como
a
profunda
desigualdade
social.
Dulci
(2010),
contudo,
defende
que
o
PSDB
representou,
de
fato,
uma
saída
liberal
para
os
dilemas
brasileiros
e
não
social-democrata,
como
o
seu
nome
sugere.
Ao
comparar
a
realidade
brasileira
com
a
existente
na
Europa
ou
nos
Estados
Unidos,
Cardoso
aponta
como
nosso
passado
escravista,
colonial,
patrimonialista
e
clientelista
foi
elemento
crucial
para
a
reprodução
da
abissal
desigualdade,
pois
seus
elementos
fizeram-nos
essencialmente
diferentes
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
68
Fernando
Henrique
Cardoso
e
a
marginalização...
dos
países
centrais.
Ao
analisar
as
relações
entre
Estado,
mercado
e
democracia,
Cardoso
aponta
a
nossa
formação
social
escravista
como
fator
crucial
para
a
constituição
de
uma
relação
distorcida
entre
ambos,
uma
vez
que
as
potencialidades
do
mercado,
por
exemplo,
não
puderam
ser
plenamente
consolidadas
em
nossa
singular
ordem
capitalista
estruturada
pelo
tradicionalismo.
A
força
do
mercado
sempre
foi
muito
mais
acanhada
e
constrangida
pela
existência
de
fatores
políticos,
por
um
tipo
de
dominação
política
que
nada
tem
a
ver
com
a
ação
do
Estado
reformador
do
mercado,
à
europeia.
O
Estado
aqui
se
acomodou
à
sociedade
e
ambos
a
um
certo
tipo
de
produção,
guardando
características
mais
do
que
conhecidas
de
patrimonialismo,
de
clientelismo
etc.
(...)
alguns
autores
fizeram
uma
análise
mais
culturalista
dessas
diferenças,
em
termos
de
uma
tradição
corporativista,
de
uma
cultura
católica,
da
tradição
ibérica
etc.
A
literatura
sobre
o
tema
é
ampla.
Não
é
o
caso
de
fazermos
a
revisão
dela,
mas
o
fato
é
que,
de
alguma
forma,
a
vinculação
entre
Estado,
sociedade
e
democracia
na
América
Latina
deu-se
a
partir
de
outros
pressupostos,
outro
background
(CARDOSO,
1991,
p.28).
Para
Cardoso
(1991),
a
formação
patrimonialista
da
sociedade
brasileira
foi
o
fator
crucial
para
gerar
uma
relação
diferencial
entre
Estado
e
sociedade,
ao
compararmos
com
as
sociedades
de
típica
formação
capitalista,
uma
vez
que
esta
seria
uma
característica
básica
das
sociedades
de
base
latifundiária-patrimonialista
(CARDOSO,
1991).
Assim,
reproduziríamos
uma
cultura
clientelista
e
patrimonialista
que
impôs
bloqueios
estruturais
para
o
mercado
institucionalizar
seus
caracteres
civilizatórios,
isto
é,
impediu-nos
de
constituir
uma
ordem
social
competitiva
aberta
e
democrática.
Portanto,
o
grande
dilema
estava
no
patrimonialismo,
que
era
o
fator
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
M.
A.
F.
Ribeiro
e
C.
E.
S.
Pinho
69
impeditivo
para
a
institucionalização
plena
da
sociedade
capitalista
como
estilo
de
vida,
do
conflito
construtivo
entre
as
classes
sociais
e
de
suas
potencialidades
intrínsecas.
Logo,
era
o
patrimonialismo
que
fazia
com
que
a
sociedade
brasileira
fosse
marcada
pela
junção
entre
privilégio
e
exclusão.
Era
necessário
construir
uma
ordem
social
competitiva
aberta,
ou
seja,
dar
oportunidades
a
todos
de
adentrar
o
mercado
de
trabalho.
Para
tanto,
a
defesa
do
emprego
e
da
igualdade
de
oportunidades
educacionais
eram
primordiais.
Assim,
seriam
valorizados
o
trabalho
e
redistribuição
de
renda
(CARDOSO,
1990b).
Aliado
a
isso,
o
acesso
aos
meios
de
comunicação
era
essencial
devido
à
importância
central
que
possuía
para
a
democracia.
