v. 1 n. 6 (2015): Travessias da Seca
Neste ano, completa-se o primeiro centenário da Seca de 1915, que, embora não tenha sido mais longa nem mais devastadora que a de 1877, ficou bastante conhecida através do romance de estreia da jovem Rachel de Queiroz. “É homem”, teria dito um incrédulo Graciliano Ramos, ao findar a leitura d’O Quinze. Anos mais tarde, o autor de Vidas Secas confessaria: “Durante muito tempo, ficou-me a ideia idiota de que ela era um homem, tão forte estava em mim o preconceito que excluía as mulheres da literatura”. A esta época, excetuando-se A Bagaceira, não havia literatura no nordeste. Graciliano só lançaria seu primeiro romance, Caetés, em 1933. O Quinze, lançado em 1930 e ambientado no sertão cearense, pintou de cinza e negro o que outrora fora verde. “Dignai-vos ouvir nossas súplicas, ó castíssimo esposo da Virgem Maria, e alcançai o que rogamos. Amém.” O lamento de Dona Inácia, na abertura do romance, era o mesmo que o sertanejo sedento e faminto dirigia a São José. A fé no Padroeiro consolava e enchia de esperança os aflitos corações. Os relatos d’O Quinze revelaram para o resto do País aquilo que somente os habitantes locais sabiam. “Conceição passava agora quase o dia inteiro no Campo de Concentração, ajudando a tratar, vendo morrer às centenas as criancinhas lazarentas e trôpegas que as retirantes atiravam no chão, entre montes de trapos, como um lixo humano que aos poucos se integrava de todo no imundo ambiente onde jazia”. A existência de Campos de Concentração no Ceará é a lembrança mais cruel da Seca de 1915. Criados para isolar e impedir o deslocamento dos campesinos para as cidades, principalmente, para Fortaleza, estes “alojamentos” serviram para aumentar assustadoramente o sofrimento destes. Descritos como local de apoio e alojamento, esses campos logo ficaram conhecidos como “os currais do Governo”. A população faminta ficava amontoada, sem higiene alguma, e morriam “às centenas” como seria, posteriormente, descrito n’O Quinze. Toda uma geração de escritores tratou do tema da seca e revelou aos olhos de muitos um mundo até então oculto. Neste número, a Revista Entrelaces apresenta o tema “Dossiê Travessias de Seca” em homenagem à escritora Rachel de Queiroz.
Equipe Editorial da Revista Entrelaces