Revista de Ciências Sociais — Fortaleza, v. 52, n. 1, mar./jun., 2021
DOI: 10.36517/rcs.2021.1.a02
ISSN: 2318-4620

 

 

(Des)continuidades na política de um currículo nacional:
a Sociologia nos arranjos da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do Brasil

 

Francisco Willams Ribeiro Lopes OrcID
Universidade Federal do Ceará, Brasil
lopes.willams@ufc.br

 

Introdução

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um documento do Ministério da Educação (MEC) do Brasil que faz parte de uma política curricular nacional, cujo objetivo é garantir o controle político do conhecimento escolar por meio da definição de direitos e objetivos de aprendizagem padronizados, sob a justificativa de garantir uma formação comum a todos os estudantes. O documento oficial da BNCC Ensino Médio (BRASIL, 2018) está normatizado de acordo com a Lei nº 13.415/2017, mais conhecida como a Lei da Reforma do Ensino Médio (BRASIL, 2017), que alterou as diretrizes e bases da educação com o intuito de promover uma reforma curricular nessa etapa da educação básica.

Não obstante a versão oficial da BNCC ter sido produzida e publicada a partir da Lei da Reforma do Ensino Médio, outras duas propostas foram elaboradas nos anos mais recentes à referida lei de 2017 e discutidas em todo o território nacional. Em uma perspectiva sociológica do currículo, documentos como essas três versões da BNCC incorporam não apenas os conteúdos a serem ensinados e aprendidos, mas também o conjunto de esforços pedagógicos que revelam valores a serem inculcados, transformações que desejam realizar e identidades que pretendem construir (SILVA, 2001).

Ademais, reformas educacionais e curriculares são marcadas por tensões e conflitos que refletem a visão de algum segmento acerca do que é considerado conhecimento legítimo, bem como as disputas entre aqueles que defendem a manutenção do status quo e os que lutam pela sua transformação. Nesse sentido, o currículo é o resultado de lutas em torno do tipo de educação que os grupos sociais desejam implementar na sociedade e apresenta as concepções dominantes de educação, sociedade, Estado e ensino vigentes (APPLE, 2006; ARROYO, 2013; BERNSTEIN, 1996; SILVA, 2007).

Em contextos de mudanças curriculares, Apple (1999) sugere fazer a pergunta: quais segmentos lideram os esforços reformistas? E, em seguida, outra de maior amplitude: tendo em vista a resposta anterior, quem ganhará e quem perderá em consequência dessas mudanças? Tais indagações voltadas ao contexto educacional brasileiro nortearam a escrita deste artigo.

No Brasil, durante o processo de construção da BNCC, a retomada de uma agenda liberal por grupos políticos em ascensão no ano de 2016, após o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores (PT), levou a versão oficial do currículo nacional a apresentar descontinuidades, quando comparada aos dois arranjos anteriores. Essas descontinuidades incidem diretamente sobre o ensino dos componentes disciplinares ao priorizar algumas áreas em detrimento de outras.

Apesar de as práticas de ensino e aprendizagem não serem um reflexo direto do texto oficial, como afirma Bernstein (1996), documentos como a BNCC são orientadores e norteiam a reorganização dos currículos estaduais, dos projetos políticos pedagógicos (PPP) escolares, a distribuição das disciplinas em cada ano da etapa do ensino médio, a carga horária e os processos de avaliação. Desta forma, os efeitos da BNCC no ensino médio podem ser sentidos principalmente nas áreas que passaram a ser consideradas não obrigatórias e não prioritárias, como a de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas e seus respectivos componentes disciplinares (Sociologia, Filosofia, História e Geografia).

Tomando por base o componente disciplinar Sociologia, é possível constatar descontinuidades no processo de construção do texto oficial da BNCC e a visão de determinados grupos políticos sobre os sentidos do ensino de Sociologia. Tal constatação foi realizada a partir de análise crítica, ora tomando como referência a forma, ora os conteúdos, das diretrizes apresentadas nas três versões curriculares da BNCC. Além disso, foi considerado o contexto político, econômico e educacional de produção das diretrizes e o espaço destinado à disciplina Sociologia, a partir das propostas e dos pareceres elaborados por especialistas da área.

Portanto, este artigo mostra, com um enfoque analítico e descritivo, como o componente disciplinar Sociologia é apresentado nos arranjos curriculares nacionais, divulgados no processo de elaboração da BNCC, e como a definição de diretrizes que priorizam e garantem a obrigatoriedade de apenas alguns componentes disciplinares pode resultar em desigualdades educacionais. Desse modo, o texto apresenta primeiro o contexto de produção da BNCC e as conexões com as dimensões social, política e econômica. Em seguida, mostra as mudanças implementadas pela Reforma do Ensino Médio e os efeitos sobre a disciplina Sociologia, a partir dos três arranjos curriculares elaborados.

A construção da BNCC e as alternâncias decorrentes das agendas de Governo

A Lei da Reforma do Ensino Médio acelerou a construção da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) intensificando tensões e conflitos sobre a forma de organização do currículo e gerando incertezas em relação ao ensino de Sociologia. O prenúncio desse cenário conflitivo em torno das políticas curriculares para o ensino médio se deu com a elaboração do Projeto de Lei (PL) 6.840/2013 (BRASIL, 2013), que defendia a instituição de uma jornada em tempo integral, uma formação mais técnica do que propedêutica, a organização dos componentes disciplinares em áreas de conhecimento e uma composição curricular formada por uma parte comum e outra diversificada.

As discussões relativas ao PL 6.840 foram marcadas, de um lado, pela contribuição e assessoria de segmentos sociais do setor privado, como o Instituto Alfa e Beto e o Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade, e, por outro lado, pela ausência de diálogos com entidades do campo educacional e setores da sociedade civil. Estes últimos se reuniram e criaram o Movimento Nacional em Defesa do Ensino Médio, formado por instituições como a Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação (ANPED), que interferiu no sentido da não aprovação do PL, resultando, consequentemente, no seu hiato (SILVA; BOUTIN, 2018).

A formação de um currículo nacional com um núcleo comum e uma parte diversificada não é uma proposição nova, pois já se apresentava na Lei nº 5.692 de 1971 (BRASIL, 1971), que dispunha sobre o ensino de 1º e 2º graus. É importante mencionar também que reformas do ensino e reformulações do currículo não são recentes na história da educação brasileira, pois, de acordo com Marcílio (2005), entre 1759, ano da expulsão dos Jesuítas, e 1996, ano da nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB), houve pelo menos 21 reformas no ensino médio, sendo muito mais numerosas as do ensino fundamental.