Tornava-se
necessário
pôr
fim
à
fraqueza
das
classes
e
sua
articulação
com
os
partidos
políticos
quando
comparada,
por
exemplo,
ao
caso
europeu.
É
que,
em
grande
parte,
os
nossos
partidos,
os
partidos
emergentes,
a
despeito
do
que
queremos,
do
que
escrevemos,
dos
programas
que
estão
neles,
não
são
partidos
do
tipo
europeu,
onde
existe
realmente
uma
congruência
muito
maior
entre
a
base
social
e
a
liderança
política,
onde
o
peso
da
classe
é
muito
forte
na
definição
do
rumo
do
partido.
Entre
nós
não
existe,
além
da
congruência
entre
base
social
e
o
nível
político,
o
grau
de
organização,
de
estruturação,
dos
partidos
políticos
europeus.
Quer
seja
o
partido
socialista,
ou
liberal,
ou
comunista,
qualquer
desses
existe
muito
mais
estruturalmente
e
é
referido
a
certa
doutrina
(CARDOSO,
1984,
p.30).
Cardoso
não
considerava
o
Brasil
um
país
subdesenvolvido,
mas
sim,
mal
desenvolvido.
Teríamos
um
relativo
atraso
econômico
que
se
colocava
como
obstáculo
para
superar
o
atraso
social,
este
sim,
nosso
maior
problema.
Para
tanto,
era
necessário
agir
conforme
as
circunstâncias,
de
forma
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
70
Fernando
Henrique
Cardoso
e
a
marginalização...
pragmática.
O
corolário
da
afirmação
supracitada,
sobre
o
caráter
mal
desenvolvido
do
país,
era
a
não
condenação
do
capital
estrangeiro
que
deveria
ser
incorporado
como
forma
de
proporcionar
condições
para
que
a
questão
social
pudesse
ser
plenamente
enfrentada.
A
esquerda
tradicional
,
caracterizada
como
ético-udenista
devido
à
visão
moralista
do
mundo,
reproduzia
um
nacionalismo
anacrônico
que
observava,
em
qualquer
investimento
estrangeiro,
a
ação
do
imperialismo,
terminando
por
confundir
independência
nacional
com
isolamento
(CARDOSO,
1990a,
p.
58).
Cardoso
vai
além
ao
afirmar
que
essa
postura
fazia
com
que
a
esquerda
ficasse
impossibilitada
de
observar
as
mudanças
que
ocorriam
no
mundo
socialista
e
fosse
incapaz
de
propor
reformas
ao
estado
intervencionista,
terminando
por
defender
privilégios
da
burocracia
como
se
fossem
os
interesses
da
população.
Nesse
sentido,
o
nacionalismo
seria
refutado
em
prol
de
uma
perspectiva
internacionalista,
ou
seja,
interdependente.
Ser
de
esquerda,
no
Brasil,
sempre
foi
sinônimo
de
ser
nacionalista,
isto
é,
a
favor
do
desenvolvimento
nacional
e
do
fim
da
dependência
política,
econômica
e
cultural
em
relação
às
grandes
potências
capitalistas.
Os
social-democratas
brasileiros
não
têm
por
que
negar
essa
tradição.
Mas
precisam
atualizá-la.
Num
mundo
cada
vez
mais
integrado,
desenvolvimento
não
rima
com
isolamento.
País
independente,
hoje,
significa
país
capaz
de
defender
seus
próprios
interesses
dentro
de
um
relacionamento
crescente
com
o
mercado
internacional
e
com
o
capital
estrangeiro
(CARDOSO,
1990a,
p.
37).
Cardoso
vai
além
ao
afirmar
que
essa
postura
fazia
com
que
a
esquerda
fosse
incapaz
de
observar
as
mudanças
que
ocorriam
no
mundo
socialista
e
fosse
incapaz
de
propor
reformas
ao
estado
intervencionista,
terminando
por
defender
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
M.
A.
F.
Ribeiro
e
C.
E.
S.
Pinho
71
privilégios
da
burocracia
como
se
fossem
os
interesses
da
população.
Assim,
a
junção
ao
capital
estrangeiro
era
um
importante
dispositivo
para
a
modernização
da
economia,
conjugada
à
revolução
educacional
que
deveria
ocorrer
desde
o
primeiro
grau
à
universidade
de
forma
a
democratizar
o
acesso
e
pôr
fim
ao
analfabetismo
para
que
milhões
de
brasileiros
pudessem
exercer
de
forma
plena
seus
direitos
como
cidadãos.
