Resenha de “The Role of External Support in Nonviolent Campaigns” CHENOWETH, E.; STEPHAN, M. J. The Role of External Support in Nonviolent Campaigns . Washington DC: ICNC Press, 2021. Thiago Perez Bernardes de Moraes Universidade https://orcid.org/ email As cientistas políticas Erica Chenoweth e Maria J. Stephan desenvolvem em " The Role of External Support in Nonviolent Campaigns " mais do que uma obra acadêmica, representando antes disso uma rota de navegação para: (a) ativistas; (b) partidos políticos; (c) sociedade civil; e (d) formuladores de políticas. As autoras apresentam uma análise profunda e meticulosa que transcende a simples observação, mergulhando em uma complexa teia de teorias e práticas. A obra ecoa não apenas nas academias, mas ressoa nos campos de batalha e nas trincheiras onde a resistência civil não violenta é exercida como forma de se alcançar objetivos dos mais diversos. Trata-se de um texto Revista de Ciências Sociais Fortaleza, v. 55, n. 1, mar. 2024 DOI: 10.36517/rcs.54.2.a05 ISSN: 2318-4620
Resenha de “The Role of External… singular, que é ao mesmo tempo elegante em sua execução e vigoroso em sua análise, transcendendo as limitações típicas das publicações acadêmicas para falar com um público mais amplo. O primeiro ponto a se destacar nesse texto são as influências que aqui se explicitam. Primeiro, destaca-se pensamento da cientista política Theda Skocpol (1979), que é sentido ao longo de toda obra, especialmente em sua análise sobre as transformações sociais. Nesse bojo, recupera-se especialmente o pensamento de Skocpol, em States and Social Revolutions ”, no qual se explora de forma pioneira como as revoluções sociais podem alterar radicalmente as estruturas políticas. Chenoweth e Stephan tomam essa ideia e aplicam-na na análise de movimentos não violentos, demonstrando como a transformação social pode ser alcançada sem recorrer à violência. Nessa sequência, a obra traz o brilho dos holofotes também para o pensamento do professor emérito de ciência política Sidney George Tarrow (1994) e sua análise sobre o poder em movimento e os ciclos de protestos no seminal Power in Movement ”. A aplicação da teoria de Tarrow 59 fica translucida na maneira como as autoras examinam a dinâmica de poder dentro dos movimentos de resistência, assim como entre estes e seus opositores. A complexidade 59 A teoria de Sidney Tarrow (1994) serve como aporte, sobretudo no que diz respeito ao reconhecimento da lógica dos "ciclos de protestos" e também pela noção de "oportunidades políticas". Nesse escopo, denota-se que os movimentos sociais ganham força, principalmente quando percebem oportunidades políticas nos eixos onde operam, incluindo-se, por exemplo, as divisões entre elites dominantes, ou mesmo, apoios em mudanças institucionais que favoreçam ações, ou a organização de maneira geral. Na obra de Chenoweth e Stephan (2021), o apoio externo é vislumbrado como um tipo de oportunidade com potencial de reforçar movimentos de resistência. Essa dinâmica pode afetar por sua vez os ciclos de protestos, bem como, as oposições aos movimentos e a capacidade de mobilização de recursos.
Thiago Moraes 242 da estrutura e operação desses movimentos, explorada por Tarrow, é habilmente tecida na narrativa, adicionando profundidade e nuance. Não menos importante é também aqui a influência de Gene Sharp (1993), professor emérito de ciência política da Universidade de Massachusetts Dartmouth, com seu trabalho " From Dictatorship to Democracy ", que tem sido nas últimas três décadas uma figura central na teoria da resistência não violenta. Suas ideias sobre o papel da estratégia e planejamento na resistência civil ressoam na obra de Chenoweth e Stephan. Através de exemplos práticos, como a Primavera Árabe (2010), as autoras mostram como as táticas delineadas por Sharp foram implementadas, adaptadas (e às vezes reformuladas). Por fim salienta-se a frutífera influência da erudição e humanismo de Hannah Arendt (1958). Seu tratamento sobre a condição humana e o poder coletivo inspira o modo como Chenoweth e Stephan abordam a interação entre, de um lado, movimentos não violentos e, de outro, apoio externo. A noção arendtiana de poder como algo que é criado na ação conjunta é visível na análise das autoras sobre como o apoio externo pode catalisar a resistência civil, transformando-a em um movimento mais potente e assertivo para seus fins. A pesquisa das autoras abrange 150 movimentos (entre 1960 e 2020) e detalha casos de estudo que são tanto vibrantes quanto instrutivos. Entre eles, a Revolução das Rosas na Geórgia (2003) destaca-se pelo uso habilidoso de mídia e mobilização em massa, permitindo a remoção pacífica de um governo autoritário. A descrição vivaz das táticas, desde a estratégia de ocupação de espaços públicos até a coordenação com organizações internacionais, torna a narrativa não apenas informativa, mas envolvente.