A proposição de conteúdos mínimos para a educação básica no Brasil apresenta-se em outros documentos e legislações oficiais, como a Constituição Federal de 1988, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de 1996, nas diretrizes curriculares nacionais produzidas nos anos 1990 e revisadas nos anos 2000 e, por último, no Plano Nacional de Educação PNE 2014-2024 (BRASIL, 2014a). Assim, a proposta de um currículo nacional prevista na Constituição apenas para o ensino fundamental foi, no decorrer das legislações e diretrizes citadas, ampliada para a etapa do ensino médio, tornando-se uma estratégia para alcançar as metas do PNE. A Lei nº 13.005/2014, que respalda o PNE, define o estabelecimento e a implantação de

diretrizes pedagógicas para a educação básica e a base nacional comum dos currículos, com direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento dos(as) alunos(as) para cada ano do Ensino Fundamental e Médio, respeitadas as diversidades regional, estadual e local (BRASIL, 2014b, s/p).

Tendo em vista o impulso dado pelo PNE e a Lei nº 13.005/2014 que o subsidiou, o Ministério da Educação iniciou a elaboração de documentos que apresentassem os direitos e objetivos de aprendizagem. Foram nomeados redatores no âmbito do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), bem como realizados seminários e reuniões que resultaram na construção do primeiro texto da BNCC.

O MEC apresentou a primeira versão e submeteu-a para consulta pública em setembro de 2015, no ano inicial do segundo mandato de Dilma Rousseff. A presidente, após reeleita, afirmou em seu discurso de posse que sua gestão seria baseada no lema Brasil, Pátria Educadora, pois visava priorizar a educação em seu governo e, ao mesmo tempo, dar continuidade aos programas e políticas implementados pelo seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Contudo, durante esse mandato enfrentou diversos problemas no comando do Ministério da Educação, além dos cortes orçamentários (WALDOW, 2014).

No período em que permaneceu no governo, ocorreram três trocas de ministros (Cid Gomes, Renato Janine Ribeiro e Aloizio Mercadante) e o Ministério do Planejamento, por meio de políticas de ajuste fiscal, anunciou um corte orçamentário bilionário na pasta da educação, em virtude da crise econômica que afetava o país desde 2010. Ademais, as relações fragilizadas entre Estado e sociedade, que se evidenciaram, principalmente, nas manifestações de 2013, a reeleição de Dilma, marcada por uma margem de votos reduzida e um congresso nacional hostil, formado por bases conservadoras, impediram a ampliação de uma agenda mais progressista (OLIVEIRA; SOUSA; PERUCCI, 2018).

Foi nesse contexto político-econômico que tanto o primeiro como o segundo texto da BNCC estavam sendo construídos e foram lançados para consulta pública. O primeiro na gestão do filósofo e professor da Universidade de São Paulo (USP), Renato Janine Ribeiro (06/04/2015 a 04/10/2015), que substituiu o ministro Cid Gomes quando este pediu demissão para não causar problemas com a base do governo, após ele mesmo ter feito uma declaração contrária aos deputados, chamando-os de oportunistas durante sessão na Câmara. O segundo texto foi disponibilizado para consulta pública no final da gestão de Aloizio Mercadante (05/10/2015 a 11/05/2016), nove dias antes do ministro ser exonerado do cargo devido ao afastamento da presidente, após a abertura do processo de impeachment.

O ex-ministro Renato Janine Ribeiro faz uma narrativa sobre o contexto da política educacional durante seu mandato no livro A pátria educadora entra em colapso (2018), no qual mostra o cenário preocupante de um governo sem apoio da base social e um Congresso Nacional que procura sabotar a presidente. Ribeiro (2018) mostra que o lema Brasil, pátria educadora era certo, mas foi tomado no momento errado, porque diante da crise econômica e dos cortes orçamentários não era possível expandir os investimentos na educação. Além disso, afirma que sua demissão não foi por problemas no Ministério, mas devido a um rearranjo político para tentar salvar o mandato que se aproximava da sua deposição.

Mesmo com um cenário político conturbado, as diretrizes das duas versões da BNCC foram discutidas no país por meio de consultas públicas e seminários estaduais. É possível notar, ao analisar esses dois documentos e os pareceres de especialistas, a continuidade de uma política curricular que, apesar da classificação em áreas de conhecimento, valoriza saberes disciplinares como a Sociologia e a Filosofia. Todavia, com o processo de impeachment de Dilma Rousseff e a chegada de Michel Temer (PMDB) à presidência, é notória uma nova direção na política curricular nacional marcada pela descontinuidade nos arranjos da BNCC que estavam sendo construídos, cujo impacto é sentido principalmente na etapa do ensino médio.

O “novo” rumo dado ao currículo nacional no governo de Temer teve início com a adoção da Medida Provisória (MP) 746/2016 (BRASIL, 2016a), que retoma os pressupostos apresentados no PL 6.840 de 2013, cujo objetivo era a reforma do ensino médio. Essa MP tramitou em caráter de urgência, demonstrando a tentativa do governo de silenciar o debate e impedir a mediação de órgãos intermediários do campo educacional, característica rotineira nas reformas educacionais de alguns países da América Latina (OLIVEIRA, 2005).

A MP dividia o currículo do ensino médio em dois momentos: o primeiro, com uma formação básica comum, e o segundo, com cinco itinerários formativos (Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza, Ciências Humanas e Formação Técnica e Profissional), dos quais cada estudante escolheria apenas um. Excluía do currículo escolar a obrigatoriedade do ensino de Sociologia e de Filosofia, conquistada pela Lei nº 11.684/2008 (BRASIL, 2008), e garantia apenas o ensino de Língua Portuguesa e Matemática nos três anos do ensino médio, bem como a obrigatoriedade de uma língua estrangeira, o Inglês.

De acordo com Silva (2018), o currículo proposto pela MP impossibilita o acesso a uma ampla gama de conhecimentos e, ao excluir Sociologia e Filosofia, compromete a formação dos estudantes em um contexto marcado “por atos em que toda crítica social é vista como ameaça a uma ordem assentada no arbítrio e no autoritarismo” (SILVA, 2018, p. 4).

Concomitantemente, a PEC do Teto dos Gastos (Projeto de Emenda Constitucional 241/2016) (BRASIL, 2016b) propunha um novo regime fiscal para o país, inviabilizando pelos próximos vinte anos o aumento de financiamento para áreas sociais como a educação básica. O novo fisco se estenderia pelo período de vigência dos dois PNE e interferiria nos investimentos necessários para o cumprimento das metas estabelecidas. A proposta é controversa e leva às indagações: tendo em vista que os recursos já são insuficientes, como garantir a execução do previsto no PNE? Quais condições são garantidas pelos governos para enfrentar as desigualdades educacionais?