Cardoso
propõe
a
integração
subordinada
ao
capital
internacional,
nega
a
possibilidade
de
uma
saída
autonomista
e
nacionalista
e
propõe
reformas
com
o
objetivo
de
aperfeiçoar
o
capitalismo
dependente,
pois
o
dilema
crucial
estava
circunscrito
à
herança
colonial,
patrimonialista,
irracional
e
pré-moderna.
Dulci
(2010)
afirma
que
Cardoso
foi
um
dos
principais
expoentes
da
cultura
política
brasileira
durante
os
anos
1960-1980
em
torno
da
condenação
do
nacional-desenvolvimentismo
e
da
proposição
de
uma
saída
liberal
no
âmbito
do
PSDB
quando
o
partido
assume
o
Executivo
nacional
em
1995.
O
governo
FHC
colocou
em
prática
o
projeto
político
constituído
pelo
PSDB,
partido
criado
por
Fernando
Henrique
Cardoso
no
final
dos
anos
1980.
Este
projeto
tinha
como
seus
dois
objetivos
mais
importantes
a
democracia
política
e
a
instituição
de
uma
economia
de
mercado
(BARBOZA
FILHO,
1995).
Com
essas
duas
medidas
a
privatização
do
Estado
seria
plenamente
derrotada,
pois
o
Estado
teria
o
seu
peso
deletério
diminuído
e
a
nação
seria
incorporada
pelo
mercado
(BARBOZA
FILHO,
1995).
Em
artigo
publicado
em
1998
no
qual
defendia
as
medidas
tomadas
em
torno
da
reforma
do
Estado,
Cardoso
afirmava
que
tais
medidas
tinham
como
objetivo
reconstruí-lo,
pois
a
gestão
particularista
no
Brasil
seria
responsável
por
este
não
dar
respostas
efetivas
à
cidadania.
A
transformação
do
Estado
brasileiro
em
indutor
e
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
72
Fernando
Henrique
Cardoso
e
a
marginalização...
regulador
se
tornava
uma
tarefa
fundamental
para
colocar
o
país
nos
rumos
do
mundo
global
e
para
tornar
a
sociedade
brasileira
mais
democrática.
Ao
invés
do
Estado
empresário,
que
seria
marcado
por
uma
tradição
centralizadora,
interventora,
patrimonialista
e
pouco
eficiente,
seria
necessário
instituir
uma
gestão
gerencial,
responsável
por
universalizar
o
acesso
ao
público,
criando
um
espírito
meritocrático
na
burocracia
além
de,
fundamentalmente,
democratizar
o
Estado
(CARDOSO,
1998).
Cardoso
concedeu
entrevista
a
Roberto
Pompeu
de
Toledo
quando
se
encaminhava
para
o
encerramento
de
seu
primeiro
mandato
como
presidente
da
República.
Nessa
entrevista,
afirma
de
forma
categórica
que
foi
ele
o
responsável
pela
parte
referente
à
reforma
do
Estado
quando
da
criação
do
programa
do
PSDB:
Primeiro,
vamos
à
filosofia.
Quando
escrevemos
o
programa
do
PSDB,
eu
me
incumbi
dessa
parte.
Foi
no
governo
Sarney.
Escrevi
que
nosso
problema
não
é
nem
Estado
mínimo
nem
de
Estado
máximo,
mas
de
Estado
necessário.
Era
uma
maneira
de
sair
da
entaladela
sem
entrar
na
ideologia.
Depois,
quando
tomei
posse
no
Ministério
da
Fazenda,
tive
de
enfrentas
a
questão
das
privatizações
(CARDOSO;
TOLEDO,
1998,
p.287).
O
Estado
deveria,
portanto,
ser
diminuído
porque
seria
sempre
incapaz
de
oferecer
solução
aos
problemas
da
maioria,
somado
à
sua
privatização
,
sobretudo
durante
o
regime
militar,
o
que
seria
responsável
pelo
processo
de
exclusão
social.