Resenha de “The Role of External… A análise da Primavera Árabe na Tunísia (2010-2011) é igualmente reveladora. Aqui, Chenoweth e Stephan não se limitam a uma mera descrição, as autoras desvendam como a colaboração estratégica com organizações internacionais e as apropriações de tecnologias de comunicação levaram à queda do regime mão de ferro de Ben Ali (que perdurou por mais de duas décadas). Essas táticas, influenciadas pelo suporte externo, ilustram uma complexidade que transcende as fronteiras nacionais. O livro também examina o Movimento dos Direitos Civis nos Estados Unidos, demonstrando como o suporte internacional não apenas moldou à narrativa, mas também proporcionou recursos vitais que permitiram que o movimento florescesse. Este estudo, em particular, é um testemunho da capacidade das autoras de ligar o local ao global, um tema que percorre a obra inteira. Uma das conclusões mais interessantes que daqui emerge fundamentada em dados empíricos é de que os movimentos que recebem apoio externo, em termos de recursos materiais, têm uma probabilidade 60% maior de atingir seus objetivos em comparação com aqueles sem tal suporte. Comparado com trabalhos anteriores de Chenoweth e Stephan, esta obra é um salto metodológico e conceitual. Enquanto " Why Civil Resistance Works " (2011), focou-se na eficácia da resistência não violenta, este livro abre um novo horizonte, explorando o papel multifacetado do apoio internacional, visto como uma peça-chave para o êxito das campanhas de resistência em suas diferentes etapas. Chenoweth e Stephan também não tem medo de examinar as falhas e armadilhas involucradas nesse bojo. Por exemplo, a análise do apoio externo à resistência no Zimbábue mostra como o suporte mal orientado pode ser mais prejudicial do
Thiago Moraes 244 que benéfico. É um alerta sobre os riscos e uma chamada para a responsabilidade na assistência internacional. Nessa conjuntura salienta-se que ao longo de conflitos históricos e contemporâneos, diversas formas de assistência externa têm sido oferecidas por atores (estatais e não estatais) em diferentes estágios do conflito. No período pré-conflito, essa assistência pode assumir a forma de financiamento, treinamento, ou provisionamento de inteligência para preparar e fortalecer grupos opostos ao poder vigente, muitas vezes com a esperança de evitar uma escalada violenta. Durante o conflito, os atores externos podem fornecem suporte militar direto, como: (a) armamentos; e (b) treinamento. Podem-se ofertar também de níveis indiretos, como: (a) sanções econômicas aos adversários; e ou (b) ajuda humanitária aos mais afetados. No período pós-conflito, a assistência tende a se focar nos esforços de reconstrução e de estabilização do país, incluindo-se aqui: (a) ajuda financeira para reconstrução; (b) treinamento de forças de segurança; e (c) apoio no delineamento de processos democráticos e de transição. Contudo, essa obra deixa um recado muito claro para quem quiser ouvir: o impacto desse auxílio varia amplamente. Ou seja, enquanto em alguns contextos a intervenção externa pode facilitar drasticamente uma resolução pacífica, em outros, pode inadvertidamente prolongar o conflito ou mesmo criar dependências que desafiam tanto a soberania local como a autodeterminação. Com base na pesquisa de Chenoweth e Stephan (2021), é possível destacar recomendações significativas. Primeiro, é fundamental que ativistas busquem o apoio externo, mas que se reconheça tal aporte como um tipo de auxílio secundário, garantindo desse modo que seus movimentos não se tenham excessiva dependência. Em outro espectro, é crucial que definam os ativistas,