Tais regulamentações e o cenário de incerteza geraram insatisfação e revolta nas comunidades escolar e acadêmica, levando a um movimento de ocupação de instituições educacionais em vários estados do país (FERREIRA; SANTANA, 2018). Um dos movimentos emblemáticos foi o Ocupa Paraná, que, em outubro de 2016, teve cerca de 850 escolas, 14 universidades e três núcleos de educação ocupados (MARCOCCIA; SOUZA; PEREIRA, 2019). Apesar das manifestações contrárias de setores do campo educacional e da sociedade civil, a MP 746/2016 foi aprovada na Câmara dos Deputados e no Senado, sendo sancionada como a Lei nº 13.415/2017. E, também, a PEC do Teto dos Gastos foi promulgada e acrescida ao ordenamento jurídico como Emenda Constitucional nº 95 (BRASIL, 2016c).

Com uma tentativa de legitimar as mudanças estruturais na política educacional, o governo passou a veicular, por meio de propagandas televisivas e nas redes sociais, que a Reforma do Ensino Médio era uma resposta aos problemas educacionais, como o alto índice de abandono escolar e o baixo desempenho dos alunos do ensino médio nas avaliações externas. Apresentando o contexto atual da educação de forma pessimista, as peças publicitárias do governo federal tentavam mostrar a viabilidade da proposta e garantir a adesão da população ao se referir ao ganho de autonomia do estudante com o seguinte enunciado: Agora é você quem decide seu futuro (KASPARI; FREITAS, 2017). Contudo, a viabilidade da reforma foi questionada por segmentos do campo educacional e o enunciado acima, sob uma máscara simpática de autonomia, esconde a reprodução das desigualdades sociais, já que a MP não obriga os sistemas de ensino a oferecerem todas as opções formativas.

Nesse contexto de tramitação da MP e sua transformação em lei, a terceira versão da BNCC começou a ser redigida em agosto de 2016, sendo entregue a parte do ensino médio ao Conselho Nacional de Educação (CNE) em abril de 2018, com aprovação e homologação no mesmo ano. Durante o período de elaboração desta versão, o ministro da pasta foi Mendonça Filho (12/05/2016 a 06/04/2018), designado para esse cargo por Michel Temer. Apesar da consulta pública realizada antes da homologação, o documento se apresenta como uma versão descontinuada, pois o arranjo curricular proposto difere das duas versões anteriores.

Tendo em vista estudos sobre as políticas educacionais no período de elaboração do currículo nacional (SILVA, 2018; CASAGRANDE; ALONSO; SILVA, 2019; OLIVEIRA; SOUSA; PERUCCI, 2018) e o cenário político descrito até aqui, é possível afirmar que a descontinuidade na construção do documento oficial da BNCC decorre da alternância do governo e a implementação de sua agenda liberal.

De acordo com Kuenzer (2000), a reforma curricular do governo Michel Temer tem similaridade ideológica com a do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1994-2002) ao retomar uma agenda liberal. Baseada no slogan O Ensino Médio agora é para a vida, a política curricular de FHC visava oferecer uma formação básica sucedida de ênfases, escolhidas pelos alunos, com o objetivo de desenvolver competências específicas.

A Reforma do Ensino Médio tem também uma simbiose com o mercado, como afirma Casagrande, Alonso e Silva (2019), ao lembrar do empréstimo aprovado junto ao BIRD (Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento) e da utilização desses recursos no Programa de Fomento às Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral (EMTI). Para os autores, esse tipo de investimento vinculado a empréstimos bancários compromete o combate às desigualdades educacionais, pois são recursos que vêm com um receituário de como devem ser realizadas suas possibilidades.

Apropriando-se da ideia de Lombardi e Saviani (2008), a descontinuidade nas políticas educacionais, em decorrência da prioridade dada à agenda de governo em vez da agenda de Estado, é um problema que impede a superação das desigualdades educacionais: “Com esse grau de descontinuidade não há como fazer frente às questões especificamente educacionais dado que, como se mostrou, trata-se de um tipo de atividade que requer continuidade.” (2008, p. 271 apud OLIVEIRA; SOUSA; PERUCCI, 2018).

A análise comparativa entre as duas primeiras versões e o documento oficial da BNCC mostra que a produção do currículo nacional no Brasil foi afetada pela agenda do governo e que as diretrizes se baseiam em perspectivas curriculares ora distintas, ora divergentes, como pode ser visto na descrição apresentada a seguir da BNCC e suas implicações sobre o ensino de Sociologia.

O Novo Ensino Médio, a BNCC e as implicações sobre o ensino de sociologia

A Lei da Reforma instituiu outra configuração para a última etapa da educação básica designada como Novo Ensino Médio, que busca sua legitimidade em diretrizes curriculares nacionais distintas das vigentes e dos arranjos que estavam sendo produzidos e cujas implicações são notórias no ensino de componentes disciplinares como a Sociologia.

O Novo Ensino Médio, além de slogan da reforma empreendida pelo governo Temer, pode designar a “nova” configuração para a última etapa da educação básica marcada por uma reorganização curricular, por outra forma de financiamento público e pela mudança no sentido e finalidade do ensino médio. Tendo em vista o escopo deste artigo, apresento, a seguir, as alterações curriculares preconizadas na legislação e presentes no texto oficial da BNCC. Mas, antes, é importante mencionar que a proposta do Novo Ensino Médio deve ser lida aqui entre aspas na medida em que retoma um empoeirado discurso, como disse Silva (2018), que embasou políticas curriculares de cunho liberal na década de 1990.

O Novo Ensino Médio é pautado pela ampliação da carga horária anual mínima de 2.400 horas no ensino médio para 3.000 horas, sendo que destas somente o limite de 1.800 deve compor a formação básica comum, enquanto o restante é destinado aos itinerários formativos.

A reforma delimita que o currículo seja formado por uma base comum e uma parte diversificada. A base comum apresenta os saberes divididos em áreas de conhecimento com nomenclatura acrescida do termo “e suas tecnologias”, retomando denominações presentes nas diretrizes da década de 1990 (SILVA, 2018, p. 4), são elas: Linguagens e suas tecnologias, Matemática e suas tecnologias, Ciências da Natureza e suas tecnologias e Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, as quais devem ser desenvolvidas por meio de competências e habilidades. Já a parte diversificada é constituída por itinerários formativos que devem ser construídos em diálogo com a base comum e com a realidade cotidiana de cada escola, a partir das quatro áreas de conhecimento e do eixo Formação Técnica e Profissional.