Por
meio
da
análise
de
elementos
da
experiência
de
FHC
como
presidente
da
República
entre
1995
e
2002
é
possível
observarmos
continuidades
de
suas
teses
sobre
o
desenvolvimento
dependente-associado
e
do
seu
pensamento
político,
sobretudo
no
que
se
refere
a
demarcação
do
Estado,
por
meio
da
tese
do
patrimonialismo,
como
o
principal
dilema
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
M.
A.
F.
Ribeiro
e
C.
E.
S.
Pinho
73
brasileiro,
que
era
a
justificativa
intelectual
para
o
projeto
de
reforma
do
Estado:
“No
lugar
da
gestão
burocrática
e
privatista
seria
criada
a
gestão
gerencial,
responsável
por
promover
um
espírito
de
mérito
na
burocracia,
retirando
os
privilégios
e
universalizando
o
acesso
à
população”
(RIBEIRO,
2020,
p.
73).
A
sua
experiência
como
presidente
da
República
fornece
evidências
empíricas
acerca
da
conversão
de
sua
teoria
do
desenvolvimento
dependente-associado
em
prática
política
e
de
economia
política.
FHC
foi
ministro
da
Fazenda
do
governo
Itamar
Franco
(1992-1994).
Em
1994,
com
a
implantação
do
Plano
Real,
que
teve
importante
efeito
no
controle
da
inflação
acelerada,
FHC
candidatou-se
e
foi
eleito
presidente.
Contudo,
é
importante
matizar
essa
discussão
do
ponto
de
vista
dos
estudos
de
história
do
pensamento
político,
que
abordam
a
complexidade
da
relação
entre
teoria
e
prática
na
obra
de
Fernando
Henrique
Cardoso.
Gonçalves
(2018)
problematiza
o
argumento
comumente
atribuído
a
FHC
sobre
a
tendência
de
buscar
articulações
ou
rupturas
entre
o
seu
legado
intelectual
e
sua
atuação
política,
ou
seja,
a
relação
entre
teoria
e
prática
em
intelectuais
influenciados
pelo
marxismo
ou
vinculados
à
transformação
estrutural
da
sociedade
através
da
ação
política
das
classes
trabalhadoras.
Trata-se
se
analisar,
“como
se
deu
o
processo
complexo
e
dialético
de
imbricação
entre
teoria
e
prática
neste
autor
ao
longo
de
boa
parte
de
sua
trajetória”
(GONÇALVES,
2018,
p.
13).
A
sua
pesquisa
mostra
que
Cardoso
promoveu,
no
final
da
década
de
1970,
um
distanciamento
e
uma
desconfiança
com
relação
às
visões
da
esquerda
e
das
causas
populares.
Resistindo
à
ideia
de
ruptura
alimentada
pela
esquerda,
que
levaria
à
deterioração
democrática,
Cardoso
passou
a
defender
de
forma
consistente
a
institucionalidade
democrática
para
responder
à
complexidade
dos
desafios
políticos.
O
sociólogo
demonstrou
ceticismo
quanto
à
viabilidade
de
transformações
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
74
Fernando
Henrique
Cardoso
e
a
marginalização...
estruturais
no
Brasil,
o
que
pode
ser
explicado
pela
junção
entre
sua
origem
de
classe,
a
descrença
no
potencial
das
camadas
laboriosas,
suas
elaborações
teóricas
anteriores
e
o
contexto
histórico
do
Brasil
(GONÇALVES,
2018).
Considerando
as
relações
entre
teoria
e
prática
política,
defendemos
o
argumento
de
que,
embora
tenha
dado
continuidade
ao
combate
à
inflação
herdada
do
Nacional-Desenvolvimentismo
Autoritário
(1964-1985),
durante
seus
dois
mandatos,
FHC
aprofundou
as
reformas
pró-mercado
(abertura
comercial,
privatização,
desregulamentação
financeira,
liberalização
da
conta
de
capital,
enxugamento
da
máquina
estatal,
flexibilização
da
CLT/1943,
austeridade
fiscal).
É
importante
salientar
que
tais
reformas
foram
iniciadas
na
gestão
de
Fernando
Collor
de
Mello
(1990-1992),
de
forma
atabalhoada
e
sem
a
construção
de
uma
coalizão
no
Congresso.
