SIMETRIAS INESPERADAS: FORMAS DE NARRAR A EXPERIÊNCIA HISTÓRICA DO PÓS-ABOLIÇÃO EM MEMORIAL DE AIRES, DE MACHADO DE ASSIS

Abstract

Esta pesquisa compreende a análise de “Memorial de Aires” (1908), de Machado de Assis, e logra destacar, segundo o recorte temporal estabelecido na obra, que compreende os anos de 1888 e 1889, as estratégias empreendidas, vinte anos após a lei de 13 de maio, para narrar os episódios relativos à Abolição. São examinados, assim, os movimentos do editor ficcional na narrativa, partindo do princípio de que, uma vez que a edição se dá com um intervalo de duas décadas, há um anacronismo crítico na composição do diário publicado. Nesse sentido, sobretudo por meio de “simetrias inesperadas”, verifica-se que, para além do que quer contar Aires, é inferido um outro enredo, relativo à experiência histórica e costurado com ironia pelo editor. Acerca da narração concernente à viuvez e ao casamento de Fidélia, delineia-se, pois, um subenredo histórico que ensaia dar conta, a despeito da indiferença da superfície, quando não por seu sentido social, da conjuntura da escravidão, especialmente no que toca ao destino dos libertos e às promessas sabidas vazias da República. Para a análise, guiada por técnicas de close reading, são consideradas diferentes contribuições da fortuna crítica machadiana, com destaque aos apontamentos de John Gledson e Gabriela Kvacek Betella. Quanto à reflexão historiográfica, leva-se em conta obras de pensadores coetâneos de Machado de Assis, como Joaquim Nabuco. Ademais, as crônicas publicadas por Machado à época dos episódios narrados no romance – “A+B” (1886), “Gazeta de Holanda” (1886-1888) e “Bons Dias!” (1888-1889) – são mobilizadas na análise. A partir disso, considera-se que Machado de Assis desenvolveu, em seu romance tardio, uma memória da tragédia generalizada da escravidão, forjando, nos mais singulares aspectos da narração, o legado e os limites da eliminação desta. A execução da pesquisa é possível em vista do fomento do órgão financiador, a Universidade Federal do Ceará.