Porém, conforme a legislação vigente, a oferta dos itinerários formativos fica a critério dos sistemas de ensino e das instituições escolares, que não têm a obrigatoriedade de ofertar todos os eixos formativos. Diante do contexto de redução de investimentos, pode-se pressupor que os sistemas de ensino e estabelecimentos escolares não oferecerão todos os itinerários e, assim, haverá uma falsa possibilidade de escolha e protagonismo dos estudantes, bem como acentuará as desigualdades educacionais no país.

Além disso, a “autonomia” do estudante ao escolher um eixo formativo ou a possibilidade de os sistemas de ensino priorizarem um ou alguns eixos em detrimento de outros, enfraquece o sentido que estava sendo construído do ensino médio como educação básica, ou seja, etapa fundamental e obrigatória no processo de formação escolar indicada para a faixa etária de 15 a 17 anos, conforme a Emenda Constitucional nº 59 de 2009.

É possível que os sistemas de ensino sejam levados a priorizar a Formação Técnica Profissional, devido à ausência de professores para todos os itinerários formativos e à possibilidade, autorizada por lei, de contratação de profissionais com notório saber (FERREIRA; SANTANA, 2018). A contratação de profissionais reconhecidos pela proximidade com a área de atuação, pela titulação, experiência profissional e que demonstram deter os conhecimentos necessários, mas sem necessariamente ter uma formação pedagógica, contradiz o PNE, que apresenta a necessidade de se garantir que os docentes da educação básica tenham formação pedagógica por meio de curso de graduação na área.

No mesmo sentido de reconhecimento da notoriedade, a Lei da Reforma também autoriza a formalização de convênios com instituições de educação a distância (EaD), com o objetivo de ofertar cursos a serem integralizados na carga horária do estudante. As ofertas do itinerário formativo profissional e de curso por meio da EaD evidenciam a destinação do financiamento público para o setor privado, o comprometimento da qualidade da educação técnica profissional e a precarização do trabalho docente (SILVA, 2018).

A Reforma do Ensino Médio determina apenas a obrigatoriedade do ensino de Português e Matemática nos três anos dessa etapa. Com relação às outras áreas de conhecimento, como a de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, a lei continua, como a Medida Provisória que lhe antecedeu, não determinando a obrigatoriedade da Sociologia e da Filosofia, mas agora apenas aquilo que designaram como seus estudos e práticas, deixando incerto como os conteúdos serão ensinados.

Tendo em vista que a Sociologia como disciplina escolar apresenta uma insuficiência de profissionais especializados (BODART; SILVA, 2016) e as suas idas e vindas nos currículos da educação básica na história das reformas educacionais brasileiras, a Sociologia pode ter uma diminuição na carga horária ou, até mesmo, uma interrupção no ensino médio.

Nota-se que a implementação do Novo Ensino Médio afeta de forma diferente as áreas de conhecimento e seus respectivos componentes disciplinares, levando a uma reorganização dos currículos estaduais e dos projetos políticos pedagógicos das escolas que priorizam alguns saberes em detrimento de outros. A nova configuração hierarquiza os componentes disciplinares e reforça a fragmentação que visa interromper.

Assim, o ensino de Sociologia, que, desde a obrigatoriedade garantida por lei no ano de 2008, teve um aumento na oferta em diversas redes estaduais de ensino, ganhou espaços de discussão no âmbito acadêmico e ampliou e diversificou o número de pesquisas (GONÇALVES; LIMA FILHO, 2014), pode sofrer descontinuidades, haja vista que a Lei da Reforma do Ensino Médio não propicia condições para o aumento da sua oferta e se baseia em uma perspectiva de currículo diferente daquela que propiciou o progressivo retorno da Sociologia escolar.

O cenário de produção da BNCC evidencia a disputa entre, pelo menos, dois modelos de currículo que se sucederam e se mesclaram na história das reformas educacionais brasileiras (SILVA, 2007). O primeiro é um currículo científico cuja identidade pedagógica está baseada na valorização das disciplinas científicas, do professor especializado visto como intelectual e da escola como instância transmissora da cultura. Esse modelo propicia uma identidade disciplinar clara e leva o estudante a se apropriar dos fundamentos e instrumentais das ciências.

O segundo é o currículo regionalizado por competências, que agrupa os saberes em regiões de conhecimento visando sua aplicabilidade à realidade imediata. Esse modelo influencia a construção de currículos flexíveis que são elaborados a partir do cotidiano do estudante visando sua aplicabilidade no campo do trabalho no capitalismo contemporâneo.

Tais modelos de currículo nortearam a construção dos textos da BNCC, levando cada versão a atribuir sentidos, ora diferentes, ora divergentes, para o ensino de Sociologia, conforme pode ser observado na diferença entre as duas primeiras versões da BNCC e o texto do documento oficial.

A primeira versão da BNCC

A primeira versão da BNCC apresenta um currículo para o ensino médio com os saberes organizados em áreas de conhecimento (Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza e Ciências Humanas) justificando que essa divisão visa superar a fragmentação decorrente do número excessivo de disciplinas e, por sua vez, produzir uma integração e contextualização desses saberes. Contudo, apesar da divisão iniciar por área de conhecimento, o texto ressalta as especificidades das disciplinas que integram as diferentes áreas, mostrando que serão mantidas na configuração a ser implementada.

A busca pela integração entre os componentes de uma mesma área de conhecimento ou entre as diferentes áreas é sugerida via temas integradores, entendidos como “questões que atravessam as experiências dos sujeitos em seus contextos de vida e atuação”, são eles: Consumo e educação financeira; Ética, direitos humanos e cidadania; Sustentabilidade; Tecnologias digitais e Culturas africanas e indígenas (BRASIL, 2015, p. 16).

Para cada área, são apresentados objetivos gerais e também, para cada ano do ensino médio, são organizados eixos que reúnem os objetivos de aprendizagem apresentados a partir das respectivas disciplinas que compõem cada área de conhecimento. O documento revela que, ao definir eixos e objetivos de aprendizagem para cada ano, não pretende ser prescritivo, mas oferecer uma orientação mais precisa. Não obstante a possibilidade de o texto ser tomado como um preceito devido às suas divisões e subdivisões, a proposta enseja a garantia de que as quatro áreas de conhecimento e suas respectivas disciplinas sejam mantidas nos três anos do ensino médio. A valorização dos componentes disciplinares é percebida na ênfase dada a cada um, reforçando sua importância na formação escolar básica.

Tomando como objeto empírico a disciplina Sociologia, ela é apresentada como um saber com “abordagem qualificada da realidade social que enriquece a formação desenvolvida pelos demais componentes curriculares de Ciências Humanas no Ensino Fundamental e Médio” (BRASIL, 2015, p. 296). O quadro a seguir (QUADRO 1) mostra o lugar da Sociologia na composição curricular sugerida, ressaltando principalmente informações que foram mencionadas nos pareceres dos especialistas.