Um
exemplo
crítico
foi
o
tratamento
de
choque
do
Plano
Collor,
que
confiscou
as
cadernetas
de
poupança,
realizou
o
congelamento
de
preços
e
salários,
a
desindexação
da
economia
e
reduziu
a
quantidade
de
dinheiro
em
circulação
para
desacelerar
a
inflação
(PINHO,
2019).
A
partir
da
exequibilidade
prática
de
sua
teoria
da
dependência,
particularmente
a
vertente
do
desenvolvimento
dependente-associado,
é
importante
analisar
empiricamente
o
experimento
do
governo
FHC
nos
anos
1990,
o
que
inviabilizou
um
projeto
nacional
de
emancipação
popular.
Seu
governo
tentou
demolir
o
legado
institucional
da
Era
Vargas
e
do
nacional-desenvolvimentismo
(1930-1980),
que
garantiu
taxas
de
crescimento
do
PIB,
da
renda
per
capita,
impulsionou
a
industrialização
e
a
modernização
do
aparato
produtivo.
O
fato
é
que
a
social-democracia
de
FHC,
ao
conceber
o
Estado
essencialmente
como
patrimonialista,
burocrático
e
intervencionista,
sucumbiu
diante
das
políticas
de
austeridade
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
M.
A.
F.
Ribeiro
e
C.
E.
S.
Pinho
75
fiscal
preconizadas
pelo
Consenso
de
Washington
e
pelos
interesses
imperialistas
dos
EUA.
Nos
termos
de
Bresser-Pereira
(2014,
p.
300),
delineou-se
um
pacto
liberal-dependente
no
qual
perdeu-se
a
ideia
de
nação
6
.
O
Brasil
retrocedeu
à
condição
semicolonial
anterior
à
revolução
modernizadora
de
Getúlio
Vargas
de
1930.
Reforçaram-se
os
laços
de
dependência
e
subalternidade
diante
do
cenário
internacional.
A
economia
sofreu
um
processo
de
reprimarização,
com
o
predomínio
de
commodities
(petróleo,
minério
de
ferro,
soja,
suco
de
laranja,
carne,
café)
na
pauta
exportadora.
A
indústria
–
cada
dia
mais
decadente
–
perdeu
vigor
e
dinamismo.
Notabilizando
a
ausência
de
uma
estratégia
nacional
de
desenvolvimento,
a
agenda
de
reformas
neoliberais
de
FHC
atendeu
aos
interesses
do
capitalismo
financeiro
global,
reforçou
a
especialização
regressiva
e
a
dependência
econômica
na
divisão
internacional
do
trabalho.
Sob
os
auspícios
da
austeridade
fiscal
(contração
do
gasto
público)
e
monetária
(juros
altos),
a
desindustrialização
do
parque
produtivo,
a
ausência
de
uma
política
ativa
de
mercado
de
trabalho
com
valorização
do
salário-mínimo,
foram
marcas
do
governo
FHC.
Ao
final
do
seu
mandato,
o
presidente
entregou
um
país
depauperado
e
dependente,
com
inflação
e
dívida
pública
elevadas,
endividamento
externo,
falta
de
reservas
cambiais,
subordinação
ao
FMI,
escassez
de
investimento
6
Nesse
sentido,
Bresser-Pereira
(2010,
p.43)
argumenta:
“No
entanto,
não
foi
a
interpretação
nacional
dependente,
mas
a
interpretação
da
dependência
associada
que
predominou
entre
os
intelectuais
latino-americanos
entre
as
décadas
de
1970
e
1990.
Nesse
período,
os
intelectuais
e
políticos
de
esquerda
latino-americanos
concentraram
sua
atenção
nos
problemas
da
democracia
e
da
justiça
social
–
problemas
que
eram
de
fato
prementes
–
mas,
em
uma
compensação
perversa,
convertidos
do
nacionalismo
para
o
cosmopolitismo,
perderam
seu
conceito
de
nação”.
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
76
Fernando
Henrique
Cardoso
e
a
marginalização...
público
em
infraestrutura,
aumento
da
extrema
pobreza
e
do
desemprego
(PINHO,
2019;
2020).
Considerações
finais
Como
sustentamos
neste
artigo,
as
interpretações
do
CEBRAP
e
de
Fernando
Henrique
Cardoso,
em
particular,
foram
decisivas
para
reproduzir
um
senso
comum
de
que
os
problemas
brasileiros
estavam
radicados
no
Estado
e
não
na
dominação
externa
do
imperialismo,
ou
interna,
exercida
pela
burguesia
e
suas
frações.
