Da episteme à áskesis: notas sobre aspectos éticos no método cartesiano / From Episteme to Áskesis: Remarks on Ethical Aspects in Cartesian Method
Resumo
A antiga ideia de êthos, no âmbito da filosofia grega, antes mesmo de ter se tornado (com Aristóteles) objeto de um interesse especulativo e teórico, jamais esteve desvinculada da de áskesis - no sentido de exercício, prática, treino, modo de vida (mais do que no de ascetismo, tal como esta palavra passou a soar para nós depois do cristianismo). É lugar comum se afirmar que essa vinculação mais originária se desvaneceu abruptamente a partir do “momento cartesiano”: que o racionalismo moderno e as ditas teorias do conhecimento que lhe sucederam submeteram todas as dimensões antigas do filosofar a exigências estritamente epistemológicas. Isso, de maneira a reduzir o domínio da ação racional (ou da razão prática) aos termos de teorias gerais de Filosofia Moral, Política ou do Direito (à questão de fundamentar e sistematizar a ação em termos universalistas). Na contramão desses dados, este artigo objetiva redescobrir alguns aspectos éticos no método cartesiano. No escritos de Descartes, é possível identificar elementos de filosofia prática em dois sentidos distintos, mais ou menos independentes entre si: por um lado, encontramos reflexões avulsas sobre moral e ética (as quais Descartes faz interagir com a sua cogitatio); por outro, é possível demonstrar como o próprio procedimento metódico ele mesmo não é outra coisa senão uma reorientação da ação que precede a aquisição do conhecimento e que é pré-condição para o aparecimento do verdadeiro. Isto, de maneira que a adoção de um método - de um caminho que vise a um fim (meta - hodos) - implicou para Descartes em uma conversão de si, na adoção de um modo de vida em constante exercício. Concluímos que a história da filosofia, tal como narrada hegemonicamente entre nós, acaba encobrindo esta espécie de áskesis que está implícita no método cartesiano. O que pretendemos neste artigo não foi senão apresentar algumas passagens da obra de Descartes que nos ajudam a enxergar de que maneira a atividade do pensamento (das Cogitationes) é, ao mesmo tempo, um incessante exercício de aprimoramento no modo de ser e de se conduzir no mundo imanente.
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Referências
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