Quadro 1 – O componente curricular Sociologia na primeira versão da BNCC

ÁREA DE CIÊNCIAS HUMANAS
COMPONENTE CURRICULAR SOCIOLOGIA
ANO 1º ANO/EM 2º ANO/EM 3º ANO/EM
Eixo Iniciação à perspectiva sociológica – a relação entre o eu e o nós Processos de formação de identidades políticas e culturais Compreensão das formações políticas, da democracia e da cidadania e Compreensão sociológica do trabalho
Síntese dos objetivos de aprendizagem “[O]ferecer ao/à estudante uma iniciação à perspectiva sociológica, discutindo e problematizando a relação entre indivíduo e sociedade, entre biografia e história e entre a capacidade de agência do indivíduo e a estrutura social” (p. 298) “[O]ferecer ao/à estudante o acesso a conceitos que permitam compreender como a relação indivíduo/sociedade, trabalhada no ano anterior, se desdobra em processos de construção de sentimentos de pertencimento, de lutas e conflitos” (p. 298) “[C]ompartilhar diferentes tipos de conhecimento sobre formas de organização política, em especial a democracia [...]. Problematizar a relação entre trabalho e sociedade, de modo a situar os/as estudantes em discussões [sobre o] mercado de trabalho na cena contemporânea” (p. 298)
Conceitos sugeridos Fato social, estamento, classes sociais, ações e relações sociais, igualdade/desigualdade e diversidade Solidariedade, conflitos, exclusão, discriminação e estigma, ações coletivas, movimentos sociais, reconhecimento e consumo Poder, participação social e política, direitos e deveres, globalização e novas relações de trabalho
Orientação pedagógica Relacionar os processos sociológicos com a vida cotidiana dos(as) estudantes. Utilizar, de forma didática e lúdica, a prática da pesquisa de campo, da aplicação de questionários e da análise de dados. A partir do cotidiano dos(as) estudantes, discutir sobre identidades juvenis, movimentos sociais, os direitos de minorias, as formas de violências, o racismo e a homofobia. Discutir sobre os papéis do Estado, as diferentes formas de autoritarismo e democracia, a participação social e política e o exercício da cidadania. Com relação ao trabalho, discutir Projetos de Futuro a partir da compreensão que os jovens têm sobre o mundo do trabalho.
Fonte: Elaborado pelo autor a partir da primeira versão da BNCC (BRASIL, 2015).

O quadro mostra um currículo que organiza os conteúdos de forma sequencial, incorporando os três ramos das Ciências Sociais: no primeiro ano, reúne temáticas oriundas da Sociologia, como o processo fundacional da sociedade a partir da relação entre o individual e o coletivo; no segundo ano, as identidades culturais e os direitos das minorias abordados pela Antropologia; e, no terceiro ano, as formas de organização do poder explorados pela Ciência Política.

O documento sugere uma lista de conceitos das Ciências Sociais a serem abordados para alcançar os objetivos de aprendizagem. Com relação a isso, os pareceristas1 se posicionaram criticamente: a professora Helena Bomeny (UERJ) afirmou que os conceitos são uma abstração e muitos estudantes, quando estão em contato com eles, têm dificuldades de percebê-los como resultantes das relações sociais concretas.

De modo semelhante, o professor Carlos Benedito Martins (UnB) afirmou que a sugestão de conceitos pode levar o docente a reproduzir práticas pedagógicas dos cursos de graduação e querer que o estudante do ensino médio utilize a linguagem própria dos sociólogos, e isto não é o objetivo desta disciplina na educação básica. Por sua vez, o professor da UnB sugeriu a apresentação de temas, problemas e questões, devendo os conceitos serem abordados de forma implícita. Indica também a revisão dos objetivos de aprendizagem do terceiro ano, pois considera a discussão sobre o trabalho mais próxima do eixo com temáticas sociológicas.

Observa-se no documento uma orientação pedagógica mínima que, em geral, indica a realização de discussões que têm como ponto de partida o cotidiano dos estudantes. Nesse sentido, o professor Diogo Sousa (UFV/MG) recomenda o ensino, desde o primeiro ano, de conteúdos produzidos no âmbito da Sociologia brasileira, de forma a facilitar o processo de se aproximar da própria realidade, pensar a si mesmo e o outro.

Em geral, a Sociologia é considerada, nessa primeira etapa da BNCC, uma disciplina científica importante para a formação cognitiva dos estudantes durante toda a etapa do ensino médio. Atribui-se um sentido à disciplina de componente fundamental na educação básica dos jovens brasileiros, dando ênfase às teorias, conceitos e temas dos três ramos que compõem as Ciências Sociais.

A segunda versão da BNCC

A segunda versão da BNCC mantém a organização dos saberes em áreas de conhecimento, define objetivos gerais de aprendizagem e continua apresentando os componentes disciplinares como elementos importantes no processo de formação. De forma semelhante à versão anterior, estabelece temas especiais com o intuito de garantir a integração entre componentes disciplinares e áreas de conhecimento. Nesse documento, são eles: Economia, educação financeira e sustentabilidade; Culturas indígenas e africanas; Culturas digitais e computação; Direitos humanos e cidadania; e Educação ambiental. Nota-se, assim, a continuidade de assuntos presentes na versão anterior e a alteração da nomenclatura de outros, mas não são delimitados objetivos, nem orientações pedagógicas. Tais conteúdos resultam de ordenamento legal e são acrescentados aos currículos e projetos políticos pedagógicos para serem trabalhados no âmbito escolar.

Esse arranjo curricular apresenta a possibilidade de integração do ensino médio à Educação Profissionalizante e Tecnológica que, posteriormente, será regulamentada por lei. Aqui, observa-se que, pontualmente, o currículo retoma a finalidade dada ao ensino médio de fase preparatória para o mercado de trabalho, não priorizando a concepção de etapa estratégica do processo de modernização e democratização de uma nação, como definiu Nosella (2015).

Para cada componente disciplinar, são definidas Unidades Curriculares (UC) que reúnem objetivos de aprendizagem específicos. Contudo, essas unidades não são seriadas, podendo uma disciplina do ensino médio, como a Geografia, ter cinco unidades curriculares. Essa forma de organização em UC dá margem para que disciplinas como a Sociologia e a Filosofia, mesmo com três UC cada uma, sejam trabalhadas em apenas uma parte e não durante todo o ensino médio.

De acordo com o documento, as UC foram desenvolvidas para subsidiar o planejamento curricular das instituições escolares, tanto da base comum como também da parte diversificada, permitindo a combinação de UC e a formação de novos arranjos. Antes de apresentar as UC, o documento dedica uma seção para elencar as expectativas em relação ao ensino de cada disciplina. Com relação à Sociologia, o quadro a seguir (QUADRO 2) mostra aspectos da organização do currículo proposto nesse documento.