Conjuntamente,
as
teses
do
sociólogo
foram
decisivas
para
marginalizar
as
interpretações
crítica,
revolucionária
e
nacionalista
que,
cada
qual
a
seu
modo,
procuravam
interpretar
os
dilemas
brasileiros
a
partir
do
ponto
de
vista
da
massa
de
expropriados,
nas
cidades
e
no
campo,
que
possuíam
um
projeto
político
nacionalista
e
emancipatório.
Além
de
construir
uma
leitura
crítica
das
teses
de
Cardoso,
também
defendemos
a
necessidade
teórica
e
política
de
utilizar
as
interpretações
marginalizadas
pelo
sociólogo
por
dois
motivos:
o
primeiro
é
a
possibilidade
que
elas
fornecem
de
analisar
a
realidade
brasileira
a
partir
do
ponto
de
vista
da
massa
de
expropriados
do
acesso
à
riqueza,
à
cultura,
aos
direitos
sociais
constitucionalizados
e
ao
poder;
o
outro
motivo
é
a
dimensão
política
que
fornece
condições
para
a
construção
de
um
projeto
emancipatório,
nacional
e
popular.
Como
exemplo
das
duas
possibilidades
ofertadas
pelas
interpretações
críticas,
revolucionárias
e
nacionalistas,
citamos
elementos
da
obra
de
Florestan
Fernandes.
Para
Florestan
(1982,
2006),
a
burguesia
brasileira
está
fadada
à
contrarrevolução,
o
que
impedia
qualquer
possibilidade
de
ser
realizada
uma
revolução
dentro
do
capitalismo,
tendo
como
bandeira
o
nacionalismo
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
M.
A.
F.
Ribeiro
e
C.
E.
S.
Pinho
77
revolucionário,
e
no
sentido
da
instituição
de
um
Estado
democrático.
Esse
impedimento
ocorre
porque
a
classe
dominante
está
enredada
num
processo
alienante,
reproduzido
a
partir
de
um
particularismo
cego
que
impede
a
construção
de
uma
visão
ampla
e
crítica
sobre
a
situação
brasileira
e
seu
papel
histórico.
Por
conta
disso,
suas
ações
transformadoras
acabaram
ocorrendo
apenas
no
âmbito
econômico.
A
interpretação
do
sociólogo
paulista
tem
caráter
crítico
e
negador
do
sistema,
voltado
para
os
dominados,
focado
na
luta
de
classes
e
na
saída
revolucionária
para
redimir
as
mazelas
produzidas
pela
dupla
articulação
entre
dominação
autocrático-burguesa
e
imperialismo.
A
categoria
de
autocracia
mostra-se
central
para
interpretar
o
Brasil
contemporâneo,
uma
vez
que
o
sistema
político
se
configura,
a
cada
dia,
mais
fechado
em
um
modelo
oligárquico
para
impedir
que
possa
emergir
a
mudança
social
em
torno
de
novas
juventudes,
religiosidades,
transformações
nas
classes
trabalhadora
e
média
e
formas
inovadoras
de
organização
política
e
participação
(DOMINGUES,
2017,
pp.
8).
A
autocracia,
contudo,
deve
ser
teorizada
como
uma
categoria
de
alcance
global
e
não
apenas
como
característica
do
capitalismo
dependente,
pois
vivemos
em
um
sistema
pautado
pela
governamentalidade
autocrática
(SILVA,
2020).
Desse
modo,
com
base
no
conceito
de
autocracia,
procuramos
sustentar,
por
exemplo,
que
o
PT,
por
meio
de
seu
pragmatismo
desenfreado
(MIGUEL,
2019)
e
da
incorporação
da
lógica
neoliberal
em
suas
políticas
públicas
(DOMINGUES,
2017),
transformou-se
em
partido
da
ordem
,
pois
não
rompeu
com
o
domínio
autocrático-burguês
sobre
o
Estado,
o
que
terminou
sendo
crucial
para
sua
retirada
do
poder
por
meio
do
golpe
parlamentar
em
2016
(SANTOS,
2017).
