Do feminicídio à escritura em Cristina Rivera Garza
Resumen
A representação do corpo feminino aparece nas literaturas, tradicionalmente, ancorada no eco da escrita de autores que, a partir de seus múltiplos privilégios, moldaram percepções. Contemporaneamente, porém, escritoras do Sul Global, sobretudo, (re)tomaram para si o direito à autorrepresentação, em franco processo de denúncia às colonialidades, tanto de poder quanto de gênero. Nesse contexto, o conceito de corpo-território nos ajuda a entender autoras, como Cristina Rivera Garza, que problematizam a violência implicada nos corpos de cada como uma operação sobre os corpos coletivos por meio de inscrições traumáticas, constituindo encruzilhadas simbólicas em que o corpo suplicado de mulheres passa a constituir-se como uma imagem-conceito. É o que, em nossa análise, queremos debater a partir da obra “O Invencível verão de Liliana” (2022) em que Garza, pela necroescritura e pela poética da desapropriação, seus conceitos operadores, lança uma possibilidade de contorno às fraturas, objetivas e subjetivas, experienciadas a partir do feminicídio dirigido a sua irmã caçula há mais de 30 anos no México. A escrita dessa autora, acreditamos, pode apontar para reorganização de espaços políticos pela via da literatura à medida em que evidencia os abusos e as violências de gênero impostas sobre os femininos corpos-territórios, reelaborando experiências pela via dos afetos, lutas e resistências.