Quadro 2 – Composição do componente curricular Sociologia na segunda versão da BNCC

ÁREA DE CIÊNCIAS HUMANAS
A SOCIOLOGIA NO ENSINO MÉDIO
UNIDADES CURRICULARES UNIDADE CURRICULAR 1 UNIDADE CURRICULAR 2 UNIDADE CURRICULAR 3
Título Da sensibilização inicial à perspectiva sociológica à reflexão sobre a desigualdade social Da introdução à abordagem soci oantropológica à reflexão sobre a diversidade sociocultural Da formação do indivíduo e do cidadão moderno ao Estado Democrático de Direito no Brasil
Síntese dos objetivos de aprendizagem Introdução à abordagem sociológica. Reconhecimento dessa ciência como modo de praticar a de snaturalização e o estranhamento. Ênfase em vários marcadores sociais como o trabalho, a ocupação, dimensões é tnico-raciais, religiosa, regional etc. Discussão de conceitos e categorias como etnocentrismo, relativismo cultural e alteridade. Relacionar o tema da violência, direitos humanos e justiça ambiental ao reconhecimento das diferenças e à tolerância. Analisar movimentos sociais contemporâneos e a construção de sentimentos de pertencimento. Identificar processos de modernização e transformações econômicas nas relações de trabalho, no exercício de poder, nas tecnologias e nas relações sociais. Conhecer formas de organização dos Estados modernos, de participação política e de exercício da cidadania.
Objetivo de aprendizagem relacionado à pesquisa Pesquisar a realidade brasileira a partir da noção de desigualdade social. Pesquisar a realidade brasileira a partir da noção de diversidade sociocultural. Pesquisar as relações entre trabalho e cidadania. Pesquisar as c aracterísticas do Estado Democrático de Direito brasileiro.
Temas Especiais Culturas indígenas e africanas Direitos humanos e cidadania; Educação ambiental; Culturas indígenas e africanas

Economia, educação financeira e sus tentabilidade;

Culturais Digitais

Fonte: Elaborado pelo autor a partir da segunda versão da BNCC (BRASIL, 2016d).

No que se refere às Ciências Humanas e, especificamente, à Sociologia, a segunda versão da BNCC é ambígua, pois, quanto à forma de organização do currículo, apresenta algumas mudanças que produz descontinuidades; no entanto, quanto aos conteúdos da disciplina Sociologia, acaba dando continuidade, adotando sugestões dos pareceres de especialistas.

O texto sugere um currículo não seriado e possibilita uma apropriação modular, no sentido de que as disciplinas podem ser ministradas em apenas uma parte do ensino médio desde que cumpram os objetivos de aprendizagem propostos. Assim, não garante a presença da Sociologia e outras disciplinas nos três anos do ensino médio.

Por outro lado, o documento absorve as indicações dos pareceristas, mostrando a continuidade no seu processo de elaboração. Cada unidade curricular assume uma das identidades dos ramos das Ciências Sociais: a primeira, uma abordagem sociológica, incorporando discussões sobre o trabalho, como foi sugerido por Carlos Benedito Martins; a segunda, a Antropologia, com conteúdos relacionadas à identidade e à diversidade sociocultural; e a última, a Ciência Política, com temas relacionados às formas de organização econômica e do poder.

Nota-se uma dispersão da lista anterior de conceitos na apresentação dos objetivos de aprendizagem; a indicação de que a mobilização dos conteúdos seja de forma progressiva, do mais simples ao mais complexo, e a incorporação da pesquisa como ferramenta pedagógica de aproximação entre os estudantes e a realidade brasileira, como foi proposto pelo professor Diogo Sousa. O desenvolvimento de atitudes investigativas no contexto pedagógico, de acordo com Pimenta e Lima (2019), contribui para a superação da fragmentação entre teoria e prática, pois é uma atividade que envolve reflexão, problematização e intervenção.

Assim, a partir do componente Sociologia, observa-se até aqui a construção de um currículo que valoriza o saber científico, a identidade pedagógica de cada disciplina e busca evitar conhecimentos sem significados para os estudantes, como discussões distantes da realidade concreta das juventudes.

A versão oficial da BNCC

A versão oficial da BNCC apresenta a configuração do Novo Ensino Médio, isto é, uma etapa organizada em regiões de conhecimento que diz não excluir as especificidades e saberes disciplinares, mas no modo como sistematiza o currículo recria fragmentações e reforça centralidades ao priorizar alguns conhecimentos em detrimento de outros.

O texto apresenta a BNCC como resposta aos problemas do ensino médio, considerado um gargalo na garantia do direito à educação, e retoma argumentos levantados no período de tramitação da MP 746/2016, inclusive, aqueles difundidos nas propagandas televisivas do governo federal.

Uma das principais mudanças é a substituição dos objetivos de aprendizagem por competências e habilidades, de forma que a BNCC oficial apresenta dez competências gerais para todo o ensino médio e competências específicas para cada área de conhecimento, que devem ser desenvolvidas tanto na parte comum como na parte diversificada, designada agora de itinerários formativos.

No que se refere à área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, são delimitadas seis competências específicas e quatro categorias fundantes que, no mesmo sentido dos temas integradores e especiais, buscam relacionar as competências entre si (QUADRO 3).

Quadro 3 – Composição da área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas na terceira versão da BNCC

ÁREA DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS APLICADAS
Competências específicas 1. Analisar processos políticos, econômicos, sociais, ambientais e culturais nos âmbitos local, regional, nacional e mundial em diferentes tempos, a partir de procedimentos epistemológicos e científicos, de modo a compreender e posicionar-se criticamente com relação a esses processos e às possíveis relações entre eles.
2. Analisar a formação de territórios e fronteiras em diferentes tempos e espaços, mediante a compreensão dos processos sociais, políticos, econômicos e culturais geradores de conflito e negociação, desigualdade e igualdade, exclusão e inclusão e de situações que envolvam o exercício arbitrário do poder.
3. Contextualizar, analisar e avaliar criticamente as relações das sociedades com a natureza e seus impactos econômicos e socioambientais, com vistas à proposição de soluções que respeitem e promovam a consciência e a ética socioambiental e o consumo responsável em âmbito local, regional, nacional e global.
4. Analisar as relações de produção, capital e trabalho em diferentes territórios, contextos e culturas, discutindo o papel dessas relações na construção, consolidação e transformação das sociedades.
5. Reconhecer e combater as diversas formas de desigualdade e violência, adotando princípios éticos, democráticos, inclusivos e solidários, e respeitando os Direitos Humanos.
6. Participar, pessoal e coletivamente, do debate público de forma consciente e qualificada, respeitando diferentes posições, com vistas a possibilitar escolhas alinhadas ao exercício da cidadania e ao seu projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência crítica e responsabilidade.
Categorias fundantes Tempo e espaço
Território e fronteira
Indivíduo, sociedade, natureza, cultura e ética
Política e trabalho
Fonte: Elaborado pelo autor a partir da versão oficial da BNCC (BRASIL, 2018).