No
entanto,
reconhecemos
a
extrema
dificuldade
de
um
partido
de
centro-esquerda,
dotado
de
um
programa
de
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
78
Fernando
Henrique
Cardoso
e
a
marginalização...
governo
nacional-popular-democrático,
de
efetuar
uma
ruptura
com
as
pressões
sistemáticas
impostas
pela
globalização
financeira
atrelada
à
autorregulação
dos
mercados
(POLANYI,
2000).
É
uma
lógica
econômica
parasitária
orientada
para
o
aumento
da
rentabilidade
dos
investidores/acionistas,
que
defende
cortes
profundos
em
políticas
públicas,
além
de
ser
cotidianamente
retroalimentada
pelos
economistas
ortodoxos
e
pela
mídia
oligopolista.
Sem
recorrer
ao
projeto
socialista,
pautado
na
coletivização
dos
meios
de
produção,
bem
como
rejeitando
a
articulação
dos
trabalhadores
enquanto
classe
(PRZEWORSKI,
1989,
2003),
o
governo
do
PT,
ainda
que
operando
nos
marcos
da
globalização
financeira,
que
impõe
profundos
obstáculos
estruturais
às
economias
políticas,
tentou
levar
a
efeito
um
projeto
nacional
de
desenvolvimento.
Forte
ênfase
foi
conferida
ao
fortalecimento
do
mercado
interno,
à
inserção
internacional
competitiva,
à
retomada
da
industrialização
e
à
promoção
de
políticas
públicas
de
combate
à
extrema
pobreza
e
à
histórica
desigualdade
estrutural
brasileira.
Após
a
saída
do
PT,
o
regime
autocrático-burguês
levou
a
cabo
uma
série
de
medidas
que
foram
decisivas
para
a
concentração
ainda
maior
da
riqueza,
da
cultura
e
do
poder
junto
às
classes
dominantes,
como
a
reforma
trabalhista
e
o
teto
de
gastos,
institucionalizados
durante
o
governo
do
conspirador
e
traidor
Michel
Temer
(MDB).
Sob
o
governo
Bolsonaro
(sem
partido),
os
ataques
às
conquistas
sociais
da
Constituição
Federal
de
1988,
às
instituições
democráticas
(Tribunal
Superior
Eleitoral,
Congresso,
Supremo
Tribunal
Federal),
à
imprensa
e
manifestações
em
defesa
da
intervenção
militar,
como
foi
o
caso
do
07
de
setembro
de
2021,
tornaram-se
ainda
mais
fortes,
enquanto
a
esquerda
mostra-se
fragmentada,
apática
e
sem
um
projeto
de
enfrentamento
ao
domínio
autocrático-burguês.
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
M.
A.
F.
Ribeiro
e
C.
E.
S.
Pinho
79
Trata-se
da
radicalização
do
modelo
da
autocracia
burguesa,
nos
termos
de
Florestan
Fernandes.
Os
exemplos
são
a
aprovação
da
reforma
da
previdência
e
as
constantes
tentativas
de
aprofundamento
da
reforma
trabalhista
de
2017
(precarização
das
relações
laborais,
trabalho
aos
domingos,
não
reconhecimento
de
vínculo
empregatício
entre
as
plataformas
digitais
e
os
entregadores).
As
propostas
de
privatização
de
empresas
públicas
estratégicas
como
Correios,
Petrobras
e
Eletrobras
aventadas
pelo
ministro
da
Economia
de
filiação
ultraliberal,
Paulo
Guedes,
desferem
um
golpe
letal
na
soberania
nacional.
Do
ponto
de
vista
normativo,
a
categoria
de
revolução
democrática
contém
elementos
decisivos
de
um
programa
político
para
a
esquerda
que
tenha
como
base
uma
efetiva
transformação
da
realidade,
esquecida
pelo
PT
quando
assumiu
a
Presidência
da
República
em
2003,
por
conta
da
necessidade
de
efetuar
alianças
com
setores
arcaicos
e
conservadores
para
a
governabilidade.
A
sociologia
crítica
e
pública
de
Florestan
e
a
tradição
crítica,
revolucionária
e
nacionalista
de
interpretação
do
Brasil,
possuem
um
programa
de
transformação
profunda
da
realidade
que
necessita
ser
reabilitado
pela
esquerda
a
fim
de
que
ela
possa
oferecer
alternativas
efetivas
para
combater
a
autocracia
burguesa,
a
dependência
econômica
de
commodities
e
a
lógica
perversa
do
capitalismo
financeiro
rentista,
de
curto
prazo
e
improdutivo
(DOWBOR,
2017).