Resenha de “The Role of External… estabeleça suas próprias agendas e que busquem treinamento oferecido por organizações reconhecidas, tendo em vista obter aprendizado com veteranos de movimentos anteriores. Como recomendação para atores governamentais, ressalta-se a urgência de se reconhecer movimentos como atores válidos e legítimos em pleno exercício de seus direitos. Desse modo, a fim de evitar escaladas de atrito, os atores governamentais devem dialogar com os movimentos, ouvindo suas vozes e reconhecendo suas demandas e formas de articulação. Outros atores não governamentais devem buscar manter uma mentalidade flexível e de apoio, priorizando o treinamento e a expansão das redes locais de ativismo. Os apoiadores de movimentos no trabalho de Chenoweth e Stephan (2021) abrangem uma variedade de entidades e atores, dentre eles: (a) Organizações Não Governamentais Internacionais - como Amnistia Internacional e Human Rights Watch , fornecem aporte formal a causas globais; (b) Redes de Solidariedade Transnacionais - engloba ativistas, muitas vezes advindos do Norte Global, apoiando causas, sobretudo no Sul Global; (c) Grupos de Diáspora - constituídos por indivíduos no exterior que defendem questões de seus países de origem; (d) Grupos Universitários - mobilizam-se em ambientes acadêmicos; (e) Organizações Governamentais Multilaterais como, por exemplo, a ONU, que têm papéis institucionais; (f) Corporações, como a Nike, exercem influência econômica substancial; (g) Governos Estrangeiros - incluindo suas respectivas agências, oferecem suporte político e diverso; (h) Organizações Sindicais Transnacionais - representam trabalhadores em escala global; (i) Grupos Rebeldes e Paramilitares - atores armados que podem fornecer apoia
Thiago Moraes 246 estratégico; e (j) Mídia - molda a narrativas públicas acerca dos ativistas e da resistência não violenta. As implicações desta obra são vastas. Dentro da academia, ela se tornou um texto referencial, tanto por sua metodologia rigorosa quanto por sua abordagem interdisciplinar. Fora da academia, ativistas, políticos e formuladores de políticas encontram nele uma fonte inestimável de compreensão e inspiração. Ainda terreno a ser explorado na pesquisa de protestos e resistência civil não violenta, e este livro lança as bases para esse futuro trabalho. Perguntas sobre a ética do apoio externo, as nuances culturais que podem afetar a eficácia da resistência e o papel das tecnologias emergentes são alguns dos caminhos que poderiam ser explorados. Em verdade, a obra não se trata somente de uma análise acadêmica, mas, para muito além disso, se constitui como um robusto e único guia prático para a resistência civil organizada (e bem sucedida). Mantendo cuidadoso equilíbrio entre prática e teoria, esse texto é indubitavelmente um recurso inestimável para acadêmicos, ativistas e políticos. Se de um lado a obra em questão faz o papel de uma contribuição sem precedente para o campo da resistência civil, de outro, ele também lança luzes sobre possíveis objetos de pesquisa futura. Nesse diapasão, as complexidades do apoio externo, a ética do envolvimento internacional, e a dinâmica cultural são temas que este trabalho começa a explorar e que merecem uma investigação mais aprofundada. Em última análise, o livro " The Role of External Support in Nonviolent Campaigns " é uma obra sem precedente e que se destaca por combinar com maestria o rigor da análise acadêmica com uma clareza translúcida a fim de se traçar linhas de diálogo com uma audiência ampla. Trata-se, desse modo, de uma contribuição essencial que fornece aporte
Resenha de “The Role of External… não para o campo dos estudos de resistência civil partindo do ferramental das ciências sociais, mas volta-se de maneira objetiva para qualquer sujeito entender de fato as forças e pressões que moldaram (e que ainda podem moldar) nosso mundo. Referências ARENDT, Hannah. The Human Condition. Chicago: University of Chicago Press, 1958. CHENOWETH, E.; STEPHAN, M. J. The Role of External Support in Nonviolent Campaigns. Washington DC: ICNC Press, 2021. CHENOWETH, E.; STEPHAN, M. J. Why Civil Resistance Works. New York: Columbia University Press, 2011. SHARP, Gene. From Dictatorship to Democracy. Boston: Albert Einstein Institution, 1993. SKOCPOL, Theda. States and Social Revolutions. Cambridge: Cambridge University Press, 1979. TARROW, Sidney. Power in Movement. Cambridge: Cambridge University Press, 1994.