O documento reúne, em torno de cada competência, um conjunto de habilidades que procura desenvolver atitudes e valores no público estudantil. Diferente das duas versões anteriores, não são dedicados espaços para explicar a importância das disciplinas, essas são mencionadas pontualmente como saberes que podem ser mobilizados para o desenvolvimento das competências e habilidades.

A BNCC tem como conceito central a noção de competência, entendida como a capacidade de mobilizar conhecimentos cognitivos ou procedimentais por meio de habilidades que respondam às demandas do cotidiano. Essa centralidade dada às competências evidencia a perspectiva de um modelo de currículo presente no Brasil na década de 1970, quando da instituição do ensino de 1º e 2º graus, e que orientou, nos anos 1990, a elaboração de documentos como as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) e os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN).

Segundo Ileizi Silva (2007), o currículo organizado por competências é elaborado em torno da aplicabilidade imediata, de forma que empobrece os conteúdos e simplifica o conhecimento científico. A emergência desse modelo interrompe a elaboração de currículos científicos na medida em que consagra o individualismo pedagógico, desqualifica as disciplinas tradicionais e valoriza os procedimentos de motivação mais do que os de ensino.

As políticas curriculares baseadas na noção de competência são limitadas por seu caráter pragmático e a-histórico, pois elas reproduzem “em outras bases os limites postos pelo currículo disciplinar e sequencial, pois não realiza a inversão necessária, ou seja, não permite o aprendizado e o exercício da reflexão com a profundidade que a formação cultural exige”, como afirmou Mônica Silva (2018, p. 12).

Apesar das limitações desse modelo, as noções de competência e habilidade passam a compor o repertório da BNCC e a orientar a construção de currículos estaduais e de projetos políticos pedagógicos escolares. O parecer de Helena Bomeny (UERJ), ainda da primeira versão, destacava que se a construção do ensino baseada em conceitos já é desafiadora quanto mais as indicações de competências e habilidades, que são genéricas e apresentadas sem um indicativo de progressão.

Nesse modelo de currículo, a Sociologia se torna um saber a ser ou não mobilizado, um saber optativo, retraído, dependente dos docentes da instituição escolar. O professor Diogo Sousa já alertava, também em parecer da primeira versão da BNCC, sobre o cuidado que se deve ter na sugestão de articulação interdisciplinar, pois disciplinas como a Sociologia, com baixa inscrição institucional e com a maior parte de seus docentes de outras áreas, podem ser eliminadas do âmbito escolar mesmo sem ser esta a intenção da referida articulação.

A versão oficial da BNCC revigora as incertezas quanto à presença da Sociologia e de outros saberes no ensino médio e interrompe um período de dez anos de consolidação da disciplina na formação escolar. Agora, a BNCC deixa a cargo das unidades federativas definir o lugar da Sociologia no ensino médio brasileiro.

Considerações sobre os efeitos educacionais de um controle político do conhecimento escolar

Com relação à política curricular nacional, “[n]ão somos a única nação em que uma coalisão predominantemente de Direita veio a incluir tais propostas na pauta educacional” (APPLE, 1999, p. 62). Essas foram as palavras de Michel Apple ao se referir aos Estados Unidos e países como Inglaterra, Grã-Bretanha e Japão, quando instituíram uma política do conhecimento oficial. A constatação do referido autor não só serve para descrever o caso brasileiro, como também levanta uma série de implicações que precisam ser levadas em conta na implementação dessa política no Brasil.

O quadro descontínuo no processo de produção do documento oficial da BNCC, apresentado neste artigo, mostra que, por trás das regulamentações que definem saberes obrigatórios e prioritários, há uma investida ideológica dos segmentos políticos que defendem a implementação de uma agenda liberal. Tais regulamentações restringem o acesso a saberes considerados importantes para a formação humana e a consciência crítica, como a Sociologia e as demais ciências humanas e sociais, como também altera o sentido dado ao ato de educar no ensino médio para uma pedagogia de aplicabilidade imediata que prepara os estudantes para ocuparem postos no mercado de trabalho.

As proposições da BNCC produzem um currículo oficial sem refletir ou incorporar nas discussões a presença de outros currículos difundidos por meio da Política Nacional de Livro Didático (PNLD) no Brasil. No caso da Sociologia, desde 2012, quando passou a integrar o PNLD, os livros didáticos foram amplamente difundidos e passaram a circular entre professores e alunos. O trabalho de Sousa Neto, Almeida e Pessoa (2015) mostra que o livro didático extrapola sua condição de ferramenta didática e se torna uma referência para o currículo de Sociologia em escolas públicas no Estado do Ceará. Diante disso, não é apresentada uma orientação sobre como implementar um currículo nacional mediante a presença de outros tantos currículos, como os sugeridos pelos livros didáticos.

Entende-se, com base em Apple (1999), que a implementação de um currículo com objetivos de aprendizagem padronizados requer um amplo investimento e representa a tentativa dos governantes de elevar o nível educacional diante de cenários de perda da sua legitimidade. Nesse sentido, a BNCC se apresenta como uma proposição inviável diante dos cortes orçamentários do investimento público na educação e, também, uma proposta que dá margem para as forças de mercado operarem. A aceleração na construção da BNCC no Brasil mostra a busca do governo Temer de dar uma resposta à crise educacional que seus apoiadores contribuíram para intensificar ao sabotarem o programa de governo Brasil, pátria educadora.

Smith, O’Day e Cohen (1990 apud APPLE, 1999), ao se referirem às políticas curriculares norte-americanas, afirmam que a implementação de um currículo nacional requer o que eles não têm e, acrescento, nós também não possuímos: a articulação entre diversas instâncias.

A conversão para um currículo nacional só teria sucesso se o trabalho de mudança fosse concebido e empreendido como uma grandiosa aventura de aprendizado cooperativo. [...] [U]m currículo nacional, para ter validade e eficácia requereria também a criação de um tecido articulador social e intelectual inteiramente novo. Por exemplo, o conteúdo e a pedagogia da formação do professor teriam de ser intimamente vinculados ao conteúdo e à pedagogia do currículo das escolas. O conteúdo e a pedagogia dos exames teriam de ser intimamente vinculados aos conteúdos e às pedagogias tanto do currículo das escolas como da formação de professores. Esses vínculos atualmente não existem. (SMITH; O’DAY; COHEN, 1990 apud APPLE, 1999, p. 65-66, grifo nosso).