O
recrudescimento
do
autoritarismo
no
plano
do
regime
político,
a
agenda
de
austeridade
e
a
dissolução
dos
fundamentos
da
Constituição
Federal
de
1988
evidenciam,
na
linguagem
de
Florestan
Fernandes,
o
caráter
autocrático
de
uma
burguesia
que
passa
a
exercer
formas
privatistas
e
exclusivistas
de
exercício
do
poder
político.
Para
esta
elite,
o
regime
político
democrático
é
mera
conveniência,
na
medida
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
80
Fernando
Henrique
Cardoso
e
a
marginalização...
em
que
pode
ser
vilipendiado
quando
os
seus
interesses
são
contrariados
por
pautas
redistributivas,
de
valorização
das
empresas
públicas
e
de
redução
da
influência
do
imperialismo
estadunidense
nos
rumos
da
economia
brasileira.
O
modelo
autocrático
idealizado
pelo
autor,
e
que
serve
de
importante
ferramental
teórico-conceitual
para
analisar
a
economia
política
do
Brasil
contemporâneo,
promove
a
dissociação
pragmática
entre
desenvolvimento
capitalista
e
democracia,
ao
mesmo
tempo
em
que
fomenta
uma
associação
racional
entre
desenvolvimento
capitalista
e
autocracia
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Relembrando
o
que
escrevi
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86
Fernando
Henrique
Cardoso
e
a
marginalização...
Resumo:
Neste
artigo,
apresentamos
as
teses
de
Fernando
Henrique
Cardoso
sobre
o
regime
civil-militar
e
as
críticas
às
interpretações
nacionalistas
e
revolucionárias,
que
tiveram
papel
decisivo
para
naturalizar
uma
concepção
que
demarca,
unicamente
no
Estado,
o
lócus
de
todos
os
nossos
dilemas
sociopolíticos.
A
sua
experiência
como
presidente
da
República
fornece
evidências
empíricas
acerca
da
conversão
do
seu
pensamento
político
e
de
sua
teoria
do
desenvolvimento
dependente-associado
em
prática
política
e
de
economia
política,
nos
anos
1990,
quando
executou
o
receituário
neoliberal
dito
pelo
Consenso
de
Washington
e
pelos
interesses
imperialistas
dos
EUA.
Assim,
defendemos
a
retomada
sistemática
das
leituras
sobre
o
projeto
emancipatório
nacional
e
popular
que
foram
marginalizadas
pelas
críticas
do
sociólogo.
Palavras-chave:
Fernando
Henrique
Cardoso;
interpretações
críticas,
revolução,
projeto
nacional
Abstract:
In
this
article,
we
present
Fernando
Henrique
Cardoso's
theses
the
civil-military
regime
and
the
criticisms
of
nationalist
and
revolutionary
interpretations,
which
played
a
decisive
role
in
naturalizing
a
conception
that
marks,
solely
in
the
State,
the
locus
of
all
our
sociopolitical
dilemmas.
His
experience
as
President
of
the
Republic
provides
empirical
evidence
about
the
conversion
of
his
political
thought
and
his
theory
of
dependent-associated
development
into
political
practice
and
political
economy,
in
the
1990s,
when
he
carried
out
the
neoliberal
prescription
stated
by
the
Washington
Consensus
and
for
US
imperialist
interests.
Thus,
we
defend
the
systematic
resumption
of
readings
on
the
national
and
popular
emancipatory
project
that
were
marginalized
by
the
sociologist's
criticisms.
Keywords:
Fernando
Henrique
Cardoso,
critical
interpretations,
revolution,
national
project.
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024
M.
A.
F.
Ribeiro
e
C.
E.
S.
Pinho
87
Recebido
para
publicação
em
07/03/2022
Aceito
em
11/05/2023
ACESSO
ABERTO
Copyright:
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obra
está
licenciada
com
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Licença
Creative
Commons
Atribuição
4.0
Internacional.
Revista
de
Ciências
Sociais
—
Fortaleza,
v.
55,
n.
1,
mar.
2024