O fragmento citado sobre os fatores necessários para uma implementação de sucesso revela não só a ausência do tecido articulador na política educacional brasileira e no processo de definição no documento oficial da BNCC, como também mostra as mudanças que esse documento desencadeará na educação básica, como aquelas relacionadas à formação de professores e aos exames de avaliação nacional.

A definição de um currículo nacional interfere diretamente na política de formação docente, que, a partir de agora, precisa tomar a BNCC como referência e traçar diretrizes padronizadas para a formação inicial e continuada de professores. Ela interfere diretamente nos princípios pedagógicos e políticos da prática docente ao propor outro modelo curricular que passa a valorizar mais as demandas imediatas, as necessidades do mercado e a oferta de um leque de opções formativas atraentes para os estudantes.

A padronização de diretrizes visa também à implementação de sistemas de avaliação nacionais, que definem critérios objetivos para as avaliações institucionais com o intuito de nivelar o aproveitamento em cada área de conhecimento. Contudo, objetivar currículos e avaliações institucionais em países marcados por uma distribuição desigual de poder, como o Brasil, pode contribuir para aumentar o hiato entre os diferentes.

Segundo Apple (1999), um sistema de avaliação unificado e diretrizes curriculares padronizadas levam os pais e os consumidores da educação a avaliar e responsabilizar as escolas e os professores pelo sucesso ou fracasso escolar; se tornam instrumentos de controle que fornecem “selos de qualidade” via organizações internacionais; e rotulam os estudantes pobres de forma mais neutra, culpando os discentes, seus pais e as escolas que frequentam. Nesse sentido, Silva (2015) afirma que a proposta da BNCC

vai justamente em sentido oposto ao entendimento de que enfrentar as desigualdades passa por respeitar e atentar para a diferença e a diversidade de todos os tipos, desde a condição social até as diferenças étnico-raciais, de gênero, sexo etc. (SILVA, 2015, p. 375).

Os sistemas de avaliação nacional têm sua origem na emergência de um Estado avaliador, um modelo de gestão pública que segue as estratégias definidas por agências internacionais e adota medidas políticas e administrativas ajustadas às leis do mercado. Assim, as avaliações institucionais realizam testes padronizados e classificam os estudantes a partir de indicadores objetivos, elaborados no próprio país e em organizações internacionais, visando assegurar a eficiência e garantir o controle do que deve ser ensinado. No entanto, os indicadores são idealizados em países hegemônicos economicamente e os resultados obtidos têm se tornado uma forma do Estado minimizar sua participação na oferta dos serviços educacionais. Tais sistemas de avaliação estimulam a premiação e a meritocracia nas instituições educacionais, precarizando, ainda mais, o trabalho docente (DIAS SOBRINHO, 2004; SCHNEIDER; ROSTIROLA, 2015).

Considerando que a BNCC não será apropriada do mesmo modo no contexto nacional, é importante enfatizar que para um sistema de avaliação ser considerado democrático ele deve se subjetivar constantemente, ou seja, “reconhecer as próprias raízes na cultura, na história e nos interesses sociais que lhe deram origem. Consequentemente, ele não homogeneizará essa cultura, essa história e esses interesses sociais, tampouco homogeneizará os alunos” (APPLE, 1999, p. 76-77).

No entanto, diante da BNCC já instituída e do que se instituirá em relação às avaliações nacionais, o que ainda pode ser feito? Quais as possibilidades táticas de resistir política ou pedagogicamente e se opor ao que vem sendo implementado? Qual o lugar possível de saberes considerados não obrigatórios e não prioritários, como a Sociologia e as outras ciências humanas e sociais?

Considerando o argumento de Moraes, Guimarães e Tomazi (2006) de que a Sociologia só se consolidará no âmbito escolar no contexto de uma perspectiva curricular que valorize os campos disciplinares, é possível afirmar que o papel da Sociologia na formação de jovens e adolescentes, diante da implantação do currículo baseado em competências, dependerá da forma como as diretrizes estaduais vão se apropriar da BNCC e interpretar a prescrição de estudos e práticas de Sociologia, bem como do espaço dado a esse saber na mediação docente e nos Projetos Políticos Pedagógicos escolares.

Referências

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  1. Os pareceres de professores do ensino superior disponíveis no site da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) totalizam 24 contribuições para a área de Ciências Humanas: História (9), Geografia (8), Filosofia (4) e Sociologia (3). O componente curricular Sociologia recebeu pareceres de: Helena Bomeny, professora titular de Sociologia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ); Carlos Benedito Martins, professor titular do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB) e, neste período, presidente da Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS); e de Diogo Tourino de Sousa, professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Viçosa, em Minas Gerais.↩︎

Resumo:
O artigo analisa as políticas curriculares no Brasil no contexto de produção da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e suas implicações sobre os componentes disciplinares considerados não obrigatórios e não prioritários após a promulgação da Lei da Reforma do Ensino Médio de 2017. Tomando por base a disciplina Sociologia, foi possível constatar descontinuidades no processo de elaboração do documento oficial e alterações nos sentidos dados à etapa do ensino médio, em geral, e ao ensino de Sociologia, em particular, a partir da ascensão de segmentos políticos que defendem uma agenda liberal. A constatação se deu a partir da análise crítica, ora tomando como referência a forma, ora os conteúdos das diretrizes apresentadas nas três versões curriculares da BNCC, bem como dos pareceres de especialistas e das conexões mais amplas com as dimensões política, econômica e educacional do país.

Palavras-chave:
Currículo; Políticas Curriculares; BNCC; Sociologia; Ensino de Sociologia.

 

Abstract:
The article analyzes curricular policies in Brazil in the context of production of the National Common Curricular Base (BNCC), and its implications on school subjects considered non-mandatory and non-priority, after the New Upper Secondary Education Reform was sanctioned in 2017. Considering the subject of Sociology, the research found discontinuities throughout the process of preparing the official document, and changes in the purpose of Upper Secondary Education, in general, and in the teaching of Sociology, in particular, amidst the rise of political segments that defend a liberal agenda. The observation was conducted from the standpoint of critical analysis, taking as reference both the structure and content of the guidelines presented in the three versions of the BNCC, as well as expert opinions, and broader connections with the country’s political, economic and educational dimensions.

Keywords:
Curriculum; Curriculum Policies; BNCC; Sociology; Teaching of Sociology.

 

Recebido para publicação em 04/07/2020
Aceito em 11/08/2020